2 o Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente

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Transcrição:

2 o Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente Desenvolvimento, conflitos territoriais e saúde: ciência e movimentos sociais para a justiça ambiental nas políticas públicas. 19-22 de outubro de 2014 Minascentro. Belo Horizonte, MG. EIXO 2. A função social da ciência, ecologia de saberes e outras experiências de produção compartilhada de conhecimento O PAPEL DAS REDESFITO NA ECOLOGIA DOS SABERES EM MEDICAMENTOS DA BIODIVERSIDADE. Autores: MENDES 1, Thiago M., VILLAS BÔAS 2, Glauco. Instituição: 1,2 Farmanguinhos/Fiocruz E-mail: thiagomendes@far.fiocruz.br 1 glauco@far.fiocruz.br 2

RESUMO O presente trabalho busca discutir um modo não hegemônico de produção do conhecimento relacionado aos Medicamentos da Biodiversidade, que valorize a sociobiodiversidade brasileira nos processos de inovação tecnológica de caráter nacional. Tal processo é apresentado, aqui, a partir de ações que reforçam o diálogo entre os saberes tradicionais, populares e acadêmicos, tendo como objetivo a prática de atividades que promovam o desenvolvimento sócio-ambiental em diversos territórios como forma de valorização destes e de estruturação das bases territoriais para um processo de inovação tecnológica de caráter nacional. Foram destacados três projetos em desenvolvimento no âmbito das RedesFito como forma de ilustrar, através de exemplos práticos, alternativas para a produção de uma ciência engajada. A partir da análise do atual cenário inovativo brasileiro, das propostas de desenvolvimento tecnológico nacional e das articulações entre centros de pesquisas, universidades, setores produtivos agrícolas, setores produtivos industriais e movimentos sociais organizados, foi possível vislumbrar um horizonte de oportunidades tanto para o desenvolvimento sócio-econômico-ambiental dos territóriosenvolvidos, quanto para a indústria nacional na busca pela competitividade.foi possível, ainda, identificar dois circuitos econômicos ligados ao setor de Medicamentos da Biodiversidade, que ilustram um caráter independente e, ao mesmo tempo, a possibilidade de complementariedade entre as ações de diversos atores. Palavras-chave:Saúde, Ambiente, Território, Desenvolvimento, Inovação Informações sobre a origem do artigo Este trabalho foi desenvolvido a partir de resultados do trabalho da Equipe do Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde/Farmanguinhos/Fiocruz, junto aos demais parceiros envolvidos nos projetos PROFITO, APL Fito Itapeva e Saúde e Plantas Medicinais no Extremo Sul da Bahia, assim como os demais parceiros do Sistema Nacional de RedesFito. Ficando, assim, o agradecimento dos autores a todos os envolvidos nesses trabalhos.

