Alergia ocupacional ao Tetranychus urticae em trabalhadores agrícolas do Norte de Portugal



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ARTIGO ORIGINAL Alergia ocupacional ao Tetranychus urticae em trabalhadores agrícolas do Norte de Portugal Occupational allergy to Tetranychus urticae in agricultural workers in the north of Portugal Data de receção / Received in: 13/01/2015 Data de aceitação / Accepted for publication in: 31/03/2015 Rev Port Imunoalergologia 2015; 23 (2): 71-77 Natacha Santos 1, Fabrícia Carolino 1, Ana Aguiar 2, José Luís Plácido 1 1 Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar São João, EPE, Porto 2 REQUIMTE & Faculdade de Ciências da Universidade do Porto 1.º Prémio Melhor Poster SPAIC MSD 2013 RESUMO Fundamentos: O Tetranychus urticae é um ácaro fitófago, praga em diversas culturas agrícolas e responsável por sintomas de rinite, asma e urticária. No entanto, a alergia a este ácaro não foi previamente avaliada em Portugal em conteto ocupacional. Objetivo: Avaliar a frequência de sensibilização e de alergia ao T. urticae em diferentes contetos de produção agrícola. Métodos: Foram realizados testes cutâneos por picada (TCP) com aeroalergénios, incluindo ácaros domésticos e T. urticae (Leti ), prova de provocação conjuntival (PPC) com T. urticae (Leti ) e preenchido um inquérito de eposição ocupacional e sintomas alérgicos. Os TCP foram considerados positivos para um diâmetro médio da pápula aos 15 minutos 3 mm. A PPC foi realizada em ocultação simples com concentração crescente (0,002 0,02 0,2 2 mg/ml) de etrato de T. urticae com 10 minutos de intervalo. A prova foi considerada positiva na presença de hiperemia conjuntival, edema ou lacrimejo. Resultados: Foram incluídos 41 agricultores, 27 (66%) do seo masculino, com idade média (DP) de 45 (12,3) anos. Doze trabalhavam em estufas, 6 na produção de vinho verde e 23 em vinho do Douro. Sete (17%) trabalhadores tiveram TCP positivo para T. urticae (78% dos atópicos), 2 dos quais monossensibilizados: 3 trabalhadores de estufa, 0 dos vinhos verdes e 4 do Douro. Três trabalhadores (43% dos sensi 71

Natacha Santos, Fabrícia Carolino, Ana Aguiar, José Luís Plácido bilizados) tiveram PPC positiva com T. urticae, todos cossensibilizados a ácaros: 2 trabalhadores de estufa com urticária de contacto com cultura de feijão na primavera/verão e 1 trabalhador do vinho do Douro com rinoconjuntivite ocupacional na primavera. Dos 4 sensibilizados a T. urticae com PPC negativa, 2 eram assintomáticos e 2 tinham rinite sazonal. Conclusões: Foi encontrada uma elevada prevalência de sensibilização e alergia ao T. urticae, sobretudo em trabalhadores de estufas, o que poderá dever se a uma maior eposição ocupacional neste tipo de produção. Palavras -chave: Agricultura, alergia ocupacional, estufa, prova de provocação conjuntival, Tetranychus urticae. ABSTRACT Background: Tetranychus urticae is a phytophagous mite, plague in several agricultural crops and responsible for symptoms of rhinitis, asthma and urticaria. However, allergy to this mite has not been previously evaluated in Portugal in an occupational setting. Aim: To evaluate the frequency of sensitization and allergy to T. urticae in different contets of agricultural production. Methods: Skin prick tests (SPT) with airborne allergens, including domestic mites and T. urticae (Leti ), conjunctival provocation test (CPT) with T. urticae (Leti ) and a survey of occupational eposure and allergic symptoms were performed. The SPT were considered positive for a mean wheal diameter 3 mm after 15 minutes. The CPT was single blinded with increasing concentration (0.002 0.02 0.2 2 mg/ml) of T. urticae etract at 10 minute intervals and considered positive in the presence of conjunctival hyperemia, palpebral edema or lacrimation. Results: We included 41 farmers, 27 (66%) male, mean age (SD) of 45 (12.3) years. Twelve worked in greenhouses, 6 in the production of green wines