dinheiro respeitante à parte restante do preço pago nada se esclarece, sendo de presumir que pertença a ambos.



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P.º n.º R. P. 38/2012 SJC-CT Registos de aquisição titulados por escritura de doação efetuada por cônjuges casados entre si no regime de separação de bens. Indefinição da natureza dos bens transmitidos. Próprios ou em compropriedade. Reflexos na qualificação daqueles registos. PARECER 1 O presente recurso hierárquico vem interposto contra a decisão da senhora conservadora que qualificou os atos de registo apresentados sob o n.º, de 17 de fevereiro de 2012, respeitantes à aquisição dos prédios descritos sob os n.ºs... e... (descrição ora efetuada), das freguesias de... e de, respetivamente, concelho de, como provisórios por dúvidas. 2 Para instruir o pedido de registo foram apresentadas três escrituras públicas de compra e venda, celebradas com intervenção de Celeste, e uma de doação outorgada por esta e pelo marido Marcelino 2.1 Na escritura de compra e venda celebrada em 15 de outubro de 1968, a compradora Celeste... declarou que é casada com Marcelino, no regime de comunhão de adquiridos, e que aceita, na qualidade de administradora do casal, a venda (de 3/5) que acaba de lhe ser feita, e que a parte restante do prédio já lhes pertence. Da escritura realizada em 31 de maio de 1971 consta que a outorgante Celeste é casada no regime de comunhão geral com o referido Marcelino, que este se encontra ausente no estrangeiro e, por tal motivo, impedido de outorgar pessoalmente nesta escritura, não tendo procurador que o represente, e que aceita, na qualidade de administradora dos bens do casal, a venda (de 2/5) que lhe acaba de ser feita. De modo idêntico, na escritura de 18 de abril de 1980 respeitante à compra do prédio descrito sob o n.º... consta, inter alia, a declaração proferida pela referida Celeste no sentido de que «o prédio comprado fica obviamente a fazer parte do casal comum dela e de seu marido», tendo sido utilizado um montante de 88 390$00 transferido pelo seu marido na qualidade de emigrante domiciliado no estrangeiro, para parte de pagamento da totalidade do preço, que perfazia 150 000$00. Quanto à proveniência do 1

dinheiro respeitante à parte restante do preço pago nada se esclarece, sendo de presumir que pertença a ambos. 2.1.1 Das mencionadas escrituras ressalta, em suma, uma vontade inequívoca no sentido de que os bens integrem a comunhão do casal, isto é, que fiquem a pertencer a ambos os cônjuges, apesar do regime de bens declarado ser sempre o da comunhão (de adquiridos ou geral) e dele já, em regra, resultar essa integração. 2.1.2 Os negócios celebrados pela outorgante mulher em 1968 e 1971, respeitantes ao prédio a que viria a caber a descrição n.º..., foram ratificados pelo marido em 28 de fevereiro de 2012, sem que no respetivo instrumento se clarifique também o objeto da ratificação, isto é, se respeita ao prédio na sua totalidade ou só a parte, daquele constando apenas que «ratifica em todos os termos as citadas compras». 2.2 Na escritura de doação subjacente aos registos ora peticionados, figuram como outorgantes e doadores a Celeste... e o marido Marcelino..., casados no regime de separação de bens (o que desde logo inculca a ideia de que ambos se consideram titulares dos bens em apreço), e como donatária a filha destes. 3 A situação inscritiva referente aos prédios em causa, com relevância para o caso, é a seguinte: 3.1 Ap. /19950517 Aquisição (do prédio n.º ) a favor de Celeste casada no regime da comunhão de adquiridos com Marcelino..., por compra a Manuel... e Ap. /20120217 Retificação Celeste casada com Marcelino no regime imperativo da separação de bens 1. Ap. /20120217 Aquisição, provisória por dúvidas, a favor de Maria casada com Licínio, no regime de comunhão de adquiridos, por doação de Celeste e Marcelino 3.2 Em relação ao prédio ora descrito sob o n.º, encontra-se inscrita a aquisição, provisória por dúvidas, a favor de Maria... casada com Licínio, no regime de comunhão de adquiridos, por doação de Celeste e Marcelino (ap. /20120217). A inscrição prévia foi dispensada ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 34.º do CRP. 4 Sobre o aludido pedido de registo recaiu despacho de provisoriedade por dúvidas com base na seguinte motivação: 1 Os registos inexatos são retificáveis nos termos e por força do disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 120.º e segs., do Código do Registo Predial. 2

