ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS PORTUGUESES. Conferências sobre a Tributação do Património Imobiliário



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Transcrição:

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS PORTUGUESES Conferências sobre a Tributação do Património Imobiliário A Contribuição Autárquica como fonte de financiamento dos municípios e a questão das isenções Paulo V.D. Correia* Lisboa, Centro Cultural de Belém, 12 de Março de 2003 *Professor do Instituto Superior Técnico e Vice-Presidente do Conselho Europeu de Urbanistas

1. Os instrumentos fiscais como instrumentos de política de solos Os instrumentos fiscais em geral visam, em primeiro lugar, assegurar o financiamento da Administração Pública. No entanto, os instrumentos fiscais que incidem sobre o imobiliário têm repercussões económicas directas sobre os usos do solo, as utilizações das áreas de construção e sobre o mercado imobiliário, influenciando assim positiva ou negativamente o planeamento e gestão do território. Neste sentido, e considerando o grande protagonismo do sector privado na promoção da urbanização, da edificação e da conservação urbana, estes instrumentos assumem uma importância crescente para o processo de desenvolvimento urbano devendo assim ser também considerados como instrumentos de políticas de solos. A eficiência dos sistemas de taxação pode ser medida tanto pelos seus efeitos no financiamento geral da Administração, como no financiamento específico necessário à disponibilização de infra-estruturas, equipamentos públicos, e dos próprios serviços públicos em geral, indispensáveis ao processo de desenvolvimento urbano. É pois indispensável que o sistema de determinação da base tributável de cada instrumento fiscal seja justo, isto é, que respeite simultaneamente os princípios da igualdade e da equidade, e eficaz, isto é, que a Administração fiscal tenha capacidade real para proceder em tempo à sua colecta no respeito por aqueles princípios. Neste quadro, assumem particular relevância a Contribuição Autárquica, a Sisa, o Imposto de Mais Valias (imobiliárias) e a Taxa Municipal pela Realização de Infraestruturas Urbanísticas. Embora distintos na sua natureza, estes instrumentos estão interligados pelo facto de representarem receitas das autarquias locais, por terem efeitos directos e indirectos sobre o mercado imobiliário e por poderem introduzir desigualdades significativas entre proprietários imobiliários. A Contribuição Autárquica, incidindo sobre a detenção da propriedade imobiliária, deveria constituir a base da receitas municipais, com a vista à sustentar o funcionamento dos serviços municipais e das suas despesas correntes. Os custos de manutenção das componentes públicas dos sistemas urbanos relativamente aos quais não são cobradas tarifas aos utentes deveriam também ser suportados por estas receitas. Estas receitas deveriam constituir a base estável (no tempo) de financiamento municipal. 1

Por outro lado, tratando-se de um imposto sobre a propriedade, a sua base de incidência, isto é, a forma de repartição da sua cobrança pelos detentores da propriedade imobiliária, não deveria assentar em valores de mercado do solo, mas sim na importância relativa de cada propriedade nos custos de funcionamento da Administração Pública local. Neste sentido, deveria incidir sobre um valor de base territorial ( land value ) e não sobre o valor de propriedade ( property value ). A manutenção da Sisa só se justifica pelo facto do sistema de determinação de mais valias imobiliárias e da sua recuperação para a Sociedade não ser eficiente, nem eficaz. Trata-se, na prática, de um sistema alternativo e grosseiro de contornar esta dificuldade, embora com consequências negativas e injustas para aqueles que suportam o seu pagamento, designadamente os proprietários que pretendem adquirir a sua primeira habitação. Numa reforma deste instrumento, poderia ficar reduzido e agregado a uma taxa de registo da titularidade dominial da propriedade (Conservatória do Registo Predial) igualmente utilizado para fins fiscais, suportando assim financeiramente a manutenção de um Sistema Nacional de Informação Geográfico da propriedade imobiliária, permanentemente actualizado e indispensável ao desempenho de todas as tarefas de administração do território. As mais valias foram assimiladas a ganhos de capital e como tal englobadas no IRS e no IRS. Confundiu-se o conceito de mais valias, sem que daí tenha resultado qualquer aumento de eficiência na determinação da sua base de incidência ou valor da sua colecta. A Administração Pública, por via dos planos urbanísticos eficazes, sejam os planos municipais de ordenamento do território, sejam os planos especiais, conforma mais valias puras que o mercado reconhece, mas releva-se incapaz de as recuperar. A Taxa pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas tem vindo a evoluir em dois sentidos: por um lado, os valores cobrados tendem a aproximar-se dos valores realmente suportados pelos municípios na construção, reforço e extensão dos sistemas de equipamentos e infra-estruturas, que fundamentam sua cobrança. Por outro lado, o actual regime de licenciamento e autorização de operações urbanísticas (operações de loteamento e obras particulares) reconheceu que também as operações urbanísticas que não envolvem a subdivisão da propriedade e a constituição de lotes podem ter impactes urbanísticos tanto ou mais significativos 2

