1 Este texto corresponde basicamente à transcrição da intervenção oral gravada.



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Intervenção de Abílio Morgado, Consultor do Presidente da República para a Segurança Nacional, na Sessão de Encerramento do I Congresso Nacional de Segurança e Defesa 1 Procurarei corresponder ao desafio que aqui me foi lançado pelo Senhor Dr. Figueiredo Lopes o de abordar os temas da participação das Forças Armadas na segurança interna e da pertinência de um novo Conceito de Segurança Nacional, que adquiriram relevância neste Congresso sem fugir demasiado ao conteúdo esperado das notas finais previstas no programa desta Sessão de Encerramento. A primeira nota é, obviamente, para um agradecimento a todos aqueles que proporcionaram a existência deste I Congresso Nacional de Segurança e Defesa, especialmente à Comissão Organizadora e ao Conselho Executivo. Assisti ao nascimento e desenvolvimento da ideia e posso assegurar que não foi fácil concretizá la. Foi necessário congregar vontades, angariar patrocínios, sensibilizar a comunicação social e estimular a sociedade portuguesa. Conseguiram levar o Congresso a vários pontos do País; conseguiram quase uma centena de trabalhos de investigação, todos com assinalável qualidade, o que realça os parabéns devidos aos autores dos trabalhos premiados; conseguiram reunir nestes dois dias de Congresso propriamente dito oradores e apresentações de excelência; conseguiram ter um número notável de congressistas, bem comprovado pela presença de tantas pessoas nesta Sessão de Encerramento. Embora estas minhas palavras sejam ditas a título exclusivamente pessoal e assentem na minha total liberdade de pensamento, devo testemunhar vos e esta é a segunda nota o apreço com que o Senhor Presidente da República concedeu o seu alto patrocínio a este Congresso e o modo muito próximo como acompanhou todo o desenrolar dos respectivos trabalhos, quer aqueles que aconteceram um pouco por todo o País, quer os que decorreram ontem e hoje neste Centro de Congressos de Lisboa. O Senhor Presidente da República endereça vos uma palavra muito sincera de felicitações pelo sucesso que já é o I Congresso Nacional de Segurança e Defesa. Desde cedo, ficou muito claro para o Senhor Presidente da República que este Congresso permitiria uma reflexão efectiva como disse ainda agora a Senhora Professora Ana Paula Garcês e como ontem resultou claramente da intervenção do Senhor Professor Adriano Moreira sobre a densificação de um Conceito Estratégico Nacional, ainda que abordado pelas perspectivas (essenciais) da Segurança e da Defesa. E com esta referência inicio a terceira nota. A existência estabilizada de um Conceito Estratégico Nacional constitui precisamente uma preocupação de todos quantos se preocupam, de forma séria, com o desenvolvimento sustentado e sustentável da sociedade portuguesa; pois é cada vez mais determinante que exista em Portugal alguma estabilidade um mínimo de estabilidade quanto às linhas de rumo essenciais do crescimento, do desenvolvimento e da solidez do todo nacional. Lembro que na sessão de lançamento deste Congresso, na Academia das Ciências de Lisboa, 1 Este texto corresponde basicamente à transcrição da intervenção oral gravada. 1

reconhecíamos exactamente que muita da tergiversação política que prolifera em Portugal assenta quase exclusivamente na ausência de tais linhas de rumo estabilizadas. O que é tanto mais preocupante quando o País precisa urgentemente de se fortalecer e de adquirir melhores níveis de coesão, num momento em que valem menos as posições trincheiras suportadas na defesa desesperada de reservas de soberania e valem muito mais os contributos internos efectivos para a criação de condições endógenas de exercício de soberania nacional alargada. E, se dúvidas houvesse sobre esta perspectiva, aí está a realidade do financiamento externo de Portugal a comprová la à saciedade. Por outro lado, penso que não há nenhuma dúvida de que as questões da Segurança, em sentido lato, constituem necessariamente um elemento da estrutura de um tal Conceito Estratégico Nacional; como bem acentuado na criteriosa síntese dos trabalhos do Congresso que acabámos de ouvir à Senhora Professora Ana Paula Garcês. Dito isto, adianto a minha opinião de que a reflexão estratégica em matéria de Segurança Nacional pressupõe que se consiga superar um pensamento encalhado em referências históricas; e importa, obviamente, esclarecer e concretizar o que quero dizer com esta ideia de que, muitas vezes, o pensamento estratégico é penalizado pelo ponto de partida histórico muito situado de que parte. Passo assim à quarta nota. Dois temas, ligados entre