Olhares dos trabalhadores sobre a economia solidária em Ponta Grossa e na região dos Campos Gerais (PR): memória, identidade e história oral

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Transcrição:

Olhares dos trabalhadores sobre a economia solidária em Ponta Grossa e na região dos Campos Gerais (PR): memória, identidade e história oral Marcos Paulo Dambrós Acadêmico de Bacharelado em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG/PR Incubadora de Empreendimentos Solidários (IESOL/UEPG) Este trabalho tem como premissa fazer um estudo sobre a história, a identidade e subjetividade dos trabalhadores que atuam nos empreendimentos solidários na cidade de Ponta Grossa, precisamente aqueles que estão sendo assessorados pelo Programa de Extensão da Universidade Estadual de Ponta Grossa "Incubadora de Empreendimentos Solidários" (IESOL). Adotou-se para a construção de conhecimento sobre eles a utilização da História Oral, focando nas histórias de vida dos seus integrantes num processo de contatos e entrevistas com o grupo. Portanto, além de produzir e estudar documentos sobre os grupos de trabalhadores da economia solidária na região, propomos o enriquecimento do debate teórico acerca desta área, ao comparar a trajetória desses grupos e seu posicionamento em relação aos chamados princípios solidários e autogestionários, com o que os estudiosos definem a respeito. Partindo deste ponto, pretendemos compreender os significados dados às suas práticas de economia solidária e à suas vivências relacionadas a estes conceitos. Introdução Trata-se de um trabalho de pesquisa que está em andamento dentro do projeto do Programa de Extensão "Incubadora de Empreendimentos Solidários" (IESOL), vinculado à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), iniciado em setembro de 2005, com a participação de uma equipe interdisciplinar composta por acadêmicos, assessores, professores e voluntários na região dos Campos Gerais (PR). O projeto visa dar assessoria a empreendimentos constituídos por trabalhadores que, atuando ou não no mercado informal, estejam sensíveis aos princípios da economia solidária. A IESOL contribui para a formação, a constituição e a consolidação desses empreendimentos, capacitando-os para geração de trabalho e renda dentro da lógica da economia solidária, considerando todo o processo como uma intervenção com estes empreendimentos. Dentro de sua metodologia, a primeira etapa é chamada de

Pré-incubação, a segunda de Incubação e terceira Desincubação. Na Pré-incubação são feitos os primeiros contatos com os grupos, incluindo avaliações preliminares a respeito da possibilidade e potencialidade destes nos seus empreendimentos, para seguirem adiante no processo de incubação. Nesta etapa, são realizados os diagnósticos participativos do grupo, do local e as entrevistas, buscando realizá-los de maneira conjunta com os integrantes dos empreendimentos, concebendo este processo como uma troca de saberes. No diagnóstico local, colocamos a necessidade de compreensão do espaço onde os integrantes dos grupos estão inseridos, suas comunidades, os locais de trabalho e a cidade e sua vivência nesses lugares em diálogo com outros documentos de estudo sobre a região. Já no diagnóstico do grupo, fazemos um estudo sobre como é o grupo, trabalhando sobre como ele foi formado, que tipos de trabalhos realizam, sua trajetória, seu contexto presente, suas aspirações e posicionamentos. Consideramos que dentro dos espaços que ocupam não temos uma realidade de estática e, partindo para a compreensão do indivíduo, deste trabalhador e sua trajetória, colocamos estes espaços em constante movimento, numa dinâmica que constrói uma complexa rede, que se faz e se reconstrói pelos seus integrantes, possibilitando a compreensão e estudo dos diferentes discursos e transformações que se originam disto. Consideramos que os projetos que negam isto, o reconhecimento destes atores, da sua vivência, sua interpretação e o movimento que possuem dentro dos espaços que ocupam, omitem as necessidades vitais destes, intervindo nestes espaços, ocupados por estes, com seus projetos, podendo não atuar de forma efetiva nas necessidades e urgências que a comunidade alvo apresenta. O problema está longe de ter somente uma origem e uma solução. Com isto, a equipe da IESOL propõe que para um trabalho dentro dessas comunidades, junto aos empreendimentos solidários, é preciso reconhecer a necessidade que os trabalhadores dos empreendimentos possuem de construírem uma própria interpretação de sua realidade, detendo uma consciência de suas condições e demandas. A intervenção É a partir deste reconhecimento que consideramos necessário a busca pelo conhecimento sobre os espaços que estes atores trabalham, a comunidade em que vivem e o diálogo com a cidade