que as operações de loteamento, devendo estar por isso sujeitos ao pagamento daquela taxa. A cobrança desta taxa representa, de certa maneira, a cobrança das mais valias devidas a obras públicas municipais. O seu único inconveniente está em ser cobrada antes dos proprietários finais das operações urbanísticas começarem sequer a usufruir dessas infra-estruturas e equipamentos. 2. Estrutura de receitas e de despesas das autarquias locais A estrutura de receitas actual das autarquias locais apresenta-se muito desequilibrada. De facto, em municípios em crescimento urbano, as receitas provenientes da cobrança de taxas municipais, designadamente da Taxa Municipal pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas, é muito significativa, ultrapassando mesmo as receitas provenientes da Contribuição Autárquica. Em municípios onde não existe dinâmica urbanística, são as receitas provenientes do FEF Fundo de Equilíbrio Financeiro que dominam, isto é, a participação dos municípios no Orçamento Geral de Estado, que se deveria destinar apenas a corrigir assimetrias e desigualdades de oportunidade entre concelhos, acaba por constituir a sua base de financiamento. As receitas da Sisa tem importância muito significativa em concelhos onde as numerosas transacções de terrenos que antecedem em alguns anos a actividade de urbanização e construção (para primeira ou segunda habitação, ou para fins turísticos), ou onde a procura de habitação nova é grande. Esta situação é preocupante, pois denota, por um lado, a dependência das finanças locais da continuação do processo de expansão ou densificação urbana e, por outro lado, a dependência dos municípios em relação ao Orçamento Geral do Estado quando as suas receitas provenientes de taxas municipais não são significativas. A sustentabilidade económica e financeira das autarquias locais está pois comprometida a prazo e os actuais elevados níveis de endividamento de algumas autarquias demonstram-no. 3

Em termos potenciais, a introdução de um novo sistema de determinação do valor tributável da Contribuição Autárquica, em conjunto com um sistema eficiente e eficaz de cobrança de mais-valias imobiliárias permitiria reintroduzir o equilíbrio, embora necessariamente dinâmico, entre as fontes de financiamento das autarquias locais, conduzindo simultaneamente à estabilidade da base de financiamento das autarquias locais e à sua articulação coerente com as políticas municipais de administração do território. 3. A fiscalidade sobre o património imobiliário A eficiência de um instrumento fiscal deve ser medida pelos seus efeitos sobre a afectação de recursos e sobre a distribuição. Quando um instrumento fiscal não afecta as decisões sobre afectação de recursos diz-se neutro. Caso contrário, importa determinar se os seus efeitos (não neutros) são benéficos ou prejudiciais. No caso da Contribuição Autárquica, se a sua base de incidência for o valor bruto actual do solo, o seu efeito não é neutro, pois permite a retenção do solo - independentemente das benfeitorias que possa conter e dos usos e utilizações previstos nos planos urbanísticos aplicáveis -, sem penalização fiscal, e assim comportamentos especulativos que se traduzem na apropriação de mais valias pelos proprietários. Se a base de incidência for o valor imobiliário líquido actual, isto é, incluindo solo e benfeitorias, e se estas forem significativas, o imposto é neutro, pois o valor do solo tende a diluir-se no valor conjunto e será mantido o uso. Se a base de incidência for o valor potencial do solo, isto é, o valor correspondente ao previsto nos planos aplicáveis, o imposto é também neutro, uma vez que determina mudanças de uso ou alienações a quem as promova, no sentido de introduzir as benfeitorias de acordo com os planos e assim a reposição do equilíbrio entre o valor imobiliário e a tributação. Quanto aos efeitos de distribuição, se a taxação sobre os bens de um proprietário lhe permitir desviar o seu encargo fiscal para terceiros, os efeitos laterais podem ser indesejáveis, e o encargo fiscal deixa de ser suportado pelo contribuinte visado. Se a tributação predial incidir sobre o valor correspondente à capitalização do rendimento de cada prédio real ou presumido é o que deverá acontecer. Será o arrendatário ou um futuro comprador a suportar qualquer variação da carga fiscal que resulte das actualizações dos valores de mercado. 4

