Extração Semi-Automática de Feições Lineares e a Calibração dos Parâmetros Intrínsecos de Câmeras Leonardo Ercolin Filho 1 1 Escola Politécnica Universidade de São Paulo (USP) Caixa Postal São Paulo SP Brazil leonardo.ercolin@poli.usp.br Resumo. O procedimento para obtenção dos parâmetros intrínsecos é conhecido por calibração e diversas são as técnicas que podem ser utilizadas. Classicamente os métodos de calibração são divididos em Métodos de Laboratório e Métodos de Campo. Os métodos de Laboratório são utilizados principalmente pelos fabricantes de câmeras e empregam equipamentos óticos, enquanto os de Campo utilizam como informações as fotocoordenadas de alvos sinalizados e georreferenciados, sendo esses processados com modelos matemáticos que permitem a recuperação de tais parâmetros. Além destes, tem-se os métodos baseados em feições lineares uma vez que algoritmos de extração automática e semi-automática são disponíveis. Seguindo o contexto apresentado, este artigo tem como objetivo apresentar os resultados obtidos no processo de extração de feições lineares de modo semiautomático e a calibração dos parâmetros intrínsecos de câmeras utilizando feições lineares. Abstract. The procedure to obtain the intrinsical parameters is known as calibration, and many are the techniques that can be used. Classically, the calibration methods are divided in Laboratory Methods and Field Methods. The Laboratory Methods are used especially by camera manufacturers, with the application of optical equipment, while the Field Methods count on the photo-coordinate data of marked and georreferenced targets, being these processed through mathematical models that allow the recuperation of the parameters. Besides these, there are those methods which are based on linear features, considering the availability of algorithms of automatic and semiautomatic extraction. Following this presented context, this article has the objective to present the results obtained through the extraction of linear features in semi-automatic mode, and the calibration of intrinsical parameters of cameras using linear features. 1. Introdução A Fotogrametria é a arte, ciência e tecnologia de obtenção de informação confiável sobre objetos físicos e o meio ambiente através do processo de gravação, medição e interpretação de imagens fotográficas e padrões de energia eletromagnética radiante e outros fenômenos (American Society of Photogrammetry). Para a determinação de coordenadas dos pontos no sistema do espaço objetos, a partir de fotografias aéreas, são necessários, dentre outros elementos, o conhecimento dos
parâmetros intrínsecos e extrínsecos do sensor usado. Os parâmetros intrínsecos são os parâmetros que caracterizam a geometria interna no sensor e os extrínsecos aqueles que permitem a determinação da posição e orientação da câmera no espaço. Como parâmetros intrínsecos têm-se a distância focal da câmera, posição do ponto principal e os parâmetros de distorção do sistema de lentes. 2. Extração de Feições O primeiro passo em análise de imagens é segmentação. A segmentação consiste em subdividir uma imagem em suas partes ou objetos constituintes (Gonzalez, 1993). Dependendo da aplicação, uma operação simples como a Limiarização (Thresholding) pode ser utilizada para segmentar uma imagem em tons de cinza e, desta forma, separar objetos presentes do fundo da imagem. Uma outra possibilidade de segmentação é a que faz uso da determinação de bordas dos objetos presentes na cena. Como tais regiões são caracterizadas por uma variação brusca de intensidade do tom de cinza na imagem, a utilização de detectores de descontinuidades são ferramentas essenciais para realização deste processo. Os detectores de bordas trabalham com a análise da variação do tom de cinza presente em cada pixel na imagem. Esses detectores localizam descontinuidades e permitem visualizar as bordas presentes na imagem de forma mais destacada. A Figura 1 mostra um exemplo do resultado obtido com a aplicação destes detectores em imagem que apresenta descontinuidades. Figura 1 (a) Imagem com presença de descontinuidade, (b) Detecção da descontinuidade através da aplicação de detector de bordas (Operador de Sobel). 2.1 Detector de Bordas O Operador de Sobel é um detector de bordas utilizado para se obter descontinuidades nos tons de cinza da imagem, ou seja, ele permite a determinação de bordas na imagem. Este operador utiliza duas máscaras de dimensões 3x3 pixels, denominadas Gx e Gy que obtém a variação dos tons de cinza (gradiente) na direção dos eixos x e y, respectivamente. Considerando que os pixels mais próximos do centro devem apresentam maior influência sobre o gradiente no ponto, o Operador de Sobel é definido com pesos da região central, como mostra a Figura 2 (Gonzalez, 1993).
