Centro Hospitalar de Coimbra Hospital dos Covões



Documentos relacionados
NEUROPATIA DIABETICA E DOENÇA ARTERIAL PERIFERICA O QUE AVALIAR E O QUE PROCURAR PÉ DIABÉTICO. Enfermeira Leila Maria Sales Sousa 1.

Neuropatia Diabética e o Pé Diabético

Úlcera venosa da perna Resumo de diretriz NHG M16 (agosto 2010)

workshop» tratamento de feridas

Biomecânica Avançada. Os 6 Tipos de Pés Mais Comuns. Paulo Silva MSSF

Ficha de Controle das Alterações dos Pés de Pacientes Diabéticos. Texto Explicativo:

O diabetes ocorre em qualquer idade e se caracteriza por um excesso de açúcar no sangue (hiperglicemia). Os principais sintomas são emagrecimento,

PROF.DR.JOÃO ROBERTO ANTONIO

bahavaliação DOS FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À PRESENÇA DE ÚLCERAS DE MEMBROS INFERIORES EM PACIENTES COM DIABETES MELLITUS TIPO II 1 RESUMO

B BRAUN. Askina Calgitrol Ag. Curativo de Alginato e Prata para Feridas. SHARING EXPERTISE

Equilíbrio é a capacidade de manter o corpo estável em movimento ou em repouso. Quando estamos em pé nosso estrutura é a de um pendulo invertido

Feridas e Curativos. Maior órgão do corpo humano.

Dez causas de dor nos pés Por Vitor Almeida Ribeiro de Miranda Médico Ortopedista Membro da Associação Brasileira de Cirurgia do Pé

Como surge o diabetes? Como surge o diabetes?

PROFISSIONAL(IS) SOLICITANTE(S) Clínico Geral; Clínica Médica; Pediatra; Ginecologista; Geriatra.

1. ORGANIZAÇÃO DOS CUIDADOS DE SAÚDE POR NÍVEIS

ORIENTAÇÕES SOBRE ACESSOS VASCULARES PARA TRATAMENTO DE HEMODIÁLISE. Contactos: Unidade de Hemodiálise:

UMA VIDA SAUDÁVEL E DIABETES

Teste seus conhecimentos: Caça-Palavras

URGÊNCIAS VASCULARES TRAUMAS VASCULARES

FUNDAÇÃO DE ENSINO E PESQUISA DE UBERABA C.N.P.J /

REDE NACIONAL DE CUIDADOS CONTINUADOS INTEGRADOS

Dor no Ombro. Especialista em Cirurgia do Ombro e Cotovelo. Dr. Marcello Castiglia

PROVA DE CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS MÉDICO ANGIOLOGISTA

fundação portuguesa de cardiologia Nº. 12 Dr. João Albuquerque e Castro REVISÃO CIENTÍFICA: [CIRURGIA VASCULAR DO CENTRO HOSPITALAR LISBOA CENTRAL]

A propósito de um caso clínico

artrite reumatoide Um guia para pacientes e seus familiares

Cursos de Primeiros Socorros Inscrições Particulares

ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DE PACIENTES DIABÉTICOS PARA PREVENÇÃO DE COMPLICAÇÕES

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PROTOCOLO MÉDICO. Assunto: Osteomielite. Especialidade: Infectologia. Autor: Cláudio de Cerqueira Cotrim Neto e Equipe GIPEA

AVC: Acidente Vascular Cerebral AVE: Acidente Vascular Encefálico

Podologia - calcanheiras. Podologia - calcanheiras Ref. TL-616

CURSO TÉCNICO DE ENFERMAGEM ENFERMAGEM CIRÚRGICA MÓDULO III Profª Mônica I. Wingert 301E COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS

, declara, para todos os fins legais, especialmente do disposto no artigo 39, VI, da Lei, 8.078/90 que dá plena autorização ao (à) médico (a)

TIPOS DE PALMILHAS ORTOPÉDICAS SOB MEDIDA ORTOPEDIA PIERQUIM * QUALIDADE CONFORTO SEGURAÇA* ORTOPEDIA PIERQUIM

Câncer de Pele. Os sinais de aviso de Câncer de Pele. Lesões pré câncerigenas. Melanoma. Melanoma. Carcinoma Basocelular. PEC SOGAB Júlia Käfer

INTRODUÇÃO A ar.culação do tornozelo

Em que situações se deve realizar um eco- doppler arterial dos membros inferiores.

