UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA Departamento de Letras e Artes Especialização em Estudos Literários IDENTIDADE BRASILEIRA NO ROMANTISMO DE CASIMIRO DE ABREU E SOUSÂNDRADE JOÃO BOSCO DA SILVA Trabalho apresentado à Universidade Estadual de Feira de Santana, como um dos requisitos de avaliação da disciplina Literatura e Identidade no Brasil, solicitado pelo Professor Doutor Jorge de Souza Araújo. Feira de Santana 2012
JOÃO BOSCO DA SILVA IDENTIDADE BRASILEIRA NO ROMANTISMO DE CASIMIRO DE ABREU E SOUSÂNDRADE Feira de Santana 2012
O que qualifica Casimiro José Marques de Abreu (Casimiro de Abreu) e Joaquim de Sousa Andrade (Sousândrade) no processo de formação da identidade brasileira? Casimiro José Marques de Abreu (1839-1860) é um dos nossos escritores que precisa ter mais espaço no mundo acadêmico das letras, na mídia, nas mentes e espaços culturais deste País, por ser um dos mais importantes poetas brasileiros da Segunda Geração Romântica. Por vezes lembrado, mas sem a ênfase que merece, por ser o lírico mais popular do Brasil, pela sua fácil comunicação, simplicidade do dizer comum da emoção da alma coletiva em suas obras. Carioca da cidade de Barra de São João, Casimiro de Abreu ficou conhecido como o Poeta da Infância, por abordar temas como a infância, natureza e a pátria, de forma simples e agradava o leitor, contribuindo na formação de uma identidade nacional com a sua poesia, consolidando e popularizando o Romantismo no Brasil. A poesia, portanto, tem particular significado para a análise da crítica, mas Casimiro também se aventurou pela linha ficcionista, como foi no caso do romance Carolina, seguindo fórmulas já utilizadas pelos escritores portugueses Alexandre Herculano e Garrett, e no Brasil José de Alencar e Bernardo Guimarães. As nossas matrizes ideológicas foram herdadas da Europa, muito fortemente de Portugal, fazendo também parte da evolução do código literário através do Romantismo brasileiro, confirmando que a cultura é resultado do conjunto de comportamentos, valores e crenças condicionadas histórica e socialmente às estéticas e temas agregados dos colonizadores, porém o conceito de identidade nacional é inserido por nativos, como é o caso de Casimiro de Abreu, um dos brasileiros que se empenharam numa literatura expressa desde o exílio nostálgico, traduzindo em versos sentimentais a sociedade brasileira, com um humor próprio e às vezes carregado de enunciados doentios. Mesmo não tendo uma poesia inovadora, chega ao ponto de elogiar o triunfo da morte física sobre a sua vida psicológica. Nesse ponto faz lembrar Álvares de Azevedo, que também escrevia com um pensamento direcionado para um fim próximo, em poesias lutuosas, ou elegíacas. No leito, Casimiro inicia com uma epígrafe de Alvares de Azevedo Se eu morresse amanhã!, e no canto II do poema ele avisa: Se a morte colherme em breve, Pede ao vento que te leve O meu suspiro final; - Será queixoso e sentido, Como da rola o gemido Nas moitas do laranjal. Em 1860 morre de tuberculose. Parte de um dos seus poemas mais importantes: Meus oito anos Oh! Que saudades que tenho Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras, À sombra das bananeiras, Já o maranhense Joaquim de Souza Andrade, Sousândrade (1833-1902), que foi conterrâneo do francês Baudelaire (1821-1867), como Casimiro de Abreu também teve sua obra esquecida, durante décadas, até os anos 60, quando os poetas Augusto e Haroldo de Campos fizeram o resgate dos seus escritos, revelando-nos um Sousândrade original e instigante poeta do nosso Romantismo, classificando-o como vanguardista e precursor do Modernismo brasileiro. Recebeu de Humberto de Campos o título de João Batista da poesia moderna. Sousândrade foi ardente defensor da República e da educação, tanto que pensou o projeto Atlântida, para a instalação de uma universidade popular, mas não conseguiu apoio oficial para sua realização. Ele utiliza técnicas que adquirira nos Estados Unidos e fazia ousados conjuntos verbais na montagem de sua sintática e pensava além do seu tempo, como podemos ver nesse exemplo: Oh, este choro natural dos túmulos Onde dormem os pais, indica, amigos, Perda... nem as asas ao futuro Não sei voar: a dor é do passado Não sei voar: voar é usado como verbo transitivo, com asas como objeto, numa inovação linguística que somente seria praticado no Brasil por poetas modernos, cinquenta anos depois. Diferente de Casimiro que foi e ainda é celebrado até hoje, Sousândrade foi por muito tempo ignorado e continua até hoje pouco conhecido. O fato de ter sido incluído como poeta no período do Romantismo, foi mais por uma questão de cronologia, pois sua linguagem poética nada tinha a ver com o momento literário em que viveu. Também ao contrário de Casimiro, a sua obra é renovadora