Modelagem Matemática Aplicada ao Ensino de Cálculo 1 Milton Kist 2, Ireno Antonio Berticelli 3 RESUMO: O presente trabalho visa contribuir para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem de Matemática. Dentre as estratégias de ensino e aprendizagem da matemática, nos últimos anos, a modelagem matemática vem conseguindo destaque, tanto por melhorar o lado motivacional dos estudantes, tanto pela melhoria da aprendizagem, pois, ela visa trabalhar a matemática a partir de problemas que fazem parte do cotidiano dos estudantes. Neste trabalho analisamos atividades de modelagem matemática desenvolvidas numa turma de Cálculo da UNOCHAPECÓ. No desenvolvimento das atividades, a grande maioria dos estudantes mostrou-se bastante empenhada, pois percebiam a aplicabilidade dos conteúdos de cálculo. As atividades desenvolvidas ao longo do semestre foram divididas em duas etapas. Na primeira etapa, o professor conduziu as atividades de modelagem. Na segunda etapa os estudantes, divididos em pequenos em grupos, desenvolveram uma atividade de modelagem, nesta etapa o professor atuou como orientador das atividades, sendo os grupos de estudantes os agentes principais do desenvolvimento das atividades. Neste trabalho foi eplorado o projeto de modelagem desenvolvido por um dos grupos. O problema proposto, por este grupo, visava descrever o desperdício de material de uma fábrica de pré-moldados, bem como a projeção, a longo prazo, do desperdício de material. PALAVRAS-CHAVE: modelagem matemática, ensino e aprendizagem, ensino de cálculo INTRODUÇÃO: Na busca crescente por novos e eficientes métodos de ensino e aprendizagem da matemática surge a modelagem matemática. A modelagem matemática como estratégia de ensino e aprendizagem passou a difundir no Brasil no final da década de 80. Na educação matemática a modelagem tem como objetivo central fazer com que o estudante perceba a necessidade de estudar, bem como consiga compreender melhor a aplicabilidade dos conceitos matemáticos. Avaliações feitas por órgãos internacionais, que avaliam a qualidade da educação básica, têm mostrado que o Brasil possui um dos piores índices, em nível mundial, sendo os resultados em algumas áreas quase catastróficos. Os refleos de tal fracasso na educação básica aparecem também no ensino superior. Na área da matemática, como em praticamente todas as outras áreas do conhecimento, o problema é bastante acentuado. Os estudantes que acessam o ensino superior apresentam conhecimento frágil em conceitos muito básicos e, além disso, em muitos casos possuem hábitos de estudo inadequados. Dessa forma surgem desafios, como trabalhar com esses estudantes e conscientizá-los da importância em estudar. Nas disciplinas de Cálculo, em nível nacional, os índices de reprovação são muito elevados. Em alguns casos ultrapassando os 50% dos estudantes matriculados. Os motivos que colaboram para tais índices são vários. Dentre eles, podemos destacar a falta de pré-requisitos necessários para acompanhar os conteúdos da disciplina e a pouca de motivação para o estudo. O ato de apreender não é um ato unilateral. No entanto ele ocorre muito mais por uma atitude do estudante do que do professor. Acredita-se que no processo de ensino e aprendizagem cabe ao professor a tarefa não só de ensinar, mas também de propor atividades que possam despertar a autonomia e o lado motivacional dos estudantes. Para melhorar a aprendizagem da matemática, atualmente eistem vários defensores do uso da modelagem 1 Artigo etraído da monografia desenvolvida no curso de especialização Docência no Ensino Superior 2 Professor mestre da UNOCHAPECÓ, autor da monografia, kist@unochapeco.edu.br 3 Professor doutor da UNOCHAPECÓ, orientador da monografia, ibertice@unochapeco.edu.br
no ensino. Acredita-se que a modelagem pode ser uma ferramenta eficaz na motivação do estudante, uma vez que na modelagem o estudante é partícipe na construção das situações problema e conceitos matemáticos. Bassanezi (2002, p. 37) faz a seguinte afirmação, com relação a modelagem aplicada ao ensino, [...] garante que os processos aplicativos facilitam ao estudante compreender melhor os argumentos matemáticos, guardar os conceitos e os resultados, e valorizar a própria matemática. Desta forma julga-se importante emprego da modelagem como estratégia de ensino. METODOLOGIA: A pesquisa tem caráter teórico eperimental. A parte teórica foi realizada através de bibliografias e periódicos que abordam o tema: modelagem matemática aplicada ao processo de ensino e aprendizagem. Já as atividades eperimentais (uso da modelagem em sala de aula), foram desenvolvidas numa turma de Cálculo I, do primeiro período do curso de Curso de Engenharia Civil da UNOCHAPECÓ, com 62 estudantes (na sua grande maioria calouros), no semestre de 2007/1. No uso da modelagem matemática, como estratégia de ensino e aprendizagem, é recomendado que ela ocorra de forma gradativa, divididas em momentos. Sendo assim as atividades foram divididas em