INTRODUÇÃO A inovação tecnológica pode ser vista, atualmente, como a locomotiva para o desenvolvimento econômico. Nesse sentido, diversas empresas passam a investir maciçamente, muitas vezes com apoio de universidades e governos 1, nos seus quadros de PD&I a fim de estimular a inovação tecnológica e garantir sua competitividade no mercado global. O Brasil, porém,não foge ao modelo da nova Divisão Internacional do Trabalho, marcada pela dependência tecnológica dos países do sul. Tal estrutura representa um significativo desafio para o setor farmacêutico nacional, que além dos elevados custos de investimentos necessários para resistir e competir frente às empresas globais, também se depara com questões internas ligadas à regulação que, muitas vezes, dificultam a inovação neste setor.é nesse cenário que a indústria nacional, incluindo o setor farmacêutico, encontra na biodiversidade brasileira uma janela de oportunidades para a inovação tecnológica. Tal posição segue a visão de que o Brasil, como país de mega biodiversidade, tem uma posição privilegiada no desenvolvimento de tecnologias que se apropriem da biodiversidade como fonte do conhecimento. Por outro lado, a simples apropriação da biodiversidade não responde às necessidades e aos interesses dos diversos grupos que com ela convivem nos mais diversos territórios existentes no Brasil. Pensando um modelo de inovação construído de baixo para cima, a partir dos territórios, diversos trabalhos têm sido desenvolvidos no sentido de considerar os variados saberes e áreas do conhecimento. Especificamente ligado ao Complexo Industrial da Saúde (GADELHA, 2004) e aos medicamentos da biodiversidade 2, pode-se destacar a produção de Glauco & Gadelha (2007), onde é discutida a inovação a partir de Arranjos Produtivos Locais (APLs). Tal discussão se baseia nas premissas da economia neo-schumpeteriana e busca associar as oportunidades para a indústria a uma lógica de desenvolvimento local, através da construção de sistemas nacionais de inovação que considerem a valorização da sóciobiodiversidade. Se, por um lado, esta estratégia pode representar uma alternativa que potencialize a competitividade da indústria nacional, por outro, representa, também, uma oportunidade de se desenvolver uma lógica produtiva que esteja alinhada com as atuais e urgentes necessidades de sustentabilidade. Isso porque, para tais tecnologias da biodiversidade, a base do conhecimento encontra-se na natureza, enquanto seus principais interlocutores são 1 Modelo conhecido como Hélice Tripla (VALENTE, 2010) 2 Toma-se como Medicamento da Biodiversidade todo medicamento desenvolvido a partir da biodiversidade vegetal e animal, assim como fungos, bactérias e outros elementos vivos da natureza (VILLAS BÔAS, 2013). 2

as populações que com ela interagem diretamente. Assim, seria incoerente um modelo de inovação em medicamentos da biodiversidade sem que haja a preocupação irrestrita com a sustentabilidade sócio-ambiental dos projetos desenvolvidos. A partir das bases conceituais da economia Neo-Shumpeteriana, nos pressupostos da Economia Ecológica e na concepção de Modo 2de produção de conhecimento apresentada por GIBBONS (1994) 3, foi criado em 2009 e instituído em Farmanguinhos/Fiocruz, através da portaria 21/2010, o Sistema Nacional de Redes Fito (RedesFito). Atualmente as RedesFito contam com mais de trezentas instituições, incluindo associações de agricultores, indústrias farmacêuticas, órgãos de governo, universidades, entre outras, que se articulam nas discussões acerca dos caminhos para inovação em medicamentos da biodiversidade, assim como em ações práticas de produção e pesquisas ligadas ao setor. OBJETIVOS Diante deste quadro, o presente trabalho busca ampliar as discussões acerca da produção do conhecimento, da ecologia dos saberes e da função social da ciência voltada para a elaboração de um modelo de desenvolvimento sustentável. MÉTODO O presente trabalho é desenvolvido a partir da análise de informações relativas ao trabalho do Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde (NGBS/Farmanguinhos/Fiocruz), envolvendo levantamentos documentais, gestão das RedesFito, atividades de assessoria técnica e de gestão a projetos ligados às RedesFito. Nesse sentido, foram selecionados três projetos que podem ilustrar a gestão colaborativa e relevância sócio-econômica e ambiental. São eles: o Projeto PROFITO, o Projeto de Plantas Medicinais e Fitoterápicos APL Itapeva, além das articulações para o desenvolvimento do Projeto Saúde e Plantas Medicinais em Sistemas Produtivos Agroecológicos no Extremo Sul da Bahia. Foi realizado, também, levantamento bibliográfico, buscando analisar as características econômicas do setor farmacêutico brasileiro, as oportunidades apresentadas pela mega biodiversidade nacional e os conflitos existentes entre o modelo tradicional de inovação e os interesses sócio-ambientais presentes no desenvolvimento de tais tecnologias da biodiversidade. RESULTADOS 3 GIBBONS (1994) apresenta uma proposta de produção do conhecimento que não se restringe às universidades ou centros de pesquisas, mas encontra-se aberto aos diversos segmentos da sociedade, considerando não apenas a existência de conhecimentos codificados, mas, também, de conhecimentos tácitos. 3

