INFLUÊNCIA DA EXCENTRICIDADE GEOMÉTRICA EM LIMAS ENDODÔNTICAS DE NÍQUEL-TITÂNIO: UMA ANÁLISE POR ELEMENTOS FINITOS S. C. S. Martins; V. T. Buono; L. A. Santos; G. S. Pandolfi; N. I. A. Lopes Universidade Federal de Minas Gerais UFMG / DEMET Av. Antônio Carlos, 6627, bloco 2, sala 2643 / 31270-901, Belo Horizonte, MG Brasil RESUMO O design das limas endodônticas é um fator determinante em seu comportamento mecânico. Com base em análises por elementos finitos, este estudo verificou a influência da excentricidade da seção transversal na rigidez e na distribuição de tensões em limas de níquel-titânio. Foram construídos modelos tridimensionais da lima excêntrica ProTaper Next X2 e um modelo teórico concêntrico equivalente, X2C. Para comparar o comportamento mecânico dos dois modelos, verificou-se, pelo método dos elementos finitos, a resposta mecânica dos instrumentos mediante condições de carregamento de flexão e torção. Conforme a análise numérica, sob a condição de flexão, a lima X2 apresentou maior rigidez, enquanto que sob esforços de torção não houve variação no comportamento. Ao alterar a distribuição de massa em relação ao longo eixo do instrumento, o nível de tensão máxima exibida é menor, tanto sob flexão quanto torção, devido à mudança na distribuição de tensão, aprimorando o comportamento mecânico da lima. Palavras-chave: instrumentos endodônticos de níquel-titânio, design de limas endodônticas, método dos elementos finitos. INTRODUÇÃO Ligas endodônticas de níquel-titânio são amplamente empregadas na formatação de canais dentários (CARVALHO et al., 2016). Isso se deve principalmente às superiores propriedades das ligas NiTi em comparação com os aços inoxidáveis, utilizados anteriormente para essa finalidade. As ligas NiTi apresentam 6248
superelasticidade, que é a capacidade de o material recuperar altos níveis de deformação após a remoção do carregamento (SANTOS et al., 2016; MONTALVÃO et al., 2014). Tal propriedade possibilita que instrumentos rotatórios de NiTi sigam a curvatura do canal dentário mais facilmente, reduzindo a possibilidade de transposição do eixo do mesmo e, consequentemente, tornando a preparação do canal mais eficiente (LEGRAND et al., 2015; MONTALVÃO et al., 2014). Não obstante, apesar das vantagens do NiTi, é possível que ocorra a fratura da lima no interior do canal. Durante sua utilização, o instrumento é exposto a vários níveis de tensão ou deformação que podem levar à deformação plástica e geração de tensões internas na lima. Esse acúmulo de tensões internas pode acarretar algum dano ou mesmo a ruptura do instrumento. Geralmente, essa ruptura é ocasionada por esforços de torção e pela fadiga por flexão. A fratura torsional acontece quando o instrumento é travado no canal dentário enquanto a haste continua girando. Já a fratura gerada pela flexão ocorre por fadiga do metal. A lima no interior do canal gira e alterna os locais de carregamentos de tração/compressão levando-o à fadiga cíclica (HA et al., 2017; LEGRAND et al., 2015; MONTALVÃO et al., 2014). Para suprimir esse inconveniente, novas técnicas de manufatura têm sido incorporadas em instrumentos rotatórios de NiTi, visando aprimorar suas propriedades físicas e mecânicas para uma melhor performance clínica. O comportamento mecânico dos instrumentos de NiTi é principalmente determinado pelo processo de fabricação e pelo design da sua geometria, sendo este último fator determinante para o grau de acúmulo de tensões no instrumento (BASHEER AHAMED et al., 2018; HA et al., 2017). Diversos estudos verificaram que a rigidez e a flexibilidade estão significativamente relacionadas com a geometria dos instrumentos endodônticas (XU & ZHENG, 2006; BERUTTI et al., 2003; SCHÄFER et al., 2003; TURPIN et al., 2000). Dessa forma, nas duas últimas décadas, desenvolvimentos e inovações no design de limas NiTi levou a novos conceitos de design desses instrumentos. Limas com geometria de seção transversal excêntrica foram desenvolvidas como ProTaper Next. Os fabricantes afirmam que, comparados aos instrumentos de seção transversal concêntrica convencionais, os instrumentos excêntricos exibem formato de snakelike, com um estilo de movimento que reduz a geração de tensões durante sua rotação, uma vez que há menor contato da lima com a parede do canal do dente, 6249