para a compreensão de sua identidade 1. Este termo é entendido aqui como a forma como um sujeito histórico afirma um sentido de continuidade histórica no tempo e o pertencimento a certos grupos ou comunidade e de sua compreensão e reflexão acerca do espaço que habita. Conforme BAUMAN (2005), seja ela individual ou coletiva, é uma tarefa e um projeto, que envolve o comprometimento das pessoas num processo ambíguo, contraditório e de negociação permanente. Nessa direção, utilizamos a história oral 2, focando no trabalho de histórias de vida com seus integrantes, construindo um acervo que possibilite o estudo e pesquisas posteriores. O processo inicia-se com os primeiros contatos com o grupo e escolha dentro da equipe da IESOL de quais pessoas irão estar trabalhando com eles. Feito isto, são marcados os dias apropriados para esta equipe estar em contato e já estar realizando este trabalho. Nele, inicialmente temos a construção de diálogos em que buscamos valorizar o outro e o que ele tem a apresentar, num processo mútuo de reflexão, de troca de experiências por temas apresentados, formados dentro das propostas trazidas por eles, como pelos estudos anteriores construídos pela equipe da IESOL. Junto a este, após a formação de um vínculo de confiança com os integrantes dos empreendimentos, agendamos as entrevistas, tendo a sensibilidade de escolher um lugar que esteja de acordo e conveniente ao entrevistado. Consideramos que todo este processo já seja uma intervenção da equipe com o grupo de trabalhadores. Não negamos que com o nosso trabalho com eles estejamos fomentado reflexões, construindo em conjunto olhares diferenciados sobre sua realidade e sobre a nossa também, colocando o processo de construção de conhecimentos como uma troca que também favorece a construção de identidades de ambos os lados. 1 De acordo com o Dicionário de conceitos históricos (SILVA e SILVA, 2005, p. 203), (...) A identidade social é o conjunto de papéis desempenhados pelo sujeito per si. Papéis que além de atenderem a determinadas funções e relações sociais, têm profunda representação psicológica por sempre se referirem a expectativas da sociedade. Partindo da psicologia social, (...) assume, assim, que a personalidade, a história de cada um, é bastante influenciada pelo meio social, pelos papéis que o indivíduo assume socialmente, Nesse sentido, a identidade social é construída para permitir a manutenção das relações sociais de dominação. Além disto tomar consciência da sua própria identidade, tomar consciência de si é um primeiro passo para alterar, se necessário, a identidade social, como dominado. 2 Entendemos história oral como um processo de construção de documentos orais e escritos a partir do registro da experiência de pessoas de vários grupos sociais, que podemos considerar como sujeitos históricos. Baseamos nossas discussões teóricas e metodológicas nas práticas do Núcleo de Estudos em História Oral da Universidade de São Paulo (NEHO/USP), cujas linhas gerais de seu trabalho encontram-se sistematizadas no Manual de História Oral (MEIHY, 2005) e em outros trabalhos de pesquisadores do grupo (ATAÍDE, 2002; SANTOS, 1996; SANTOS, RIBEIRO, MEIHY, 1998). De acordo com o Dicionário de conceitos históricos (SILVA e SILVA, 2005, p. 186), a história oral também pode ser definida como algo que possibilita (...) recuperar a memória e as experiências de grupos à margem da história escrita (...) envolvidas com as questões da memória humana, quanto coletiva e individual (...) relevante meio de valorização das identidades (...) pela coleta de seus depoimentos e da analise de sua memória, de sua versão do mundo e dos acontecimentos.