CUIDADOS A TER COM O ANIMAL GERIÁTRICO

OTOPLASTIA (CIRURGIA ESTÉTICA DAS ORELHAS)

É MUITO GRAVE! COMBATER O MOSQUITO É DEVER DE TODOS!

Diabetes - Introdução

CURSO AVANÇADO DE MANUTENÇÃO DA VIDA EM QUEIMADURAS

Quando somente a limpeza (Irrigação Simples) não é suficiente para remover contaminantes e tecidos necrosados das feridas Desbridamentos...

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

AULA 1 TEÓRICO-PRÁTICA: ACOLHIMENTO E CLASSIFICAÇÃO DE RISCO E METÓDO START Triagem de prioridades na urgência sistema de Manchester.

Urgências Ortopédicas em Clínica Pediátrica. Dr. Celso Rizzi Ortopedista Pediátrico do INTO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Curso de Manicure. MANICURE Profissional especializada no tratamento das mãos e dos pés. (masculino manicuro)

A saúde dos seus pés e a Diabetes

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Capsulite Adesiva ou Ombro Congelado Congelado

TÍTULO: A IMPORTÂNCIA DO USO DO CALÇADO IDEAL E A ANÁLISE DOS HÁBITOS DE UNIVERSITÁRIOS DE UMA FACULDADE EM SANTOS

ÍNDICE. 1. Finalidade Pág Objectivos Gerais Pág Objectivos Operacionais Pág Perfil dos Formadores Pág. 4

Fisioterapia no Acidente Vascular Encefálico (AVE)

Sinais de alerta perante os quais deve recorrer à urgência:

COMPLICAÇÕES DECORRENTES DA DIABETES: RELATO DE CASO

E S T U D O D O M O V I M E N T O - V

Amputação do membro inferior

Curso. Abordagem Multiprofissional na Prevenção e Tratamento de Feridas

ESPECIALIDADE MEDICINA DENTÁRIA

POLINEUROPATIA DOLOROSA

Informações Básicas sobre o Novo Tipo de Influenza

Doenças Vasculares. Flebite ou Tromboflebite. Conceito:

2009/2010. Fernando Emanuel Ochoa Palorca Costa Leite. Pé Diabético

Orientações para tratamento de feridas (ultima atualização Novembro de 2007)


PREVENÇÃO DA GRIPE A(H1N1)V

A ARTROSCOPIA DO OMBRO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Lesões Meniscais. O que é um menisco e qual a sua função.

PARTE I SAE X PROCESSO DE ENFERMAGEM

Frio» Enregelamento dos membros

BANDAGENS TERAPÊUTICAS NA MTC

O QUE SABE SOBRE A DIABETES?

Marcelo c. m. pessoa

POLÍTICAS DE SAÚDE EM QUEIMADOS

HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE EDITAL Nº 05/2007 DE PROCESSOS SELETIVOS GABARITO APÓS RECURSOS

Capítulo 3 Úlceras Tróficas de Perna

As Complicações das Varizes

VOCÊ CONHECE SUA PISADA?

Os Rins. Algumas funções dos Rins?

2ª. PARTE CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS. 21. Essencial para a utilização bem sucedida da prótese para o amputado da extremidade inferior:

UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS UNIPAC CURSO DE ENFERMAGEM AMÁBILE MIRELLE PACHECO SILVA CLASSIFICAÇÃO DAS ÚLCERAS

Curso de Atualização Clínica para CD da Estratégia Saúde da Família. Urgências Pulpares. Fábio de Almeida Gomes Universidade de Fortaleza

Estágio de Doppler Clínica Universitária de Imagiologia Hospitais da Universidade de Coimbra

Doença arterial periférica Resumo de diretriz NHG M13 (segunda revisão, fevereiro 2014)

Monitorização da Qualidade em Serviços de Saúde

Coberturas Especificas

Estabelecer padrões para a realização de curativo nos diversos tipos de lesão ou ferida.

