A medicina da família e a humanização do atendimento ao paciente



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Transcrição:

A medicina da família e a humanização do atendimento ao paciente por Denise Marson Apesar da implantação do programa Saúde da família, a formação de profissionais especializados na área de medicina da família ainda não é representativa nas universidades brasileiras. Atuando nesse vácuo, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa) procura desenvolver um trabalho de capacitação de profissionais para atender a essa demanda da população, através de cursos e programas de residência médica para recém-formados. Entrevistado pela revista Médico Repórter, o Dr. Pablo González Blasco, diretor científico da entidade, fala das dificuldades enfrentadas por um médico de família no País e também da relação desse profissional com a população, com a área acadêmica e com as autoridades governamentais. 6 médicorepórter maio 2005

Divulgação Dr. Pablo González Blasco, diretor científico da entidade q Quando foi criada a Sobramfa? Nós fundamos a Sobramfa em 1992. Mas, desde 1988, criamos uma empresa de prestação de serviços que funciona até hoje e, a partir dela, convoquei colegas especialistas de outras áreas: ortopedia, cirurgia, geriatria, pediatria para fundarmos a Sociedade Brasileira de Medicina de Família. Até 1991, ninguém falava de medicina de família no Brasil. Por exemplo, o programa Saúde da família foi algo que o governo criou em 1994 e foi implantado só anos mais tarde. Começamos muito antes de qualquer programa do governo ou de coisas que hoje estão ficando comuns. Nosso intuito, com a criação da sociedade, foi congregar médicos de várias especialidades que tivessem uma preocupação pelo resgate humanístico da profissão. Se bem que hoje essa palavra humanizar acabou virando moda. q E quando o sr. se tornou um médico de família? Sou espanhol, tenho 48 anos e vim para o Brasil ainda garoto. Formei-me em 1981 na Universidade de São Paulo e enveredei pelos caminhos da cardiologia, mas, quando comecei a minha prática no consultório, vi que os pacientes gostavam do relacionamento comigo e levavam outras pessoas de suas famílias e amigos, com queixas que nem sempre estavam relacionadas com a minha especialidade. Então, percebi que as pessoas não vão ao médico procurando um expert em uma especialidade. Elas querem alguém que as entenda. É muito importante que o paciente seja entendido. Depois, se o médico tiver compreendido o problema e não tiver competência necessária para resolvê-lo, é preciso convocar um especialista. Por exemplo, se um paciente chega até mim, eu entendo seu problema, mas chego à conclusão de que ele tem um tumor na cabeça, eu terei que convocar um neurocirurgião, obviamente. Mas o primeiro passo sempre é entender o paciente. Em resumo, eu fui transformado em um médico de família pelo que os meus pacientes fizeram comigo. E essa é uma história bastante natural, muitos médicos nos Estados Unidos e na África da Sul dizem que suas experiências foram exatamente iguais, na virada dos anos 60 ou anos 70, quando o paciente começou a procurar o médico dele, um médico pessoal. q Nos outros países, a preocupação com a humanização do atendimento é mais antiga? Nos outros países, a preocupação veio mais da demanda dos próprios pacientes. Nos Estados Unidos, houve uma pressão muito grande de setores das sociedades como o dos fazendeiros do Texas, por exemplo. Eles davam dinheiro para as pesquisas da universidade e diziam: Acho ótimo que vocês desenvolvam pesquisas, mas quero saber quem vai cuidar dos meus parentes lá no rancho. Se vocês não produzirem médicos para cuidar do meu povo, eu corto a verba. Aí, rapidamente, os médicos começaram a se adaptar. Essa cultura foi muito forte na parte Sul e na Costa Oeste dos Estados Unidos. médicorepórter maio 2005 7

