PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.005981/2002-24 REPRESENTANTE: Sindicato Nacional das Empresas de Odontologia de Grupo SINOG ( SINOG ) ADVOGADO: não consta dos autos. REPRESENTADA: Uniodonto de Manaus/AM Cooperativa de Trabalho Odontológico ( UNIODONTO ) ADVOGADOS: Reginaldo Ferreira Lima e Luiz Eduardo Lustosa de Oliveira. CONSELHEIRO-RELATOR: Ricardo Villas Bôas Cueva EMENTA: Processo Administrativo. Exigência, pela UNIODONTO aos seus cooperados, de exclusividade na prestação de serviços de odontologia e proibição da chamada dupla militância. Infração prevista no artigo 20, incisos I e IV c/c o artigo 21, incisos IV e V da Lei nº 8.884/94. Conduta configurada e comprovada. Reafirmação da jurisprudência já assentada no CADE. Determinação para cessação das práticas e imposição de multa. VOTO Conforme exposto no relatório, trata-se de Processo Administrativo no qual a Sindicato Nacional das Empresas de Odontologia de Grupo SINOG ofereceu representação em desfavor da UNIODONTO, sob a acusação de infração da ordem econômica em virtude da imposição, por parte da UNIODONTO, de cláusula de exclusividade aos profissionais a ela associados. I DA CONDUTA OBJETO DA REPRESENTAÇÃO A infração imputada à Representada consiste na imposição, por meio de seu Estatuto de Cooperativa, de cláusula de exclusividade na prestação de serviços médicos odontológicos por seus cooperados. Conforme a Representação, a imposição de exclusividade pela Representada aos seus cooperados prejudica a prestação de serviços pelas empresas associadas ao SINOG, impedindo-as, pois, de exercerem livremente suas atividades. 1
O fato mencionado, segundo a Representante, vem provocando o desabastecimento dos serviços odontológicos oferecidos pelas empresas ASSOCIL Assessoria de Saúde e Odontologia ao Comércio e Indústria Ltda e ODONTOPREV PLANO ODONTOLÓGICO EMPRESARIAL (associadas do Representante) na mencionada cidade de Manaus, impossibilitando, literalmente, estas operadoras, de promover atendimento adequado aos beneficiários de seus planos de saúde oral, com inevitável prejuízo à toda a população assistida (fls 05 grifos no original). II DO MERCADO RELEVANTE No caso em questão, o mercado relevante é o de prestação de serviços odontológicos por meio de planos e ou seguros odontológicos. O mercado geográfico, em consonância com a definição da SDE e da Procuradoria do CADE, é a cidade de Manaus, região onde atua a cooperativa, ora Representada, ou em outras palavras, onde as relações comerciais e a conduta analisada estão presentes e geram efeitos. III DA CONDUTA ESPECÍFICA De acordo com as provas constantes dos autos, restou claro que a Representada atua de forma a exigir que seus cooperados não prestem seus serviços às demais empresas concorrentes da Representada. Ao justificar a conduta ora em análise, a Representada baseia-se na premissa de que a exigência de fidelidade societária é legal e que, em conformidade com a Lei nº 5.764/71, que dispõe sobre o cooperativismo, compete à UNIODONTO, desde que constatada a dupla militância, a prerrogativa para coibir que seus cooperados atendam usuários de outras empresas que também prestam atendimento odontológico. Conforme suas alegações, a Representada pretende afastar a possibilidade de os cooperados se vincularem a iniciativas de intermediação comercial, as quais considera instituições de interesses contrários aos propósitos da cooperativa. Normalmente, as cooperativas de classes profissionais, ao imporem cláusula de exclusividade, alegam defender os interesses da classe e que, por isso, a dupla militância enfraqueceria o trabalho desenvolvido pela cooperativa. No entanto, com relação aos argumentos supra citados, pertinente é o Parecer da Procuradoria do CADE, que destaca, verbis: Ainda que se admita ser a exclusividade um princípio próprio da instituição das cooperativas, as quais possuem características jurídicas próprias, bem como autonomia para estabelecer suas regras estruturais, tais preceitos não 2