and 23 in Douro wines. Seven (17%) workers had a positive SPT for T. urticae (78% of atopic), 2 of which monosensitized: 3 greenhouse workers, 0 of the green wines and 4 of the Douro wines. Three workers (43% of sensitized) had positive CPT with T. urticae, all co sensitized to mites: 2 greenhouse workers with contact urticaria with bean crop in the spring/summer and 1 Douro wine worker with occupational rhinoconjunctivitis in the spring. Of the 4 farmers sensitized T. urticae with negative CPT, 2 were asymptomatic and 2 had seasonal rhinitis. Conclusions: A high prevalence of sensitization and allergy to T. urticae was found mainly among greenhouses workers, which could be due to increased occupational eposure in this type of production. Key -words: Agriculture, conjunctival provocation test, greenhouse, occupational allergy, spider mite, Tetranychus urticae. INTRODUÇÃO O Tetranychus urticae, também conhecido como aranhiço amarelo, red spider mite ou two spotted spider mite, é um ácaro fitófago macroscópico, da subclasse Acari e subordem Prostigmata 1, que se encontra nas folhas de numerosas plantas. Por ser polífago, isto é, alimentar se de várias espécies de plantas, e resistente à maioria dos pesticidas químicos, constitui uma importante praga agrícola em culturas como vinha, pomares de macieira e pessegueiro, culturas hortícolas de ar livre e de estufa e plantas ornamentais 2 4. Tem sido demonstrada uma elevada sensibilização a este ácaro, quer em eposição ocupacional 5 quer como não ocupacional 6,7, tendo sido associado a alergia clinicamente significativa, com sintomas de rinite, asma, dermatite de contacto e urticária, predominantemente no verão e no outono 7 9. 72

ALERGIA OCUPACIONAL AO TETRANYCHUS URTICAE EM TRABALHADORES AGRÍCOLAS DO NORTE DE PORTUGAL / ARTIGO ORIGINAL Em Portugal, particularmente no Norte do país, a viticultura, a fruticultura, a horticultura e a floricultura são atividades económicas importantes 10. Previamente, foi demonstrada sensibilização em 46% dos doentes atópicos, sem eposição ocupacional agrícola, seguidos em consulta de Imunoalergologia num hospital terciário do Porto 6, tendo 9 de 12 doentes sensibilizados tido prova de provocação conjuntival com T. urticae positiva 11. No entanto, a alergia a este ácaro não foi previamente avaliada em Portugal em conteto ocupacional. Os objetivos primários deste trabalho foram determinar as frequência de sensibilização e de alergia ao T. urticae em diferentes contetos de produção agrícola. Como objetivo secundário pretendeu se descrever as características clínicas dos doentes alérgicos ao T. urticae. MÉTODOS Desenho do estudo e participantes Estudo prospetivo. Foram incluídos trabalhadores de idade 18 anos, de locais de produção agrícola da região Norte de Portugal, incluindo estufas, vinhos verdes e vinhos do Douro, de 9 empresas que aceitaram participar no estudo. O estudo consistiu na realização de testes cutâneos por picada (TCP) com aeroalergénios, incluindo T. urticae, prova de provocação conjuntival (PPC) com T. urticae e questionário de eposição ocupacional e sintomas alérgicos. Foram ecluídos os trabalhadores com critérios de eclusão para realização de TCP ou de PPC, nomeadamente gravidez ou amamentação, infeção ocular ou patologia ocular aguda, eacerbação de doença alérgica, uso de lentes de contacto no dia do estudo, toma de anti histamínico ou corticoide tópico nasal na semana anterior e instilação de soluções tópicas oftálmicas nas duas semanas anteriores. O estudo decorreu de maio a julho de 2013. Os procedimentos foram realizados no local de trabalho dos participantes, cumprindo as recomendações de higiene e segurança. O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Centro Hospitalar de São João, EPE, e todos os participantes assinaram consentimento informado. Testes cutâneos por picada (TCP) Foram realizados TCP com etratos (Leti ) de ácaros do pó doméstico (Dermatophagoides pteronyssinus