q E qual é a postura da Sobramfa com relação à formação profissional? Sabemos que a medicina de família não é para muitos, é para poucos e, por esse motivo, pedimos estudantes altamente selecionados. Temos um programa de residência na Sobramfa, que foi desenvolvido por nós. Nas universidades, eles chamam de medicina de família a medicina preventiva, a medicina social, a epidemiologia, a saúde pública, mas não há uma disciplina que seja verdadeiramente a medicina de família. O médico de família tem conhecimentos de todas essas áreas, mas não se esgota nelas, pois o mais importante deve ser a pessoa, o paciente. A nossa proposta é formar médicos de família que possam ser professores nas universidades. q Como deve ser o perfil de um médico de família? Vou contar uma história: um professor de uma faculdade de medicina da família do Estado do Michigan, nos Estados Unidos, que é chefe da disciplina de Medicina de Família, recebe seus alunos e diz: Bem-vindos. Estou feliz em ter vocês todos aqui. Mas eu queria fazer uma advertência. A medicina de família não é para a maioria de vocês. Isso é muito amplo, muito complicado, exige muito conhecimento. A maioria de vocês se sentirá mais confortável escolhendo uma pequena parte desse conhecimento médico. Sabe qual o resultado? Só ficam os melhores alunos da faculdade. Na medicina de família, eu nunca sei o que vai entrar pela porta do meu consultório e tenho de atender a todos os pacientes. Então, o médico de família sabe tudo? Não. Mas sabe muito. q E por que não saem profissionais desse tipo da universidade? As universidades não estão formando médicos de família, elas continuam formando 98% de especialistas. Por quê? Porque é isso que os estudantes querem. Eles não vêem um médico de família dando aulas para eles. Se existisse uma faculdade de medicina que não tivesse a disciplina de Otorrinolaringologia, quantas vocações de otorrino seriam provocadas nessa faculdade? Nenhuma. É claro, ninguém viu o modelo. Se um estudante não viu um médico de família que esteja de igual para igual com os outros professores e que tenha disciplina própria, como você vai provocar a formação de novos profissionais na área? q O que difere esse novo profissional do velho médico de família que conhecemos? O novo médico de família não é uma reedição anacrônica de um velho profissional do século XIX. É um profissional moderno. Essa volta não é um mero saudosismo. Esse tipo de profissional é formado por uma técnica moderna, é uma espécie de especialista em tudo, principalmente, em pessoas. q Houve uma demanda dos pacientes que fizesse com que o médico de família voltasse a atuar? Sim, por um motivo muito simples. Na época em que existiam os primeiros médicos de família, não havia excelência em educação médica. Até que houve uma grande reforma universitária a partir de 1910 e começou a se destacar a prevalência de universidades voltadas para a área científica. Desse modo, os estudantes tinham um grande volume de conhecimento, pois eles se aprofundavam, pesquisavam. Logo, não conseguiam armazenar todos os conhecimentos e precisavam se especializar. Isso ocorreu em todas as áreas profissionais e também na medicina. Com a especialização, se aprofunda na causa, no tratamento, no diagnóstico das diversas doenças, mas fatalmente, se esquece a unidade. Por exemplo, nós tínhamos um especialista em fígado, porém, de tanto estudar esse órgão, ele se esquecia do ser humano que ele tratava. 10 médicorepórter maio 2005

Sentindo esse problema, os próprios pacientes, a partir dos anos 60, começaram a procurar o médico de família. Aquele profissional que talvez não fosse muito técnico, mas com o qual eles podiam conversar. q Esse movimento ocorreu aqui no Brasil também na década de 60? Aqui no Brasil é um fenômeno mais recente. Naquela época, nos anos 60, ainda havia o clínico geral. Essa era uma demanda mais americana. Aqui no Brasil, os especialistas ainda eram muito reduzidos. Para que esse movimento ocorra, é necessário perder o modelo antigo de generalistas, passar pela era das especialidades para, então, se criar um novo estilo de médico generalista que nós chamamos de médico de família. q Podemos dizer que é uma nova especialidade? Sim. Porque estamos fazendo a formação desses novos médicos de modo científico, com pesquisas e publicações, muito diferente do que se fazia há 150 anos. Fazemos isso hoje com um volume de conhecimento muito grande, uma quantidade de informação tremenda, recursos de comunicação muito rápidos. Hoje, o médico de família é um profissional que trabalha com a internet. Nossa metodologia de ensino tem como objetivo unificar, ocupar-se do paciente como um todo e não apenas da doença. q E não há essa preocupação com o lado humano do paciente nos consultórios de especialistas? Não. Hoje, são aglutinados vários especialistas em volta do idoso ou ao redor do paciente que apresente várias patologias e ele fica perdido. Ninguém fala com a família, tampouco com o