Segundo relatório publicado pelo Fórum Econômico Mundial, considerando a existência de cinco grandes estágios de desenvolvimento das economias globais, o Brasil se encontra entre as dezoito economias em fase de transição para o estágio mais elevado, de Innovatios-Driven (SCHWAB, 2011). Apesar de sua capacidade para inovação acima da média mundial, o Brasil encontra-se distante das principais economias, mesmo sendo considerado a sétima maior economia do mundo. Tal resultado pode ser atribuído a diversos fatores, como carência de investimentos em PD&I, fragilidade histórica de políticas públicas voltadas para a inovação tecnológica, inserção precária no mercado global através da exportação de commodities, gargalos de infraestrutura tecnológica, informacional e de logística,forte concorrência externa, estratégias de fusão e compra praticadas por grandes empresas, baixa disposição ao risco por parte dos investidores nacionais, entre outros. Por outro lado, a análise específica do setor de medicamentos da biodiversidade pode levar a constatação de alternativas que indiquem possíveis caminhos para sobrevivência da indústria farmacêutica nacional frente aos problemas citados anteriormente. Acontece que,quando se fala em medicamentos da biodiversidade, deve-se considerar atores, técnicas, práticas e saberes que, até então, não faziam parte dos manuais e procedimentos empresariais, científicos e tecnológicos que orientam as políticas de Ciência e Tecnologia. Isso porque para a descoberta de novas moléculas de interesse, é necessário que haja políticas de conservação da biodiversidade. Além disso, tais descobertas estão, muitas vezes, ligadas ao acesso ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade. Vale lembrar que sem esse conhecimento seria necessário um investimento extremamente maior, por parte das empresas, em atividades como levantamento de espécies e screening para identificação de tais moléculas, o que inviabilizaria a inovação neste setor. Souza (2000)apresenta uma abordagem crítica da Territorialidade,destacando a dimensão Política e Cultural da sociedade, considerando o Território um campo de forças, marcado por uma rede de relações sociais que define um limite e diferencia os insiders (a comunidade, os de dentro) e osoutsiders(os estranhos, os de fora). Com base nessa concepção de território, pode-se considerar que o avanço das formas de apropriação da natureza voltadas para as necessidades dos mercados cria novas configurações territoriais no campo, muitas vezes afetando formas tradicionais de organização. No caso dos medicamentos da biodiversidade, o avanço da agricultura empresarial baseada no uso intensivo de insumos químicos, nos monocultivos e na reduzida preocupação com a manutenção dos ecossistemas é uma ameaça ao desenvolvimento científico nesse campo. Além disso, no caso dos medicamentos da biodiversidade, o 4