e Dermatophagoides farinae), ácaros de armazenamento (Lepidoglyphus destructor), epitélio de gato e de cão, pólenes (Platanus acerifola, Olea europea, Parietaria judaica, mistura de gramíneas e mistura de ervas) e fungos (Aspergillus fumigatus), bem como com etrato de corpo de T. urticae, histamina 10mg/mL como controlo positivo e solução salina como controlo negativo. O procedimento foi realizado pelos médicos imunoalergologistas investigadores do presente estudo. Os etratos foram aplicados na face anterior do antebraço e picados com uma lanceta específica para TCP (Heinz Herenz Medizinalbedarf GmbH ), segundo as recomendações internacionais 12. Os doentes foram considerados sensibilizados para um alergénio caso uma pápula com diâmetro médio 3 mm fosse observada após 15 minutos. Foram considerados atópicos os doentes com pelo menos uma positividade para os alergénios testados. Prova de provocação conjuntival (PPC) Realizada com etrato de T. urticae (Leti ) de acordo com o protocolo do serviço de imunoalergologia 13. Foram preparadas quatro concentrações de T. urticae a partir do etrato original de 2 mg/ml liofilizado (0,002 0,02 0,2 2 mg/ml), de acordo com as recomendações do fabricante e utilizadas nas 24 horas seguintes à sua preparação. O procedimento consistiu na aplicação de uma gota de concentração crescente do etrato no saco lacrimal de um olho e de uma gota do controlo negativo (diluente) no olho contralateral. Nos trabalhadores com TCP negativo para o T. urticae a PPC foi realizada apenas com a concentração máima, de forma a ecluir entopia e tendo em conta que não foram observados falsos nega 73

Natacha Santos, Fabrícia Carolino, Ana Aguiar, José Luís Plácido tivos em estudo anterior 11. Os olhos eram avaliados 10 minutos após cada instilação. A PPC foi considerada positiva na presença de sinais objetivos de hiperemia conjuntival, edema palpebral ou lacrimejo no olho testado. Nos participantes com PPC positiva a prova foi terminada e foi aplicado anti histamínico tópico (opatanol 1 mg/ml), tendo sido mantida vigilância até resolução dos sinais e sintomas de alergia. A PPC foi considerada negativa na ausência de reação nos 10 minutos após aplicação da última concentração. Os participantes foram instruídos a informar da ocorrência de reação tardia nas 24 horas subsequentes. Questionário Cada participante preencheu um questionário contendo dados demográficos (seo, idade), enquadramento laboral (funções desempenhadas, tempo em anos e semanal global, tempo semanal médio de contacto com culturas agrícolas) e enquadramento clínico (presença de sintomas alérgicos, evolução, sazonalidade, fatores desencadeantes e relação com a eposição ocupacional). Foi ainda pedido ao responsável de cada empresa incluída o preenchimento de um questionário relativo ao tipo de culturas, eistência de pragas por ácaros e utilização de pesticidas. Análise estatística Estatística descritiva dos dados demográficos, clínicos e de eposição: frequências absolutas e relativas para variáveis qualitativas; média com desvio padrão (DP) para variáveis quantitativas de distribuição normal e mediana (mínimo máimo) para variáveis não normalmente distribuídas. Análise estatística realizada com SPSS versão 22.0 para Mac (IBM SPSS, Chicago, IL, USA). RESULTADOS O estudo incluiu 41 trabalhadores, 27 (66%) do seo masculino, com idade média (DP) de 45 (12,3) anos, dos quais 12 agricultores de seis empresas familiares de produção em estufa, 6 trabalhadores de uma empresa de produção de vinho verde e 23 trabalhadores de duas empresas de produção de vinho do Douro. A mediana (mínimo - máimo) de anos de trabalho na respetiva empresa ou em funções similares era de 10 (1-50) anos, sendo que 36 (88%) trabalhavam 40 horas semanais (40 a 60 horas) na empresa e 32 (78%) trabalhavam em média 40 horas por semana nos campos de cultivo (20 a 60 horas). Em todas as estufas foi reportada a ocorrência de pragas por ácaros e de