si, sobressaíram neste Congresso de forma notória, comprovando se esta notoriedade pelo tratamento que a Comunicação Social dele fez e pelo conteúdo de algumas intervenções nele produzidas: a questão da colaboração entre as Forças Armadas e as forças e serviços de segurança em matéria de segurança interna e a questão de um novo Conceito (Estratégico) de Segurança Nacional. Sinto que o modo de colocação destas questões e a própria colocação delas traduz precisamente uma postura muito situada em termos históricos e situada num momento que ainda hoje produz efeitos muito significativos na situação estratégica global e na sua conceptualização. Refiro me ao fim da Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim. O raciocínio típico dessa postura de pensamento é relativamente linear: com o fim do modelo de segurança inerente ao equilíbrio bipolar, caducou muita da capacidade disciplinadora antes exercida pelas duas super potências nos respectivos espaços estratégicos de influência, emergindo assim diversos pólos de instabilidade, étnicos, religiosos e culturais, antes relativamente controlados ou contidos, passando a constituir novas ameaças, com bastante poder e sobretudo com uma dimensão assimétrica, colocando novos desafios à segurança dos Estados. Face ao que uma pergunta se impõe: é possível, perante ameaças internas insidiosas e de fonte externa (ainda que indirecta), mais ou menos explícitas e iminentes, como o terrorismo internacional e a criminalidade organizada transnacional, incluindo os vários tráficos, dispensar as capacidades das Forças Armadas no apoio às forças e serviços de segurança para criar maior pujança de prevenção e resposta das soberanias nacionais? E, face à resposta óbvia a tal pergunta, logo uma outra se impõe: não se dilui assim ou, pelo menos, não se atenua a tradicional fronteira entre a Defesa Nacional (ou segurança externa) 2

e a segurança interna, reclamando um novo Conceito (Estratégico) de Segurança Nacional, com densidade a determinar, embora certamente muito para além do mero momento terminológico? Colocadas as perguntas, devo confessar vos que considero aquela ponderação que lhes deu origem demasiado redutora nos dias que correm, porque depois da queda do Muro de Berlim o ambiente estratégico evoluiu muitíssimo, em termos de não podermos simplesmente falar de uma decorrência do fim da Guerra Fria. Momentos como a primeira Guerra do Golfo, como a globalização, como o 11 de Setembro, como a crise do subprime logo em Agosto de 2007 ou até como o brutal derrame de crude no Golfo o México têm relevância específica, significado próprio e colocam desafios novos à humanidade. Ou seja, suscitam uma análise estratégica séria, corajosa, autónoma; não desligada da história, mas certamente já desencalhada do mais estável referencial estratégico da dissuasão nuclear do mundo bipolar; imbuída de uma renovada consciência de que vivemos uma espécie de retorno às preocupações básicas da sobrevivência humana e da viabilidade das soberanias; e sem curar de saber se de pessimismo se trata, pois que o que está em causa é uma verdadeira premissa metodológica do pensamento estratégico. É face a este exigentíssimo ambiente estratégico da actualidade, de que Portugal não está, de todo, imune, que deve reflectir se sobre a participação das Forças Armadas no âmbito da segurança interna. E aqui começa a quinta nota. Nesta matéria a minha visão é linear: já hoje e no actual enquadramento jurídicoconstitucional o papel das Forças Armadas na garantia da segurança dos portugueses, face a ameaças, agressões e situações de acidentes graves ou catástrofes manifestadas internamente, tem um enorme potencial, aliás extremamente positivo; para além das missões internacionais que as Forças Armadas, afirmando o prestígio do País, hoje desempenham no âmbito da cooperação militar, do apoio humanitário, da gestão de crises e das operações de apoio à paz. Na verdade, aquela intervenção militar das Forças Armadas em matéria de segurança interna já ocorre no âmbito lato da protecção civil, pode sempre ocorrer nos estados de guerra, de sítio e de emergência e tem de continuar a ocorrer sem especiais querelas, mas reclamando alguns aperfeiçoamentos normativos e até racionalização de recursos e competências (maxime entre a Marinha e a GNR nas águas territoriais) no meio marinho e aéreo de responsabilidade nacional, onde operações típicas de polícia, de afirmação da autoridade soberana, de salvaguarda da vida humana e de preservação ambiental não podem deixar de competir à Marinha e à Força Aérea portuguesas. Daí que, segundo creio, a verdadeira relevância actual daquela questão da participação das Forças Armadas no âmbito da segurança interna implique uma outra pergunta: estamos satisfeitos em Portugal com a realidade já existente que, repito, me parece relativamente linear, ou entendemos que aquele exigentíssimo ambiente estratégico da actualidade e as ameaças que o caracterizam reclamam a disponibilização das capacidades de intervenção das Forças Armadas para apoio às forças e serviços de segurança ou até para complemento destas 3