paciente, sobre o que realmente está acontecendo. Hoje, se você tem uma dor de cabeça, vai ao neurologista. Eles são ultra-especialistas, cuidando dos casos mais comuns, o que é um grande erro. Quantas dores de cabeça sua mãe, sua avó e o farmacêutico cuidaram e curaram e que nunca chegaram ao neurologista? Um monte. Uma dor de cabeça começa sempre igual, uma enxaqueca ou um tumor, mas só o tempo irá dizer o que é. Esse tipo de habilidade é o que o médico de família desenvolve: a de acompanhar o paciente por anos. Se um especialista em rim perder o mesmo tempo que eu atendendo esses casos mais simples, ele terá menos tempo para realizar transplantes, por exemplo. Não estou dizendo que somos melhores ou piores, somos diferentes. A cada um, suas competências. q A população já está preparada para ser atendida por um médico de família? Está sim. Mas ela não sabe que isso existe. As pessoas pensam que o médico de família é um velhinho, com maleta, usando um colete. Temos que preparar a população, mas essa é a parte mais fácil, pois todos gostam de ter um médico seu. Muitas vezes, como muitas pessoas têm convênios médicos, cria-se uma cultura de especialidades. Então, o paciente chega até o médico de família e acha que ele é um psiquiatra porque curou a irmã dele de uma depressão. Logo, faz suas queixas relacionadas à área de psiquiatria e diz: Bom, doutor, da sua parte, é só isso. E eu tenho que explicar: Não, você pode me contar o que quiser. Quem entende mais rápido o que faz um médico de família é o paciente. Em segundo lugar, vem o estudante. E depois, bem longe, são as universidades. Infelizmente, é assim. q Quem é atendido pelos médicos de família atualmente? Como encontrá-los? Nós temos uma empresa e atendemos em consultório particular. Também atendemos via empresas privadas. Nossa empresa tem 17 anos. Atendo pacientes, desenvolvo projetos, dou aulas, dou cursos de educação afetiva, há empresas de seguro de saúde que nos procuram para desenvolver projetos específicos para eles. Há também empresas de home care, mas a medicina de família não é apenas home care. O médico de família atua nessa área, mas se dá bem também na medicina do trabalho, no ambulatório e em todos os lugares, pois é altamente versátil. Se a pergunta é: Onde estão os médicos de família?, a resposta é: Onde estão os pacientes. q O médico de família tem alguma dificuldade quando é necessário lançar mão de exames complexos para o diagnóstico de alguma doença mais grave? Geralmente, não despachamos o nosso paciente para nenhum outro especialista. Nós convocamos os especialistas para trabalhar conosco. Temos pacientes com câncer, com leucemia, com mieloma. Temos casos complicadíssimos, pessoas fazendo quimioterapia. E é claro que chamamos um oncologista para trabalhar junto com a gente, também chamamos um cirurgião, mas o paciente continua sendo atendido por nós. q Em sua opinião, o programa Saúde da família segue os preceitos da Sobramfa? Sim. Não foge em nada. Ele é um programa muito bom, mas há duas coisas que precisam ser melhoradas. Primeiro: não se pode colocar qualquer médico para participar do programa. Minha preocupação é com a qualidade desses médicos. Segundo: a relação médicopaciente é uma coisa íntima. Ninguém gosta de expor seus problemas para uma equipe inteira. E sabe por que eles propõem que as pessoas sejam atendidas por equipes? Porque a população pobre não reclama. Eu duvido que esse programa funcionaria entre a classe média. Pacientes que têm convênio não querem nem saber desse sistema. q O sr. trabalha exclusivamente com médicorepórter maio 2005 11

pacientes que têm convênios? Alguns pacientes são particulares, outros de convênio e também há produtos nossos que são desenvolvidos para pacientes carentes. Trabalhamos com qualquer um. A arte do profissional liberal é atender a todos os pacientes com dignidade. Nós temos projetos de montar clínicas populares na periferia, onde as pessoas não têm convênio. q A Sobramfa tem algum vínculo com o sistema público de saúde? Não. Nossa atuação está muito vinculada ao sistema privado. Não é porque não queiramos fazer no sistema público ou na universidade, mas há interesses criados ora no sistema público ora na universidade. Nesses lugares, há pessoas dizendo que fazem medicina da família, mas elas não pensam na excelência dos serviços. Porém, as empresas privadas e os seguros de saúde entendem que os médicos de família