No que respeita ao prédio descrito sob o n.º, por ser apenas propriedade do cônjuge mulher, mas figurar também na escritura de doação, como sujeito passivo da doação, o cônjuge desta. Relativamente ao prédio descrito sob o n.º, por o mesmo ser propriedade apenas do cônjuge marido e figurar também como doadora o cônjuge deste. Invoca, de direito, os artigos 68.º, 70.º e 34.º, n.ºs 2 e 4, do Código do Registo Predial. 5 É contra a referida decisão que a interessada, inconformada, vem interpor o presente recurso produzindo as alegações recursivas que aqui damos por integralmente reproduzidas, sem prejuízo de extrairmos a síntese seguinte: 5.1 O prédio n.º encontrava-se registado a favor de Celeste... casada com Marcelino no regime de comunhão de adquiridos. Na escritura de compra que lhe serviu de base a referida Celeste referiu que a compra era para o casal comum dela e do marido, que era emigrante e que tinha procedido à transferência do estrangeiro da quantia de 88 390$00 para pagamento de parte do preço do prédio, cujo valor totalizava 150 000$00. O prédio a que coube a descrição n.º foi igualmente comprado para o casal, na presunção de que o regime de bens era o da comunhão. 5.2 Contudo, verificou-se posteriormente que o regime de bens era o da separação, pelo que se pediu a retificação do registo já efetuado no que concerne ao regime de bens. 5.3 Decorrentemente, suscita-se a questão de saber se os prédios são da doadora mulher, se são do marido, ou dos dois, em regime de compropriedade, mas tal, havendo conflito, só judicialmente pode ser determinado. 5.4 Como não existe conflito entre eles quanto ao ponto, e uma vez que o que pretendem é doar os referidos bens à filha de ambos, optou por efetuar a escritura já que os intervenientes são os únicos interessados e eventuais prejudicados com o negócio. 5.5 Os proprietários intervieram no ato para dispor do seu direito de propriedade, nos termos do artigo 34.º, n.º 4, do CRP, e mesmo que se considere que o bem só pertence a um ou a outro como a fez a senhora conservadora, apenas se poderia apontar um vício à escritura por intervenção em excesso e nunca por defeito, pelo que os registos em causa devem ser efetuados em termos definitivos. 3

