Processo nº 93/2018-CS/R Recorrente: Dr. ( ) Recorrido: Dr. ( ) Relatora: Dra. Maria Emília Morais Carneiro PARECER A)- RELATÓRIO 1. O Sr. Dr. ( ) com a cédula profissional nº ( ) arguido nos presentes autos, veio interpor Recurso para este Conselho Superior, do Acórdão de 16 de Março de 2018 do Conselho de Deontologia de Coimbra (fls. 156) que o condenou na pena de 3 (três) meses de suspensão e na sanção acessória de devolução à empresa, Lda da quantia de 8.000,00 (oito mil euros) no prazo de 30 (trinta) dias, conforme consta do Relatório Final, por violação do disposto nos arts. 83º, 92º, 95º, 103º,106º e 107º do EOA. Nas suas longas conclusões fls. 201 a fls. 212, o Sr. Advogado recorrente pugna pela sua absolvição justificando o Acórdão ora recorrido, porque desconforme à prova documental produzida e contrária ao princípio do ónus da prova e, mais particularmente, ao princípio in dúbio pro reo. 2. Notificado nos termos e ao abrigo do disposto no nº 6 do art.º 165º do EOA, o Sr. Advogado recorrido não respondeu. 3. Os autos foram iniciados no Conselho de Deontologia de Coimbra, na sequência de uma participação apresentada pelo aqui recorrido Dr. ( ), em 17 de Outubro de 2013 (fls. 2 e 3), com fundamento nos seguintes factos: Foi advogado substabelecido no processo de execução que, com o nº ( ), correu seus termos pelo Tribunal da Comarca da Lousã, em que era exequente ( ) e executada a Soc. ( ), Ldª, esta patrocinada pelo Dr. ( ); ( ) Na sequência da execução, entre o advogado primitivo da exequente e o denunciado, foi feito um acordo de pagamento em Junho de 2012, em que a executada se comprometeu a pagar a dívida exequenda em prestações mensais de 1.542,46 ; ( ) Foi paga apenas a 1
prestação referente ao mês de Julho e, sem mais nada, foram suspensos os pagamentos ( ) Perante a suspensão dos pagamentos, o exequente telefonou diversas vezes para o gerente da executada, garantindo este que, na altura do acordo de pagamento, tinha entregue ao seu advogado, Dr. ( ), o montante da dívida, para este pagar, em cada mês, as prestações acordadas ( ) Com esta informação que lhe forneceu o seu cliente, contactou imensas vezes, por escrito e por telefone o denunciado, sem que este lhe respondesse; ( ) Depois de lhe ter dito que o cliente/executado tinha dito ao exequente que lhe teria entregue o valor correspondente à quantia em dívida, eis que o denunciado disse que isso não era verdade, mas apressou-se a propor outro acordo para pagamento em prestações mensais de 500, garantindo que agora não iria haver mais falhas até ao fim do pagamento. ( ) tal acordo foi feito em 7.3.2013 e, após isso, só foram pagas duas prestações, uma em 10.04.2013 e outra em 10.5.2013; ( ) A partir daí, nada mais foi pago e, contactado o denunciado por mails de 11 de Junho, 17 de Julho, 3 de Setembro e 19 de Setembro, nunca mais respondeu ( ) Além dos mails, fez imensas chamadas para o denunciante, sem que alguma vez, tenha conseguido falar, deixando recado para lhe ligar, sem o ter feito; ( ) Quando, no dia 26.9.2013 deixou recado no seu escritório de que iria apresentar uma queixa na Ordem, eis que, no dia 2 de Outubro lhe ligou finalmente, dizendo que dentro de oito dias, iriam ser pagas todas as prestações em atraso; ( ) A verdade é que não pagou mais nada e não deu qualquer explicação. Este comportamento do denunciado é demonstrativo da sua personalidade e de falta de deontologia, ( ). Mas, se é verdade que recebeu o dinheiro do cliente e não pagou as prestações, então a sua atuação é muito grave e não pode ser tolerada ( ) Para prova do alegado, o Sr. Advogado participante não juntou documentos. 4. Notificado para se pronunciar sobre o teor da participação, veio o Sr. Advogado participado fazê-lo a fls. 11 conforme segue: 1- O colega em questão, faz insinuações graves sobre o meu comportamento enquanto Advogado que não correspondem à verdade e que põem em causa o meu bom nome e a minha credibilidade. 2- Chega ao ponto de insinuar que teria recebido dinheiro do meu cliente para pagar ao seu constituinte que não teria entregue. 3- Tudo isto com base no que alega ter sido uma conversa entre os constituintes de ambos. 2
