O papel atual do cirurgião no tratamento do tumor estromal gastrointestinal



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Transcrição:

Programa de Atualização em GIST e TNE 2 O papel atual do cirurgião no tratamento do tumor estromal gastrointestinal Marcus Valadão CRM: 52708267-RJ Cirurgião oncológico do Instituto Nacional do Câncer (INCA); mestre em Cirurgia Gastrointestinal pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); doutorando em Oncologia pelo INCA Eduardo Linhares CRM: 320843-RJ Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica; chefe do Serviço de Cirurgia Abdominal do INCA Pontos-chave Apesar dos avanços obtidos e dos resultados animadores com a utilização do imatinibe, o cirurgião continua tendo papel fundamental no manejo dessa neoplasia. A ressecção cirúrgica completa ainda se constitui no tratamento padrão para o GIST não metastático, pois é a única modalidade capaz de proporcionar cura. Objetivos de aprendizado Discutir a abordagem cirúrgica dos tumores estromais gastrointestinais (GISTs). Revisar o tratamento cirúrgico na doença metastática. Introdução Os recentes avanços no tratamento dos tumores estromais gastrointestinais (GISTs) foram responsáveis pela mudança da história natural da doença. O melhor conhecimento dos mecanismos moleculares (1, 2) foi fundamental para o desenvolvimento de droga alvo-molecular dirigida, capaz de obter resultados até então não alcançados (3, 4) em tratamento de tumor sólido. A introdução do imatinibe na prática clínica (5) modificou não só a sobrevida dos portadores de GIST metastático, como significou também quebras de paradigmas bem estabelecidos. Porém, apesar dos avanços obtidos e dos resultados animadores com a utilização do imatinibe, o cirurgião continua tendo papel fundamental no manejo dessa neoplasia (6), tanto na abordagem da lesão primária quanto na doença metastática. Tratamento da doença não metastática Abordagem da lesão primária A ressecção cirúrgica completa ainda se constitui no tratamento padrão para o GIST não metastático, pois é a única modalidade capaz de proporcionar cura. A ressecção R0 (ausência de doença residual) representa uma das influências mais importantes para o resultado do tratamento (intervalo livre de doença e sobrevida), sendo alcançada em torno de 40% a 60% de todos os casos de GIST e em mais de 70% nos casos de doença não metastática (7, 8). O objetivo primordial da cirurgia é a ressecção completa do tumor, estando o tipo de

5 Fascículo 2 Figura 1 Ressecção gástrica segmentar (GIST de grande curvatura gástrica) GIST: tumor estromal gastrointestinal. ressecção a ser empregada na dependência da localização e do tamanho do tumor. As lesões com suspeita de invasão de órgãos adjacentes devem ser tratadas por cirurgia radical por meio da ressecção em monobloco dos órgãos acometidos. É mandatório que a ressecção obtenha margens negativas checadas por exame de congelação intraoperatória, pois a presença de doença residual influencia negativamente a sobrevida (9). Não está estabelecida qual a extensão ideal da margem cirúrgica, porém há consenso de que não é necessária margem ampla para ressecção completa da lesão. Dessa forma, a depender da localização e do tamanho tumoral, a ressecção segmentar do órgão de origem da lesão pode ser empregada (geralmente factível no tratamento das lesões de origem gástrica) desde que seja respeitada a premissa da margem negativa (Figura 1). É necessária uma técnica cirúrgica meticulosa visando prevenir a rotura tumoral durante o ato cirúrgico, pois a cápsula do tumor se rompe com facilidade, podendo resultar em disseminação neoplásica, o que implicaria aumento da chance de recidiva e redução da sobrevida (10). Pontos-chave As lesões com suspeita de invasão de órgãos adjacentes devem ser tratadas por cirurgia radical por meio da ressecção em monobloco dos órgãos acometidos. É necessária uma técnica cirúrgica meticulosa visando prevenir a rotura tumoral durante o ato cirúrgico, pois a cápsula do tumor se rompe com facilidade. Linfadenectomia A metástase linfonodal é um evento pouco frequente, sendo descrita incidência entre 4% e 10% (7). Apesar das limitações referentes a esse tema (subnotificação da metástase nodal devido a não realização de linfanectomia de rotina; trabalhos com casuística pequena), a presença de metástase linfonodal não tem sido reconhecida como fator prognóstico (11), não havendo subsídio na literatura que corrobore a realização de linfadenectomia de rotina. Dessa forma, a linfadenectomia deve ser realizada quando houver suspeita macroscópica de comprometimento nodal. Laparoscopia A ressecção laparoscópica tem sido empregada no tratamento do GIST, sendo descritas pequenas séries de casos no manejo de lesões pequenas (até 5 cm),

Programa de Atualização em GIST e TNE 6 Pontos-chave A recomendação atual é que a laparoscopia deve ser restrita ao tratamento de lesões pequenas (até 5 cm) devido à possibilidade de rotura tumoral com a manipulação de lesões maiores. diante da possibilidade do diagnóstico de GIST, a lesão deve ser ressecada completamente para que seja possível a estratificação de risco e se evite desenvolvimento de metástase ou crescimento tumoral, mesmo em se tratando de lesões pequenas. conferindo vantagens, como mínima manipulação tumoral e eficácia em diagnóstico e tratamento das lesões incidentais, e naquelas que se apresentam com hemorragia digestiva sem foco identificado (12, 13). Apesar da descrição de sucesso oncológico com ressecções laparoscópicas (14, 15), há necessidade de estudos com maior número de casos e acompanhamento a longo prazo para se definir o real papel da laparoscopia no tratamento dessa neoplasia. A recomendação atual (16) é que a laparoscopia deve ser restrita ao tratamento de lesões pequenas (até 5 cm) devido à possibilidade de rotura tumoral com a manipulação de lesões maiores. Abordagem dos tumores gástricos menores de 2 cm Tem sido cada vez mais frequente o diagnóstico de tumores submucosos do estômago em função da maior disponibilidade do uso da endoscopia. O manejo dessas lesões representa um dilema na prática clínica, pois, dentro desse espectro, fazem parte diagnósticos diversos (GIST, pâncreas ectópico, tumores neuroendócrinos [TNEs]). Por não existirem estudos epidemiológicos a respeito e não ser conhecida a frequência real que cada uma dessas patologias representa, o diagnóstico de GIST deve ser sempre pesquisado, pois todo GIST é potencialmente maligno. Apesar da existência de fatores prognósticos que estratificam o GIST de acordo com o comportamento biológico (17, 18, 19), há descrições de desenvolvimento de metástases mesmo em lesões de baixo risco (lesões entre 2 e 5 cm com menos de cinco mitoses/50 campos de grande aumento) (7, 20), demonstrando que, até o presente momento, não dispomos de fatores prognósticos totalmente confiáveis. A biópsia endoscópica da lesão pode ajudar, porém nem sempre é possível obter o diagnóstico devido à quantidade reduzida das amostras. Iwahashi et al. (21) demonstraram que a utilização da ultrassonografia (US) endoscópica foi capaz de aumentar a acurácia do diagnóstico de GIST e da predição de comportamento biológico por meio da biópsia dirigida com agulha fina, além de parâmetros como tamanho, presença de ulceração e heterogeneidade da lesão. Porém, essa predição não foi satisfatória nas lesões menores que 3 cm. A explicação é que, para a avaliação correta do índice mitótico, deve ser estudada toda lesão devido ao baixo número de mitoses do GIST, havendo necessidade de avaliar 50 campos de grande aumento. Isso significa que, diante da possibilidade do diagnóstico de GIST, a lesão deve ser ressecada completamente para que seja possível a estratificação de risco e se evite desenvolvimento de metástase ou crescimento tumoral, mesmo se tratando de lesões pequenas. O tipo de ressecção (se endoscópica ou laparoscópica) vai depender não só do tamanho e da localização da lesão, como também da experiência do endoscopista e dos recursos tecnológicos disponíveis. As duas for-