interesse empresarial das empresas farmacêuticas nem sempre se alinha aos interesses dos grupos territoriais que com estes espaços mantêm suas relações de identidade. Apesar dessas disputas e divergências de interesses, os atores envolvidos pouco dialogam, criando uma relação de ameaças e entraves tanto às políticas de sustentabilidade quanto às de inovação. Enquanto isso, tais ameaças e entraves são discutidos em fóruns segmentados por áreas de interesse, apresentando reduzidos espaços de diálogos. É nesse cenário de aparentes contradições que vislumbra-se um caminho possível. Este caminho pode ser estruturado a partir do diálogo entre os setores envolvidos na cadeia produtiva dos medicamentos da biodiversidade, respeitando a horizontalidade dos saberes, em busca do desenvolvimento de projetos colaborativos. Com base nessas premissas, foi institucionalizado em Farmanguinhos/Fiocruz o Sistema Nacional de Redes Fito (RedesFito). Uma análise dos seminários e dos trabalhos produzidos no âmbito desta rede, indica o forte potencial da mesma como espaço de produção de conhecimentos. Enquanto seus eventos (Quadro 1) contam com a presença de gestores, pesquisadores, agricultores, empresários, entre outros atores, seus projetos estão, em geral, alinhados com a premissa da sustentabilidade e da valorização dos territórios como condição para a inovação. QUADRO 1: Eventos de destaque promovidos no âmbito das RedesFito Seminário IV Seminário das RedesFito V Seminário das RedesFito 1º Encontro de Inovação em Medicamentos da Biodiversidade e Agroecologia do Estado do Rio de Janeiro Tema O papel do Estado na inovação farmacêutica a partir da biodiversidade Inovação em Medicamentos da Biodiversidade em tempos de desenvolvimento sustentável A dimensão estratégica da agroecologia na inovação em medicamentos da biodiversidade Destes projetos em desenvolvimento,foram selecionados para esta análise: Projeto PROFITO, Projeto de Plantas Medicinais e Fitoterápicos APL Itapeva, além das articulações para o desenvolvimento do Projeto Saúde e Plantas Medicinais em Sistemas Produtivos Agroecológicos no Extremo Sul da Bahia. Os três projetos possuem em comum o reconhecimento dos territórios nos quais os mesmos possuem suas atividades de desenvolvimento, tomando estes como lócus do conhecimento. Outro ponto comum é a articulação destes projetos, internamente, através de parcerias entre atores que, dessa forma, configuram um Arranjo Produtivo Local, e externamente, através de parcerias com outros projetos, outros atores, outros APLs e/ou outras redes. Assim, pode-se observar que tais projetos apresentam forças centrípetas que fortalecem a identidade dos grupos e a valorização dos territórios, assim como forças centrífugas que os colocam em uma Rede 5

Territorialcapaz de fortalecer os mesmos quando inserida em um meio técnico-científicoinformacional que favoreça a troca de saberes e a construção do conhecimento. O Projeto PROFITO - Projeto Plantas Medicinais como Alternativa Agroecológica para as Comunidades do Maciço da Pedra Branca -, em desenvolvimento desde o ano de 2006, envolve parcerias diretas entre associações de agricultores de municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, universidades e institutos de tecnologia. Segundo Baptista et al (2012), o mesmo foi desenvolvido em três fases, sendo a Fase I, de Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), Fase II, de Aprimoramento técnico e capacitação, e Fase III, Desenvolvimento e Produção. Atualmente o projeto encontra-se na sua Fase III,buscando a implantação e monitoramento do cultivo, beneficiamento e comercialização de plantas medicinais baseada em espécies nativas, e destaca-se pela sua gestão participativa. Se por um lado sua coesão interna empodera os grupos de agricultores em seus territórios, por outro, suas articulações externas favorecem o fluxo de informações e de conhecimentos em redes de parcerias que promovem a qualidade técnica dos seus produtos. Assim, o projeto conta com atores qualificados para a produção de plantas medicinais em sistemas agroecológicos, com espéciesgeorreferenciadas, identificadas botanicamente e com garantia de rastreabilidade. Já foram realizadas, também, diversas análises químicas e microbiológicas de parte da produção dos parceiros do projeto. Tais ações potencializam a capacidade de integração entre os conhecimentos das populações envolvidas e o conhecimento científico. Estas ações agregam qualidade e valor aos produtos desenvolvidos, inserindo-os com maior segurança nas feiras e comércios locais, assim como potencializando sua articulação com outros setores produtivos. Outro resultado importante deste trabalho encontra-se relacionado a participação de agricultores em eventos relacionados a agroecologia e a plantas medicinais e fitoterápicos, fortalecendo a identidade dos mesmos como agentes indispensáveis na produção e promoção do conhecimento. No Estado de São Paulo, o Projeto APL Fito Itapeva busca fortalecer o desenvolvimento tecnológico em fitoterápicos e fomentar o fornecimento de plantas medicinais de interesse do SUS no município. Este, parte de uma iniciativa de parceiros das RedesFito frente ao fomento viabilizado pelo Edital 01/2012 publicado pelo DAF/SCTIES/MS. O projeto envolve diretamente a Secretaria Municipal de Saúde - gestora direta do projeto -, a COOPLANTAS cooperativa de mulheres assentadas de reforma agrária do MST -, a Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE), a ONG Giramundo Mutuando e o Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde (NGBS/Farmanguinhos/Fiocruz). Além destes parceiros, diversas 6