enquanto ainda aumenta o espaço necessário para a remoção de debris (BASHEER AHAMED et al., 2018; HA et al., 2017). Dentro desse contexto, o presente estudo busca avaliar os efeitos da excentricidade geométrica da seção transversal no comportamento mecânico e na distribuição de tensões de instrumentos rotatórios de NiTi, mediante condições de torção e flexão pela análise dos elementos finitos. MATERIAIS E MÉTODOS Foi desenvolvido, no software SolidWorks 2016, um modelo geométrico da lima ProTaper Next X2 e outro modelo teórico concêntrico, similar à ProTaper Next X2, denominado X2C. Ambos os modelos, X2 e X2C, exibiam mesma área e forma de seção transversal, mantendo mesmo pitch (passo de revolução) e taper (conicidade), variando-se somente a distribuição de massa em relação ao longo eixo do instrumento, tornando o modelo X2C concêntrico, conforme apresentado na Figura 1. Os dois modelos de instrumento possuem comprimento de parte ativa de 16mm, comprimento total de 25mm e diâmetro de ponta 0,25mm. a b Figura 1: Seção transversal e design geométrico das limas analisadas. (a) Lima X2 e (b) lima X2C. As geometrias foram malhadas no software Abaqus 6.14-2, utilizando-se uma malha do tipo C3D20R com elementos quadráticos de 20 nós. O modelo com elementos finitos da lima X2 consistia de 2172 elementos e 12903 nós, e da lima X2C 2848 elementos e 16086 nós. A análise numérica realizada para determinar a resposta mecânica e a distribuição de tensão sob flexão e torção foi realizada no mesmo software, Abaqus 6.14-2. As propriedades do material utilizadas para a simulação foram as de uma liga NiTi M-Wire descrita por Santos et al. (2016). Para avaliar a rigidez à flexão e a resistência torsional, foram aplicadas as seguintes condições de carregamento, com base na ISO 3630-1 (1992) (Figura 2): 6250
1) Engaste da lima a 3mm da ponta e aplicação de um deslocamento de até 45 na extremidade final da haste; 2) Engaste da lima a 3mm da ponta e aplicação de um momento torsor de 0,24N.cm na extremidade final da haste. a 3 mm 45 b 3 mm 0,24 Ncm Figura 2: Condições de carregamento. (a) Simulação do teste de flexão e (b) simulação do teste de torção. A força de reação foi registrada na ponta da lima durante a flexão, e na torção foi considerada a distorção angular na haste. Adicionalmente, as tensões nos modelos geométricos dos instrumentos foram verificadas por meio da tensão de von Mises. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 3 apresenta a variação do momento fletor causado pela flexão dos instrumentos até 45. O instrumento X2 exibiu superior momento que o X2C, obtendo na angulação máxima de 45º 0,377N.cm, enquanto que para o X2C o momento máximo foi de 0,266N.cm. Ou seja, o instrumento concêntrico apresenta maior flexibilidade que o X2, já que para um mesmo valor de momento, X2C sofre maior flexão que o X2. 0,40 0,35 Momento (N.cm) 0,30 0,25 0,20 0,15 0,10 X2 X2C 0,05 0,00 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 Flexão ( ) Figura 3: Curvas momento-flexão simuladas. 6251