7 Fascículo 2 mas terapêuticas são equivalentes, desde que sejam respeitadas as premissas utilizadas no tratamento do GIST (ressecção completa da lesão com margens negativas, evitando rotura da lesão durante a manipulação). Tratamento da doença metastática Até 2001, a ressecção cirúrgica se constituía no único tratamento efetivo do GIST, alcançando taxa de sobrevida em cinco anos em torno de 50% (7, 10). Porém, 50% dos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico desenvolviam doença metastática (7), cursando com sobrevida mediana de 15 meses (7). Pouco se podia oferecer, visto que a quimioterapia convencional e a radioterapia eram ineficazes (22). A introdução do imatinibe na prática clínica em 2002 foi responsável pela mudança da história natural do GIST, sendo atingidos resultados bastante animadores (81% de benefício clínico com a utilização do imatinibe na doença metastática, além de ganho considerável de sobrevida (4, 23). Tais resultados relegaram a cirurgia a um papel secundário no tratamento da doença metastática, ficando restrita à paliação. Embora o imatinibe seja efetivo para a maioria dos pacientes com GIST metastático, o desenvolvimento de resistência à droga tem se tornado um problema crescente (24). Estudos clínicos fase II/III demonstraram que dois terços dos pacientes com doença metastática em uso de imatinibe evoluirão com progressão, sendo a sobrevida livre de progressão (mediana) em torno de 20 a 24 meses (3, 4, 23, 25). Alguns mecanismos moleculares parecem estar envolvidos com desenvolvimento de resistência secundária, destacando-se a aquisição de mutações secundárias e o crescimento de clones resistentes (24). Diante desse cenário, o impacto do resgate cirúrgico na doença metastática passou a ser investigado (26, 27, 28). O racional para sua utilização seria: redução do volume tumoral, prevenção do desenvolvimento de mutações secundárias, incremento da sobrevida livre de progressão e aumento do número de pacientes com resposta duradoura. Com base nesse racional, três estudos (26, 27, 28) demonstraram ganho de sobrevida livre de progressão e sobrevida global com a realização do resgate cirúrgico em portadores de GIST metastático em uso de imatinibe. Raut et al. (26) analisaram 69 portadores de GIST metastático em uso de inibidores de tirosina quinase (imatinibe ou sunitinibe) submetidos a resgate cirúrgico. Os pacientes eram classificados de acordo com o tipo de resposta ao tratamento sistêmico (avaliada por tomografia computadorizada [TC]) em doença estabilizada (presença de resposta parcial ou ausência de progressão de doença), progressão limitada (progressão de doença em poucos sítios) e progressão generalizada (progressão de doença em vários sítios). Após acompanhamento mediano de 14,6 meses, observou-se correlação direta entre o tipo Referências 1. Hirota S, Isozaki K, Moriyama Y, Hashimoto K, Nishida T, Ishiguro S, et al. Gain-offunction mutations of c-kit in human gastrointestinal stromal tumors. Science. 1998; 279: 577-80. 2. Kindblom LG, Remotti HE, Aldenborg F, Meis-Kindblom JM. Gastrointestinal pacemaker cell tumor (GIPACT): gastrointestinal stromal tumors show phenotypic characteristics of the intestinal cells of Cajal. Am J Pathol. 1998; 152: 1259-69. 3. Judson I, van Oosterom AT, Verweij J, Stroobants S, di Paola ED, Dimitrijevic S, et al. Safety and efficacy of imatinib (STI571) in metastatic gastrointestinal stromal tumors: a phase I study. Lancet. 2001; 358: 1421-3. 4. Demetri GD, von Mehren M, Blanke CD, Van den Abbeele AD, Eisenberg B, Roberts PJ, et al. Efficacy and safety of imatinib mesylate in advanced gastrointestinal stromal tumors. N Engl J Med. 2002; 347: 472-80. 5. Joensuu H, Roberts PJ, Sarlomo-Rikala M, Anderson LC, Tervahartiala P, Tuveson D, et al. Effect of tyrosine kinase inhibitor STI571 in a patient with a metastatic gastrointestinal stromal tumor. N Engl J Med. 2001; 344: 1052-6. 6. Linhares E, Valadão M. Atualização em GIST. Rev Col Bras Cir. 2006; 33(1): 51-4. 7. DeMatteo RP, Lewis JJ, Leung D, Muddan SS, Woodruff JM, Brennan MF. Two hundred gastrointestinal stromal tumors: recurrence patterns and prognostic factors for survival. Ann Surg. 2000; 231: 51-8. 8. Roberts PJ, Eisenberg B. Clinical presentation of gastrointestinal stromal tumors

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9 Fascículo 2 seria capaz de reduzir o volume tumoral e migrar o paciente para um quartil menor, aumentando sua sobrevida. Essa abordagem teria como analogia o que ocorre no tratamento do câncer de ovário, em que a citorredução está relacionada com melhor chance de resposta à quimioterapia. Não há consenso quanto ao tempo ideal de utilização do imatinibe préresgate cirúrgico. O racional é que a ressecção cirúrgica seja empregada tão logo a doença seja considerada ressecável, não devendo ser aguardada a melhor resposta para se indicar a intervenção. Esse racional é baseado no fato de que o desenvolvimento da resistência secundária ocorre na maioria dos casos de progressão de doença, e o tempo necessário para sua ocorrência não é sabido. Dessa forma, a resposta inicial pode ser seguida de progressão da doença, o que piora o prognóstico como demonstrado nos estudos citados (26-28). Esse questionamento foi aventado por Andtbacka et al. (30), em que 46 portadores de GIST metastático em uso de imatinibe foram submetidos a resgate cirúrgico. Esses autores evidenciaram que, dos pacientes que apresentavam resposta ao imatinibe, 94% tiveram ressecção completa (R0), enquanto no grupo dos pacientes que apresentavam progressão, apenas 4% puderam ter cirurgia R0. Diante disso, foram analisados os pacientes que tiveram cirurgia incompleta, sendo evidenciado que desses 24 pacientes 18 tiveram resposta inicial seguida de progressão da doença. Além disso, os pacientes submetidos a ressecção completa que apresentavam resposta no momento da cirurgia tinham utilizado imatinibe por um período de tempo inferior ao grupo que tinha sido submetido a ressecção incompleta e que apresentou resposta inicial seguida de progressão da doença (mediana 10 meses versus mediana de 18 meses, p = 0,04); ou seja, é possível que alguns pacientes pudessem ter tido cirurgia R0 se tivessem sido operados no momento em que estavam respondendo ao imatinibe. Apesar de não existirem estudos com alto nível de evidência na atualidade e de se reconhecer a necessidade de estudos metodologicamente adequados para responder essa questão (estudos prospectivos, randomizados, com casuística maior), os indícios atuais sugerem possível benefício clínico (ganho de sobrevida) com utilização do resgate cirúrgico no tratamento do GIST metastático, levando-se em conta que a seleção desses pacientes deva ser bem criteriosa. Apesar de termos que aguardar evidência científica mais contundente que responda definitivamente essa questão, o racional para sua utilização é bastante atrativo, na medida em que se fundamenta em mecanismos moleculares de desenvolvimento de resistência ao imatinibe. Essa nova estratégia deve ser entendida como um novo conceito no tratamento do GIST metastático (31), em que a base do tratamento se alicerça na utilização do imatinibe e que a cirurgia é empregada de forma adjuvante, contribuindo para a otimização do resultado final. 17. Fletcher CD, Bermen JJ, Corless C, Gorstein F, Lasota J, Longley BJ, et al. Diagnosis of gastrointestinal stromal tumors: a consensus approach. Hum Pathol. 2002; 33: 459-65. 18. Valadão M, Linhares E, Castro L, Pinto CE, Lugão R, Quadros C, et al. GIST gástrico: experiência do INCA. Rev Bras Cancerol. 2004; 50(2): 121-6. 19. Valadão M, Lourenço L, Linhares E, Romano S, Kesley R, Siqueira D. Fatores prognósticos clínicos e anatomopatológicos dos tumores estromais gastrointestinais (GIST) de origem gástrica. Rev Col Bras Cir. 2006; 33(5): 298-304. 20. Oliveira RPB, Pannain VL, Portari Filho PE, Salomão AR, Iglesias AC, Oliveira CAB. Tumor estromal gastrointestinal: análise de fatores relacionados ao prognóstico. Rev Col Bras Cir. 2007; 34(6): 374-80. 21. Iwahashi M, Takifuji K, Ojima T, Nakamura M, Nakamori M, Nakatani Y, et al. Surgical management of small gastrointestinal stromal tumors of the stomach. World J Surg. 2006; 30: 28-35. 22. Pidhorecky I, Cherney RT, Kraybill WG, Gibbs JF. Gastrointestinal stromal tumors: current diagnosis, biologic behavior and management. Ann Surg Oncol. 2000; 7: 705-12. 23. Verweij J, Casali PG, Zalcberg J, LeCesne A, Reichardt P, Blay JY, et al. Progression-free survival in gastrointestinal stromal tumours with high-dose imatinib: randomised trial. Lancet. 2004; 364: 1127-34. 24. Heinrich MC. Molecular basis for treatment of gastrointestinal stromal tumor. Eur J Cancer. 2006; 4(Suppl 1), S10-18. 25. Rakin C, Von Mehren M, Blanke C, et al. Dose effect of imatinib in patients with metastatic GIST-Phase III Sarcoma Group Study S0033.