e ousada, e por isso não encontrou muitos leitores no século XIX. Ele sempre foi um caso destoante no panorama da poesia brasileira. O livro Harpas selvagens (1857) foi o primeiro trabalho de Sousândrade publicado em 1962, 60 anos após a sua morte, dois anos antes da publicação de Primaveras de Casimiro de Abreu. Em Nova Iorque, publica sua maior obra, o longo poema O Guesa (1866), a sua obra mais importante, evocando a sua infância feliz, ao tempo que expõe a sua tristeza por causa da falência da Fazenda Vitória. Guesa significa errante, sem lar, era uma criança roubada dos pais para cumprir o mito de Bochica, o deus-sol. Na intuição, o poeta imagina que o guesa escapa dos sacerdotes nos tempos modernos e se refugia em Wall Street, mas dá azar de reencontrar
perseguidores nas peles de empresários e especuladores. É uma dramática narrativa em 13 Cantos, deixando inacabados os cantos VI, VII, XII e XIII. Por ter logo cedo conhecido as dificuldades de sobrevivência e a orfandade, Sousândrade se identificou facilmente com o guesa, personificando a maldade al longo da sua vida como manifestações dos Xeques. É ele, então o último guesa da lenda, cantando uma nova canção, em cumprimento de um pacto que ele fez com um índio. O Guesa quase sempre sinestésico, destilando luzes, imagens e cores: No Canto III: As balseiras na luz resplandeciam oh! que formoso dia de verão! Dragão dos mares, na asa lhe rugiam Vagas, no bojo indômito vulcão! Sombrio, no convés, o Guesa errante [...] No Canto IV: Era o Guesa... o selvagem, puro, meigo Ante a fé sacrosanta da amizade; Vingativo implacável, duro e cego Aos que, irmãos seus, mentiam-lhe a verdade Vagabundo, inconstante, enamorado Do céu azul, da onda e dos jardins: Nos mares, qual as vagas embalado; E na terra a loucura entre os jardins Dos gozos era o escravo: onde mulheres Luzissem meigo olhar; onde os perfumes Fossem berço de Zephyro e prazeres a florea varzea e os levantados cumes. [...] Apesar de Assim como Casimiro de Abreu, também morre sozinho, pobre e abandonado, considerado excêntrico e ao mesmo tempo louco, ignorado como cidadão e escritor, aos setenta anos, em 1902. Conclusão: A terceira fase do Romantismo, na qual estão instalados historicamente os dois poetas na literatura brasileira, reflete o "mal-do-século", inspirados pelos poetas europeus, principalmente Lord Byron, cantando os amores impossíveis, o desejo pela morte, a indecisão entre uma vida de liberdade ou religiosa, e a incompreensão do mundo. É o que Fagundes Varela chamou de "a escola de morrer jovem". Casimiro de Abreu torna-se um poeta que implanta no Brasil um lirismo espontâneo, dentro de um sentimento de natureza psicológica e emocional,
tornando a sua poesia como uma das mais populares e mais lidas pelo povo brasileiro, por sua linguagem simples, terna, cativante e de leitura fácil, apresentando quase sempre o amor impossível, delicado, platônico e idealizado, difícil de ser correspondido pela mulher amada. Há em sua obra um tormentoso conflito entre o desejo e o medo, a realidade perturbadora e a pureza da infância, da natureza e dos sonhos, gerando a tristeza, a melancolia e o depressivo desejo de morte, além da saudade expressa em dores pela sua distância da pátria e da família. A sua maior virtude é expressar todos os sentimentos e emoções de forma pura e delicada. Em face das suas viagens pela Europa, Estados Unidos e por países da América Latina, além da região Amazonas no Brasil, Sousândrade manteve contato com diversas culturas, povos e realidades sociais, vivenciando, de forma muito próxima, as mazelas humanas e sociais, concentrando as suas preocupações nas dificuldades do autóctone nativo, diferentemente de heróis índios criados por outros românticos. Ele vê no índio um símbolo da degradação cultural que passa a população nativa da América do Sul. Ele alerta que os filhos do Amazonas vivem numa profunda miséria, e mesmo assim, como uma ironia, se divertem dançando e se aquecendo nas fogueiras. Ao mesmo tempo denuncia o extermínio em nome da religião. Na realidade Sousândrade não conhecia muito a cultura indígena, mas propõe uma nova colonização humanitária, integrando o índio à sociedade, no modelo Ocidental, desconsiderando a cultura do nativo. Portanto, o vigor encontrado em Casimiro de Abreu e Sousândrade favorece a formação da identidade brasileira, com seus ideais românticos, mostrando a necessidade de integração no processo através de uma literatura nacional. A proposta do Romantismo brasileiro foi promover a emancipação mental e cultural do país, já que a política já havia ocorrido. (*) Prof. João Bosco da Silva Licenciado pela UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana, Especialista em Estudos Literários. Administrador pós graduado em Negócios e Finanças.