Assim, a aplicação do conceito de valor de base territorial afigura-se como uma alternativa vantajosa ao sistema actual para determinação da base tributável da Contribuição Autárquica. Segundo este conceito, a base tributável corresponde ao valor territorial do solo ( land value ) e é independente do valor actual de mercado ( property value ). Aquele valor resulta da combinação de duas ordens de conceitos de valor do solo introduzidos por A. Marshall, relativos à localização e ao sítio. A relevância da localização é entendida segundo o valor de cada zona urbana, conferido pela sua dotação em infra-estruturas, equipamentos, serviços e qualidade urbana em geral. A componente relativa ao sítio corresponde à sua dimensão (em solo e em área de construção existentes ou, em alternativa, estabelecidas em plano eficaz) e tipos de utilização das áreas de construção, pelas consequências que têm na utilização/cargas sobre as infra-estruturas, equipamentos e serviços, e por se tratarem de usos e utilizações lucrativas ou dotacionais. Para áreas rústicas não urbanizáveis prevalecem apenas a componente localização, e a dimensão do terreno no que se refere ao sítio. Note-se que as benfeitorias incluídas em cada propriedade imobiliária afectam o seu valor de mercado, mas não o seu valor de base territorial. Por outro lado, os rendimentos provenientes da utilização lucrativa de cada parcela de propriedade são tributados em sede de IRS e de IRC, não se devendo confundir nem as bases de tributação, nem os fins a que se destinam. Neste sentido, a tributação da propriedade não depende necessariamente do uso actual (que pode ser o de um terreno urbano expectante), mas sim dos usos e utilizações previstos em plano para cada zona. As dificuldades práticas de implementação deste sistema são as seguintes. Em primeiro lugar, a definição das diferentes zonas relativas à componente localização, embora possa seguir as indicações de um plano de uso do solo, pode ser objecto de críticas quanto ao tratamento desigual entre propriedades em áreas de fronteira. Em segundo lugar, a valorização relativa das diferentes zonas, embora possa ser fundamentada pelos custos reais de construção, manutenção e exploração dos diversos sistemas públicos encontra-se aberta a acertos políticos de valores, com eventuais objectivos redistributivos (por exemplo, visando minimizar a segregação 5

social). Naturalmente que a minimização destas dificuldades implica um forte envolvimento dos municípios, tanto no sentido da articulação do planeamento municipal com a espacialização dos critérios de determinação dos valores de base territorial, como na própria determinação das várias componentes destes valores. Este tipo de conceito tem sido aplicado com diversas variantes em Inglaterra, englobando numa só Taxa Municipal a tributação da propriedade e as taxas relativas à disponibilização (construção, conservação e exploração) de serviços, equipamentos e infra-estruturas municipais. Em municípios onde a distribuição domiciliária de água não é medida, aquela taxa engloba também este custo. O sistema permite a variação anual dos valores colectados, assegurando a transparência fiscal é através da apresentação do resumo do orçamento municipal aprovado, por grandes rubricas e da sua tradução para cada tipo e localização de propriedade. É pois um factor importante de programa político eleitoral a nível local. Este sistema introduz um risco para os contribuintes: um município que aposte num elevado nível de investimento público poder fazer recair o seu financiamento extraordinário (para além da actualização de valores devida à inflação) nos proprietários do solo, se esta opção não estiver limitada pela lei, podendo limitar assim a desejável estabilidade financeira que a colecta fiscal por este instrumento deveria ter. É discutível até que ponto a Contribuição Autárquica pode ser confundida com uma Taxa Municipal. Tratando-se de um imposto e só podendo ser cobrado pelo Estado, não é uma taxa municipal. Mas sendo a sua receita municipal e devendo ser adequada a suportar o funcionamento da administração municipal corresponde, de facto, a prestações de serviços municipais em geral, já que para serviços municipais específicos existem as taxas municipais específicas correspondentes. Por outro lado, os critérios de proporcionalidade a adoptar na definição da base de incidência, na medida em que se aproximem do peso relativo objectivo que cada propriedade imobiliária tenha no custo de funcionamento da administração local, correm o risco de introduzir grandes variações nos níveis de tributação (dentro de cada concelho e entre concelhos) aproximando a Contribuição de uma verdadeira Taxa. 6