Programa de Atualização em GIST e TNE 10 Proc Am Soc Clin Oncol. 2004; 23: 815. (Abstract) 26. Raut C, Posner M, Desai J, Morgan J, George S, Zahrieh D, et al. Surgical management of advanced gastrointestinal stromal tumors after treatment with targeted systemic therapy using kinase inhibitors. J Clin Oncol. 2006; 24: 2325-31. 27. DeMatteo R, Maki R, Singer S, Gonen M, Brennan M, Antonescu C. Results of kinase inhibitors therapy followed by surgical resection for metastatic gastrointestinal stromal tumor. Ann Surg. 2007; 245(3): 347-52. 28. Gronchi A, Fiore M, Miselli F, Lagonigro M, Coco P, Messina A, et al. Surgery of residual disease following moleculartargeted therapy with imatinib mesylate in advanced/ metastatic GIST. Ann Surg. 2007; 245(3): 341-6. 29. Blanke C, Demetri GD, Mehren M, Heinrich M, Eisenberg B, Fletcher J, et al. Efficacy of imatinib mesylate in advanced gastrointestinal stromal tumor (GIST) patients (pts) according to tumor bulk. ASCO Annual Meeting 2007. (Abstract 21) 30. Andtbacka R, Ng C, Scaife C, Cormier J, Hunt K, Pisters P, et al. Surgical resection of gastrointestinal stromal tumors after treatment with imatinib. Ann Surg Oncol. 2007; 14(1): 14-24. 31. Valadão M, Linhares E, Vilhena B, Guimarães D, Ferreira CG. Cirurgia adjuvante no tratamento do tumor estromal gastrointestinal metastático: um novo conceito. Rev Bras Cancerol. 2009; 55(3): 297-301. 32. Gold J, DeMatteo R. Combined surgical and molecular therapy. The gastrointestinal stromal tumor model. Ann Surg. 2006; 244: 176-84. Tratamento da recidiva Devido ao comportamento idêntico ao da doença metastática, a recidiva tumoral deve ser tratada de forma semelhante, ou seja, a associação de imatinibe e cirurgia representam os pilares do tratamento (32). A cirurgia isoladamente não é eficaz no tratamento da recidiva, pois a ressecção completa só é alcançada em menos de 50% das recidivas peritoneais, além disso a recorrência pós-ressecção da recidiva é tida como regra, e não exceção (10). Dessa forma, a associação cirurgia/imatinibe deve ser sempre empregada nesse cenário (Figuras 2, 3 e 4) paciente apresentando recidiva pós-ressecção de GIST de reto. Cirurgia proposta: cistectomia. Iniciado imatinibe na tentativa de redução tumoral e preservação da bexiga. Houve importante regressão tumoral, sendo possível o resgate cirúrgico com preservação da bexiga). Figura 2 Recidiva pélvica após dois anos de ressecção de GIST de reto GIST: tumor estromal gastrointestinal. Figura 3 TC pós três meses do início de imatinibe (redução tumoral expressiva) TC: tomografia computadorizada. Figura 4 Resgate cirúrgico da recidiva pélvica realizado após três meses de imatinibe

11 Fascículo 2 Tratamento sistêmico do GIST Objetivos de aprendizado Discutir o tratamento clínico de pacientes com tumores estromais gastrointestinais (GISTs). Revisar os mecanismos de ação dos principais agentes utilizados durante a evolução dessa doença. Introdução O tratamento sistêmico eficaz dos tumores estromais gastrointestinais (GISTs) coincide com avanços recentes em seu diagnóstico e terapias de alvo molecular. As estratégias modernas de abordagem da doença baseiam-se na interferência em vias de transdução de sinais moleculares essenciais para metabolismo, proliferação e sobrevivência do tumor. O CD117 ou KIT é um receptor para o fator de crescimento de célula-tronco (stem cell factor), ligado a uma tirosina quinase, expresso em 95% dos casos de GIST, cujos sinais são essenciais para a manutenção da atividade tumoral. No primeiro momento, o GIST depende quase completamente da atividade do KIT para manter-se ativo, o que faz com que inibidores dessa enzima sejam armas especialmente poderosas. Ao longo da evolução da doença, surgem diferentes mecanismos de resistência. Nesse momento, a utilização de outros agentes biológicos, isolados ou em associação, pode interferir na história natural da doença. Este artigo destina-se a discutir as principais características moleculares e a atividade de diferentes agentes ao longo da evolução dessa doença. KIT: o primeiro alvo molecular A característica patogênica fundamental do fenótipo maligno mais comum do GIST é a ativação da via metabólica do KIT (1). Este é uma tirosina quinase transmembrana ativada pela ligação do fator de crescimento de célula-tronco e pela dimerização da proteína. A porção intracelular sofre autofosforilação de seus resíduos de tirosina e passa a ser capaz de fosforilar outras enzimas, estimulando diversas vias moleculares relacionadas com processos de mitose e diferenciação, como MAPK3/1, AKT, PI3K, STAT1, STAT3, RAS e JAK2 (2, 3). O KIT está envolvido Bruno dos S. Vilhena Pereira CRM: 666718-RJ Oncologista clínico do Serviço de Oncologia Clínica do Hospital de Câncer I do INCA Daniel Herchenhorn CRM: 52587699-RJ Chefe do Serviço de Oncologia Clínica do Hospital de Câncer I do INCA Carlos Gil Ferreira CRM: 52571988-RJ Coordenador de Pesquisa Clínica do INCA Ponto-chave no primeiro momento, o GIST depende quase completamente da atividade do KIT para manter-se ativo, o que faz com que inibidores dessa enzima sejam armas especialmente poderosas.