tratamento com pesticidas, enquanto na empresa de produção de vinho verde e numa das empresas de vinho do Douro foram reportadas pragas mas em número não significativo para justificar tratamento. Dos 41 agricultores, 16 (39%) referiram clínica alérgica: urticária (n=5), rinite (n=4), urticária e rinite (n=3), conjuntivite (n=2) e asma (n=2). Destes, 12 (75%) notaram relação com a eposição e/ou afastamento das áreas de cultivo, particularmente urticária com a cultura de feijão (n=4) e rinite na vinha (n=2), sendo os sintomas predominantemente na primavera e/ou verão. Foi constatada atopia em 9 (22%) dos trabalhadores (Quadro 1); 78% dos atópicos estavam sensibilizados para o T. urticae, 3 destes sem cossensibilização a ácaros. O tamanho mediano da pápula para o T. urticae foi de 4 (3-4) mm. Três trabalhadores (43% dos sensibilizados a T. urticae) tiveram PPC positiva, com a concentração máima de 2 mg/ml, todos cossensibilizados eclusivamente a ácaros do pó doméstico. Dois agricultores não atópicos não realizaram PPC por patologia ocular e por utilização de lentes de contacto, respetivamente. Não foram observados falsos negativos (TCP negativo e PPC positiva para T. urticae). Os agricultores com TCP e PPC positivas para o T. urticae correspondiam a 2 trabalhadores de estufa cuja manifestação alérgica correspondia a urticária de contacto com a cultura de feijão na primavera/verão e 1 agricul 74

ALERGIA OCUPACIONAL AO TETRANYCHUS URTICAE EM TRABALHADORES AGRÍCOLAS DO NORTE DE PORTUGAL / ARTIGO ORIGINAL Quadro 1. Padrão de sensibilização dos nove agricultores atópicos T. urt. (n=7) D. pter. (n=4) D. far. (n=2) L. dest. (n=3) Ervas (n=2) Oliveira (n=2) Plátano (n=1) Cão (n=1) T. urt.: Tetranychus urticae. D. pter.: Dermatophagoides pteronyssinus. D. far.: Dermatophagoides farinae. L. dest.: Lepidoglyphus destructor. tor de vinhas do Douro com rinoconjuntivite ocupacional na primavera. Todos trabalhavam nestas funções há pelo menos 10 anos. Não foi objetivada sensibilização ao T. urticae entre os agricultores de vinho verde (Quadro 2). Dos 4 sensibilizados a T. urticae com PPC negativa, 2 eram assintomáticos e 2 tinham rinite sazonal na primavera (1 sensibilizado a pólenes de árvores e outro sem outras sensibilizações demonstradas). Eceto este último, estes trabalhadores eerciam a sua atividade laboral há menos de 5 anos. Quadro 2. Frequência de sintomas de alergia, atopia e sensibilização e alergia ao T. urticae de acordo com o tipo de produção agrícola Estufa (n=12) Vinho verde (n=6) Vinho do Douro (n=23) Sintomas de alergia 5 (42%) 2 (33%) 9 (39%) Atopia 5 (42%) 0 4 (17%) TCP (+) T. urticae 3 (25%) 0 4 (17%) PPC (+) T. urticae 2 (17%) 0 1 (4%) PPC: prova de provocação conjuntival. TCP: teste cutâneo por picada DISCUSSÃO Este é o primeiro trabalho a avaliar a sensibilização e alergia ao ácaro de eterior, Tetranychus urticae, em agricultores portugueses. Verificámos que o T. urticae foi o alergénio para o qual foi observada a maior frequência de sensibilização, correspondendo a 17% dos trabalhadores testados e a 78% dos atópicos. Esta frequência de sensibilização está de acordo com outros estudos referentes a agricultores: 15% dos trabalhadores atópicos de agricultura em campo aberto 8, 17% dos cultivadores de maçãs 14, 22% dos viticultores 15, 25% dos trabalhadores em estufa em Espanha 5, 55% dos trabalhadores em estufa com atopia em Itália 9 e 66% dos produtores de cravos em estufa com sintomas de alergia 16. No entanto, é claramente superior à de uma população sem eposição ocupacional residente no Norte de Portugal, onde 46% dos atópicos estavam sensibilizados ao T. urticae e a sensibilização predominante era aos ácaros domésticos 6. Relativamente a alergia clinicamente significativa ao T. urticae, identificámos 3 agricultores (7% dos trabalhado 75