assumem caráter absoluto, quando houver um interesse maior a ser tutelado. No caso, o interesse coletivo se sobressai, impondo-se, desta forma, a aplicação do princípio constitucional da supremacia do interesse público o que vem legitimar a intervenção estatal. Ademais, note-se que a conduta em questão contraria diretamente a Lei nº 9.656/98, que dispõe acerca dos Planos e Seguros de Assistência Privada à Saúde. Segundo seu art. 18, inciso III, é garantido ao profissional de saúde ou prestador de serviço a manutenção de relacionamento de contratação ou credenciamento com quantas operadoras de planos ou seguros privados de assistência à saúde desejar, sendo expressamente vedado impor contratos de exclusividade ou de restrição à atividade profissional. (grifamos) Portanto, entendo que a imposição de cláusulas de exclusividade afigurase ilegítima, tendo em vista que contrariam frontalmente os preceitos tanto de ordem pública quanto da ordem econômica insertos na Lei nº 8.884/94. IV DOS EFEITOS SOBRE O MERCADO RELEVANTE Conforme consta nos autos, dos 20.000 usuários de planos odontológicos em Manaus, aproximadamente 12.000 são atendidos pela UNIODONTO, conferindo à Representada 60% de participação de mercado, do que se presume um significativo poder de mercado a lhe propiciar condições de exercício abusivo de posição dominante a ser reprimido por este Conselho. Dessa forma, o efeito mais provável da imposição de cláusula de exclusividade por quem detém posição dominante, conforme exposto pelo Conselheiro Cleveland, em seu voto de vista no PA 08012.0011280/2001-35, que julgou matéria semelhante envolvendo cooperativas de trabalho médico, é a potencial exclusão de concorrentes, por meio da criação artificial de barreiras à entrada e permanência de concorrentes. O referido Conselheiro acrescenta ainda que... a relação que se estabelece entre cada cooperado e a Cooperativa é de subordinação e não mais de cooperação. Isto se torna tanto mais verdadeiro quanto maior for o poder de mercado detido pela Cooperativa. Com efeito, possuindo poder de mercado, a Cooperativa sente-se à vontade para recusar a entrada de médicos que não aceitam a exclusividade, o que deixa claro a natureza impositiva da cláusula. A despeito das alegações feitas pela Representada de que os cooperados, ao se associarem, optam livremente por se afastar das iniciativas de intermediação comercial da odontologia e que, também, estão livre para exercerem a opção de saída da cooperativa, acrescento a oportuna manifestação do Conselheiro Miguel Tebar Barrionuevo no voto do PA 08012.001280/2001-35, que também versou sobre matéria análoga à do presente processo, qual seja, cláusulas de exclusividade em cooperativas de trabalho médico: 3
A imposição de exclusividade de filiação dos profissionais médicos insere elementos de rigidez ao funcionamento do mercado de serviço médico por meio de planos de saúde, devido à imposição de uma indivisibilidade do tempo disponível do profissional médico. Por um lado, a filiação exclusiva representa um comprometimento contratual que adiciona custos à mudança de emprego para o profissional médico. Os custos de transação incorridos na desfiliação e para uma possível refiliação são fatores que desestimulam a realocação da mão de obra médica nos empregos onde ela é mais demandada. Conclui-se, assim, que os efeitos líquidos da exclusividade de filiação são deletérios para a concorrência, trazendo certamente ineficiências para o mercado de trabalho médico e aumentando as barreiras à entrada no mercado de prestação de serviços médicos por meio de planos de saúde. A experiência já demonstrou que a imposição de cláusulas de exclusividade poderá assumir características de um círculo vicioso, uma vez que tal conduta proporciona à operadora uma oferta abrangente de profissionais, reduzindo, assim, o número de profissionais disponíveis a serem contratados pelas operadoras concorrentes. Logo, quando a operadora atinge posição dominante no mercado, a quantidade ofertada de profissionais e a abrangência de especialidades influenciam significativamente nas escolhas dos consumidores, já que esses demandam por grande variedade de especialidades de tratamento e opções de profissionais em cada área de especialidade. Da mesma forma, quanto maior a fatia de mercado dessa operadora, maior influência ela exercerá na opção dos médicos ao se associarem, pois o acesso à grande clientela dessa operadora compensa a perda de cliente de uma operadora menor. Percebe-se que esse círculo