Programa de Atualização em GIST e TNE 12 Referências 1. Heinrich MC, Rubin BP, Longley BJ, et al. Biology and genetic aspects of gastrointestinal stromal tumors: KIT activation and cytogenetic alterations. Hum Pathol. 2002; 33: 484-95. 2. Nishida T, Hirota S. Biological and clinical review of stromal tumors in the gastrointestinal tract. Histol Histopathol. 2000; 15: 1293-301. 3. Weiler SR, Mou S, DeBerry CS, et al. JAK2 is associated with the c-kit protooncogene product and is phosphorylated in response to stem cell factor. Blood. 1996; 87: 3688-93. 4. Rubin BP, Singer S, Tsao C, et al. KIT activation is a ubiquitous feature of gastrointestinal stromal tumors. Cancer Res 2001; 61: 8118-21. 5. Kitamura Y, Hirota S, Nishida T. Molecular pathology of c-kit proto-oncogene and development of gastrointestinal stromal tumors. Ann Chir Gynaecol. 1998; 87: 282-86. 6. Corless CL, McGreevey L, Haley A, et al. KIT mutations are common in incidental gastrointestinal stromal tumors one centimeter or less in size. Am J Pathol. 2002; 160: 1567-72. 7. Nishida T, Hirota S. Biological and clinical review of stromal tumors in the gastrointestinal tract. Histol Histopathol. 2000; 15: 1293-301. 8. Lasota J, Wozniak A, Sarlomo-Rikala M, et al. Mutations in exons 9 and 13 of KIT gene are rare events in gastrointestinal stromal tumors: a study of 200 cases. Am J Pathol. 2000; 157: 1091-5. 9. DeMatteo RP, Heinrich MC, El-Rifai W, Demetri G. Clinical management of gastrointestinal em processos de hematopoese, melanogênese, gametogênese e desenvolvimento de mastócitos e células intersticiais de Cajal. Quase todos os GISTs têm ativação constitutiva do KIT com ganho de função (4). Quando ativado, ele não necessita da ligação de fatores de crescimento para dimerização e autofosforilação, logo há um desequilíbrio no ciclo celular, afastandose dos processos de apoptose e aproximando-se da proliferação celular (5). Em torno de 80% a 90% dos GISTs apresentam mutação do KIT, mesmo em tumores iniciais (4, 6). Esse achado e a observação de que membros de famílias com mutações germinativas no KIT apresentam mutações semelhantes em doenças indolentes e agressivas sugerem que a mutação é um evento precoce na patogênese da doença (7). O gene KIT tem 21 éxons. A mutação mais frequentemente associada ao fenótipo esporádico localiza-se no éxon 11, região justamembrana e intracelular, ocorrendo em 50% a 77% dos casos (4, 6). A mutação do éxon 9, em domínio extracelular, ocorre em 3% a 18% dos casos (4, 6, 8), sendo as mutações de éxons 13 e 17 mais raramente relacionadas com a doença (4). Com essas características, o KIT torna-se um alvo molecular preferencial entre as estratégias de tratamento sistêmico do GIST. Imatinibe: primeira linha de tratamento Em comparação com leiomiossarcomas uterinos e de outros sítios, os sarcomas de partes moles de trato digestivo são considerados doenças quimiorresistentes quando expostos à doxorrubicina, com taxas de resposta de 7%, enquanto os primeiros apresentam 22% e 21%, respectivamente (9, 10). Hoje sabe-se que os GISTs correspondem a 80% dos sarcomas gastrointestinais e que estes têm alta expressão de P-glicoproteína (38%) e proteína de resistência a múltiplas drogas 1 (MDR1) (35%), enquanto os leiomiossarcomas gastrointestinais expressam cada uma dessas proteínas em 13% dos casos (11). O imatinibe é um inibidor competitivo de determinadas tirosinas quinases como BCR-ABL, KIT e fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGFR) (12). O imatinibe é bem absorvido por via oral e sua ingestão com alimento aumenta sua biodisponibilidade. É metabolizado no fígado e excretado por via biliar. Sua meia-vida de 20 horas possibilita a conveniente administração uma vez ao dia (13, 14). Estudos pré-clínicos sugerem que uma concentração sérica acima de 1 μmol/l é necessária para efeito terapêutico ótimo, e essa concentração pode ser alcançada com doses de pelo menos 300 mg por dia. Com base em dois ensaios clínicos, o imatinibe tornou-se a primeira droga eficaz no tratamento do GIST metastático. O estudo de fase I avaliou 36 pacientes tratados com imatinibe em doses diárias de 400 a 1.000 mg, mostrando respostas parciais de 53%, com apenas 11% de progressões durante o tratamento (15). O de fase II comparou 400 e 600 mg de imatinibe em 147 pacientes, mostrando resposta

13 Fascículo 2 parcial de 54%, doença estável ou resposta menor de 28% e progressão em 14% dos casos (14). É importante notar que 90% dos pacientes sintomáticos apresentaram melhora clínica, independentemente da resposta radiológica. O fluordeoxiglicose (FDG-PET) é capaz de mostrar redução da captação de glicose pelo tumor em questão de horas a poucos dias e, com isso, predizer respostas futuramente observáveis em outros exames de imagem, como tomografia computadorizada e ressonância magnética (16). O estudo de fase II teve alguns desdobramentos importantes. Parte da população inicial foi avaliada quanto à eficácia da droga a longo prazo, revelando taxas de resposta de 68% e sobrevida mediana de 57 meses (17). Notou-se que as respostas podem ocorrer de cinco a 39 meses após o início do tratamento e esse fenômeno pôde ser percebido com a observação estendida. O benefício clínico expresso em aumento da sobrevida global ocorreu não só para pacientes com resposta parcial, mas também para aqueles com doença estável. Globalmente não houve diferença na taxa de resposta ou na sobrevida entre as doses de 400 e 600 mg. A análise do volume inicial de doença, expressa pela soma da área das lesões tumorais, possibilitou dividir a coorte em quatro grupos. Observou-se que a resposta ao imatinibe não depende da massa tumoral, mas o grupo de pacientes com menor volume de doença obteve melhor tempo livre de progressão tumoral (57 vs. 25, 18, 17 meses, p = 0,005) e melhor sobrevida global em 64 meses (62 vs. 40, 44, 31 meses, p = 0,0063) (18). Acredita-se que a resposta inicial depende fundamentalmente da ação do imatinibe, que em concentrações micromolares compete com o ATP pelo sítio de ligação da quinase, impedindo a fosforilação dos resíduos da tirosina, enquanto a maior população de células tumorais se relaciona com o maior potencial de mutações que comprometeriam o efeito do imatinibe em longo prazo. Em última análise, os pacientes do estudo de fase II foram divididos em quatro grupos iguais, dependendo da concentração sérica do imatinibe, levandose em consideração a dose de 400 ou 600 mg. Observou-se que os pacientes no quartil inferior, isto é, com concentração sérica de imatinibe inferior a 1.110 ng/ml, tiveram evolução mais desfavorável em relação aos demais pacientes, tanto em tempo para progressão (11,3 vs. 30 meses, p = 0,0029) quanto em resposta radiológica (44% vs. 67% vs. 74%; Q1 vs. Q2-3 vs. Q4) (19). Esses dados demonstram que variáveis farmacocinéticas têm impacto na exposição do KIT ao imatinibe e consequências na eficácia do tratamento. Com a finalidade de explorar o benefício potencial do aumento de dose do imatinibe, dois estudos multicêntricos, simultâneos e similares de fase III randomizados avaliaram 800 mg vs. 400 mg em uma população de pacientes com doença metastática ou irressecável com KIT(+) em imuno-histoquímica. Foi permitido o cruzamento do braço de 400 mg para o de 800 mg na progressão. O estudo europeu-australiano incluiu 946 pacientes. Não houve diferença na taxa de resposta entre os braços com 5% de resposta completa, 47% de parcial e 32% de doença stromal tumors: before and after STI571. Hum Pathol. 2002; 33: 466-77. 10. Zalupski M, Metch B, Balcerzak S, et al. Phase III comparison of doxorubicin and dacarbazine given by bolus versus infusion in patients with soft-tissue sarcomas: a Southwest Oncology Group Study. J Natl Cancer Inst. 1991; 83: 926-32. 11. Plaat BEC, Hollema H, Molenaar WM, et al. Soft tissue leiomyosarcomas and malignant gastrointestinal stromal tumors: differences in clinical outcome and expression of multidrug resistance proteins. J Clin Oncol. 2000; 18: 3211-20. 12. Carroll M, Ohno-Jones S, Tamura S, et al. CGP 57148, a tyrosine kinase inhibitor, inhibits the growth of cells expressing BCR-ABL, TEL- ABL, and TEL-PDGFR fusion proteins. Blood. 1997; 90: 4947-52. 13. Druker BJ, Talpaz M, Resta DJ, et al. Efficacy and safety of a specific inhibitor of the BCR- ABL tyrosine kinase in chronic myeloid leukemia. New Engl J Med. 2001; 344: 1031-7. 14. Demetri GD, von Mehren M, Blanke CD, et al. Efficacy and safety of imatinib mesylate in advanced gastrointestinal stromal tumors. N Engl J Med. 2002; 347: 472-80. 15. Judson I, van Oosterom AT, Verweij J, et al. Safety and efficacy of imatinib mesylate (STI571) in metastatic gastrointestinal stromal tumours: a phase I study. Lancet. 2001; 358: 1421-3. 16. Joensuu H, Dimitrijevic S. Tyrosine kinase inhibitor imatinib mesylate (STI571) as an anticancer agent for solid tumors. Ann Med. 2001; 33: 451-5.

