Leitores arteiros e seus respeitáveis fantoches



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Transcrição:

Leitores arteiros e seus respeitáveis fantoches Anderson Gomes Universidade Positivo Manter conversas on-line em ambientes virtuais ou ler um livro? Jogar vídeo-game ou debruçar-se sobre a literatura? Parece fácil adivinhar o que um jovem do Ensino Fundamental/Médio escolheria, se a ele fossem feitas essas perguntas. Resguardados os comportamentos que se distinguem neste conflito de gerações, professores têm a difícil tarefa de tentar convencer esse jovem de que a escola pode ser um ambiente convidativo. Falamos de um jovem que gosta de ouvir música, ver TV, conversar por mensagens de texto no celular, conversar com seus amigos pelo msn, entrar em salas de bate-papo virtual, fazer lanches em frente ao computador e, quem sabe, tocar guitarra. Tudo ao mesmo tempo, é claro. E se alguém a ele indagar você não vai estudar?, a resposta poderá ser mas eu estou estudando! O debate sobre leitura transforma-se, necessariamente, num debate sobre infinitos desafios. Dentre esses, despontam os métodos eficazes de ensino da leitura, que disputam espaço com formas de comunicação mais interativas, mais atraentes ou menos solitárias aos olhos de qualquer candidato a leitor. O que leva o jovem leitor a ler não é o reconhecimento da importância da leitura, e sim várias motivações e interesses que correspondem à sua personalidade... (BAMBERGER, 1988, p.31). Assim, estimular o hábito da leitura não significa tentar persuadir o leitor com teorias ou com uma lista infinita sobre os benefícios que este hábito pode proporcionar. É preciso oportunizar práticas leitoras que visem a amenizar, pelo menos em parte, esse contexto em que é comum o desinteresse pela leitura, mesmo entre os professores potenciais protagonistas da disseminação da leitura nos ambientes escolares. Dentro desse cenário, este trabalho relata a execução de uma prática de leitura com alunos da 7ª série da Escola Santa Teresinha do Menino Jesus, instituição católica da rede particular de ensino da cidade de Curitiba Paraná, onde lecionei a disciplina de Língua Portuguesa durante o ano letivo de 2007.

A idéia surgiu quando alunos das oitavas séries foram orientados a executar uma tarefa sugerida pelo livro didático de Língua Portuguesa adotado na instituição. O conteúdo em estudo intitulava-se O texto de reportagem, e a tarefa sugerida era garimpar, pela Escola, informações sobre os hábitos de leitura dos colegas das outras séries. A atividade foi simples, mas os resultados confirmaram dados nada animadores: a maioria dos alunos entrevistados afirmava, sem o menor peso na consciência, que só freqüentava a biblioteca da Escola quando as professoras obrigavam. Vale ressaltar uma peculiaridade: as ditas professoras eram, necessariamente, as de Língua Portuguesa, uma vez que, na mesma pesquisa, os entrevistados afirmavam que trabalhos de outras matérias os profes deixam fazer pela internet. Nasceu, então, o desafio de testar alternativas que estimulassem esses pequenos pesquisadores e, sem utopias, tentassem melhorar uma cultura já enraizada, embora distorcida, sobre as maledicências de leituras, pesquisas e bibliotecas. O trabalho passou por várias etapas e levou um bimestre para ser construído. Cumpre dizer que foi uma atividade paralela a todas as outras, ou seja, os alunos deram prosseguimento normal aos conteúdos do livro didático, tal qual exigido pela escola e monitorado pelos pais. Cena 1 prólogo: o incentivo Com o apoio da bibliotecária da escola, coincidentemente uma professora de teatro, gravamos um curto diálogo do texto O Botequim, de Jô Soares, no qual uma cliente quase enlouquece o garçom com pedidos malucos. A leitura dramática do texto permitiu-nos que fizéssemos malabarismos com as vozes e interpretações cômicas. Após a gravação, inserimos a trilha sonora de abertura dos filmes hollywoodianos, narração no estilo A Escola Santa Teresinha apresenta... com a voz da secretária da escola (gentilmente cedida) e a participação especial de um fantoche de leãozinho imitando aquela famosa cena do leão rugindo na abertura dos filmes. Fantoches, rádios e mini-cenário em mãos, passamos em todas as salas da Escola, das primeiras às oitavas séries, interrompendo, com aviso prévio, a aula de outro professor para o tal momento surpresa. Foi evidente o interesse dos alunos de todas as séries pela atividade lúdica, inclusive a dos 2