dois momentos. Num primeiro momento o professor apresentou uma situação problema. No entanto, os estudantes participaram da definição das hipóteses e resolveram o problema com o auilio do professor. Esta atividade foi muito importante, pois, segundo os próprios estudantes, nenhum deles teve contato com essa metodologia de trabalho na formação precedente. Num segundo momento, já familiarizados com o termo modelagem, divididos em pequenos grupos (4 a 6 estudantes por grupo), os estudantes definiram que um tema comum a ser pesquisado. O tema escolhido foi Resíduos produzidos pela construção civil. A partir deste tema, cada grupo definiu seu problema e começou o desenvolvimento da atividade de modelagem. Nesta atividade o professor atuou como um orientador. Paralelamente às atividades de modelagem, ocorreram normalmente as atividades (desenvolvimento dos conteúdos) da disciplina. A modelagem ocorreu como uma atividade complementar. O atendimento aos grupos de estudantes ocorreu por três vezes em sala de aula, e o professor deiou alguns horários etra-classe onde os estudantes poderiam procurar auílio (orientação). RESULTADOS E DISCUSSÃO: O problema proposto pelo professor, no primeiro momento, foi o seguinte: Quais devem ser as dimensões mínimas da janela de um cômodo de uma casa construída no perímetro urbano de Chapecó? A idéia central desse problema aberto, era discutir os elementos centrais numa atividade de modelagem, tais como delimitação do problema, levantamento de hipóteses entre outros. As discussões, decorrentes desse problema foram muita ricas. Tendo alcançado seu propósito o de familiarizar os estudantes com o processo de modelagem. Das atividades desenvolvidas pelos grupos de estudantes, no segundo momento, selecionamos o projeto desenvolvido por um dos grupos. Optou-se por este trabalho, pois, o grupo de estudantes abordou um problema real de numa empresa de pré-moldados situada na região Oeste de Santa Catarina. Tal problema justifica o uso da modelagem, fato que fica evidenciado em Bassanezi (1982, p. 5) [...] modelagem é o estudo de situações ou problemas reais usando a matemática como linguagem para a compreensão, simplificação e resolução para uma possível previsão ou modificação do objeto estudado como um processo que possibilita a aprendizagem de conteúdos matemáticos [...]. Descrição das atividades feitas pelo grupo de estudantes: Delimitação do tema: Estudar o desperdício de materiais de determinada empresa na produção de pré-moldados. Problema: Através de uma função aproimar em qualquer instante de tempo a taa de desperdício de materiais e fazer a tendência do desperdício a longo prazo. Na tabela abaio aparecem os dados relativos à taa de desperdício de materiais e em cada ano, dados fornecidos pela empresa de pré-moldados. Tabela 1: Informações fornecidas pala empresa
Ano Desperdício (%) 2000 10,87 2001 9,4 2002 8,87 2003 9,97 2004 8,62 2005 8,70 Apenas por questões de modelagem, optou-se na representação gráfica em fazer a seguinte correspondência na grandeza ano: 2000 (1), 2001 (2), 2002 (3), 2003 (4), 2004 (5) e 2005 (6). Os estudantes foram informados que em 2003 a empresa mudou de endereço e, com a mudança (recolha e transporte do material) ocorreu uma perda de material. Desta forma, optou-se por deiar esse dado fora da modelagem, uma vez que ocorreu uma situação atípica. Os estudantes modelaram o fenômeno através de funções, essa atividade foi feita utilizando duas funções: a Primeira função: Usaram uma função da forma f ( ) =, onde os parâmetros a e r r precisavam ser determinados, para tal determinação foram usados os dados f(2)=9,4 e f(5)=8,62, obtendo assim o modelo f ( ) =. a Segunda função: Usaram uma função da forma g ( ) = b +, onde os parâmetros a e b precisavam ser determinados, para tal determinação foram usados os mesmos dados da primeira função, isto é, g(2)=9,4 e g(5)=8,62, obtendo assim o modelo g( ) = 8,1 +. Como os estudantes queriam modelar a situação através de uma função, e foi solicitado que não deveriam usar ferramentas computacionais, pois, o objetivo era identificar entre as classes de funções estudadas, na disciplina de cálculo, qual classe melhor descreve o fenômeno em questão. Para tanto, como os estudantes não haviam estudado outros métodos de aproimação (como, por eemplo, mínimos quadrados para determinar a função usando todas as informações), e eles precisavam determinar os dois parâmetros. Os estudantes tomaram dois pontos pelos quais os gráficos de f e g deveriam interpolar. Observando-se as representações gráficas das duas funções num mesmo sistema ortogonal cartesiano temos: onde a representação gráfica de f é dada na cor azul e g é dada na cor vermelha: Figura 1: Taa de desperdício (repr. gráfica de f ( ) = e g( ) = 8,1 + ) No relatório feito pelos estudantes, eles perceberam que dentro do intervalo [1,6] as duas funções ficam bem próimas. Portanto, as duas descrevem o fenômeno de forma satisfatória