Programa de Atualização em GIST e TNE 14 17. Blanke CD, Demetri GD, von Mehren M, et al. Long-term results from a randomized phase II trial of standard versus higher dose imatinib mesylate for patients with unresectable or metastatic gastrointestinal stromal tumors expressing KIT. J Clin Oncol. 2008; 26: 620-5. 18. Blanke CD, Demetri GD, Mehren M, et al. Efficacy of imatinib mesylate in advanced gastrointestinal stromal tumor patients according to tumor bulk. ASCO, Gastrointestinal Cancers Symposium 2007. 19. Demetri GD, Wang Y, Wehrle E, et al. Imatinib plasma levels are correlated with clinical benefit in patients with unresectable or metastatic gastrointestinal stromal tumors. J Clin Oncol. 2008; 27: 3141-7. 20. Verweij J, Casali PG, Zalcberg J, et al. Progression-free survival in gastrointestinal stromal tumours with high-dose imatinib: randomised trial. Lancet. 2004; 364: 1127-34. 21. Blanke CD, Rankin C, Demetri GD, et al. Phase III randomized, intergroup trial assessing imatinib mesylate at two dose levels in patients with unresectable or metastatic gastrointestinal stromal tumors expressing the kit receptor tyrosine kinase: S0033. J Clin Oncol. 2008; 26: 626-32. 22. Gastrointestinal Stromal Tumor Meta-Analisys Group (MetaGIST). Comparison of two doses of imatinib for the treatment of unresectable or metastatic gastrointestinal stromal tumors: a metaanalisys of 1640 patients. J Clin Oncol. 2010. (Epub ahead of print). 23. Heinrich MC, Corless CL, Demetri GD, et al. Kinase mutations and imatinib response in patients with metastatic gastrointestinal estável (20). O tempo para melhor resposta foi em torno de 3,5 meses. Houve um pequeno benefício estatisticamente significativo em sobrevida livre de progressão, medida de desfecho primária, para os pacientes que utilizaram 800 mg (risco relativo de 0,82 [intervalo de confiança de 95% 0,69-0,98]; p = 0,026), sem diferença em sobrevida global. A sobrevida livre de progressão em 2 anos foi de 44% vs. 52% para 400 e 800 mg, respectivamente. Já a global em 2 anos foi de 69% vs. 74% para 400 e 800 mg, respectivamente. Mais reduções de dose (16% vs. 60%) e interrupções de tratamento (40% vs. 62%) ocorreram no grupo de 800 mg. O estudo norte-americano e canadense incluiu 746 pacientes. Não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre 800 e 400 mg em sobrevida livre de progressão (20 vs. 18 meses) e global (51 vs. 55 meses) (21). As taxas de resposta foram semelhantes em 800 e 400 mg de imatinibe (resposta completa = 5% vs. 3%, resposta parcial = 40% vs. 42%, doença estável = 25% vs. 22%, e progressão de doença = 12% vs. 10%). A sobrevida livre de progressão em 2 anos foi de 41% vs. 46% para 400 e 800 mg, respectivamente. A global em 2 anos foi de 76% vs. 72% para 400 e 800 mg, respectivamente. Reduções de dose (16% vs. 58%) e interrupções de tratamento (38% vs. 59%) foram mais comuns no braço de 800 mg. Toxicidades graus 3 a 5 foram mais comuns com 800 mg (43% vs. 63%). Esses estudos sustentam a hipótese de que a resposta tumoral não depende da dose do imatinibe. Espera-se maior toxicidade em doses mais altas com interrupções e atrasos mais frequentes no tratamento. Apenas o estudo europeu mostrou aumento de sobrevida livre de progressão. Os estudos de fase III, considerando 400 vs. 800 mg de imatinibe, produziram as duas maiores coortes prospectivas de pacientes com GIST, que foram avaliadas conjuntamente em uma metanálise (metagist) com o objetivo de avaliar fatores prognósticos para sobrevida livre de progressão e global, além de analisar subgrupos que poderiam se beneficiar do aumento da dose. Combinando as duas populações conclui-se que a dose de 800 mg leva a um aumento pequeno, porém significativo, da sobrevida livre de progressão sem impacto na global (22). Algumas variáveis prognósticas, com impacto positivo na sobrevida livre de progressão e na global foram: tipo de mutação, sexo feminino, PS = 0-1 e baixas contagens de neutrófilos. A mutação do éxon 11 relaciona-se com o melhor prognóstico quando comparada à mutação de éxon 9, KIT selvagem e outros tipos de mutação (23, 24). No estudo de fase II norte-americano, a sobrevida em 5 anos de portadores de mutações do éxon 11 é de 54% vs. 30% para outros pacientes e as taxas de resposta ao imatinibe não diferem com as doses de 400 e 600 mg (85% e 86%, respectivamente), enquanto parece haver uma relação dose-resposta com o éxon 9 em 400 mg (17%) e 600 mg (59%). Uma avaliação prévia do estudo de fase III europeu demonstrou que a mutação dos éxons 11 e 9 correlaciona-se com diferentes taxas de resposta (84% vs. 48%, respectivamente) e sobrevida livre de progressão (23 vs. 7 meses, respectivamente) (25). O mesmo estudo descreve que a

