AQUISIÇÃO DE ONSETS COMPLEXOS:



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Transcrição:

BONILHA, Giovana Ferreira Gonçalves; VINHAS, Luciona Iost. Aquisição de onsets complexos: militância da hierarquia de restrições da língua materna. Revista Virtual de Estudos da Linguagem ReVEL. V. 3, n. 5, agosto de 2005. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br]. AQUISIÇÃO DE ONSETS COMPLEXOS: MILITÂNCIA DA HIERARQUIA DE RESTRIÇÕES DA LÍNGUA MATERNA Giovana Ferreira Gonçalves Bonilha 1 Luciana Iost Vinhas 2 gfgb@terra.com.br lucianavinhas@terra.com.br Muitas são as diferenças existentes entre a estrutura silábica do português e a estrutura silábica do inglês, tanto no que se refere a padrões silábicos como a elementos permitidos na formação dos constituintes: o inglês, por exemplo, apresenta onsets complexos formados por dois e três elementos bring e spring e codas complexas formadas por dois, três e quatro elementos last, tempt e sculpts. Já o português, apesar de apresentar os constituintes de onset complexo e coda complexa em sua gramática, inclui uma limitação diferenciada quanto ao número e tipos de elementos que os constituem: onsets complexos são maximamente constituídos por dois elementos e sempre formados por uma líquida - /r/ ou /l/ - na segunda posição 3. A aquisição de uma língua estrangeira implica, portanto, não apenas a emergência de novos constituintes silábicos, como também a emergência das diferentes seqüências que os constituem. 1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2 Universidade Católica de Pelotas. 3 Para alguns autores, como Lamprecht e Bonilha (2003) e Bonilha (2004), as seqüências [kw] e [gw] também constituem onsets complexos no português quando formam palavras como água e quatro, por exemplo. 1

Sob o enfoque da Teoria da Otimidade, de acordo com Vinhas, Mesquita e Bonilha (2004), a aquisição de uma L2 ocorre pelo acionamento de restrições potenciais que não militam na gramática da L1, mas estão presentes na gramática da L2, bem como pelo reordenamento dessas restrições e de outras já presentes na L1. Com base nessa proposta, o presente trabalho busca descrever e analisar a aquisição das seqüências sc fricativa + segmento consonantal -, em posição inicial de palavra, por falantes nativos de português. Os dados foram coletados com base na leitura de palavras isoladas realizadas por 12 sujeitos, aprendizes de inglês como L2, que estudam em uma escola de línguas em diferentes níveis de adiantamento na cidade de Pelotas/RS. Conforme propõe Vinhas, Mesquita e Bonilha (2004), no caso específico da aquisição do inglês, por falantes nativos de português, a aquisição das estruturas silábicas parece estar relacionada apenas às seqüências que formam os constituintes, pois as restrições de marcação que atuam na produção dos constituintes silábicos já estão demovidas por falantes nativos do português: Onset, Not Complex Onset, No Coda, NotCompelx Coda e Not Complex Nucleus 4. Em (1), estão destacadas as seqüências permitidas em onset complexo no português e as seqüências sc fricativa + segmento consonantal - permitidas no inglês. (1) a) Onset complexo Português (Bisol, 1999:718) pr prato pl plátano fl flanco br braço bl bloco fr franco tr trato tl Atlas vl - dr drama dl - vr livro kr cravo kl clamor gr grama gl glosa b) Onset complexo de dois e três elementos Inglês (Jensen, 1993) 5 sp speak spl splice spr sprite 4 Onset: as sílabas devem ter onset; Not Complex Onset: onsets complexos são proibidos; No Coda: as sílabas não devem ter coda; NotCompelx Coda: codas complexas são proibidas; Not Complex Nucleus: núcleos complexos são proibidos. 5 Não foram consideradas as seqüências que incluem os glides /w/ e /j/ como segundo ou terceiro elementos dos onsets. 2