4-Com os fundamentos que apresenta para apresentar a Queixa, não sei quem está a por em causa a imagem dos Advogados e as relações que devem presidir ao relacionamento entre colegas. B) APRECIEMOS Quanto a razões de queixa invocadas pelo Senhor Advogado participante tudo parece resumir-se a duas questões fundamentais: 1ª) A inércia do Sr. Advogado participado em responder aos imensos contactos efectuados pelo Colega participante, quer através de telefonemas, quer por escrito, através de diversos e-mails e recados que deixou no seu escritório, para que este lhe ligasse e, apenas quando lhe deixou o recado de que iria apresentar uma queixa na Ordem, o Sr. Advogado participado lhe ligou finalmente. 2ª) Prende-se com o facto de o Sr. Advogado participado enquanto mandatário da executada num processo de execução, ter eventualmente ficado com o valor que a sua cliente lhe entregou para pagamento da dívida ao exequente, cujo mandatário era o Sr. Advogado participante e em consequência as prestações acordadas para pagamento da respectiva dívida não foram pagas. Estamos assim perante duas queixas distintas: A primeira que se relaciona directamente com o Sr. Advogado participante, enquanto ele próprio ofendido, pelo facto do Colega/Participado, não lhe responder às diversas solicitações que o mesmo lhe fez; A segunda prende-se com o facto de o Sr. Advogado participado ter eventualmente retido, fazendo seu, o valor que a sua própria cliente (executada) lhe entregou para pagamento da dívida ao constituinte do Sr. Advogado participante, pagamento que não chegou a efectuar. Menciona o nº 1 do art.º 122º do Estatuto da Ordem dos Advogados sob a epígrafe Legitimidade procedimental e extinção do direito de queixa 1- Tem legitimidade para participar à Ordem dos Advogados factos susceptíveis de constituir infracção disciplinar qualquer pessoa direta ou indiretamente afetada por estes. Ao analisar a participação facilmente se depreende e constata que relativamente a esta segunda questão não assiste legitimidade procedimental do Sr. Advogado participante para o efeito do exercício do seu direito de queixa 3
contra o Colega participado. E é dado assente nestes autos que as pessoas directa e indirectamente lesadas pelo Sr. Advogado participado, não o fizeram! Facto mencionado no Despacho de Acusação a fls. 68 e no Relatório Final a fls. 129 e 130 que referem: ( ) A cliente do denunciado ( ), (do Sr. Advogado arguido), alegadamente lesada patrimonialmente por este, não efetuou participação disciplinar, e/ou criminal e não é conhecida a instauração de qualquer pedido de indemnização cível. Não consta dos autos que o Sr. ( ), cliente do Sr. Dr. ( ) também tenha participado contra o Sr. Advogado arguido, pois segundo resulta dos autos, terá recebido a final, tudo aquilo que era devido pela cliente do participado, (que terá ficado novamente desembolsado), pois pagou o valor da dívida, por uma segunda vez. Verificamos assim que as pessoas directa e/ou indirectamente afectadas por esta eventual infracção disciplinar cometida pelo Sr. Advogado participado: por um lado a sua própria cliente (directamente lesada?) e por outro o cliente do Sr. Advogado participante (indirectamente lesado por não ter recebido a quantia exequenda em tempo devido?), não apresentaram ao Conselho de Deontologia de Coimbra participação contra aquele Advogado, nem apresentaram participação criminal ou pedido de indemnização cível nas instâncias próprias, contra o mesmo! A legitimidade para a queixa é restrita às pessoas directa ou indirectamente afectadas por infracções disciplinares praticadas por advogados. (cifr. prof. Luís Menezes leitão Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado 2017 2ª Edição pág. 118). Também neste sentido Ac. deste C. Superior emitido no processo D-09/05: relator Alberto Jorge Silva: Ao exigir que os intervenientes tenham interesse directo, pessoal e legítimo relativamente aos factos