4. As isenções É habitual adoptar regimes de isenção para cada instrumento fiscal, por razões muito diversas. No caso do actual regime da contribuição autárquica e da situação actual da administração fiscal, a desactualização enorme dos valores matriciais e consequentemente dos valores da colecta devidos por muitos contribuintes leva a que fiquem isentos, pelo facto do custo da sua colecta para a Administração Fiscal ser alegadamente superior à receita não cobrada. Naturalmente que a reforma deste sistema no sentido de introduzir uma colecta mínima ultrapassaria esta dificuldade e até fomentaria o emparcelamento no espaço rural. Outro fundamento de isenções está na natureza das entidades proprietárias e das actividades que desenvolvem. Desde logo o Estado, os seus organismos autónomos e as empresas públicas, mesmo que os usos e a utilizações da parcela em causa sejam lucrativos. Um caso especial, com consequências semelhantes ao anterior é o que resulta da Concordata do Estado Português com a Santa Sé. A Igreja e as ordens religiosas estão isentas do pagamento de impostos e taxas o que cria, por vezes grandes dificuldades, às autarquias locais. O caso mais evidente é o de Fátima, no concelho de Ourém. Veja-se o caso da componente para-hoteleira assegurada por ordens religiosas, isenta de qualquer tributação, mas com grande peso nas infra-estruturas e serviços públicos locais. Neste caso, só um regime especial patrocinado pelo Estado poderá assegurar a viabilidade daquela Cidade do ponto de vista das finanças locais. A isenção pode ser também concedida como gentileza, como no caso de instalações diplomáticas, ou como reconhecimento de desfavor económico relativo de certos prédios localizados em certas áreas, como prédios classificados como património e com aproveitamentos urbanísticos muito inferiores aos níveis médios de aproveitamento de uma determinada zona. A consideração de situações de desfavor económico, como no caso de habitação para camadas economicamente desfavorecidas da população segundo a capacidade contributiva de cada contribuinte (como factor complementar de justiça fiscal) requer grandes cuidados por parte da administração fiscal, sob pena de ser utilizado abusivamente pelos contribuintes. 7

Finalmente, a existência de regimes de isenções transitórias em função do valor de aquisição da propriedade pode traduzir-se na indução de comportamentos inviáveis a prazo para os proprietários. A justificação de procurar aliviar os custos iniciais de aquisição de primeira habitação própria nova não parecem convincentes. Também a utilização de regimes de isenção (parcial ou transitória) como incentivo a actividades que se pretendam incentivar como actividades turísticas ou a implantação de novas actividades industriais pode introduzir instabilidade no território e na própria economia, ao encorajar a implantação de usos transitórios (que terminam com o termo das isenções) Em qualquer caso, julgamos que devem ser distinguidas as entidades proprietárias, dos utilizadores efectivos, da natureza das actividades desenvolvidas. Note-se que mesmo as actividades de interesse público e de utilidade pública podem ser lucrativas e, representando sobrecargas para o funcionamento dos serviços públicos municipais, para eles devem contribuir. Por outro lado, nem sempre as características económicas dos proprietários coincidem com as características dos utilizadores do imobiliário. Se é certo que os regimes de excepção, designadamente as isenções fiscais, tendem a introduzir comportamentos injustos na economia de mercado, isto ainda é mais verdadeiro quando se pretende utilizar a tributação indirecta com intuitos re-distributivos da riqueza. 12 de Março de 2003 Paulo V.D. Correia 8