As Entrevistas Destacamos que, para as entrevistas, a equipe da IESOL recebeu um grande apoio de pesquisadores que participam do NEHO-USP, o que auxilia não somente na realização das entrevistas, mas também na constituição de oficinas que preparam a equipe para realizá-las. As reuniões com os grupos não nos possibilitam ainda uma maior compreensão deste indivíduo. Acreditamos que nelas se propicia todo o contexto de reflexão já abordado, mas consideramos que é especialmente no processo de entrevista que os indivíduos se apresentam como sujeitos históricos, como colaboradores e não como meros objetos a serem analisados. Surgem como pessoas que também constroem suas análises e seus papéis sociais. Passam não somente a ter uma reflexão sobre sua trajetória, mas seu reconhecimento como indivíduo dentro dela, apresentando neste momento elementos que definem sua identidade. De acordo com POLLAK (1993) é a partir das memórias individuais e sociais ou grupais que podemos compreender as construções das identidades defendidas pelos grupos. Por isso, colocamos que o termo memória abrange múltiplos significados, os quais seriam impossíveis de explorar num trabalho como este. Em nosso projeto, trabalhamos com a idéia de que tanto a memória individual quanto a memória coletiva são construções do presente que organizam o passado em função das questões e das demandas que os sujeitos enfrentam em sua vida cotidiana. Nesse sentido, somos mediadores da construção de memórias individuais e grupais quando nos dispomos a realizar entrevistas de histórias de vida e transpô-las para dois códigos distintos, o oral e o escrito. Não podemos deixar de lado que o processo de intervenção que fazemos junto ao grupo possibilita um posicionamento diante do entrevistado que pode ser influenciador no transcorrer da construção de sua narrativa. Mas, podemos perguntar: se não estarmos em conjunto com estes grupos, trabalhando com eles, abrindo estes espaços de diálogo e reflexão conjunta, quais serão os momentos que eles terão essa oportunidade? Não seria esse o papel do historiador e dos pesquisadores em nosso tempo presente? Até o momento, foram feitas treze entrevistas, de dois grupos de trabalhadores, a Associação de Jardinagem Verde Esperança e o Grupo Feira Solidária. O primeiro grupo é constituído por trabalhadores que atuam no mercado informal, que sobrevivem através de bicos, além dos trabalhos realizados pela Associação que pertencem. Dentro de seu contexto, seus integrantes

possuem baixa renda, o que alguns classificariam como abaixo do nível de pobreza, vivendo em condições que eles também reconhecem como precárias. Muitos não possuem estudo, são analfabetos em grande parte, vindos geralmente do interior do estado, mas que apresentaram em seus depoimentos o fato de estarem em constante migração, tanto para áreas urbanas quanto para as rurais, trabalhando como cortadores de cana, em serrarias e em lavouras. O grupo apresenta uma grande dificuldade de relacionamento dentro do empreendimento, relatando nos encontros realizados e nas entrevistas, descontentamento com seus dirigentes, como também com outros integrantes. Possuem dificuldades de comunicação entre eles, favorecendo a perda das oportunidades de serviço e do entrosamento dentro do grupo. Umas das entrevistas que realizamos neste grupo foi com o senhor Amilton, com seus sessenta anos que, como muitos, tem sua origem no campo e possui baixa escolaridade. Trabalha como secretário da Associação, possui uma familia numerosa, mora num bairro de pessoas de baixa renda, algumas vivendo em condições precárias, muito distante do centro da cidade, nos bairros periféricos a esta. Sua história é marcada por sempre estar mudando de um espaço para o outro, em busca de melhores condições e para garantir sua sobrevivência: Como eu, meus pais também tiveram pouco estudo. Tivemos uma vida muito difícil. Fomos criados no trabalho da roça. Nunca tivemos feriado, dia santo, décimo terceiro, nada. Era trabalho dia por dia. Época de plantar, plantar, época de colher, colher. 3 Lembramos que dentro do espaço urbano, os saberes dele não se assemelham com os que o mercado necessita, e que os lugares que possivelmente poderia trabalhar estão muitas vezes distantes das comunidades que agora habitam. Por isso, muitas vezes, para sua sobrevivência, são obrigados a percorrerem longas distancias oferecendo seu trabalho: Sobre o meu trabalho eu saio de manhã cedo com minha bicicleta e as ferramentas (...) Há semanas que consigo vinte 3 Trecho da entrevista realizada com Amilton Menezes.

