Casulos de Terra - O lado de dentro da cerâmica



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Transcrição:

Elizabeth Rocha Leí Galvão Casulos de Terra - O lado de dentro da cerâmica A partir da observação do avesso de peças utilitárias e decorativas, percebi que o lado de dentro, além de forma, tem som, temperatura, textura e cheiro. Comecei a escutar as peças como se fossem conchas do mar. O lado de dentro começou a ser mais interessante do que o lado de fora. O vazio respirava com muito mais força do que a forma. Comecei a aumentar o formato das peças que criava até que pudesse entrar com o corpo inteiro dentro delas. O meu desejo era ouvir o vazio e me deixar envolver pela terra. UM TRABALHO FEITO COM 4 MÃOS E MUITOS CORAÇÕES Este trabalho não seria possível sem a parceria de Leí Galvão. De uma maneira simplista, poderia dizer que eu, Elizabeth Rocha, criei e moldei as peças; e que Leí preparou o barro, criou o forno e fez a queima. Mas foi muito mais do que isto. Vivemos o melhor de cada um de nós, nossas famílias se tornaram amigas, nossos amigos parceiros, nossos parceiros cúmplices. Durante o desenvolvimento do projeto, fui me envolvendo com pessoa e questões que não faziam parte do meu planejamento inicial. Assim, cheguei a lugares que não imaginava. RESPEITANDO O VAZIO Respeitar o vazio é uma das primeiras lições da cerâmica, seja por questões técnicas ou utilitárias. O vazio é necessário para que as peças se tornem resistentes e não quebrem durante a queima ou na secagem. Na cerâmica, o vazio é tão importante quanto a forma. Para mim, este aprendizado foi importantíssimo e ultrapassou as questões técnica. É um aprendizado muito especial em uma sociedade que atribui mais valor a aparência e a superficialidade, ao lado de fora. A partir da observação do lado de dentro de vasos, potes e jarras, percebi que no vazio, na ausência do material, existe uma energia concentrada, fechada dentro da forma. A transgressão de romper com este limite entre o interior e o exterior, ultrapassar o contorno e entrar no vazio despertou os meus sentidos. Comecei a escutar jarras como se fossem conchas do mar. Cheirava cada vaso como se fosse um vidro de perfume. Acariciava o interior das peças como se procurasse algo muito delicado. Fui trabalhando a minha percepção para tirar o máximo de prazer desta experiência. A textura, o som, a temperatura e o cheiro variavam de acordo com o ambiente, a espessura e o tamanho de cada peça. Fiquei completamente fascinada pela experiência. O lado de dentro era a forma somado a nada. O nada era o vazio que pulsava com muito mais força do que a forma. Queria estar onde o vazio, ausência de matéria, encontrava o nada, a ausência completa. AUMENTANDO O VAZIO Comecei a aumentar o formato das peças. Em uma primeira fase, elas tinham um tamanho suficiente para colocarmos nossa cabeça dentro delas. Eu queria ampliar aquela experiência, fazendo a comunhão de todos os sentidos. A sensação de acolhimento e segurança me emocionaram. Cada forma vazia era diferente da outra. Me senti confortável, protegida, tranquila, dentro da terra. Era a mãe terra me acolhendo dentro de