st steak str stray sk scan skl sclera skr scream sf Sphinx sm smile sn snow sl slow Conforme Hammond (1999), a fricativa [s] parece ter uma maior liberdade do que as outras consoantes para constituir onsets complexos, pois aparece em uma maior quantidade de seqüências, constituindo, obrigatoriamente, os onsets formados por três elementos. Esses são formados por duas seqüências permitidas nos onsets de dois elementos, como sp pl spl, portanto, se há restrições que militam nas seqüências de dois elementos, essas restrições também militam nas seqüências de três. A constituição das seqüências permitidas nos constituintes, em diferentes línguas, é principalmente governada pelo Princípio de Seqüência de Sonoridade, postulando que, no onset, há um aumento abrupto de sonoridade em direção ao núcleo e, na coda, um decréscimo gradual de sonoridade em direção ao núcleo (Clements, 1990). Tendo em vista a escala de sonoridade em (2), é possível inferir o onset complexo ideal, conforme (3). (2) Escala de sonoridade Bonet e Mascaró (1996) plosivas < fricativas/trill < nasais < laterais < flap/glide < vogais 0 1 2 3 4 5 (3) Onset complexo ideal Plosiva + nasal ou lateral Fricativa + lateral Em (3), não é considerada a seqüência Plosiva + flap/glide como onset complexo ideal porque, apesar de essa seqüência apresentar uma maior distância de sonoridade entre os seus elementos, apresenta um menor crescimento de sonoridade em relação ao núcleo. 3

Conforme proposta de Bonilha (2004), há duas restrições atuando nesse processo: Máximo Distanciamento de Sonoridade entre Onset e Núcleo MDS/ON e Máximo Distanciamento de Sonoridade entre os elementos que constituem o Onset Complexo MDS/OC. Com base nos dados da aquisição, a autora propõe que o português, por exemplo, privilegia MDS/ON sem postular, no entanto, que essa seja uma tendência das línguas do mundo. Algumas das seqüências que constituem os onsets do inglês, dispostos em (1b), apresentam, pois, problemas em relação à proposta de Clements (1990), tendo em vista o decréscimo de sonoridade entre os segmentos que constituem o onset complexo 6. As seqüências sm, sn e sl não ferem o Princípio de Seqüência de Sonoridade, pois apresentam um aumento de sonoridade em direção ao núcleo silábico. Observe-se (4): (4) a) Diminuição da sonoridade em direção ao núcleo sp - st - sk b) Diminuição da sonoridade entre os dois primeiros elementos, mas aumento em direção ao núcleo spl spr skl str - skr c) Platô silábico sf Conforme Gierut e Champion (1999), o aspecto marcado das seqüências sc fricativa + consoante - ainda não está claro na literatura. Em relação ao que as autoras chamam de verdadeiros onsets no inglês, ou seja, aqueles que não ferem o Princípio de Seqüência de Sonoridade, a aquisição parte das seqüências menos marcadas para as mais marcadas: seqüências que apresentam uma menor distância de sonoridade entre os elementos implicam a aquisição de seqüências com uma maior distância entre os elementos; no entanto, o mesmo não parece ser constatado para os onsets formados pelas seqüências sc, pois estruturas mais marcadas ocorrem sem que haja a realização das menos marcadas. Para as autoras, onsets complexos verdadeiros e as seqüências sc possuem representações distintas, havendo, portanto, diferenças quanto ao tipo de marcação que atua 6 Kiparsky (1979) propõe que as seqüências sc - fricativa + segmento consonantal são permitidas porque seriam quase como exceções ao Princípio de Sonoridade Seqüencial. De acordo com Jensen (1993), não parece natural considerar que tais exceções sejam tão comuns no inglês. 4

na aquisição: onsets complexos verdadeiros são governados pelo Princípio de Seqüência de Sonoridade, as seqüências sc são vistas como segmentos complexos. Para Hammond (1999), não há evidências claras se as seqüências sc constituem onsets complexos ou segmentos complexos. Enquanto sp, st e sk podem aparecer na posição de onset e coda, as seqüências sm e sn só ocupam a posição de onset complexo. Seria possível postular que apenas as últimas, que não violam o Princípio de Seqüência de Sonoridade, são onsets complexos no inglês, o que justificaria sua não emergência em coda silábica? As seqüências sp, st e sk seriam segmentos complexos, sendo possível aparecerem em onset e coda? Mas e se postulássemos que o inglês aceita a violação do Princípio de Seqüência de Sonoridade apenas em constituintes de onset complexo? Dessa forma, todas as seqüências sc seriam classificadas como tais, sendo que sm e sn não ocorreriam em coda porque, nesse constituinte silábico, a violação do Princípio de Seqüência de Sonoridade não é admitida. Contrárias à posição de Gierut e Champion (1999), e em acordo com Cagliari (2001), classificamos as seqüências sc do inglês como onsets complexos e propomos, então, que essas seqüências possam ser classificadas em uma escala, como melhores ou piores em relação à forma como ferem o Princípio de Seqüência de Sonoridade, conforme disposto em (5). (5) sf > spl, spr, skl, str, skr > sp, st, sk De acordo com nossa proposta, as seqüências de três elementos seriam, portanto, mais harmônicas que as de dois elementos constituídas por segmentos plosivos, pois apresentam um crescimento de sonoridade entre parte dos elementos que as constituem. Vejamos, pois, o que os dados da aquisição do inglês como L2 dizem a esse respeito. Os dados coletados, com base nas produções de 12 sujeitos aprendizes de inglês como L2, evidenciam que as seqüências sc são de difícil aquisição por falantes nativos de português. Observem-se, no quadro 01, as possibilidades de realização e as efetivas produções das seqüências. 5