A Figura 4 exibe a deflexão angular causada pelo torque aplicado aos instrumentos. Verifica-se que ambos os instrumentos exibiram comportamento semelhante. O deslocamento angular total para o instrumento X2 foi de 111,65 e para X2C foi de 111,24. Esses resultados demonstram que a excentricidade da seção transversal das limas não influencia na rigidez torsional do instrumento. 120 100 Deflexão angular ( ) 80 60 40 20 X2 X2C 0 0,00 0,04 0,08 0,12 0,16 0,20 0,24 Momento (N.cm) Figura 4: Curvas deflexão angular-momento simuladas. Na Tabela 1 são mostrados os valores máximos de tensão encontrados para cada modelo sob as condições de flexão e de torção. Esses valores foram encontrados na região próxima ao engaste a 3mm da ponta dos instrumentos. Tabela 1. Valores de tensão máximos. Lima Flexão Torção X2 909,2MPa 1537MPa X2C 940,5MPa 1672MPa Observa-se que o instrumento excêntrico X2 apresenta os menores valores de tensão para os carregamentos aplicados. Mesmo a lima X2 possuindo maior rigidez, a tensão máxima apresentada pela mesma é inferior à da X2C. A análise pelo método dos elementos finitos possibilitou avaliar a influência que a geometria excêntrica gera no comportamento mecânico dos instrumentos endodônticos, mantendo os demais parâmetros constantes, como material, taper, pitch e forma da seção transversal. Por meio da simulação, verificou-se que a seção transversal excêntrica torna o instrumento menos flexível. Esse aumento da rigidez também foi verificado em pesquisa realizada por Ha et al. (2017), na qual os autores 6252
investigaram os efeitos da excentricidade da seção transversal na rigidez e na excentricidade de 4 instrumentos rotatórios de NiTi, mantendo a área da seção transversal, porém variando a forma da seção e o grau de excentricidade. Nesse estudo, Ha et al. (2017) constataram que a flexibilidade por flexão diminuiu com o aumento do grau da excentricidade. Ainda segundo os mesmos autores, instrumentos excêntricos, ao exibirem maior rigidez, são capazes de gerar forças suficiente para corte bem como avançar pelo canal dentário, o que torna o design das limas ProTaper Next interessante para o uso clínico. Com relação à rigidez torsional, diversos estudos relatam que a rigidez torsional também é dependente da geometria da seção transversal e que a rigidez é inversamente proporcional ao momento de inércia da área (VERSLUIS et al., 2012; KIM et al., 2010; TURPIN et al., 2000; KIM et al. 2009). Como neste trabalho, a área e a forma da seção transversal foram mantidas para os dois instrumentos, não foram constadas variações desse comportamento em função da excentricidade. Apesar do instrumento excêntrico X2 exibir maior rigidez por flexão, os níveis de tensão, tanto em flexão como torção, apresentados por esse instrumento são inferiores ao do modelo concêntrico X2C. Essa variação dos níveis de tensão pode estar relacionada às configurações da seção transversal, que é um fator determinante para a distribuição de tensões no instrumento (KIM et al., 2009). Sendo o modelo X2 excêntrico e com uma distribuição de massa ao longo de todo o seu comprimento diferente do modelo X2C, essa excentricidade altera a distribuição de tensões pela lima de forma que a geometria excêntrica apresente menores níveis máximos de tensão. Ao ser submetido a níveis inferiores de tensão, o instrumento possuirá maior vida em fadiga, postergando sua ruptura por flexão. CONCLUSÃO Pela análise por elementos finitos avaliou-se o efeito da excentricidade da seção transversal da lima em seu comportamento mecânico sob torção e flexão. Constatouse que o design excêntrico reduz a flexibilidade do instrumento, o que melhora a eficiência de corte, e proporciona uma menor tensão máxima na lima devido a sua distribuição de tensões. Consequentemente, a excentricidade aprimora o comportamento mecânico do instrumento endodôntico tornando-o favorável para fornecer respostas clinicamente desejáveis. 6253
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