seu útero. Talvez fosse o resgate de uma memória afetiva ancestral. O desejo de entrar com o corpo inteiro dentro deste vazio cercado de proteção me levaram a este projeto. Foi assim que decidi construir um casulo para nós humanos feito inteiramente de cerâmica. ALQUIMIA INTERNA TAOISTA Simultaneamente ao desenvolvimento do projeto, fui me interessando pelo Taoísmo, pela práica do Chi Kung e pela Alquimia Interna Taoísta. Os exercícios de Chi Kung trabalham os canais de energia do corpo e despertam a sensibilidade. A Alquimia transformam, refina e aumenta a energia. Esta prática criou uma nova integração minha com o processo da cerâmica. Eu estava com os 5 sentidos do corpo em alerta. Eles haviam sido despertados pelo trabalho de cerâmica e estavam sendo refinados pela Alquimia Interna Taoísta. Na filosofia taoísta, cada um dos nossos sentidos está relacionado com um dos 5 elementos da natureza: a terra, a água, a Madeira, o fogo e o metal. Estes elementos se relacionam dentro de nosso corpo, transformando as emoções. O processo de transformação do barro em cerâmica é correspondente ao da Alquimia Interna. A água e a terra, elementos femininos, estão presentes na criação. Podemos moldar a argila, ainda bem flexível pela quantidade de água que ela contém. A medida que a água diminui pela ação do ar (metal), a terra se torna mais rígida e a forma sólida. O processo é finalizado pelos elementos masculinos: a madeira e o fogo. A madeira alimenta o fogo que transforma a terra em cerâmica. É pura alquimia. Com esta prática também aprendi a prestar atenção no invisível. Passei a acreditar que mesmo o que não vemos ou ouvimos, existe. O vazio é real e dele surgem muitas coisas. Os Casulos de Terra são esculturas cerâmicas interativas criadas para serem vistas e sentidas tanto pelo lado fora quanto pelo lado de dentro. A matéria é a fronteira que limita e, ao mesmo tempo, estabelece a comunicação entre interior e o exterior. O corpo humano é um canal de ligação entre estas partes. Entre o céu, que está fora, e a terra que está dentro. TORNANDO POSSÍVEL Já no início do desenvolvimento do projeto, me deparei com a restrição do tamanho dos fornos disponíveis. Não encontrei no Rio de Janeiro um forno pronto para queimar as peças que eu ainda iria fazer. Cheguei a fazer uma peça com uma mistura de argila e cimento. Formalmente funcionou, mas não funcionou na essência. Cimento não é terra. Fazer as peças em pedaços e montar depois também era um caminho mas não atendia ao meu objetivo. Cada emenda seria um escape de energia. Taciana Amorim, minha professora no Rio de Janeiro que estava acompanhando os meus devaneios e frustrações, sugeriu que eu procurasse o Leí Galvão, em Cunha, SP. Disposto a participar do projeto, Leí me autorizou a fazer a peça do tamanho que eu desejasse. Depois, ele encontraria uma maneira de queimar. Em julho de 2009 fui a Cunha buscar 260k de argila preparadas por Leí para fazer o primeiro teste em grande dimensão. Apesar dos alertas, eu insisti em fazer a peça no Rio e, depois de pronta, levar para queimar em Cunha. Foram 2 semanas de trabalho intenso. Ao colocar a peça no carro para a viagem ela sofreu a primeira rachadura. Quando chegou em Cunha, estava quebrada em milhares de pedacinhos. Uma morte anunciada pelos mais experientes e consequência da minha teimosia.

FINALMENTE EM CUNHA Em outubro de 2009, passei alguns dias em Cunha para fazer os Casulos de Terra no ateliê Oficina de Cerâmica, de Leí Galvão e Augusto Campos. As peças foram construídas com cobrinhas, totalmente manual, da forma mais tradicional de se trabalhar com a argila. O processo foi extremamente prazeiroso e fluiu em harmonia, sem maiores dificuldades. Levei 10 dias para levantar os 2 casulos sob a orientação de Leí. Foi um período de dedicação exclusiva ao trabalho com a argila, sem interferência do cotidiano, família e outras demandas. Com isto, desenvolvi uma relação intensa com o material, vivenciei uma troca genuína e criei uma intimidade no olhar e tocar o barro. Pela escala, me entreguei de corpo inteiro. Circulei por dentro e por fora da argila. Foi aí que encontrei, verdadeiramente, a alma feminina do material. Neste ponto, entendi que todas as dificuldades que tive anteriormente foram fruto da minha resistência em mudar a maneira de pensar e agir. A proposta deste projeto inclui ver e sentir de outra perspectiva mas eu mesma demorei quase 2 anos para entender a minha proposta. Quando resolvi me entregar ao fluxo, tudo correu bem. Agora era esperar secar bem e tocar fogo. O masculino concluiria o processo. TRANSFORMAÇÃO DA TERRA EM MATÉRIA PLÁSTICA Em função das dimensões das peças, Leí preparou um barro especial para a execução do trabalho. O processo de criação e transformação começou com a retirada do barro da natureza. A material prima foi retirada do sítio do Leí, em Cunha. O barro é fruto da decomposição de matéria orgânica em um processo geológico que leva milhões de anos e está depositado em vales ou nas partes mais baixas das montanhas. O barro utilizado neste trabalho foi retirado manualmente de camadas superficiais, cobertas apenas de terra e húmus. O barro bruto contém corpos indesejáveis para o processo da cerâmica como: raízes, pedras e areia grossa. Para que o barro tivesse a plasticidade e a resistência desejadas, foi necessário um processo de limpeza, preparação e amadurecimento. A primeira etapa do trabalho é a limpeza que transforma o barro em estado bruto em pó de argila. O barro é exposto ao sol e ao ar para secar. Depois da secagem, ele é moído em grãos bem pequenos e peneirado para eliminação das partículas indesejáveis. A segunda etapa é a preparação da massa. O pó de argila é transformado em matéria plástica com a adicão de água e componentes de correção de plasticidade. Para este trabalho, em função do tamanho das peças, foi adicionado também chamote para dar mais resistência a peça e evitar trincas e rachaduras. A Terceira etapa é o amadurecimento da massa. A mistura fica em repouso em telhas para perder humidade. Ao alcançar a consistência desejada, o barro é passado pela maromba e armazenado em sacos plástico para conservar a plasticidade e a humidade.