a trinta reais, mas tem vezes que não ganho um centavo. Passo o dia inteiro andando com a bicicleta por ai!. 4 Acreditamos que seu deslocamento para os centros urbanos se dá pelo fato de que seu viver, no que diz respeito ao seu trabalho, necessita ser exercido dentro do perímetro urbano. O empreendimento do qual participa contribui para suprir as suas necessidades? Mesmo que de forma bastante precária, podemos considerar com GAIGER (2004), que as avaliações indicam que as experiências apresentam um enorme potencial de revigorar energias de setores populares excluídos, de emancipação e de apropriação de tecnologias produtivas e organizacionais mais adequadas aos saberes populares. Nestas considerações estamos de acordo com a intervenção não somente dentro dos empreendimentos, mas também numa intervenção na comunidade que em que esses sujeitos habitam. Os integrantes dos grupos têm consciência de que os empreendimentos podem vir ou manter contato com a lógica do mercado tradicional, embora, segundo GADOTTI e GUTIÉREZ (1993), estas experiências estejam forjando uma economia popular solidária integrada à economia de mercado, porém, contrárias à sua lógica. O segundo grupo, denominado como Feira Solidária, composto por artesãos, tem a maioria de mulheres que moram em diferentes pontos da cidade, mas que apresentam periodicamente seus produtos nas praças, como a da igreja Bom Jesus. Possuem produtos diversos como alimentos, artesanatos, tapeçarias. Em comparação com o grupo da jardinagem, eles possuem um maior entrosamento, são mais integrados e organizados. Seus integrantes possuem uma renda maior, estão em dialogo com outros grupos, como feirantes e também as pessoas ligadas à Pastoral do Trabalho, da Igreja Católica. Já realizaram trabalhos com a moeda social, que é uma das práticas realizadas pelos grupos para facilitar a dinâmica das trocas de produtos, como coloca Iracy:...é como se fosse um pedaço de papel simbolizando os valores reais, que trocamos as mercadorias. Quando não tem para trocar, comprar ou para devolver o troco, usamos aquele dinheiro. São duas coisas boas que aconteceram no grupo, pois não conseguia fazer a aquisição, não tinha dinheiro. Assim, nós fazíamos a troca 4 Trecho da entrevista realizada com Amilton Menezes.

e usávamos a moeda social. Nem imaginava... o grupo passaria a existir! 5 Seus integrantes apresentam uma grande ligação com o trabalho que exercem, como no caso de dona Iracy. Pelas suas palavras, toda sua elaboração dos artesanatos que produz coincide com o seu viver, sua trajetória. No ato de produzir seus produtos, coloca-os como parte de sua vida, se reconhecendo na produção deles, como também no pertencer ao grupo: Nosso sonho, o meu e da maioria, é este trabalho. Alguma coisa que possa todos juntos trabalharem (...) se você esta trabalhando dentro de um grupo, ele não é apenas aquele momento em que você esta lá. Ele passa a fazer parte da familia. Este grupo é uma grande familia. Não canso de dizer que somos uma familia. 6 Pretendemos aqui, com algumas reflexões sobre os resultados parciais dessa pesquisa, estar contribuindo para a discussão sobre a metodologia utilizada pelas incubadoras, bem como para com os diálogos com os teóricos da economia solidária e da história, entre outros. Enfatizamos o sentido de uma necessidade urgente de considerarmos o outro como sujeito histórico, que interpreta sua realidade e o espaço em que vive. Infelizmente, muitos projetos realizados por profissionais ainda negam a eles os direitos relacionados à construção de suas memórias e de suas identidades, em processos de colaboração, intervenção, mediação e negociação, claramente explicitados e defendidos. 5 Entrevista realizada com Iracy Teresinha Chinegosky Costa, artesã do grupo Feira Solidária 6 Entrevista realizada com Iracy Teresinha Chinegosky Costa, artesã do grupo Feira Solidaria

Referências Bibliográficas ATAÍDE, Yara D. B. Clamor do presente: história oral de famílias em busca da cidadania. São Paulo: Loyola, 2002. BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. GADOTTI, Moacir e GUTIÉREZ, Francisco (orgs.) Educação Comunitária e Economia Popular. São Paulo, Cortez, 1993. GAIGER, Luiz I. (org.) Sentidos e experiências da Economia Solidária no Brasil. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2004. MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. 5a ed., São Paulo: Loyola, 2005. POLLAK, Michel. Memória e Identidade social, Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 5. n. 10., 1992. pp. 200-215. SANTOS, Andrea Paula dos. Ponto de Vida. Cidadania de Mulheres Faveladas. São Paulo: Ed. Loyola, 1996. ; RIBEIRO, Suzana Lopes Salgado & MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Vozes da Marcha pela Terra. São Paulo: Loyola, 1998. SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Ed. Contexto, 2005.