6 A Senhora Conservadora profere despacho de sustentação da decisão prolatada nos termos e com os fundamentos que aqui damos, de igual modo, por integralmente reproduzidos, dos quais salientamos, muito sucintamente, os seguintes: 6.1 A natureza concreta dos bens encontra-se por definir relativamente a qualquer um dos prédios. Quanto ao prédio n.º, não se encontra retificado o registo no sentido de que a aquisição se deu em compropriedade, com dinheiro comum, não se podendo considerar a intervenção do marido no ato da doação como traduzindo apenas o reconhecimento de que o bem era próprio da mulher, faltando-lhe, portanto, legitimidade artigo 9.º, n.º 1, do CRP. No que respeita ao prédio n.º, declarou-se na escritura de compra que o bem era adquirido para o casal pelo cônjuge mulher como administradora dos bens do casal, na ausência do marido, residente no estrangeiro, e que o regime de bens era o da comunhão. Contudo, os doadores são casados no regime de separação de bens, pelo que o disponente é apenas o marido. 6.2 O marido veio, em momento posterior ao da celebração da escritura de doação, ratificar a gestão de negócios em que interveio a sua mulher. Terá o bem sido adquirido em compropriedade? Ou será próprio do marido, já que o dinheiro era seu, faltando legitimidade à mulher para intervir na transmissão? No aludido instrumento ratificativo também nada se esclarece no que concerne ao estatuto do bem. 6.3 Os cônjuges casaram no regime imperativo de separação de bens, devendo, por isso, retificar os títulos para fixarem se o bem é próprio da compradora, se é do seu marido, ou se foi adquirido por ambos em compropriedade. 7 Descrita sumariamente a factualidade dos autos e a controvérsia que opõe recorrente e recorrida, e verificando-se que o processo é o próprio, as partes têm legitimidade, o recurso foi interposto tempestivamente, e inexistem questões prévias ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do seu mérito, cumpre apreciar. II Fundamentação 1 No regime da comunhão geral o património comum engloba os bens adquiridos na constância do matrimónio (bens futuros) e os bens levados para o casamento (bens 4

presentes), sem distinção, no que respeita aos bens adquiridos, entre as aquisições a título oneroso e as aquisições a título gratuito. O artigo 1732.º do Código Civil preceitua que se o regime de comunhão geral de bens for o adotado o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam excetuados por lei. Verifica-se, assim, que os bens comuns constituem a regra e os bens próprios a exceção. Os bens próprios excetuados da comunhão encontram-se taxativamente enumerados nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 1733.º do Código Civil, revestindo caráter imperativo já que aos nubentes não é permitido estabelecer a comunicabilidade dos bens por força da restrição ao princípio da liberdade expressamente consignada na alínea d) do n.º 1 do artigo 1699.º do mesmo Código 2. 2 No regime de comunhão de adquiridos 3, todos os bens adquiridos a título oneroso pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei, fazem parte da comunhão, como decorre do disposto no artigo 1724.º do Código Civil. Neste regime apenas se consideram comuns os bens que os cônjuges adquiram a título oneroso, na vigência do casamento. É nesta limitação dos bens comuns que reside precisamente o traço distintivo deste regime e o da comunhão geral. Aqueles bens comuns constituem um património autónomo, sujeito a regime especial, não havendo analogia entre o regime dos bens comuns, em matéria de casamento, e o regime dos bens em compropriedade. Na compropriedade 4 qualquer dos comproprietários pode pedir a divisão, enquanto que dos bens comuns nenhum dos cônjuges pode, em princípio, pedir a divisão, uma vez que, por imperativo da lei, a comunhão se mantém enquanto persistir a comunhão conjugal. Neste regime de bens, os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer disposição em sentido diverso cfr. o disposto no artigo 1730.º do citado Código. 2 Veja-se, a este propósito, ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, in Código Civil Anotado, IV Volume, pág. 364. 3 Comunhão de adquiridos é, segundo salienta ANTUNES VARELA, in Direito da Família, 1982, pág. 372, uma expressão abreviada de comunhão de adquiridos (na constância do casamento) a título oneroso. 4 Cfr., no que respeita à natureza jurídica da compropriedade, CARVALHO FERNANDES, in Lições de Direitos Reais, 2004, págs. 333 e segs. 5