outras instituições apoiam tem apoiado o projeto por meio de ações como assessoria técnica e metodológica. Dentre as diversas ações já realizadas no projeto, destacamos: análise da qualidade da água e do solo; a elaboração de um documento contendo todo o levantamento botânico das espécies de interesse local, com confecção de exsicatas e georreferenciamento das matrizes;a realização de cursos voltados para a qualificação das agricultoras em métodos agroecológicos de produção; a discussão e assessoria técnica para a estruturação da área de produção de medicinais com base em modelos agroecológicos; a apresentação e discussão do projeto no I Seminário de Plantas Medicinais e Fitoterápicos realizado na Câmara Municipal de Itapeva, contado com mais de 170 pessoas, com destaque para a presença maciça de diversos prescritores e políticos da região, além de representantes do DAF/SCTIES/MS; assessoria a gestão do projeto; integração do projeto às RedesFito; Dentre as atividades previstas ou em andamento, destacam-se: curso para prescritores em plantas medicinais e fitoterápicos; instalação de equipamentos de irrigação na área de produção;análise química da produção das espécies medicinais;assessoria em gestão de membros da cooperativa para continuidade e autonomia do projeto, além de levantamento de mercado;apoio à introdução das plantas medicinais produzidas no Sistema Único de Saúde local. Os resultados do projeto vão além de suas ações diretas. A partir deste, outros projetos já estão em andamento e em elaboração, dentre eles, um grande projeto de recuperação de Áreas de Proteção Permanente (APP), representando uma ação que fortalece a visão de sustentabilidade sócio-ambiental em uma área cuja presença de monocultivos e uso de agrotóxicos se dá de forma intensiva. Destacam-se, também, as formas de inserção da produção nos mercados. Por um lado, existe a venda direta em feiras e comércios locais. Por outro, o APL se articula com parceiros das RedesFito ligados à indústria nacional de insumos, no sentido de ampliar sua capacidade de escoamento da produção. Além dessas duas vias, uma terceira está em negociação e pretende assegurar a aquisição das plantas medicinais pelas prefeituras para dispensação no SUS local. Um terceiro projeto, a ser implementado em municípios do extremo sul do Estado da Bahia, encontra-se aprovado, em fase final de pactuação das parcerias e se chama Saúde e Plantas Medicinais em Sistemas Produtivos Agroecológicos no Extremo Sul da Bahia. O mesmo encontra-se ligado ao Programa de Desenvolvimento Agroflorestal Produção com conservação: agricultura familiar cultivando a agrobiodiversidade no extremo sul da Bahia 7