resolvem os problemas, os pacientes gostam deles e eles baixam os custos. q Como são os programas oferecidos? Nosso programa de residência se chama Fitness, ou seja, formação integral e treinamento sob supervisão. Nós treinamos o médico recém-formado no cenário real do médico de família, nas casas, nos ambulatórios, nos serviços de home care. Eles fazem gerenciamento, atendem telefone, fazem o mesmo que eu faço. Não existe a história de que o médico recém-formado não é médico. Nosso residente, desde o primeiro dia, é médico. Eles fazem uma imersão nos diversos cenários de medicina de família. q E como funciona o programa Milhas em medicina de família? As milhas são uma forma de avaliar os estudantes que concorrem à nossa residência. As milhas de medicina de família são como as milhas aéreas. A cada reunião, a cada atividade que o estudante realiza conosco, ele vai ganhando milhas, créditos. Também existem os estágios na Sobramfa, que são mini-fellowships, nos quais os estudantes podem passar uma semana conosco. Depois dos estágios, eles voltam turbinados às universidades, com uma experiência que eles não tiveram na vivência da universidade. Então, quando o recém-formado chegar para fazer uma entrevista de residência, vamos levar em conta se ele fez alguns dos nossos programas e se já tem milhas. Esses candidatos têm mais vantagens. q Os cursos oferecidos pela Sobramfa são freqüentados por quantas pessoas? Desde que fundamos a sociedade em 1992, calculo que, pelo menos, de 3 a 4 mil estudantes passaram por aqui. Muitos ficam na área? Não, são poucos. Toda a nossa diretoria é composta por antigos alunos nossos, são pessoas que poderiam estar em qualquer outro lugar, em qualquer especialidade, mas optaram vocacionalmente pela medicina de família. Estamos buscando uma certificação de competência. Para isso, desenvolvemos um projeto, além da residência normal para os recém-formados. Atualmente, nós temos três residentes, que ficam conosco durante três anos. Tivemos oito candidatos esse ano e, desses, selecionamos três. Não temos nenhum interesse em preencher todas as vagas. Queremos gente que esteja realmente a fim. Em nossa avaliação, nós temos currículo, carta de intenções e entrevista, mas não usamos prova de múltipla escolha. É algo muito próximo ao que as empresas fazem quando querem selecionar pessoas para trabalhar. É entrevista olho no olho. q Quais as novidades que serão apresentadas no próximo congresso? Durante o 9º Congresso Acadêmico e Internacional de Medicina de Família, realizado de 8 a 10 de julho, em Embu das Artes (SP), lançaremos um programa chamado Fitness profissional. Ele será indicado a médicos que, por exemplo, estão formados há cinco a sete anos, fazem gerenciamento de casos clínicos e querem se transformar em médicos de família. É como um MBA em medicina de família. Eles darão aula para estudantes, farão pesquisas, atenderão a pacientes conosco. Farão uma semana de curso presencial e, nas outras três semanas do mês, eles voltarão para os seus cenários. Isso ocorrerá durante um ano em um total de 480 horas de curso presencial. Também nas semanas em que eles estiverem em seus empregos, desenvolverão pesquisas e serão monitorados on-line. Esse é um curso que será pago. Ele será o grande boom do nosso congresso. Estamos desenvolvendo também o Fitness internacional. Estive no México, na Bolívia; temos contato com o Peru, o Equador, o Chile, o Uruguai e a Argentina. Esse conceito de excelência em medicina de família que nós da Sobramfa estamos criando está revolucionando a América Latina. Quando vamos a esses países e mostramos que o médico de família não é um médico que gostaria de ser outra coisa e, infelizmente, não conseguiu, eles vencem o complexo de inferioridade. Lá, os profissionais que atuam nessa área são os que não conseguiram ingressar em uma especialidade. Isso é o que nós não queremos para o Brasil. Quando chegamos lá e encontramos algumas lideranças isoladas e falamos dos nossos programas, eles se entusiasmam. Por esse motivo, vamos aproveitar para criar, no nosso congresso, a Confederação Acadêmica Latino- Americana. Ela será voltada a todos aqueles que queiram promover as lideranças e a excelência na educação de família em seu próprio país. Dentro desse projeto, as pessoas podem vir para cá e passar um mês conosco. Isso será pago, mas a Sociedade também poderá oferecer bolsas. r 12 médicorepórter maio 2005