3 No regime de separação de bens, seja imposto por lei (por força do disposto no artigo 1720.º do Código Civil) 5, ou adotado convencionalmente pelos esposados (ao abrigo do preceituado no artigo 1698.º do mesmo Código), seja decretado judicialmente (nos termos do disposto nos artigos 1767.º e 1770.º do citado Código), não existe património comum, conservando cada um dos cônjuges o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, deles podendo dispor livremente. O ativo é, neste caso, composto pelos bens próprios do marido e pelos bens próprios da mulher. Tal não equivale, porém, a dizer que não poderá haver bens que pertençam a ambos os cônjuges em regime de compropriedade, mas, neste caso, a quota de cada um integra o seu património próprio, pela singela razão de que não existe a massa patrimonial de bens comuns 6 cfr., também, o disposto no artigo 1736.º do Código Civil, relativamente a bens móveis. 4 Independentemente do regime de bens e da natureza dos bens em causa, as circunstâncias da vida podem, contudo, determinar que um dos cônjuges tenha a administração sobre os bens (mesmo próprios) do outro, designadamente, no caso de ausência ou impedimento do outro cônjuge alínea f) do n.º 2 do artigo 1678.º do Código Civil, pelo que a intervenção do cônjuge nas aludidas escrituras de compra e venda tanto podia ter cabimento na vigência do regime de comunhão como no de separação 7. 5 No caso em apreço nos autos, sublinha-se que os prédios comprados por Celeste, o Céu, casada com Marcelino..., pretensamente no regime de comunhão de adquiridos ou na comunhão geral, fazia, ipso iure, com que os mesmos ingressassem no património comum do casal por força dos preceitos legais supra mencionados (artigos 1724.º e 1732.º do Código Civil), salvo disposição em contrário. Além desta decorrência legal, também o teor das declarações proferidas pela outorgante nas escrituras já mencionadas apontava no sentido de que os bens adquiridos 5 A lei vigente ao tempo em que foi celebrado o casamento entre a Celeste e o Marcelino estipulava que o casamento celebrado por quem tivesse filhos legítimos, ainda que maiores ou emancipados, se considerava contraído sob o regime imperativo da separação de bens cfr. o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 1720.º do Código Civil, na redação anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro. 6 Veja-se, novamente, ANTUNES VARELA, in obra cit., págs. 384 e segs. 7 Relativamente a esta questão, veja-se PEREIRA COELHO, in Curso de Direito da Família, Volume I, 2.ª edição, pág. 375. 6

ingressavam na comunhão, agindo aquela na qualidade de administradora dos bens do casal. 6 No entanto, posteriormente, ficou claramente patenteado que a declaração atinente ao regime de bens padecia de erro, pois, efetivamente, não vigorava entre eles qualquer regime de comunhão mas antes o separação de bens, pelo que, a esta luz, as declarações prestadas, no que tange à comunhão, têm de ser desconsideradas uma vez que colidem com prescrições legais cogentes que regem o regime de separação de bens. Cremos, porém, que se a declarante Celeste estivesse ciente de que o regime de bens do seu casamento era o da separação de bens e o alcance deste, certamente que as suas declarações seriam proferidas no sentido de que os prédios eram adquiridos, não para a comunhão que, na verdade, inexiste, mas em regime de compropriedade, por ambos os cônjuges, havendo, por conseguinte, erro nas declarações proferidas também quanto a este melindroso ponto. Mas poder-se-á considerar em sede de registo predial, sem mais, que, dada a inexistência absoluta de património comum no regime de separação, os bens em causa foram adquiridos pelos cônjuges em compropriedade? Vejamos, pois. 6.1 A inscrição de aquisição incidente sobre prédio n.º..., na qual figurava como sujeito ativo Celeste... no estado de casada com Marcelino..., no regime de comunhão de adquiridos, foi retificada na sequência de requerimento apresentado pela ora recorrente, sem intervenção do cônjuge eventualmente prejudicado, não com base em certidão de escritura pública de retificação, ou outro meio idóneo, que clarificasse a natureza dos bens em causa, antes se baseia no assento de casamento do Marcelino e da Celeste do qual consta a sua subordinação ao regime imperativo de separação de bens, que, embora seja título bastante para este efeito, não tem a virtualidade de definir a situação concreta dos prédios em tabela nos termos pretendidos 8. No entanto, não tendo sido retificado o registo de aquisição no que concerne à fixação do estatuto concreto do bem, designadamente como compropriedade, sendo o caso, teremos de concluir, em face da presunção derivada do registo nos termos do prescrito no artigo 7.º do CRP, que o mesmo integra o património do cônjuge mulher. Consequentemente, pertencendo o bem à referida Celeste, casada no regime da separação, esta pode dispor do bem livremente, sendo sustentável que, não sendo 8 A este propósito, veja-se a Deliberação proferida nos proc.ºs n.ºs R.P. 97/2001 e R.P. 98/2001 DSJ- CT, publicada no BRN n.º 9/2001, pág. 59. 7