perante a concretização de tais ameaças dentro das fronteiras nacionais, dado o seu carácter assimétrico e a sua capacidade de uso da violência? Tudo depende suficiência do texto constitucional e da actual e recentíssima Lei de Defesa Nacional da resposta que entendamos dar a tal pergunta. Entendendo se que o papel que as Forças Armadas já hoje podem desempenhar em matéria de segurança interna é suficiente, tal enquadramento jurídico é também suficiente; entendendo se o contrário, deparar se nos ão imediatamente óbvias insuficiências normativas. Neste caso, ganharemos com uma clarificação constitucional e legal das novas missões internas das Forças Armadas. Mas uma tal clarificação necessária eis a sexta nota pressupõe que consensualizemos quatro premissas absolutamente determinantes; e eu proporia que se começasse a reflexão precisamente por aí, claramente antes de se começar a mexer na Constituição ou na Lei de Defesa Nacional ou na Lei de Segurança Interna. A primeira premissa, que me parece muito clara hoje em dia, é a de que estamos perante um tema inadiável e uma opção irrecusável. As ameaças internas de fonte externa que se nos deparam aquelas ameaças do terrorismo e da criminalidade organizada de diferente índole não se concretizam com aviso prévio; concretizam se pura e simplesmente, e o País tem de estar preparado para lhes responder, começando pela fundamental prevenção, envolvendo nesta o sistema de informações. A segunda premissa é a da separação necessária entre o conceito de Defesa Nacional e o conceito de segurança interna ambos plenamente válidos e actuais, por uma razão que tem de frisar se, pois está na medula da configuração constitucional das Forças Armadas na democracia portuguesa e corresponde a uma das mais íntegras assunções da cultura dos militares portugueses: porque as Forças Armadas de Portugal estão exclusivamente ao serviço do povo português, não pode haver a mínima dúvida quanto à sua concreta actuação exclusivamente em defesa da Pátria. O que rigorosamente significa que toda a intervenção das Forças Armadas em território nacional no uso ou simplesmente na susceptibilidade de uso das suas capacidades de coacção é um assunto seríssimo, que não pode deixar de ser tratado pelo legislador com rigorosa perfeição, pois a mínima ambiguidade, sendo perigosíssima, não é, pura e simplesmente, admissível. A terceira premissa é a de que uma tal rigorosa perfeição do enquadramento normativo da intervenção interna coerciva das Forças Armadas assenta em cinco momentos necessários de tipificação, um dos meios mais sólidos de obtenção de segurança jurídica: a) Tipificação dos pressupostos da intervenção, sendo absolutamente insuficiente e praticamente indeterminada a ideia de transnacionalidade da novíssima Lei de Defesa Nacional; b) Tipificação das formas de intervenção, que podem ir da mera segurança de instalações críticas até a operações visando aniquilar o agressor, o que tem implicações e consequências muito diferentes; c) Tipificação de um processo de decisão da intervenção inequívoco; d) Tipificação de um modelo institucional de decisão inequivocamente co participado, sendo que o que acontece com os estados de sítio e de emergência para já não falar na declaração do estado de guerra é um bom exemplo, seja da importância e 4

delicadeza do papel das Forças Armadas em matéria de segurança interna, seja da necessidade de não haver equívocos institucionais relativamente à determinação concreta das operações em que aquele papel se materializa; e) Tipificação de uma estrutura de comando das concretas operações conjuntas (e, porventura, combinadas) das Forças Armadas e das forças e serviços de segurança clara, eficiente e eficaz. Perguntando me eu se o caminho correcto para obtenção destas cinco tipicidades e nenhuma delas hoje existe não deveria ser precisamente o de rever o regime dos estados de sítio e de emergência, agilizando o e nele acolhendo as referidas novas ameaças estratégicas que aproximam as dimensões interna e externa da segurança nacional? A quarta premissa tendo precisamente a ver com a ideia de Conceito (Estratégico) de Segurança Nacional, objecto saliente deste Congresso, e implicando muito mais do que uma mera composição etimológica (do tipo síntese entre Defesa Nacional e segurança interna) sem qualquer valor acrescentado é a de que Segurança Nacional é um conceito complexo, abrangendo múltiplas realidades, conforme o pensamento estratégico militar nunca olvidou e está já bem patente no próprio conceito de Defesa Nacional e, particularmente, nos seus objectivos permanentes e no seu carácter essencialmente interdepartamental. Para além das questões de segurança ligadas às tradicionais ameaças simétricas ou às novas ameaças internas assimétricas de fonte externa (maxime o terrorismo e a criminalidade organizada), temos, com uma dimensão estratégica (que vai muito para além do mero planeamento civil de emergência de cada País) sem preocupações de hierarquização (e talvez entre outras): Segurança nuclear, biológica, química e radiológica; Segurança energética; Segurança cibernética; Segurança das fontes de informação; Segurança das vias de comunicação (incluindo obviamente as rotas marítimas e a utilização do espaço); Segurança alimentar; Segurança hídrica; Segurança ambiental, incluindo da biodiversidade; Segurança demográfica; Segurança migratória; Segurança sanitária; Segurança social; Segurança de sectores económicos vitais; Segurança financeira; Segurança de fontes de matérias primas; Segurança de mercados; Segurança de instalações críticas; Segurança identitária e do património cultural; Segurança educativa e formativa. 5

Nenhum conceito de Segurança Nacional pode hoje em dia esquecer estas várias realidades, devendo perguntar se: quantas delas podem dispensar a colaboração séria, empenhada, eficiente e eficaz entre as Forças Armadas e as forças e serviços de segurança? Ou seja, o conceito de Segurança Nacional, precisamente no que apela à referida colaboração, é muito mais amplo do que a mera articulação entre as tradicionais Defesa Nacional e segurança interna; assim saibamos ultrapassar o tal pensamento estratégico encalhado em referências caducadas. Termino com uma última nota, a sétima; que é também uma memória. Lembro me bem de uma expressão qual expressão a um tempo de lamento e de regozijo que, logo no início da década de 1990, com a queda do Muro de Berlim e a nostalgia da perda do pensamento estratégico que até então era rotina, se constituiu numa espécie de máxima nos fora sobre segurança e defesa, seja na União Europeia (no âmbito dos primeiros acordes da Política Europeia de Segurança e Defesa), seja na OTAN, seja na então ainda União da Europa Ocidental (UEO), seja na Organização ( Conferência, até 1994) para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Eis a expressão: o futuro já não é o que costumava ser. Compreende se bem o espírito que alimentava esta expressão e o seu significado imediato de mudança de paradigma estratégico. Mas a expressão reclama análise mais atenta e preocupada, pois que pode transmitir nos a ideia de que o pensamento estratégico se suporta no futuro previsível e de que devemos orientar o nosso posicionamento actual pela previsão que fazemos do futuro. Esta ideia é errada e muito perigosa; e bem o demonstra o actual ambiente estratégico, caracterizado exactamente pela sua imprevisibilidade, bastando demonstrá lo com a dialéctica ainda ontem aqui relembrada pelo Senhor Professor Adriano Moreira entre o fim da história de Fukuyama e o choque das civilizações de Huntington (ou o choque de ignorâncias de Aga Khan). Agora, a propósito da crise financeira, muita gente se sente tentada a relembrar o pensamento de Keynes, que bem nos alertou para o drama da tentativa de previsão económica; e, ainda há dias, a propósito da conferência de segurança nuclear, patrocinada pelos EUA, o secretáriogeral das Nações Unidas, Ban Ki moon, nos alertava, a propósito dos grandes desafios da proliferação nuclear, para que o inverosímil há uns tempos atrás é agora totalmente verosímil. Em síntese, para encerrar: não me parece difícil encontrar um consenso em Portugal relativamente às questões que tenham a ver com a Segurança Nacional, assim sejam elas perspectivadas como devem sê lo; sobretudo percebendo se que o futuro já não é o que costumava ser, não porque o futuro tenha deixado de ser o que costumava, mas sim porque o futuro nunca foi, nunca chegou a ser. Dito de outro modo: precisamos de perceber que o que releva no pensamento estratégico é anteciparmos o futuro a partir do que hoje construímos e não construirmos hoje a partir do futuro que antecipamos. Ali temos pensamento estratégico e gestão por objectivos; aqui temos um mero exercício de adivinhação e uma mera improvisação por expectativas. E é certamente ali e não aqui que este I Congresso Nacional de Segurança e Defesa tem justo cabimento. 6