participados, a lei exclui que possam intervir no processo terceiros, ( ). O que é manifestamente o caso. Não se vislumbra assim nos presentes autos ainda que de forma abstracta que relativamente àquela matéria factual, o Sr. Advogado denunciante tenha de algum modo sido prejudicado pelo Advogado participado, pelo que não lhe assiste qualquer legitimidade para exercer o direito de queixa contra o mesmo no que àqueles factos se refere. Ainda assim sempre se dirá que no caso concreto, analisada minuciosamente a prova concatenada nos presentes autos e tomada em consideração no decurso da fase instrutória, salvo melhor opinião, não nos permitiria formar uma convicção quanto à matéria dada como provada, dado os manifestos lapsos apresentados no decorrer do processo relativamente ao montante da dívida exequenda, ao cômputo das prestações e àquelas efectivamente pagas pelo Sr. Advogado arguido. E podendo sempre o Relator provocar novas diligências ou praticar actos tidos por necessários e eficazes para a descoberta da verdade, poderia tê-lo feito, salvaguardando, os direitos do arguido, que neste caso não foram devidamente acautelados. Resta-nos então pronunciar sobre a queixa do Sr. Advogado participante relativamente à primeira questão: A ausência de resposta do Sr. Advogado participado ao Colega participante apesar das muitas insistências deste. 4
Matéria factual provada pelos documentos dos autos de fls. 20, 23,24, 25, 26, 27 e corroborada pela própria confissão do Sr. Advogado arguido quando refere na sua defesa a fls. 91 ( ) Se o Advogado participado não respondeu ao Sr. Advogado participante foi porque não tinha nada de novo para transmitir ( ) e também refere nas suas alegações de recurso a fls. 201 ( ) justificandose o atraso na resposta com o facto de o Advogado arguido não ter notícias para dar ao Advogado participante, quanto à data da realização de posteriores pagamentos, visto que a sua cliente de nada o informara. ( ) Menciona a al. b) do nº 1 do art.º 112º do EOA sob a epígrafe Deveres recíprocos dos advogados 1- Constituem deveres dos advogados nas suas relações recíprocas: b) Responder, em prazo razoável, às solicitações orais ou escritas; As razões agora invocadas pelo Sr. Advogado arguido para justificar a falta de resposta às inúmeras solicitações do Sr. Advogado participante, não fundamentam o seu procedimento pois mesmo não tendo notícias para dar ao Colega, sempre se justificaria uma resposta nesse mesmo sentido. Como afirmou Alfredo Gaspar in Estatudo da Ordem dos Advogados anotado pág. 165: Outras regras que decorrem das tradições profissionais muitas delas impostas pela boas-maneiras, ou pela simples boa-educação -, são as seguintes: ( ) a de responder com regularidade e pontualidade à correspondência dos colegas (cfr., nesta parte, HAMELIN-DAMIEN ( ). Ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 115º do E.O.A. Comete infracção disciplinar o advogado ou advogado estagiário que, por acção ou omissão, violar dolosa ou culposamente algum dos deveres consagrados no presente Estatuto, nos respectivos regulamentos e nas demais disposições legais aplicáveis. Nos presentes autos encontra-se matéria susceptível de apontar a prática de infracção disciplinar pelo Senhor Advogado participado resultando evidente a violação da supra citada norma. Assim e em conformidade, tudo visto e devidamente ponderado sou de parecer em: Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Sr. Advogado Arguido da decisão do Conselho de Deontologia de Coimbra que o condenou numa pena de 3 (três) meses de suspensão e na sanção acessória de devolução à empresa, Lda da quantia de 8.000,00 (oito mil euros) no prazo de 30 (trinta) dias: 5
A)- Arquivando os Autos no que concerne à matéria factual vertida na segunda questão da participação dada a ilegitimidade do Advogado participante; B)- Condenar o Advogado recorrente na pena de Advertência por violação da al. b) do nº 1 do art.º 112º do EOA. À 1ª SECÇÃO Tavira aos 11 de Julho de 2018 Pelo C. Superior, a Relatora (Maria Emília Morais Carneiro) 6