coordenado porempresas privadas, movimentos sociais e universidade, já em desenvolvimento nos municípios de Itamaraju, Alcobaça, Prado e Teixeira de Freitas. Tal projeto, voltado para a saúde, envolve duas linhas de ação. Uma visando o monitoramento epidemiológico dos pré assentamentos e dos assentamentos de reforma agrária da região, sendo um total de nove, além da integração destas comunidades ao SUS local. Outra linha de ação busca a introdução de espécies medicinais em sistemas produtivos agroflorestais multi-uso, como uma alternativa econômica para as comunidades, assim como uma alternativa terapêutica local por meio do uso de plantas medicinais com a valorização dos conhecimentos populares e a interlocução com a área acadêmica. CONCLUSÃO A partir dos resultados apresentados, pode-se concluir que diversas atividades estão sendo realizadas no Brasil, com a intenção de estruturar as bases territoriais da inovação, com vistas a um modelo de inovação descentralizado, que leve em conta a autonomia dos territórios e a valorização da sócio-biodiversidade. Duas das três experiências revelam a possibilidade de existência de dois circuitos econômicos distintos, que devem ser, também, encarados de forma diferenciada. Um circuito que, aqui, será chamado de Microcircuito Econômico Local de Medicamentos da Biodiversidade, diz respeito às feiras e comércios locais nos quais o comércio de plantas medicinais e produtos derivados se dá pela tradicionalidade e pelo uso popular destas espécies. Tal circuito conta com a forte participação de produtores rurais, mas tem sido alvo de entraves com as agências reguladoras. Dessa forma, a qualidade técnica da produção se mostra como uma alternativa que viabiliza a segurança, a qualidade e a eficácia dos produtos comercializados nesses microcircuitos. Outro circuito que se revela, aqui chamado de Macrocircuito Econômico de Medicamentos da Biodiversidade, diz respeito a interlocução entre os produtores locais de matérias primas e o seguimento industrial nacional, através de assessoria técnica e de comercialização da produção. Este circuito possui grande potencial de inovação, se utilizando conceito de Modo 2 da Produção do Conhecimento eexpandindo este, uma vez que passa a considerar os conhecimentos populares e tradicionais sobre a biodiversidade e os ecossistemas que compõem cada um dos territórios. O mesmo indica um caminho através do qual poderá ser efetivamente alavancado o processo de inovação com bases tecnológicas nacionais, que poderá ser alcançado uma vez que as bases territoriais que garantam qualidade, rastreabilidade e sustentabilidade da produção de matérias primas estejam estruturadas. Ao 8

mesmo tempo, tal caminho prevê a repartição dos benefícios advindos do desenvolvimento tecnológico. Pode-se concluir, também, que, apesar da segmentação de muitas das discussões acerca dos entraves e ameaças ao desenvolvimento de projetos relativos à inovação em medicamentos da biodiversidade, diversos fóruns são promovidos pelos parceiros das RedesFito no sentido de fomentar discussões e apresentar experiências práticas de projetos em desenvolvimento no país, sempre buscando a participação dos diversos setores da sociedade. Nesse sentido, tal sistema pode ser considerado um dispositivo da sociedade, aberto e em busca de autonomia, voltado para estimular e apoiar projetos inovativos, através da articulação entre diversos atores, e para a promoção do conhecimento. REFERÊNCIAS BAPTISTA, Sílvia R.N., FERNANDEZ, Annelise C.F., MAGALHÃES-FRAGA, Sandra A.P., SANTOS, Paula X. Redes Sociotécnicas de Plantas Medicinais e Fitoterápicos na Região Metropolitana do Rio De Janeiro. Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades. Niterói RJ: ANINTER-SH/ PPGSD-UFF, 03 a 06 de Setembro de 2012, ISSN 2316-266X GADELHA, C.A.G. O complexo industrial da saúde: desafios para uma política de inovação e desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. GIBBONS, Michael et al. The new production of knowledge: the dynamics of science and research in contemporary societies.london: Sage, 1994. 179 p. SCHWAB, Klaus. The Global CompetitivenessReport 2011-2012. World EconomicForum. Genebra. 2011. 544p. VALENTE, Luciano. Hélice tríplice: metáfora dos anos 90 descreve bem o mais sustentável modelo de sistema de inovação. Conhecimento & Inovação [online]. 2010, vol.6, n.1, pp. 6-9. ISSN 1984-4395. VILLAS BÔAS, G.K., GADELHA, C.A.G., Oportunidades na indústria de medicamentos e a lógica do desenvolvimento local baseado nos biomas brasileiros: bases para a discussão de uma política nacional. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(6):1463-1471, jun, 2007 VILLAS BÔAS, G.K. Inovação em medicamentos da biodiversidade: uma adaptação necessária (ou útil) nas políticas públicas. Orientador: Quental, Cristiane Machado. Tese (Doutorado) Escola Nacional de SaúdePública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2013. 9