Níveis /sp/ /st/ /sk/ /sf/ /sm/ /sn/ /sl/ pos oc pos oc pos oc pos oc pos oc pos oc pos oc Bás. I 2 0 2 0 2 1 1 0 2 1 3 1 1 1 % 0 0 50 0 50 33,33 100 Bás. II 2 0 2 0 2 1 2 0 2 0 4 0 1 1 % 0 0 50 0 0 0 100 Pré-Int 2 0 2 0 2 0 2 1 2 0 3 0 2 0 % 0 0 0 50 0 0 0 Int. I 2 0 2 0 2 0 1 0 2 0 4 0 2 0 % 0 0 0 0 0 0 0 Int. II 2 0 2 0 2 0 2 0 2 0 3 0 2 0 % 0 0 0 0 0 0 0 Av. I 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 2 0 1 0 % 0 0 0 0 0 0 0 Av. II 1 2 1 1 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 % 0 0 0 0 0 0 0 TOTAL % 0 0 16,6 10 8,33 5 20 Quadro 01 Possibilidades de realização e produções das seqüências sc Longe de evidenciar qualquer ordenamento na aquisição desses constituintes, o quadro 01 expressa, apenas, que todas as seqüências foram realizadas corretamente, em algum momento pelos aprendizes, com exceção de sp e st, sem que isso obedeça, exatamente, a uma relação com o nível de adiantamento do aluno na escola de línguas 7, pois todas as seqüências apresentaram índices muito baixos de realização correta. Tal fato não parece, pois, estar apontando para diferenças quanto a estrutura das seqüências, como propõe Gierut e Champion (1999), uma vez que a seqüência sk foi realizada. Quanto às estratégias de reparo aplicadas, foram encontrados três tipos: inserção, substituição e apagamento, sendo que, há a predominância da estratégia de inserção em todos os níveis de adiantamento, totalizando 92% das estratégias aplicadas. Cagliari (2001), em um trabalho que também versa sobre a aquisição das seqüências sc do inglês por falantes nativos de português, constatou somente a aplicação da prótese nos dados analisados. Observem-se, em (6), alguns exemplos das inserções realizadas pelos sujeitos. 6

(6) Inserção Alvo Produção Alvo Produção [sp] [spa] [ispq] [st] [st bil ti] [istabilit] [sk] [skai] [iski] [sn] [snarl] [ismqn] [sp] [spa] [ispa] [sf] [sfir] [isfqr] [sm] [smqk r] [ismeiki] [sn] [snçb] [isnoubi] 7 Vinhas, Mesquita e Bonilha (2004) salientam o fato de não haver uma relação direta entre nível de desenvolvimento fonológico e nível de adiantamento na escola de línguas, fazendo-se fundamental, a realização de pesquisas com base em dados longitudinais. 7

Conforme os dados dispostos em (6), a estratégia de inserção, além de predominante, é aplicada a todas as seqüências sc, ou seja, sua aplicação, portanto, não está vinculada à marcação das diferentes seqüências bem como à possibilidade de diferentes mapeamentos estruturais onsets ou segmentos complexos. A estratégia de inserção também foi aplicada juntamente com a estratégia de substituição para as seqüências sf, sl, sm e sn, ou seja, as menos marcadas em relação à militância do Princípio de Seqüência de Sonoridade. Observe-se, no entanto, que tal fato não distingue tais seqüências das demais, pois a substituição parece claramente motivada pela militância da gramática da L1, em que a fricativa coronal surda, antecedendo um segmento sonoro, é realizada como sonora. A epêntese pode resultar também da militância da L1, pois o segmento [z] é admitido em posição de coda no português. É uma forma de preservá-lo, ainda que, para isso, haja a violação de uma restrição de fidelidade. Observem-se os dados em (7): (7) Substituição e inserção Alvo Produção [sf] [sfir] [ispear] [sf] [sfir] [ispir] [smqk r] [izmeik r] [sn] [snçb] [iznçb] [sm] [smqk r] [izmaker] [sm] [smqk r] [izmeik r [sn] [snarl] [iznar] [sl] [slqvik] [izlqvik] [sn] [snarl] [iznçl] [sl] [slqvik] [izleivik] [sn] [snçb] [iznçb] [sf] [sfir] [ispqr] 8