retificado o registo quanto à concreta situação do bem em causa, a disposição deste estará formalmente legitimada se efetuada pelo cônjuge que o adquiriu, como bem da massa patrimonial própria deste mesmo cônjuge 9. 6.1.1 Contudo, em face da intervenção de ambos os cônjuges como doadores na escritura de doação, necessário se torna que, com vista à obtenção do registo de aquisição peticionado, em termos definitivos, ambos venham a figurar como sujeitos ativos na inscrição de aquisição baseada na compra, seja mediante a retificação desta seja através da elaboração de inscrição intermédia, sendo caso disso. 6.2 No que concerne ao prédio ora descrito sob o n.º 6 309, verifica-se que o cônjuge mulher age, nas mencionadas escrituras de compra e venda, na qualidade de administradora dos bens do casal, sem que, todavia, a titularidade dos bens se encontre devidamente clarificada. Também aqui, e de igual modo, ambos os cônjuges figuram como doadores do referido prédio, pelo que se impõe proceder à retificação das respetivas escrituras de compra e venda, ou complementar o instrumento de ratificação, no sentido de que a aquisição do bem ocorreu em compropriedade e nas pretendidas quotas de metade para cada um. 6.3 Assim, em conformidade com o quadro descrito, a intervenção do cônjuge marido na escritura pública como doador revela-se perturbadora, já que no regime de separação de bens cada cônjuge dispõe livremente dos seus bens, salvo se respeitante à casa de morada de família, que é necessário o consentimento do outro cônjuge dado o interesse que a lei fundadamente pôs na tutela da residência da família, o que não se verifica in casu cfr. o disposto no n.º 2 do artigo 1682.º-A do Código Civil. Acresce, por outro lado, que a simples apresentação da certidão do assento de casamento (ou a retificação do registo nela baseada), não poderia servir de suporte à legitimação do direito de compropriedade do cônjuge marido, antes a afasta. Ora, tendo tido intervenção no título de alienação ambos os cônjuges como doadores, não pode em sede registral fazer-se a interpretação do negócio jurídico no 9 No parecer proferido no proc.º n.º R.P.149/2000 DSJ-CT, in BRN n.º 2/2001, págs. 23 e segs., embora a propósito de uma situação com contornos específicos distintos, abordou-se o erro quanto ao regime matrimonial, sustentando-se que a certidão extraída do assento de casamento permitirá comprovar a pertinência dos bens à massa patrimonial do cônjuge que figura como sujeito ativo da inscrição. Logo, legitimaria (formalmente) o direito de disposição deste titular, mesmo sem necessidade de prévia retificação do registo de aquisição a seu favor. 8