Folheto informativo: Informação para o utilizador. Norcuron 4 mg pó para solução injetável Norcuron 10 mg pó para solução injetável

LESÕES MUSCULARES. Ft. Esp. Marina Medeiros

Treinamento de Força

Pé Diabético no Contexto da Neuropatia Diabética e Doença Arterial Periférica

Dengue uma grande ameaça. Mudanças climáticas, chuvas e lixo fazem doença avançar.

Trabalhadores designados pelas empresas (microempresas e PME S).

Transcrição:

Centro Hospitalar de Coimbra Hospital dos Covões Hospital de Dia de Diabetes Gabriela Figo - Serviço de Ortopedia 1. Em todo o mundo os Sistemas de Saúde falham na resposta ás necessidades do pé diabético 2. Os problemas do pé diabético são subestimados. 3. O tratamento do pé diabético é multidisciplinar. O pé é um orgão duplo, uma das partes de uma unidade motora que se inicia na pelvis. Sendo suporte essencial para a posição bípede humana, tem uma estrutura tridimensional variável. Base do servomecanismo antigravitatório é uma peça fundamental para a marcha. O pé é uma ponte: uma abóbada e dois pontos de apoio ( anterior e posterior). A abóbada suporta forças de compressão, por isso é formada por peças ósseas. Na planta predominam as forças de distensão suportadas por ligamentos e músculos. Todos os metatarsos suportam carga, suportando o 1º o dobro da carga de cada um dos outros A arquitectura e, as variantes individuais da cada pé, podem exponenciar o aparecimento de lesões, com ou sem Diabetes. No exame de um pé diabético, importa distinguir entre pé isquémico ou pé neuropático. A diferença entre PÉ ISQUÉMICO / PE NEUROPÁTICO, está na ausencia ou presença de pulsos arteriais palpáveis. Pé neuropático 1.- pulso pedioso e/ou tibial posterior palpável 2.- ausência de dor á picada da polpa do hallux 3.- ausência de sensilidade vibratória do maléolo externo 4.- ausência de reflexo aquiliano A neuropatia diabética engloba vários sindromes neuropáticos, sendo o mais comum a neuropatia crónica sensitivomotora simétrica. Afecta mais de 90% de diabéticos. A perda sensitiva começa nos dedos e envolve pé e perna com distribuição em meia

Pode atingir os membros superiores com distribuição em luva, começando nos dedos. Sintomas de adormecimento, podem progredir para parestesias, anestesia, dor tipo queimadura ou choque eléctrico. A falta de falta de percepção á pressão aumenta o de risco de ulceração. Controle da glicémia é a chave determinante do desenvolvimento de complicações microvasculares, incluindo a Idade e duração da diabetes Estádios do Pé diabético Quando o exame de um pé revela um estádio3, 4 ou 5, o tratamento deve ser imediato e envolve uma equipe multidisciplinar. Estádio 2 Pé em que existem de um ou mais factores de risco para a ulceração: Neuropatia Isquemia Alterações da pele Deformidade Este é o estádio que é preciso controlar e corrigir e os princípios gerais são: Observar / Educar /Tratar (controle mecânico, controle vascular, controle metabolico e controle educational). Observar: Pele - No pé neuropático a pele é seca e fissurada, e a dilatação venosa, secundária á neuropatia autonómica, é visível. A perda de pelos pode ser sinal tanto de neuropatia, como de isquémia. A atrofia do tecido celular subcutâneo com pele fina,