O FORNO E A QUEIMA Com uma experiência de mais de 30 anos de trabalho dedicados a arte do fogo, Leí começou o trabalho desenvolvendo uma série de desenhos de fornos, em busca da melhor solução. Depois de muita pesquisa, Leí retorna às suas origens. Ele decide criar um forno de barranco, usando os mesmos princípios da queima que aprendeu no final da década de 70 com as paneleira de Cunha: D. Dita Olímpia e D. Núncia. Em harmonia com o conceito do trabalho, o forno primitivo também era um resgate da sua história. Para a construção do forno de barranco é necessário um desnível no terreno. A fornalha fica localizada na parte baixa do barranco e o piso, onde serão colocadas as peças, na parte superior. O barranco disponível na área do ateliê para fazer o forno não era compactado. O terreno era um disnível aterrado há alguns anos. Seria arriscado cavar a fornalha diretamente no barranco. Sendo assim, Leí abriu um buraco do diâmetro do forno, posicionando os crivos com canos. Na sequencia, retornou com a mesma terra, socando-a como taipa de pilão. Foram feitos 10 crivos com cerca de 10 cm de diâmetro cada. Estes canais levariam o calor e o fogo para superfície. Sobre o piso do forno foram posicionadas placas de cordierita elevadas com a altura de 1 tijolo para formar uma surperfície plana. O fogo passaria pelo fundo, se espalharia pelo entorno da peça e subiria pelas laterais até sair pela chaminé. Ao redor da peça, construímos a parede do forno com tijolos, envolvendo toda a peça. Os espaços entre os tijolos foram vedados com barro para evitar a perda de calor. O resultado foi um forno muito simples com formato de cupim e uma chaminé central. A primeira queima aconteceu em maio de 2011, dois anos após o início do projeto, Para a peça menor, foram 24 horas de queima. As primeiras 12 horas foram de esquente para que a peça aquecesse lentamente, evitando o risco de tricar ou estourar no processo de elevação da temperatura. Após o esquente, mais 12 horas de queima definitiva até que a peça estivesse inteiramente envolvida pelas chamas. Quando a temperatura chegou ao ponto ideal paramos de alimentar a fornalha com lenha, fechamos a chaminé e a boca da fornalha para que não entrasse ar frio e o calor permanecesse por mais tempo. O forno só foi aberto 24 horas após o encerramento da queima. A peça grande queimou por 36 horas. Seguindo o mesmo processo da primeira. O peso das peças queimadas é: 82 kg a menor e 143kg a maior. AS DESCOBERTAS NO CAMINHO Além de descobrir a mim mesma, neste processo descobri muitos amigos e artistas. Em cunha, tive contato com mestres da cerâmica como Alberto Cidraes, Luciane e Marcelo Tokai e Agusto Campos. Visitei o ateliê do Sylvio Flores em Xeren, do Ben Hur em Caraguatatuba e da Rosa Pentado em Picinguaba. Conheci os casúlos do Siron Franco. Pesquisei a obra da Celeida Tostes, o que me deu segurança para seguir e um pesar enorme de não tê-la conhecido pessoalmente. E, ainda, pude me expor para minha família e sentir o amor deles, principalmente do meu pai, minha filha e meu marido. E conheci Lei Galvão. Hoje, um grande amigo, orientador, parceiro.