Natacha Santos, Fabrícia Carolino, Ana Aguiar, José Luís Plácido res testados e 43% dos sensibilizados a T. urticae) com sintomas de alergia ocupacional e prova de provocação conjuntival positiva para T. urticae. A alergia ao T. urticae foi identificada em agricultores com pelo menos 10 anos de eposição ocupacional e foi mais frequente em trabalhadores de estufa, predominantemente com sintomas de urticária de contacto. Este é o primeiro estudo em conteto ocupacional em que a prova de provocação conjuntival foi utilizada para objetivação de alergia ao T. urticae. Este método foi escolhido pela facilidade e segurança do procedimento, permitindo a sua realização no local de trabalho, bem como pela eperiência prévia na sua realização 11. Astarita e colaboradores 9 realizaram um teste de eposição em ocultação simples numa estufa de floricultura sem pesticidas, com monitorização de sintomas e do débito epiratório máimo instantâneo, positivo em todos os 28 agricultores sensibilizados a T. urticae e com sintomas ocupacionais, induzindo os sintomas respiratórios e/ou cutâneos referidos em até 1 hora após a eposição. Em relação a sintomas de asma, Delgado e colaboradores 16 e Jee e colaboradores 17 realizaram prova de provocação brônquica específica, positiva em 12 de 13 trabalhadores de estufa de produção de cravos e em 10 de 16 asmáticos residentes próimo de pomares de peras, respetivamente. No nosso estudo, contrariamente aos supracitados, mais de 50% dos agricultores com teste cutâneo por picada positivo para o T. urticae tiveram prova de provocação conjuntival negativa, sendo dois deles assintomáticos e tendo os restantes dois sintomas de rinite sazonal. Não se podendo ecluir a possibilidade de provocação alergénica positiva utilizando outro órgão alvo, como por eemplo através de provocação nasal ou em teste de eposição em estufa, pelo menos 2 trabalhadores apresentam sensibilização assintomática. O significado clínico da sensibilização em trabalhadores assintomáticos é desconhecido, mas pode identificar um grupo com maior risco de desenvolver sintomas de alergia no futuro 15, especialmente tendo em conta o menor tempo de contacto ocupacional destes agricultores em comparação com os que tiveram prova de provocação conjuntival positiva. Astarita e colaboradores estudaram ainda 10 agricultores com sintomas de dermatite e/ou urticária de contacto ocupacional, tendo identificado alergia ao T. urticae em 7 destes, por meio de teste epicutâneo e/ou teste de contacto aberto 8. De notar que destes apenas 4 tinham IgE específica positiva para T. urticae, o que nos indica que não pode ser ecluída alergia não IgE mediada ao T. urticae nos 2 trabalhadores de estufa do nosso estudo que referiram queias de urticária/dermatite de contacto, mas sem sensibilização demonstrada para o T. urticae. Tal como encontrado no presente estudo, a frequência de sensibilização e alergia parece ser superior nos agricultores que trabalham em estufa. Dado que, com temperaturas superiores, aumenta a velocidade do desenvolvimento e a fertilidade do T. urticae 18,19, será epectável haver uma maior população de T. urticae nas estufas e durante um maior período anual, o que está de acordo com a informação fornecida pelos agricultores do presente estudo relativamente à eistência de pragas de T. urticae com necessidade de tratamento nas estufas. Em conclusão, verificámos uma elevada frequência de sensibilização e alergia ao T. urticae, com queias cutâneas e nasais predominantemente na primavera/verão e com uma possível relação com a eposição, quer em termos de carga alergénica no local de trabalho (maior em estufas) quer em relação com número de anos de eposição ocupacional, os quais carecem de confirmação através de medidas mais objetivas de eposição. AGRADECIMENTOS Aos Laboratórios Leti, em particular ao Dr. Victor Iraola, pelo fornecimento do etratos de T. urticae e pela colaboração na discussão crítica deste trabalho. Ao Dr. Luís Amaral, pela colaboração na realização dos procedimentos diagnósticos nos trabalhadores de estufas. Apoio financeiro: Laboratórios Leti (etratos para testes cutâneos por picada e etrato de Tetranychus urticae para prova de provocação conjuntival). 76