15 Fascículo 2 população com KIT selvagem e mutação em PDGFR tem prognóstico pior, quando comparado ao éxon 11. Também observa-se que o aumento da dose de 400 para 800 mg não apresenta qualquer diferença na sobrevida livre de progressão de pacientes com mutação no éxon 11 e KIT selvagem, porém há significativo aumento dessa sobrevida para aqueles com mutação do éxon 9. Além da importante informação prognóstica acerca do subgrupo de melhor prognóstico definido pela análise mutacional, cria-se o questionamento se a população com éxon 9 mutado não deveria iniciar seu tratamento com imatinibe em dose maior. Embora a dose de tratamento seja relativamente bem definida, não se sabe qual o tempo ideal de tratamento. Considera-se que o imatinibe deva ser mantido até a progressão. O estudo BFR14 foi conduzido com o objetivo de avaliar prospectivamente a possibilidade de interrupção do imatinibe após um ano de resposta clínica ou doença estável em pacientes expressando KIT, comparado a seu uso contínuo. Dos 338 pacientes inicialmente inscritos, 58 pacientes livres de progressão após um ano de imatinibe foram randomizados para continuar (26p) ou parar com o imatinibe (32p) (26). O grupo contínuo teve melhor sobrevida livre de progressão, medida de desfecho primária do estudo, comparada ao grupo de interrupção (18 vs. 6,1 meses, p < 0,0001). Não houve diferença na progressão se havia ou não doença residual após a randomização (5,6 vs. 8,9 meses, respectivamente). A reintrodução do imatinibe estava prevista e ocorreu com uma mediana de seis meses após a randomização, obtendo controle clínico da doença em 92% dos casos. Em um segundo desdobramento desse estudo, pacientes com doença em resposta clínica ou doença estável após 3 anos de imatinibe foram randomizados da mesma forma: tratamento contínuo ou interrupção do imatinibe. Os resultados de sobrevida livre de progressão e reintrodução do imatinibe foram semelhantes entre o estudo de um e de três anos (27). No tratamento do GIST metastático, recomenda-se a manutenção do imatinibe independentemente de tempo de tratamento, cirurgia e grau de resposta clínica, pois pode ocorrer redução da doença até três anos após o início da droga. Tratamento de segunda linha Embora o imatinibe tenha elevado substancialmente a expectativa de vida de pacientes com GIST metastático, essa continua sendo uma doença incurável (20, 21). Enquanto a droga é mantida, mesmo com degeneração mixoide e necrose tumoral, ainda persistem clones viáveis que podem ser reativados com a suspensão do inibidor do KIT. Em algum momento, uma ou mais populações celulares se tornarão resistentes ao imatinibe, deflagrando progressão tumoral. Esse processo pode ser generalizado ou limitado em um único foco como, por exemplo, na progressão de nódulo dentro de nódulo. Podem ser descritos clinicamente dois tipos de resistência: primária ou secundária. Pacientes que não atingem resposta stromal tumor. J Clin Oncol 2003; 21: 4342-9. 24. Heinrich MC, Owzar K, Corless CL, et al. Correlation of kinase genotypeand clinical outcome in the north American intergroup phase III trial of imatinib mesylate for treatment of advanced gastrointestinal stromal tumor: CALGB 150105 study by cancer and leukemia group b and southwest oncology group. J Clin Oncol. 2008; 26: 5360-7. 25. Debiec-Rychter M, Sciot R, Le Cesne A, et al. KIT mutations and dose selection for imatinib in patients with advanced gastrointestinal stromal tumours. Eur J Cancer. 2006; 42: 1093-103. 26. Blay JY, Le Cesne A, Ray-Coquard I, et al. Prospective multicentric randomized phase III study of imatinib in patients with advanced gastrointestinal stromal tumors comparing interruption versus continuation of treatment beyond 1 year: the French sarcoma group. J Clin Oncol. 2007; 25: 1107-13. 27. Le Cesne A, Ray-Coquard I, Bui B, et al. Continuous versus interruption of imatinib in responding patients with advanced GIST after three years of treatment: a prospective randomized phase III trial of the French sarcoma group. J Clin Oncol, 2007; ASCO Annual Meeting Proceedings Part I, 25: 18S (Suppl), 2007: 10.005. 28. Debiec-Rychter M, Dumez H, Judson I, et al. Use of c-kit/ PDGFRA mutational analysis to predict the clinical response to imatinib in patients with advanced gastrointestinal stromal tumours entered on phase I and II studies of the EORTC Soft Tissue and Bone Sarcoma Group. Eur J Cancer. 2004; 40: 689-95.

Programa de Atualização em GIST e TNE 16 29. Heinrich MC, Corless CL, Blanke CD, et al. Molecular correlates of imatinib resistance in gastrointestinal stromal tumors. J Clin Oncol. 2006; 24: 4764-74. 30. Antonescu CR, Besmer P, Guo T, et al. Acquired resistance to imatinib in gastrointestinal stromal tumor occurs through secondary gene mutation. Clin Cancer Res. 2005; 11: 4182-90. 31. Debiec-Rychter M, Cools J, Dumez H, et al. Mechanisms of resistance to imatinib mesylate in gastrointestinal stromal tumors and activity of the PKC412 inhibitor against imatinib-resistant mutants. Gastroenterology 2005; 128: 270-9. 32. Zalcberg JR, Verweij J, Casali PG, et al. Outcome of patients with advanced gastro-intestinal stromal tumors crossing over to a daily imatinib dose of 800 mg after progression on 400 mg. Eur J Cancer. 2005; 41: 1751-7. 33. Demetri GD, van Oosterom AT, Garrett CR, et al. Efficacy and safety of sunitinib in patients with advanced gastrointestinal stromal tumour after failure of imatinib: a randomised controlled trial. Lancet. 2006; 368: 1329-38. 34. Heinrich MC, Maki RG, Corless CL, et al. Primary and secondary kinase genotypes correlate with the biological and clinical activity of sunitinib in imatinib-resistant gastrointestinal stromal tumors. J Clin Oncol. 2008; 26: 5352-9. 35. Blay JY, Casali PG, Reichardt P, et al. A phase I study of nilotinib alone and in combination with imatinib in patients with imatinib-resistant gastrointestinal stromal tumors (GIST): Study update. J Clin Oncol. 2008; 26(Suppl). (Abstract 10.553) ou doença estável, ou que progridem em menos de seis meses após resposta inicial, possuem resistência primária. Esse fenômeno está associado a características constitutivas da célula tumoral e observam-se frequentemente mutações de éxon 9, KIT selvagem ou mutações associadas a mau prognóstico (23, 28). Os casos em que a progressão ocorre após seis meses de resposta clínica inicial associam-se a processos biológicos distintos de aquisição secundária de resistência. Nesses casos, novas mutações no KIT e no PDGFR afetam a capacidade de ligação do imatinibe ou seu acesso ao sítio de ligação do ATP (29-31). Outros mecanismos menos frequentemente envolvidos são: ativação de outras quinases ou vias paralelas, amplificação do KIT e aumento da metabolização do imatinibe. O aumento da dose de imatinibe de 400 para 800 mg é considerado uma segunda linha de tratamento. Embora não haja um estudo que tenha comparado prospectivamente essa medida com placebo, seu racional está embasado pela análise de grupos de pacientes dos estudos de fase III que, após progressão, cruzaram do braço de 400 para 800 mg. No estudo norte-americano, 38% dos pacientes inicialmente randomizados para 400 mg escalonaram dose. Desses apenas 3% obtiveram resposta parcial e 28%, doença estável; as sobrevidas medianas de progressão e global foram de cinco e 19 meses, respectivamente (21). Resultados semelhantes foram encontrados no estudo europeu, em que 55% dos pacientes incrementaram sua dose para 800 mg, com 2% de resposta parcial e 27% de doença estável, com sobrevida livre de progressão mediana de 2,7 meses (32). O sunitinibe foi a primeira droga aprovada para uso após progressão ou intolerância ao imatinibe. Trata-se de um inibidor de tirosina quinase com ação não apenas no KIT e no PDGFR, como também no VEGFR2, tendo atividade antiangiogênica. No estudo de fase III norte-americano, que comparou sunitinibe com placebo após falha ou intolerância ao imatinibe, 312 pacientes foram randomizados à razão de 2:1 entre sunitinibe 50 mg, diariamente por 4 semanas com 2 semanas de descanso, ou placebo. O tempo médio de progressão favoreceu o sunitinibe com 6,3 meses contra 1,5 meses com placebo (33). Não foi possível avaliar aumento de sobrevida, pois houve cruzamento de pacientes entre os braços. Eventos adversos foram mais comuns com o sunitinibe (34% vs. 22%). Diarreia, descoloração da pele, mucosite, fadiga, hipertensão, náusea, síndrome mão-pé e sangramento foram os efeitos colaterais mais comuns. A atividade do sunitinibe também é influenciada pelas mutações subjacentes. A avaliação molecular de 78 dos 97 pacientes que participaram de um estudo de fase I/II com sunitinibe após falha ao imatinibe demonstrou que a porcentagem de pacientes que atingia benefício clínico, isto é, resposta clínica ou doença estável por mais de seis meses após início da droga, foi distinta, dependendo da mutação: KIT éxon 9 (58%), KIT éxon 11 (34%) e KIT selvagem ou PDGFR (56%) (34). Houve, além disso, sobrevidas livre de progressão e global estatisticamente superiores nos pacientes com mutação no KIT éxon 9 e KIT selvagem ou PDGFR, comparado ao KIT éxon 11. Nesse mesmo

