Ética e Práticas de Governação Desafios e Responsabilidades

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Ética e Práticas de Governação Desafios e Responsabilidades X Congresso dos Revisores Oficiais de Contas 21 e 22 de Outubro 2010, Museu do Oriente José Manuel MOREIRA Universidade de Aveiro

Será que há mesmo falta de ética? Valores universais e não universais Compromissos com valores imutáveis e permanentes Natureza humana: una e plural Valores morais e valores culturais

Ética e Deontologia da Profissão Toda a Profissão tem uma identidade, que requer ideais e padrões comuns (ou seja, um código ético e um código deontológico) Ética: compromisso (interno) com valores duradouros implicados na natureza do ser humano Deontologia: atende mais ao que lhe é externo, fixando os deveres e responsabilidades requeridos por um determinado ambiente profissional e podendo reflectir a evolução e novas prioridades

Em busca da Identidade e do papel dos ROC para a boa governação Tornar credível, fiável, a informação prestada, base de conhecimento que sustentará a boa decisão Ser-se digno de crédito, de confiança competência técnica e qualidade ética e humana. Relevância dos ROC para o funcionamento de uma economia de mercado e de uma sociedade livre e responsável Autoridade baseada em ordens versus autoridade baseada em regras de jogo Ética e Economia de mercado Inteligentes / Espertinhos. Valores e fins

Jogo social, económico, político... Árbitros, fiscais e juízes versus jogadores, dirigentes e adeptos Cultura de isenção e de imparcialidade Velar por regras e lutar por resultados Regular, fiscalizar e penalizar Critérios objectivos, controláveis e verificáveis Actuar como árbitro ou de forma arbitrária? Necessidade de entidades realmente independentes, tanto do poder político como económico.

Estado e Regulação (mão visível e mão invisível?) Uma nação de ovelhas dará origem a um Governo de lobos Edward R. Murrow, jornalista americano (1908-1965). Estado de Direito/ sistema político Ec. de Mercado/ Sist. económico SOCIEDADE CIVIL Sistema ético-cultural

Niskanen e a infraestrutura básica de uma economia de mercado Mais que às diferenças nas capacidades humanas, investimentos privados e públicos, recursos naturais e políticas dos governos, importaria dar atenção ao menos visível e menos quantificável O sistema jurídico (estabilidade da propriedade, transmissão por consentimento e cumprimento de promessas) O sistema de contabilidade (amplo uso de regras de contabilidade e de um sistema independente de auditoria e revisão) As atitudes culturais ou hábitos de coração que apoiam uma economia de mercado

Wilheim Ropke e a sua formulação da importância das atitudes culturais Não pode existir um sistema de trocas intenso, alargado e duradouro sem um mínimo de confiança natural na estabilidade e fiabilidade do quadro jurídico e institucional; sem lealdade contratual, honestidade, jogo limpo, honra profissional e esse orgulho que nos faz considerar indigno a fraude, o engano, o o uso da autoridade do Estado para fins egoístas. Confiança como infra-estrutura ética? Regras, instituições e mecanismos incentivadores do comportamento ético? Numa sociedade bem organizada os indivíduos não devem ser instrumentos do governo, o governo é que deve ser instrumento das pessoas, no sentido de estar encarregue da boa ordem das instituições que permite que as pessoas persigam os ideais que elas próprias escolhem.

A par das atitudes culturais requeridas por uma economia de mercado Importa reflectir sobre as que impedem ou destroem a economia de mercado. A mais incompatível é talvez a inveja. Uma sociedade pode sobreviver ao egoísmo não confundir com o interesse próprio, mas não ao espírito igualitário, à preocupação de que o meu vizinho pode fazer as coisas melhor do que eu. Não por acaso todas as grandes tradições religiosas considerem a inveja como um pecado capital. A inveja é uma atitude muito humana, mas é o factor mais destrutivo da organização social. A inveja, combinada com a erosão dos limites constitucionais aos poderes do governo, tem vindo a debilitar progressivamente as economias de mercado ocidentais.

A Inveja e os ROC como pedra angular do sistema de contabilidade Rezar, não para ter boas colheitas, para que os celeiros do vizinho ardessem Um sérvio contou o mais malvado conto de todos: Deus regressou a casa à Sérvia, naturalmente, Como dizia Ropke, é importante não desperdiçar a autoridade estatal para fins egoístas. Muito menos utilizar (mal) os poderes do Governo como instrumento de inveja. Mais do que estabelecer uma hierarquia de valores das três instituições, importa vê-las como três pés de uma mesa, em que se se corta uma se reduz a estabilidade da mesma. O investimento dos indivíduos e do Estado nestas instituições básicas é mais importante do que outros elementos de um programa de reforma económica: de facto, estas três instituições são requisitos necessários para o êxito de todas as demais medidas.

Não basta saber o que há a fazer, o essencial da ética está em saber e querer aplicar esse conhecimento teórico a casos concretos A simples implantação de um código de comportamento não assegura que se apreciem e se pratiquem os valores e normas que nele se estabelecem. O código de conduta é algo que se pode aprender, enquanto a rectidão moral e a competência profissional se adquirem com esforço, dentro de uma comunidade de aprendizagem e graças a contínuos exercícios de ensaio e erro, de equívocos e melhorias. Não há código novo ou velho - nem manual de boas práticas que possa substitui o carácter A moralização da actividade económica só se pode conseguir através da moralização dos indivíduos que nela actuam o mercado dá o que se pede Urge recuperar a noção de que cada um de nós é individualmente responsável pelas suas acções - herança conjunta do judaísmo cristão e do mundo clássico