grandinhos da oitava série, acostumados a negar ou discordar de tudo nessa idade. Cena 2: a escolha dos textos e os primeiros ensaios Nesta etapa, os alunos das sétimas séries foram convidados a formar duplas e, juntos, irem até a biblioteca selecionar qualquer conto da nossa Literatura que tivesse, no máximo, cinco páginas e fosse, basicamente, um diálogo. O conteúdo estudado anteriormente, no livro didático, havia sido o texto teatral escrito, o que sustentou o sentido deste trabalho. Durante a realização das etapas, buscou-se a articulação dos conteúdos de leitura sugeridos pelo livro didático adotado na série, sem, no entanto, restringir-se a ele. Os alunos já estavam habituados à formatação e às características do texto teatral. Escolhidos os textos, era hora de os alunos fazerem uma leitura para a turma e passarem por um critério mínimo de seleção, pra evitar que os contos se repetissem; ou que não fossem de linguagem acessível a alunos mais novos ou até mesmo com enredos, digamos, inadequados para a idade/série. Foi também considerado, para essa escolha, o ideário da escola confessional católica. Não houve problemas nos casos em que foi necessária a substituição dos textos. Algumas duplas, quando perceberam que suas histórias não eram tão engraçadas quanto as dos colegas, trataram de ir para a biblioteca providenciar outra, numa disputa sadia que os fez, ao menos, LER vários textos. Costumo brincar que eu os enganei e fiz com que lessem bastante, sem que eles soubessem que foi proposital. O autor que teve mais textos escolhidos neste processo de seleção foi Luís Fernando Veríssimo. Também apareceram textos de Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Lima Barreto, Stanislaw Ponte Preta, Ignácio de Loyola Brandão, Ivan Ângelo e Rubem Alves, apenas para citar alguns. Cena 3: gravando! Esta foi a fase mais demorada. Aproximadamente, 35 duplas tiveram que ir, uma a uma, fazer a gravação na biblioteca ou na sala de informática. Havia apenas dois computadores com o programa especial de gravação (good wave) e duas funcionárias (a bibliotecária e a líder do laboratório de 3

informática) já engajadas com o trabalho e dispostas a colaborar com tudo o que fosse possível. As duplas foram liberadas durante o período das aulas de Português e, no final do processo, em algumas aulas de Educação Física, com o consentimento do professor. O trabalho das funcionárias acima citadas foi indispensável no que se refere às excelentes dicas dadas aos alunos sobre velocidade de leitura e entonações interpretativas. Como nunca haviam gravado, alguns alunos ficavam tímidos ou simplesmente liam rápido demais e sem entonações. Cena 4: a trilha sonora Nesta fase, os alunos foram convocados a encontrar pelo menos duas músicas que se relacionassem, de alguma forma, com o enredo do conto escolhido. Um trecho de aproximadamente vinte segundos serviria para a abertura; o outro, para o encerramento. Caso julgassem adequado, poderiam inserir pequenos trechos também no meio da história. Foi incrível a criatividade neste momento do trabalho. Pôde-se perceber, inclusive, o engajamento dos pais, que sugeriram músicas de outra época. E a alegria de alguns alunos, entusiasmados ao admitirem que conheceram Balão Mágico, Wando, As Marcianas, Gretchen graças aos pais e ao trabalho. Além das músicas, os alunos puderam também incluir sons que se relacionassem com a história, tais quais os barulhos de chuvas, telefone tocando, copos quebrando, buzinas etc.. A líder do laboratório de informática disponibilizou um arquivo com mais de mil sons diferentes, o que enriqueceu sobremaneira o trabalho. Cena 5: a edição Infelizmente, por questões de tempo e de necessidade de habilidades técnicas específicas do programa de edição, os alunos não puderam participar desta fase. A edição das histórias consistiu em recortar os trechos das músicas selecionadas e inseri-las no arquivo de voz gravado pelas duplas. Além disso, seria preciso encontrar os momentos certos da história para incluir os barulhos e sons. Esta tarefa exigiu um sábado e um domingo inteiro de horas extras do professor e da funcionária do laboratório. O resultado, porém, é um CD incrível de contação de histórias. 4

Cena 6: a confecção dos fantoches Numa parceria com a professora de Artes, produzimos, em contra turno, uma Oficina de confecção de fantoches. Os alunos que participaram levaram os materiais e tiveram uma tarde toda de assistência. Como nem todos puderam comparecer no dia e horário da Oficina, a maioria optou por comprar fantoches prontos. Em Curitiba, é bastante comum a venda de fantoches numa feira popular que acontece aos domingos num bairro chamado Largo da Ordem. Os preços são acessíveis e a variedade de personagens é imensa. Foi também interessante perceber os tipos de fantoches que os alunos elegeram para melhor representar os personagens das histórias escolhidas. Algumas adaptações na roupagem dos fantoches, como em A chapeuzinho verde, tiveram, evidentemente, a ajuda da família. Cena 7: ensaios finais e escolhas Nesta etapa, dedicamos duas aulas no salão nobre da escola para que as duplas pudessem apresentar o produto final do trabalho para os próprios colegas de sala. A gravação já estava pronta, os fantoches já estavam confeccionados/comprados. Assim, bastaria apenas sincronizar o manuseio dos fantoches com os textos gravados. O cenário já estava montado para os ensaios, mas a apresentação, nesse momento, foi apenas interna. Como eram aproximadamente 35 duplas, os alunos tinham a consciência de que nem todos seriam escolhidos para a grande apresentação que faríamos para o restante da escola. Apenas por uma questão de tempo de apresentação, seria inviável e cansativo apresentar 35 contos para uma platéia maior. Esse foi o ensaio avaliativo e eliminatório. Com a ajuda da diretora, bibliotecária e outros funcionários da escola, foram escolhidas as 15 histórias mais bem produzidas. Cena 8: fantoches em cena O final do segundo bimestre coincidiu com a véspera das férias. Então, coordenação e direção disponibilizaram o período de duas aulas (pós-intervalo) do último dia de aula para a grande apresentação. Todas as turmas puderam comparecer ao salão nobre da escola para um evento de despedida, pois os alunos só retornariam depois das férias de julho. Aproximadamente 400 alunos lotaram os lugares da platéia. Graças a uma boa estrutura de som e luzes, 5