17 Fascículo 2 estudo foi avaliado o efeito do sunitinibe em relação às mutações secundárias após uso de imatinibe. Pacientes com mutações no sítio de ligação do ATP, nos éxons 13 e 14, têm evolução mais favorável que aqueles com mutação na área da alça de ativação do KIT, nos éxons 17 e 18. A partir desses dados, o sunitinibe parece ser mais benéfico em pacientes com mutações primárias em éxon 9 e KIT selvagem ou PDGFR, além de mutações secundárias de éxons 13 e 14. Novas estratégias vêm sendo estudadas em pacientes refratários ao imatinibe. Parte delas envolve novas drogas que atuam no KIT com maior afinidade, como nilotinibe, dasatinibe, masitinibe, motesanibe, pazopanibe e sorafenibe (35-40). Essa abordagem produz resultados bem mais modestos que o imatinibe, pois há grande heterogeneidade de mutações secundárias levando a diferentes proporções de pacientes respondedores. A expansão do espectro de quinases atingidas por uma droga ou uma combinação delas pode bloquear receptores e vias metabólicas acessórias, além de reforçar o efeito inibitório sobre o KIT. A utilização de inibidores intracelulares seletivos de vias metabólicas a jusante, geralmente combinados a uma droga que bloqueie o KIT, já foi avaliada em estudos de fase II. Inibidores de mtor, como everolimus e inibidores de PI3K, são compostos promissores nesse contexto (41). Proteínas da família das chaperonas, como HSP90, são importantes na manutenção da conformação de receptores como o KIT. O produto de genes mutados são mais instáveis e dependentes das chaperonas para assumir forma e função adequadas. A inibição de proteínas da família HSP90, com compostos como IPI504, embora teoricamente eficaz, não foi bem tolerada em estudos de fase II (42). Tratamento adjuvante Há várias formas de estratificar o risco de recidiva de pacientes com GIST localizado. Levam-se em conta os principais fatores prognósticos associados: tamanho, índice mitótico, sítio primário e mutação do KIT (43-46). Alguns autores, valendo-se dessas variáveis, construíram nomogramas para categorizar as chances de retorno da doença (47). Apesar de tratamento cirúrgico adequado, o risco de recidiva local e sistêmica ainda é substancial na maioria dos pacientes. O imatinibe vem sendo avaliado nesse contexto em pelo menos três estudos de fase III randomizados. Há dois estudos europeus em curso com características distintas. O EORTC randomizou 900 pacientes de risco intermediário a alto entre imatinibe por dois anos ou placebo. Houve mudança de sua medida de desfecho inicial de sobrevida global para tempo de resistência ao imatinibe. Outro grupo recrutou 400 pacientes de alto risco, inclusive com doença metastática totalmente ressecada, randomizados para imatinibe por um ou três anos, sendo a sobrevida livre de recidiva sua medida primária de desfecho. Ambos os estudos concluíram o recrutamento, porém ainda não há tempo de seguimento suficiente para qualquer resultado. 36. Bui BN, Blay JY, Duffaud F, et al. Preliminary efficacy and safety results of Masitinib administered, front line in patients with advanced GIST. A phase II study. J Clin Oncol. 2007; ASCO Annual Meeting Proceedings Part I, 25: 18S (Suppl), 2007: 10.025. 37. Yamada Y, Sawaki A, Nishida T, et al. Phase II study of motesanib diphosphate (AMG 706) in Japanese patients (pts) with advanced gastrointestinal stromal tumors (GISTs) who developed progressive disease or relapsed while on imatinib mesylate. ASCO, Gastrointestinal Cancers Symposia 2008. (Abstract 107) 38. Sleijfer S, Ray-Cocquard I, Papai Z, et al. Pazopanib, a multikinase angiogenesis inhibitor, in patients with relapsed or refractory advanced soft tissue sarcoma: a phase II study from the European Organisation for Research and Treatment of Cancer Soft Tissue and Bone Sarcoma Group (EORTC Study 62043). J Clin Oncol. 2009; 27: 3126-32. 39. Wiebe L, Kasza KE, Maki RG, et al. Activity of sorafenib in patients with imatinib and sunitinib resistant gastrointestinal stromal tumors: a phase II trial of the University of Chicago Phase II Consortium. J Clin Oncol. 2008; 26(Suppl). (Abstract 10.502) 40. Heinrich MC, Carden R, Griffith D, et al. In vitro activity of sorafenib against imatinib - and sunitinib-resistant kinase mutations associated with drug-resistant GI stromal tumors. J Clin Oncol. 2009; 27: 15(Suppl). (Abstract 10.500) 41. Oosterom A, Reichardt P, Blay JY, et al. A phase I/II trial of oral m-tor inhibitor