Casulos de Terra O lado de dentro da cerâmica Os Casulos de Terra são esculturas cerâmicas criadas para serem vistas pelo lado de fora e sentidas pelo lado de dentro. Trabalho realizado por Elizabeth Rocha e Lei Galvão

A partir da observação do avesso de peças utilitárias e decorativas, percebi que o lado de dentro de cada peça tem um som e uma temperatura diferentes. Comecei a escutar as peças como se fossem conchas do mar. O lado de dentro começou a a ser mais interessante do que o lado de fora. O vazio respirava com muito mais força do que a forma. Comecei a aumentar o formato das peças que criava. O tamanho tinha que ser suficiente para eu colocar a cabeça dentro dela. Qual seria o som? Que sensação traria? Era o desejo de ouvir o vazio, de me deixar envolver pela terra. A sensação de acolhimento e segurança desta experiência me emocionaram. Me senti dentro da terra, dentro de um útero. Talvez fosse o resgate de uma memória afetiva ancestral. Cada forma vazia era diferente da outra em som, cor, cheiro e temperatura. O desejo de entrar com o corpo inteiro neste vazio cercado de proteção me levaram a este projeto. Simultanamente ao desenvolvimento do projeto, fui me interessando pelo Taoismo e pela práica do Chi Kun e da alquimia taoísta. A terra, o metal, a água, a

madeira e o fogo fazem parte de nosso organismo, assim como de todo o processo da cerâmica. Tudo virou uma coisa só. Aprendi que mesmo aquilo que não vemos, ouvimos ou sentimos, existe. O vazio é real e dele surgem muitas coisas.

As primeiras as dificuldades. Não existe forno pronto para queima de peças desta dimensão. Será que argila resiste a paredes desta altura sem auxílio de uma estrutura? Cheguei a fazer uma peça com uma mistura de argila e cimento. Formalmente funcionou, mas não funcionou na essência. Cimento não é terra. Fazer a peças em pedaços e montar depois também era uma solução, mas isto mudava tudo. Cada emenda era uma escape de energia.

Depois de alguns meses de pesquisa, em outubro de 2009, fui para Cunha, SP, e lá entrei em contato com Lei Galvão da Oficina de Cerâmica. Lei preparou 260kg de uma argila especial, com bastante chamote para que pudéssemos fazer as peças. Levamos 10 dias para levantar os 2 primeiros casúlos As peças foram construídas com cobrinhas, totalmente manual, da forma mais tradicional de se trabalhar com a argila.

O processo foi extremamente prazeiroso e fluiu em harmonia sem maiores dificuldades. Agora era esperar secar bem e tocar fogo. Leí começou a desenhar fornos baseado na sua experiência de mais de 30 anos de trabalho dedicados a arte do fogo. Em maio de 2011, fizemos a primeira queima. Lei optou por um forno de barranco, uma das formas mais primitivas de queima que ele aprendeu, no final da década de 70, com as paneleira de Cunha: D. Dita Olímpia e D. Núncia.

Lei cavou um buraco no barranco, fez 10 crivos com cerca de 10 cm de diametro cada que levariam o calor e o fogo para superfície. Posicionamos as peças sobre placas de cordierita, contruimos o forno com tijolos em volta da peça: um forno com formato de cupim e uma chaminé central. Uma das queimas levou 24 horas e a outra 36 horas.

Eu, Elizabeth Rocha e Lei Galvão gostaríamos de partilhar esta experiência no CONTAF 2012. Caso haja interesse, favor entrar em contato: Tel: 21-3298-2182 21-9624-9305 beth@madrecomunicacao.com.br