Figura 2 Máscaras utilizadas pelo Operador de Sobel (Gonzalez, 1993). A aplicação dos operadores Gx e Gy resulta nos gradientes da borda nas direções x e y, respectivamente. Com isso, por meio destes valores é possível obter o valor da magnitude do gradiente, ou gradiente resultante, e a direção da borda em cada pixel, como mostra a Figura 3. Figura 3 Determinação da magnitude do gradiente resultante e ângulo α (Gonzalez, 1993). 3. Calibração de Câmeras A utilização de câmeras digitais em diferentes aplicações cresce dia a dia graças ao desenvolvimento de pesquisas em diversas áreas, como por exemplo, visão robótica, visão de máquina, Fotogrametria em tempo real, tratamento digital de imagens, Engenharia de Materiais de Eletrônica (Galo, 1993). Em diversas aplicações utilizando câmeras fotogramétricas, há ocasiões em que o usuário está interessado em adquirir informações de natureza geométrica, como, ângulos, distâncias e coordenadas, ou em outros casos, informações de natureza radiométrica, como o valor dos tons de cinza em cada pixel presente na imagem. Contudo, para qualquer tipo de aplicação utilizando câmeras, é necessário que se tenha o conhecimento da precisão obtida com este equipamento. Para isso, deve-se procurar a determinação dos parâmetros que definem a geometria interna e que permita a correção dos erros sistemáticos, para que seja possível a obtenção de informações com a precisão desejada. O procedimento para obtenção dos parâmetros intrínsecos é conhecido como calibração. Os métodos de calibração são classicamente agrupados em métodos de Campo e Laboratório (Andrade, 1998). Os métodos de Laboratório utilizam equipamentos especiais como goniômetros e multicolimadores e são normalmente realizados pelos fabricantes. Nos métodos de Campo são utilizados modelos que parametrizam os erros sistemáticos e nesses métodos são utilizadas como observações as coordenadas dos pontos presentes nas imagens. Além desses métodos de calibração, tem-se como alternativa o método baseado em feições lineares extraídas sobre imagens digitais (Prescott & McLean, 1997). O princípio deste método se baseia no fato de que uma feição linear no espaço objeto deve ser projetada na forma de um segmento de reta no plano imagem. Dessa forma, qualquer
deformação da feição projetada na imagem pode ser atribuída às distorções provocadas pelo sistema de lentes. 3.1 Parâmetros de Calibração A calibração da câmera envolve a determinação do grupo de parâmetros necessários para a reconstrução do feixe perspectivo gerador da imagem (Andrade & Olivas, 1981). Os parâmetros existentes, também chamados de parâmetros de calibração são: ponto principal (X 0, Y 0 ), distância focal (f), coeficientes de distorção radial simétrica (K 1, K 2, K 3 ) e os coeficientes de distorção descentrada (P 1, P 2 ). O deslocamento do ponto principal (X 0, Y 0 ) é ocasionado pela não coincidência entre o eixo ótico da câmera e o centro fiducial da fotografia como mostra a Figura 4. Figura 4 Deslocamento entre o Ponto Principal e o Centro Fiducial. A distorção radial simétrica (K 1, K 2, K 3 ) pode ser encarada como sendo a parcela não desejável da refração sofrida por um raio de luz ao atravessar uma lente. Desta forma, um raio de luz que antes de penetrar na câmera, forma um ângulo α com o eixo óptico, ao atravessar o sistema de lentes irá resultar em um ângulo α + δα causando um deslocamento δr na posição da imagem no plano do negativo (Andrade, 1998). A Figura 5 mostra o efeito da distorção radial simétrica. Figura 5 Efeitos da distorção radial simétrica. A distorção descentrada (P 1, P 2 ) é gerada pela impossibilidade do fabricante em alinhar perfeitamente os eixos ópticos das lentes que compõe uma objetiva. Essa distorção resulta em um deslocamento na imagem e é composta pelas componentes tangencial e radial simétrica. A Figura 6 mostra o efeito da distorção descentrada. Figura 6 Efeitos da distorção descentrada.