sentido de que no contrato de doação apenas um dos cônjuges é o doador, sendo próprio deste os bens doados. Com efeito, coloca-se aqui a pertinente questão relativa à inobservância do princípio do trato sucessivo consagrado no artigo 34.º do CRP, sendo que dos termos da escritura de doação parece extrair-se, implicitamente, a vontade de ambos os cônjuges assumirem a posição de sujeitos ativos (numa relação, diríamos, de contitularidade). 6.4. Sublinhamos, por fim, que o n.º 1 do artigo 9.º do CRP acolhe um princípio meramente formal, não estando em causa na aludida norma, a legitimação substantiva, assente na titularidade, mas apenas a legitimidade formal 10. A aplicação do disposto neste preceito anda aliado ao prescrito nos artigos 54.º e 55.º do Código do Notariado, porquanto só deste conjunto normativo se pode colher o sentido e alcance preciso do princípio da legitimação de direitos sobre imóveis, quando esteja em causa a titulação de atos por instrumento notarial 11. 6.5 Nestes termos, e por não poder, em princípio, ser registado, em termos definitivos, o facto aquisitivo que se encontre em divergência com a anterior inscrição de aquisição em que supostamente deve assentar, ou nos documentos apresentados com o escopo de dispensar a prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite, nos termos do n.º 2 do artigo 34.º do CRP, sufraga-se o entendimento de que os atos de registo peticionados devem ser efetuados como provisório por dúvidas, removíveis, designadamente, pelas vias supra apontadas 12. 10 No que concerne à questão da legitimidade, veja-se OLIVEIRA ASCENSÃO, in Direitos Reais, 5.ª edição, pág. 349, bem como JOSÉ ALBERTO VIEIRA, in Direitos Reais, 2008, págs. 270 e segs., que considera que mesmo que haja violação do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do CRP, o negócio é válido, e o parecer do CT proferido no proc.º n.º R.P.173/99DSJ-CT, in BRN n.º 4/2003, pág. 6. 11 Veja-se, para mais desenvolvimentos, o parecer proferido no proc.º n.º 101/2009 SJC-CT, disponível em www.irn.mj.pt. 12 Remetemos novamente para o parecer proferido no proc.º n.º 149/2000 DSJ-CT, pág. 27, no qual de salientou que é possível por escritura pública, com intervenção de ambos os cônjuges, proceder-se à retificação da escritura de compra e venda no sentido de que os bens foram adquiridos com dinheiro de ambos os cônjuges e que o estatuto que lhes é aplicável é o da compropriedade, se for esse o caso, claro. Quanto ao alcance do princípio da imutabilidade das convenções e do regime de bens resultante da lei, veja-se RITA LOBO XAVIER, in Limites à autonomia privada na disciplina das relações entre os cônjuges, 2000, págs. 127 e segs. e 632. 9

Assim, como corolário lógico do exposto, a posição deste Conselho vai condensada nas seguintes Conclusões I No regime de separação de bens, cada um dos cônjuges conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo dispor deles livremente, em face do preceituado no artigo 1735.º do Código Civil. II Figurando na inscrição de aquisição, após a sua retificação quanto ao regime de bens com base no assento de casamento, como sujeito ativo o cônjuge mulher, esta detém legitimidade formal para dispor do bem que adquiriu, como bem da sua massa patrimonial. III Resultando do registo, ou dos documentos apresentados para essa finalidade, que os bens são próprios de um dos cônjuges, e intervindo no título de alienação ambos, como doadores, não pode, sem mais, em sede registral fazer-se a interpretação do negócio jurídico no sentido de que no contrato de doação é apenas doador um dos cônjuges, razão pela qual se justifica, in casu, a qualificação do respetivo registo como provisório por dúvidas cfr. o disposto nos artigos 7.º, 34.º, 68.º e 70.º, todos do Código do Registo Predial. IV Não se encontrando claramente definida a titularidade dos bens transmitidos, para obtenção do registo definitivo de aquisição dos prédios em apreço, com base na aludida doação feita por ambos os cônjuges, impõe-se a devida clarificação da titularidade do bem mediante retificação das escrituras de compra e venda em causa, ou ainda, no caso do prédio não descrito, através de complementação do instrumento de ratificação apresentado. Assim, de harmonia com o que precede, o presente recurso hierárquico não merece provimento. Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 21 de junho de 2012. Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, relatora, António Manuel Fernandes Lopes, Luís Manuel Nunes Martins, Maria Madalena Rodrigues Teixeira, José Ascenso Nunes da Maia. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 11.07.2012. 10

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