neste intervalo de tempo. Na sequência os estudantes analisaram o comportamento das duas funções a longo prazo. Essa análise ocorreu através do emprego do conceito de limites. Para tanto determinaram os seguintes limites: lim f ( ) = lim = 0, e + + 0, 1 lim g( ) = lim (8,1 + ) = 8,1 + + Nesse momento os estudantes perceberam que se for considerado o desperdício produzido a longo prazo, levando-se em consideração a tendência dos dados fornecidos pela empresa (tabela 1), o segundo modelo descreve melhor o fenômeno estudado. Isso porque no primeiro modelo f ( ) =, se analisado o desperdício a longo prazo, ele tende a zero, ou seja, seguindo essa tendência de desperdício de material daqui a alguns anos a empresa não teria mais perdas, mesmo sem modificar o processo de fabricação. Algo que é improvável. Observando o segundo modelo matemático g( ) = 8,1 +, que descreve a produção de resíduos da empresa de pré-moldados, o grupo constatou através da passagem ao limite: lim g( ) = lim (8,1 + ) = 8,1 + + que seguindo esse processo de fabricação a empresa irá chegar numa taa mínima de 8,1% de desperdício de material. Desta forma o grupo destacou que se a empresa tiver metas para reduzir as taas de desperdício de material para taas menores do que 8,1%, ela terá que melhorar o processo de fabricação. Este fato evidencia a relação que os estudantes conseguiram estabelecer entre a matemática e a área da engenharia civil, o que justifica o desenvolvimento de atividades de modelagem. Durante toda atividade de modelagem desenvolvida pelos estudantes, o professor atuou apenas como orientador, fato que vai de encontro ao que coloca Barbosa (1999, p.71) A modelagem redefine o papel do professor no momento em que ele perde o caráter de detentor e transmissor do saber para ser entendido como aquele que está na condução das atividades, numa posição de partícipe. Essa colocação ilustra também que a modelagem matemática como estratégia de ensino e aprendizagem também é desafiadora para professor, pois ele passa a atuar como (facilitador), e não mais como um profissional que repassa conteúdo. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS: No presente trabalho analisou-se uma atividade de modelagem matemática como estratégia de ensino e aprendizagem. Segundo depoimentos de estudantes, a quase totalidade deles argumentou que enfrentou dificuldades. As principais dificuldades relatadas foram: a falta de familiaridade com essa metodologia de trabalho; encontrar dados suficientes para desenvolver a atividade; determinar um modelo matemático a partir das informações obtidas. No quesito falta de familiaridade, observou-se que na educação básica eles não tiveram contato com tal metodologia de trabalho. No item dificuldade em encontrar dados para a modelagem, é importante que o professor e os estudantes verifiquem essa questão antes de definir o tema a ser abordado. Entretanto, esse fato não comprometeu a atividade. Muito pelo contrário, evidenciou um problema eistente na área da engenharia civil: a falta de controle sobre os resíduos produzidos. Por outro lado, a quase totalidade dos estudantes achou a atividade muito importante, embora tenha eigido muito trabalho e empenho por parte deles. Os estudantes enfatizaram que perceberam o uso da matemática na resolução de problemas aplicados a área de formação, fato que acharam de suma importância. Pela análise feita no trabalho fica evidenciado que os estudantes conseguiram estabelecer o emprego dos conceitos de Cálculo I na resolução dos problemas de modelagem, problemas estes da área
da engenharia civil, fato que mostra o caráter interdisciplinar que a modelagem matemática proporciona. Sugere-se que sejam desenvolvidas atividades de modelagem em semestres subseqüentes numa mesma turma como, por eemplo, em disciplinas de Cálculo I, Cálculo II e Cálculo III, para avaliar a evolução que ocorre no desenvolvimento de atividades de modelagem desenvolvidas pelos estudantes. Pelo fato da modelagem ter um caráter interdisciplinar, e de ser uma metodologia de trabalho onde o estudante é o protagonista, sugere-se uma pesquisa do porque os professores da educação básica não adotarem tal metodologia. O não uso (ou pouco uso) ficou evidenciado no depoimento dos estudantes. REFERÊNCIAS: ALMEIDA, L. M. W.; DIAS, M. R. Um estudo sobre o uso da modelagem matemática como estratégia de ensino e aprendizagem. Bolema, ano 17, n. 22, p.19 35, 2004. BARBOSA, J. C. O que pensam os professores sobre modelagem matemática? Zetetike, Campinas, v. 7, n. 11, p. 67-85, 1999. BASSANEZI, R. C. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática. São Paulo: Conteto, 2002. BIEMBENGUT, M. S.; HEIN, N. Modelagem Matemática no Ensino. São Paulo: Conteto, 2000. FERRUZZI, E. C. A Modelagem matemática como estratégia de ensino e aprendizagem do cálculo diferencial e integral nos cursos superiores de tecnologia. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção e Sistemas), Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Forianópolis, 2003.