ALERGIA OCUPACIONAL AO TETRANYCHUS URTICAE EM TRABALHADORES AGRÍCOLAS DO NORTE DE PORTUGAL / ARTIGO ORIGINAL Contacto: Natacha Santos Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar São João, EPE Alameda Prof. Hernâni Monteiro 4200 319 Porto, Portugal Email: natachalsantos@gmail.com Telefone: 913 678 888 REFERÊNCIAS 1. AG M. Tetranychus urticae NCBI Taonomy. [cited 2014 Oct 24]. Available from http://www.metalife.com/ncbi Taonomy/32264 2. Grbić M, Van Leeuwen T, Clark RM, Rombauts S, Rouzé P, Grbić V, et al. The genome of Tetranychus urticae reveals herbivorous pest adaptations. Nature 2011;479: 487 92. 3. Carmona MM, Silva Dias JC. Fundamentos da Acarologia Agrícola. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; 1996. 4. Zhang, Zhi Qiang. Mites of Greenhouses Identification, biology and control: CABI publishing; 2003. 5. Navarro AM, Delgado J, Sanchez MC, Orta JC, Martínez A, Palacios R, et al. Prevalence of sensitization to Tetranychus urticae in greenhouse workers. Clin Ep Allergy 2000;30:863 6. 6. Santos N, Plácido JL. Sensibilização ao Tetranychus urticae no norte de Portugal. Rev Port Imunoalergologia 2014;22:1 14. 7. Millán C, Iraola V, Pinto H, Carnés J, Fatou R, Reguera V. Sensibilización a araña roja Tetranychus urticae en pacientes sin eposición ocupacional. J Invest Allergol Clin Immunol 2008;18(Sppl 3):179. 8. Astarita C, Di Martino P, Scala G, Franzese A, Sproviero S. Contact allergy: another occupational risk to Tetranychus urticae. J Allergy Clin Immunol 1996;98: 732 8. 9. Astarita C, Gargano D, Manguso F, Romano C, Montanaro D, Pezzuto F, et al. Epidemiology of allergic occupational diseases induced by Tetranychus urticae in greenhouse and open field farmers living in a temperate climate area. Allergy 2001;56:1157 63. 10. Instituto Nacional de Estística INE. Census of agriculture 2009 main results. 2011 [cited 2014 Oct 24]. Available from http:// www.ine.pt. 11. Santos N, Iraola V, Plácido JL. Tetranychus urticae allergy in a population without occupational eposure. Eur Ann Allergy Clin Immunol 2014;46:137 41. 12. Bousquet J, Heinzerling L, Bachert C, Papadopoulos NG, Bousquet PJ, Burney PG, et al. Practical guide to skin prick tests in allergy to aeroallergens. Allergy 2012;67:18 24. 13. Couto M, Silva D, Moreira A, Plácido JL. Utility and safety of conjunctival challenges with Dermatophagoides pteronyssinus: the eperience of a center. Allergy 2012;67(Suppl. 96):482. 14. Kim YK1, Lee MH, Jee YK, Hong SC, Bae JM, Chang YS, et al. Spider mite allergy in apple cultivating farmers: European red mite (Panonychus ulmi) and two spotted spider mite (Tetranychus urticae) may be important allergens in the development of work related asthma and rhinitis symptoms. J Allergy Clin Immunol 1999;104:1285 92. 15. Jeebhay MF, Baatjies R, Chang YS, Kim YK, Kim YY, Major V, et al. Risk factors for allergy due to the two spotted spider mite (Tetranychus urticae) among table grape farm workers. Int Arch Allergy Immunol 2007;144:143 9. 16. Delgado J, Orta JC, Navarro AM, Conde J, Martínez A, Martínez J, et al. Occupational allergy in greenhouse workers: sensitization to Tetranychus urticae. Clin Ep Allergy 1997;27:640 5. 17. Jee YK, Park HS, Kim HY, Park JS, Lee KY, Kim KY, et al. Two spotted spider mite (Tetranychus urticae): an important allergen in asthmatic non farmers symtomatic in summer and fall months. Ann Allergy Asthma Immunol 2000;84:543 8. 18. White JC, Liburd OE. Effects of soil moisture and temperature on reproduction and development of twospotted spider mite (Acari: Tetranychidae) in strawberries. Journal of Economic Entomology 2005;98:154 8. 19. Kim DS, LEE JH. Oviposition model of overwintered adult Tetranychus urticae (Acari: Tetranychidae) and mite phenology on the ground cover in apple orchards. Entomol Ep Appl 2003;31:191 208. 77