Programa de Atualização em GIST e TNE 18 everolimus and imatinib mesylate in patients with gastrointestinal stromal tumor refractory to imatinib mesylate: study update. J Clin Oncol. 2005; ASCO, Annual Meeting Proceedings Part I of II, 23: 165(Suppl), 2005: 9.033. 42. Demetri GD, Le Cesne A, Mehren M, et al. Final results from a phase III study of IPI-504 (retaspimycin hydrochloride) versus placebo in patients with gastrointestinal stromal tumors following failure of kinase inhibitor therapies. ASCO, Gastrointestinal Cancers Symposium 2010. (Abstract 64) 43. Fletcher CDM, Berman JJ, Corless C, et al. Diagnosis of gastrointestinal stromal tumors: a consensus approach. Int J Surg Pathol. 2002; 10: 81-9. 44. Miettinen M, Lasota J. Gastrointestinal stromal tumors: pathology and prognosis at different sites. Semin Diagn Pathol. 2006; 23: 70-83. 45. Joensuu H. Risk stratification of patients diagnosed with gastrointestinal stromal tumor. Human Pathol. 2008; 39: 1411-9. 46. DeMatteo RP, Gold JS, Saran L, et al. Tumor mitotic rate, size, and location independently predict recurrence after resection of primary gastrointestinal stromal tumor. Cancer. 2008; 12: 608-15. 47. Gold JS, Gönen M, Gutierrez A, et al. Development and validation of a prognostic nomogram for recurrence-free survival after complete surgical resection of localized primary gastrointestinal stromal tumor: a retrospective analisys. Lancet Oncol. 2009; 10: 1045-52. 48. DeMatteo RP, Owzar K, Antonescu CR, et al. Efficacy of adjuvant imatinib mesylate following complete resection Um estudo de fase II com imatinibe adjuvante já havia demonstrado a factibilidade dessa proposta de tratamento, com baixo índice global de toxicidade e sobrevidas e livre de recorrência em três anos de 97% e 61%, respectivamente (48). O estudo americano Z9001 foi concebido como fase III, randomizando 713 pacientes entre um ano de imatinibe e placebo em pacientes com GISTs KIT positivo maiores que 3 cm (49). A sobrevida livre de recorrência foi significativamente superior no grupo em uso de imatinibe com redução de risco de 65% no primeiro ano de seguimento. Não houve tempo de seguimento suficiente para perceber-se qualquer diferença de sobrevida global. Dermatite, dor abdominal e diarreia foram os eventos adversos sérios mais frequentemente relacionados à droga de estudo. Os critérios de inclusão, bastante amplos, permitiram a inclusão de um subgrupo de pacientes com GISTs de 3 a 6 cm, provavelmente com doenças de risco de recidiva baixo ou intermediário. Não houve diferença entre os braços nesse subgrupo, porém o benefício se manteve em lesões com mais de 6 cm e, especialmente, mais de 10 cm. O imatinibe mostrou-se eficaz em reduzir o risco de recidiva de GISTs KIT positivo localizados de uma forma geral. Algumas questões permanecem em aberto como: quais fatores levar em consideração na estratificação de risco, qual o papel da análise mutacional na análise de risco e seleção de dose de imatinibe e por quanto tempo o tratamento deve ser continuado. A análise da população do único estudo de adjuvância concluído reforça o papel do índice mitótico e do sítio primário na estratificação de risco (50). Pacientes com risco de recidiva baixo conforme classificação de Miettinen (44) não apresentaram benefício no uso de imatinibe, enquanto pacientes com risco moderado a alto se beneficiaram do uso da droga. Os resultados dos estudos em aberto e de um estudo de fase II, avaliando o impacto do uso de imatinibe por cinco anos (PERSIST), provavelmente devem ajudar a responder essas questões. Tratamento neoadjuvante O imatinibe associa-se à taxa de resposta parcial pelo RECIST em cerca de 50% dos casos de GIST, além de cerca de 35% de pacientes que permanecem com doença estável, mas com degeneração mixoide. Objetivamente, os respondedores são em torno de 85% do total. A maior parte dos GISTs apresenta-se com doença volumosa à apresentação. Partindo dessas premissas, estudos de fase II vêm avaliando o impacto do imatinibe na ressecabilidade de tumores localmente avançados. O estudo RTOG 0132 avaliou 30 pacientes com GISTs primários com mais de 5 cm ou com metástases operáveis, que receberam 600 mg de imatinibe por oito a 12 semanas, seguido de cirurgia e manutenção de imatinibe por dois anos. Cerca de 77% dos casos foram ressecados, mas não ficou evidente se o imatinibe trouxe diferença no padrão de cirurgia (51-53). Outras iniciativas nesse sentido vêm sendo desenvolvidas, inclusive em nosso meio. Estamos participando de um estudo

19 Fascículo 2 multicêntrico brasileiro de fase II (CONVERT) avaliando o uso de imatinibe por quatro meses, seguido de cirurgia, em pacientes com tumores primários volumosos ou cuja extensão da cirurgia trouxesse potencial morbidade. O tratamento neoadjuvante da doença primária é uma área promissora, porém ainda experimental. É fundamental a avaliação precoce de resposta em pacientes marginalmente ressecáveis para não comprometer um tratamento cirúrgico potencialmente curativo. ConclusÃO Em menos de uma década, o GIST transformou-se de uma doença subdiagnosticada e sem propostas eficazes de tratamento em paradigma da abordagem diagnóstica e terapêutica das neoplasias malignas guiada por análise genética e molecular. Mesmo permanecendo uma doença infrequente, é admirável a quantidade de informações apreendidas em um intervalo de tempo relativamente curto. O estudo radiológico da resposta do GIST ao imatinibe inaugurou o uso de novos parâmetros e metodologias essenciais para a compreensão do atual cenário de drogas de alvo molecular. Hoje conhecemos melhor a história natural da doença, suas vias metabólicas principais e acessórias, seus fatores prognósticos e preditivos de resposta ao tratamento e os processos envolvidos na resistência às drogas. Progressão Avaliar Metastático: imatinibe 400 mg Progressão local Resposta ou doença estável Continuar com imatinibe 400 mg Progressão Imatinibe 800 mg + Tratamento local (cirurgia, ablação radiofrequência, quimioembolização e laser) Inoperável: imatinibe 400 mg Aumentar dose de imatinibe para 800 mg Progressão sistêmica Progressão Avaliar Sunitinibe ou ensaios clínicos: Nilotinibe Dasatinibe Imatinibe + RAD001 Imatinibe + PKC412 Imatinibe + AMN107 Evidência de tumor intra-abdominal Diagnóstico diferencial de GIST Estadiamento e biópsia Evidência histológica de GIST Resposta ou doença estável Resposta ou doença estável Continuar com imatinibe 800 mg Ressecção incompleta: imatinibe 400 mg Primariamente operável: ressecção Secundariamente operável: ressecção Continuar com imatinibe 400 mg Ressecção completa: imatinibe adjuvante em ensaios clínicos of localized, primary gastrointestinal stromal tumor at high risk of recurrence: The U.S. Intergroup phase II trial ACOSOG Z9000. ASCO, Gastrointestinal Cancers Symposia 2008. (Abstract 8) 49. DeMatteo RP, Ballman KV, Antonescu CR, et al. Adjuvant imatinibe mesylate after resection of localised, primary gastrointestinal stromal tumor: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Lancet Oncol. 2009; 373: 1097-104. 50. Blackstein ME, Corless CL, Ballman KV, et al. Risk assessment of tumor recurrence after surgical resection of localized primary gastrointestinal stromal tumor: North American Intergroup phase III trial ACOSOG Z9001. ASCO, Gastrointestinal Cancers Symposium 2010. (Abstract 6) 51. Eisenberg BL, Harris J, Blanke CD, et al. A phase II trial of neoadjuvant/ adjuvant imatinib mesylate for advanced primary and metastatic/recurrent operable gastrointestinal stromal tumor: early results of RTOG 0132/ ACRIN 6665. J Surg Oncol. 2009; 99: 42-7. 52. McAuliffe JC, Hunt KK, Lazar AJF, et al. A randomized phase II study of preoperative plus postoperative imatinibe in GIST: evidence of rapid radiographic response and temporal induction of tumor cell apoptosis. Ann Surg Oncol. 2009; 16: 910-9. 53. Fiore M, Palassini E, Fumagalli E, et al. Preoperative imatinibe mesylate for unresectable or locally advanced primary gastrointestinal tumors. Eur J Surg Oncol. 2009; 35: 739-45. Figura Fluxograma síntese do tratamento do paciente com GIST