4. Metodologia Extração de Feições Na etapa de extração de feições, foi desenvolvido um algoritmo denominado FOTOExtrac utilizando a linguagem de programação C e o compilador C++ Builder da Borland. Esse algoritmo permite a extração de feições lineares de modo semiautomático baseado na técnica de detecção de descontinuidades utilizando o Operador de Sobel. Foram realizados vários testes com imagens sintéticas (simuladas) e reais a fim de se avaliar a precisão do algoritmo desenvolvido. A Figura 7 mostra os resultados obtidos na extração de feições lineares em imagens sintéticas e reais utilizando o FOTOExtrac. Figura 7 (a) Feição linear extraída em uma imagem sintética, (b) Feição linear extraída em uma imagem real. 5. Metodologia Calibração dos Parâmetros Na etapa de calibração dos parâmetros foi desenvolvido um algoritmo denominado Calibra também utilizando a linguagem de programação C e o compilador C++ Builder da Borland. Esse algoritmo é baseado no Modelo Paramétrico do Método dos Mínimos Quadrados (MMQ) e utiliza como dados de entrada o resultado do programa de extração de feições (FOTOExtrac). O modelo matemático utilizado é o da equação da reta na forma paramétrica polar corrigida dos efeitos da distorção (ponto principal, distorção radial simétrica e descentrada). As equações que compõe o modelo de calibração utilizado seguem apresentadas na Figura 8. Figura 8 Equações do modelo de calibração. Foram realizados testes com imagens reais contendo feições com curvatura acentuada devido aos efeitos da distorção. A qualidade dos resultados obtidos foi atestada ao aplicar os parâmetros calculados a uma imagem visivelmente distorcida. A Figura 9 mostra uma imagem utilizada nos testes e os gráficos de distorção antes e depois da aplicação dos parâmetros de calibração.
Figura 9 (a) Imagem com distorção, (b) Gráficos de distorção antes e depois do processo de calibração. 6. Conclusões Através dos resultados obtidos foi possível verificar que o método utilizado gera resultados confiáveis viabilizando o processo de calibração dos parâmetros utilizando o método de feições lineares. Além disso, uma vantagem oferecida por este método é a não necessidade de dispor de pontos no espaço objeto com coordenadas conhecidas, reduzindo assim o tempo entre coleta das imagens e o processamento final, além de eliminar a possibilidade de eventuais erros provenientes dos pontos de apoio. Referências Bibliográficas ANDRADE, J.B. de (1998). Fotogrametria. Curitiba PR (ISBN 85-86180-07-6). ARTERO, A. O. (1999). Técnicas para extração automática de feições retas em imagens digitais. Dissertação de mestrado do Curso de Pós-graduação em Ciências Cartográficas, UNESP, 117p., Presidente Prudente SP. GALO, M. (1993). Calibração e aplicação de câmaras digitais; Dissertação de mestrado, Curso de Pós-graduação em Ciências Geodésicas da Universidade Federal do Paraná, 151p., Curitiba PR JAIN, R.; KASTURI, R.; SCHUNCK, B. G. (1995) Machine Vision. McGraw Hill International Editions, Computer Science Series, 549p.. GONZALEZ, R. C.; WOODS, R. E., Digital image processing, Addison Wesley, New York, 1993. PRESCOTT, B., McLean, G. F. (1997). Line-based correction of radial lens distortion. Graphical model and image processing, Vol. 59, N 1, January, pp. 39-47. TOMMASELLI, A. M. G. (1997). Fotogrametria Básica, Notas de aula da disciplina [Fotogrametria I] do curso de Graduação em Engenharia Cartográfica da Faculdade de Ciências e Tecnologia UNESP, 50p.