brilhanta e enrugada pode indicar isquémia. O sinal clássico da falência da pele é a úlcera. Calosidades são áreas de queratose, situadas em locais de pressão e fricção Hemorragia numa calosidade é um importante percursor de ulcera Unhas - Importante a inspecção do leito ungueal e periungueal, a estrutura das unhas, cor do leito ungueal, anomalias subungueais, e sinais de infecção. Deformidades mais comuns: Pes cavus Fibrofatty padding depletion (FFPD) Dedos em martelo Dedos em garra Hallux valgus / Hallux rigidus / Joanete de sastre Pé de Charcot Deformidades relacionadas com prévia cirurgia ou traumatologia A correcção cirurgica ortopédica da maior parte das deformidades evitará o aparecimento de úlceras. Alteração coloração Causas pé quente Celulite Pé de Charcot Gota Insuficiência venosa Trombose venosa profunda Causas pé frio - Isquémia crónica - Isquémia aguda - Falência cardíaca Pontos de dor 1.Dor generalizada em ambos os pés sugere neuropatia. 2.Dor difusa num só pé sugere isquémia. 3.A dor pode ser local ou difusa. 4.Dor em zonas ulceradas sugere infecção ou isquémia 5.Dor local pode ser óssea, articular ou dos tecidos moles. Estádio 3- Estádio 4 = Pé ulcerado Pé infectado 85% das amputações resultam de complicações de ulceras prévias; Qualquer lesão da pele dum pé diabético é uma porta de entrada de infecção e representa um desastre potencial. O tratamento tanto em pé neuropático, como neuroisquémico deve ser rápido e imediato. A prevalência de úlcera do pé na população diabética é de 4 10%, sendo mais baixa (1.5 3.5%) nos jovens e mais alta (5 10%) em doentes mais idosos.

Localização de úlceras: Dedos(dorsal e plantar ) 51 Cabeças metatarsais e calcanhar 28 /37 Dorso do pé 14 Ulceras multiplas 7 Ulceras neuropáticas desenvolvem- se nos dedos, e cabeças metatársicas. Ulceras neuroisquémicas usualmente ocorem nas margens do pé Ulceras interdigitais e úlceras dorsais dos dedos, são provocadas por pressão do calçado. Ulceras dos calcanhares são provocadas por trauma ou corpos estranhos Calçado inadequado é a causa maior de ulceração Grau 5 Gangrena extensa Os doentes diabéticos precisam saber: Em que consiste cuidar dos pés Qual o calçado adequado (fisiológico) O que fazer se aparece um problema Importância de exame annual Nunca sera demais insistir na importância do equilíbrio da diabetes, na higiene e cuidados dos pés, no cuidados das unhas e no uso de calçado funcional, cómodo, que respeite as alterações de volume do pé após marcha prolongada, que não impeça a circulação arterial e venosa, que permita uma boa função muscular, respeitando a mobilidade da tibio- társica e dedos e protegendo as articulações do tarso. Tratamento ulceras: repouso- desbridamento- pensos- antibioterapia Idealmente as ulceras devem ser tratadas com repouso e ausência de carga. A ausência de carga é difícil de conseguir pela ausência de dor. O tratamento pode ser conseguido em regime ambulatório, com recurso a meios mecânicos. Incisão e drenagem são o princípio básico para o tratamento precoce das infecções do pé diabético. Desbridamento com limpeza profunda de toda a hiperqueratose existente, curetagem do leito da ulcera, do centro para a periferia e exérese de tecidos não viáveis, são passos fundamentais na abordagem das úlceras. Apósitos locais Foams Muito absorventes Efeito de almofadamento Muito volumosos, necessitam adaptação do calçado Alginates Utilizar apenas em feridas exsudativas

Necessitam penso diário Bons agentes hemostáticos Não devem ser usados em ulceras necróticas ou infectadas Hidrocoloides Permitem banho e chuveiro, mas só devem ser usados em doentes sem alterações da sensibilidade Podem ser mantidos por vários dias Hydrogels Promovem autólise e desbridamento, por re- hidratação Antibioterapia Em regime de internamento Vancomicina 500 mg ev 8/8 h + Meronem/Aztreonam/Imepenem Em regime ambulatório Fluocloxaciclina 500 mg 8/8 h Ofloxacina 200 mg 12/12 h Ciproxina 750 mg 12/12 h Indicação cirurgica Area extensa de tecidos infectados Flutuação e exsudato purulento á expressão Crepitação com gaz tecidos moles no RX Coloração azulado ou púrpura da pele Estádio 5 e 6 é caracterizado pela presença de necrose. Necrose pode envolver pele, tecido celular subcutâneo e fascias. A descoloração azulada ou negra é apenas a ponta do iceberg, e a amputação poderá ser inevitávelinevitável.