vicioso constitui verdadeira barreira à entrada e permanência de novos concorrentes. Também do ponto de vista dos consumidores, as barreiras à entrada e a ausência de concorrentes no mercado limitam o leque de escolha de planos odontológicos, podendo conferir à Representada poder de monopólio à medida que aumenta sua participação de mercado. Evidencia-se, desse modo, uma possível perda de bem-estar por parte dos consumidores. Quanto às possíveis eficiências derivadas da conduta que poderiam compensar os efeitos negativos acima expostos, estas têm sido comumente relacionadas, na literatura econômica, com a proteção da marca, o que evitaria atitudes oportunistas por parte dos profissionais. Em outras palavras, o contrato de exclusividade evitaria que o profissional usasse o status de ser cooperado da UNIODONTO para atender clientes de outras operadoras, o que geraria uma apropriação, por empresa concorrente, dos investimentos na marca realizados pela Representada. Entretanto, a Representada não alega em sua defesa que a reputação do plano tenha sido explorada por outra operadora e que a conduta esteja baseada em 4
estratégia de construção de uma reputação pelos bons serviços odontológicos prestados pela UNIODONTO, não merecendo, pois, prosperar tal argumento. Assim, considero que os efeitos líquidos da exclusividade de filiação são negativos para a concorrência, pois gera distorções para o mercado de planos odontológicos e aumenta as barreiras à entrada e à permanência de concorrentes no mercado relevante sob análise, o que, no final, acaba por prejudicar tanto a concorrência como os consumidores de serviços odontológicos. V - CONCLUSÃO Diante do exposto, considerando a consolidada jurisprudência desta Autarquia em julgamentos semelhantes relativos ao setor econômico análogo, e em conformidade com os pareceres da SDE, da Procuradoria do CADE e do Ministério Público Federal, voto pela condenação da Representada como incursa nos art. 20, incisos I e IV c/c o art. 21, incisos II e V da Lei nº 8884/94, nos seguintes termos: a) Com fundamento no art. 23, inc. III da Lei nº 8.884/94 e, ainda, tendo em vista os critérios para aplicação da pena previsto no art. 27 da citada Lei, quais sejam, a gravidade da infração e sua consumação, o grau de lesão à concorrência no mercado analisado, aos consumidores e a terceiros, e os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado, determino a aplicação de multa no valor de R$ 63.846,00 (sessenta e três mil, oitocentos e quarentas e seis reais), correspondente a 60.000 UFIRs; b) Determino que a Representa altere seu Estatuto Social, Regimento Interno, Propostas de Admissão e Fichas de Cadastro, no sentido de excluir quaisquer imposições ou cláusulas que contenham dispositivos referentes à exclusividade na prestação de serviços ou vedação à dupla militância de seus cooperados, o que deverá ser comprovado perante este CADE no prazo de 30 (trinta) dias após a publicação do acórdão da presente decisão; c) Determino que a Representada realize às suas expensas, e sem prejuízo da multa cominada no item a supra, a publicação, em meia página, no jornal de maior circulação no mercado relevante de Manaus/AM, do extrato do presente voto, por dois dias seguidos e em duas semanas consecutivas, em conformidade com o art. 24, inc. I, da Lei nº 8.884/94; d) Determino que a Representada comunique aos seus associados, através de meio idôneo de comunicação, o teor da presente decisão, o que deverá ser comprovado perante este CADE no prazo de 60 (sessenta) dias após a publicação do acórdão da presente decisão; Determino, por fim, com base no parecer do Ministério Público Federal que os profissionais cooperados porventura descredenciados em decorrência da dupla militância sejam imediatamente reintegrados, como providência necessária para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica. 5
Advirto a infratora que a continuidade da conduta infrativa, após a decisão do CADE, ou mesmo o descumprimento da presente decisão, acarretará multa diária no valor de R$ 5.320,00 (cinco mil trezentos e vinte reais), correspondente a 5.000 UFIRs, com fundamento no artigo 25 da Lei nº 8884/94. É o voto. Brasília, 01 de setembro de 2004. Ricardo Villas Bôas Cueva Conselheiro-Relator 6