todos puderam ouvir perfeitamente as gravações dos diálogos dos contos e acompanhar as performances dos fantoches em palco. Havia um cronograma de apresentações, previamente agendado, para que os alunos pudessem se revezar e se organizar no palco, atrás das cortinas. O mais fascinante da experiência foi o silêncio do público de 400 alunos. A diretora chegou a comentar que foi um silêncio ensurdecedor, mas acompanhado dos olhos atentos e vibrantes de alunos de primeira a oitava séries. No final da apresentação, abriram-se as cortinas e os atores, com os fantoches em mãos, mostraram o rosto para o aplauso final. Cena 9 final: os bastidores Bem mais do que uma apresentação de teatro de fantoches, esta experiência, com objetivos claramente interdisciplinares, permitiu que os alunos transitassem por outras áreas do conhecimento, como o teatro e a música. A interdisciplinaridade viva que saiu dos tratados teóricos e viu-se acontecendo na prática. Cabe ressaltar algumas curiosidades dos bastidores: a) Com os fantoches em mãos, tudo virava cenário para brincadeiras de improvisação entre os alunos. Atrás das carteiras, atrás da mesa do professor, atrás do piano do salão nobre: todos os espaços eram convidativos para esses personagens-bonecos entrarem em ação; quer seja para diálogos informais improvisados, quer seja para imitar chavões de professores e colegas ou mesmo para dublar músicas da moda. Eram fantoches sempre vivos e motivos de diversão. Foi feito um pedido coletivo para que, no próximo trabalho, os bonecos pudessem fazer um show de dublagens, coreografando músicas de todos os tipos. Um grupo de meninos chegou a fazer uma pequena amostra grupo Menudo, sucesso da década de 80, dublando a canção Não se reprima. Tudo com fantoches, claro. b) Foi motivo de elogios por parte da diretora, dos professores e da bibliotecária o comportamento dos alunos em palco. Como eles se revezavam durante as apresentações, era necessário fazer extremo silêncio para não comprometer a apresentação dos colegas. Isso foi prova de que a Literatura também pode estimular, na prática, o exercício da cidadania. Para finalizar 6

É a tarefa do professor: treinar jovens leitores bem-sucedidos, apresentando-lhes material de leitura apropriado, de modo que o êxito não somente inclua boas habilidades de leitura, mas também o desenvolvimento de interesses de leitura capazes de durar a vida inteira. (BAMBERGER, 1988, p.31) Creio, sobremaneira, que daqui a dez ou vinte anos esses alunos não se lembrarão com clareza do que é uma oração subordinada ou da aula em que este conteúdo foi explicado. Mas, certamente, lembrarão de que um dia apresentaram um teatro de fantoches. Vale constatar que esses jovens, durante todo o processo de construção desta prática lúdica de leituras e fantoches, continuaram obrigados a freqüentar a biblioteca, conforme as declarações feitas na pesquisa dos alunos de oitavas séries relatada no começo deste artigo. A diferença, desta vez, é que a maioria não parecia considerar estas visitas à biblioteca uma tarefa árdua ou penosa. O estímulo à pesquisa, a partir de práticas educacionais lúdicas, pode contribuir, mesmo que timidamente, para a melhoria de um quadro não muito animador no que diz respeito à aproximação entre jovens e livros. Termino dizendo que não há e não haverá uma grande transformação, ou uma macro revolução, feitas em curto prazo, que transformem esse quadro. A grande mudança só acontece, certamente, nas práticas micropolíticas do cotidiano de professores, alunos, diretores, funcionários e pais. Encerro, provocativamente, com uma frase de Josette Jolibert: Fazer viver uma aula cooperativa é efetuar uma escolha de educador. Significa acabar com o monopólio do adulto que decide, recorta, define ele mesmo as tarefas e torna asséptico o meio. É fazer valer a escolha de um processo que leva a turma a se organizar, a dar-se regras de vida e de funcionamento, gerir seu espaço, seu tempo, seu orçamento. (JOLIBERT, 1994, p. 20) Referências BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito da leitura. São Paulo: Ática, 1988. 7

JOLIBERT, Josette. Formando crianças leitoras. Volume I. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. 8