A estratégia de substituição só é aplicada, isoladamente, à seqüência [sf]. Poder-se-ia postular que a realização de [sf] é melhor forma, encontrada pelos aprendizes, para solucionar um platô silábico no onset, substituindo o segundo segmento pela plosiva labial [p]. Observa-se, no entanto, conforme pode ser visualizado em (8), que a aplicação dessa estratégia parece estar relacionada apenas à forma escrita sphear. (8) Substituição Alvo Produção [sf] [sfir] [spqar] [sf] [sfir] [sp r] [sf] [sfir] [spear] Já a estratégia de apagamento só foi aplicada uma vez, na tentativa de realização de sm. (9) Apagamento Alvo Produção [sm] [smqk r] [meik r] Outro fato importante a ser considerado é a realização das seqüências constituídas por três elementos, pois, de acordo com nossa proposta em (5), essas seriam, considerando a militância do Princípio de Seqüência de Sonoridade, de MDS/ON e MDS/OC (Bonilha, 2004), menos marcadas do que algumas das seqüências sc fricativa + plosiva -constituídas por 2 elementos. Os dado analisados parecem corrobar esse ordenamento, conforme podemos constatar no quadro 02. Sujeito Nível Onsets complexos de 2 elementos realizados J. Básico 1 [sm], [sn] Onsets complexos de 3 elementos realizados 9

A. Básico 1 [sk], [sl] [skl], [skj] V. Básico 2 [sk], [sl], [Sl] T. Básico 2 [Sl] R. Pré-Intermediário [sf] [spl], [skl], [skw] T. Pré-Intermediário [spl], [skl], [sfr], [skj] A. Intermediário 1 [Sl] [spj] D.P Intermediário 1 - - J.V. Intermediário 2 [Sl] [str], [spj], [stj] C. Intermediário 2 - - C. Avançado 1 - - T.R Avançado 2 - - Quadro 02 Realizações das seqüências sc e scc Os dados do quadro 02 parecem comprovar, de fato, a preferência pela realização das seqüências de três elementos em detrimento das seqüências de dois, como pode-se observar, claramente, considerando os dados dos sujeitos que constituem o nível Pré-Intermediário. Para R., por exemplo, temos a realização de [spl], [skl], [skw], enquanto apenas [sf] é produzida no que se refere a onsets de dois elementos; para T., há a realização correta de quatro seqüências de três elementos - [spl], [skl], [sfr], [skj] e nenhuma realização correta de seqüências sc de dois elementos. Esses resultados, portanto, confirmam a não marcação das seqüências de três elementos em relação às de dois. Outro ponto que deve ser destacado, ainda com base nos dados dispostos no quadro 02, é a realização de sl, sm e sn, em que não há a violação do Princípio de Seqüência de Sonoridade. Observe-se que consideramos, apenas neste quadro, a produção de Sl, que também inclui uma seqüência de fricativa + líquida lateral, e a significativa acuidade nas realizações dessa seqüência comprovam a preferência pela realização de sl, confirmando os resultados de Cagliari (2001). Com base nos dados analisados, é possível manter o ordenamento apresentado em (5), quanto à marcação das seqüências sc do inglês, sem considerar, no entanto a seqüência sf, devido ao problema do input da escrita já apontado. (10) spl, spr, skl, str, skr > sp, st, sk 10

De acordo com a Teoria da Otimidade conexionista (Bonilha, 2004), a aquisição dessas seqüências é explicitada pela atuação de restrições de marcação que são acionadas e reordenadas pelo aprendiz e pela militância de restrições de fidelidade que já constituem a gramática da L1. Hammond (1999:95) utiliza as restrições sc se duas obstruintes estão alinhadas próximas uma a outra em um onset, a primeira deve ser [s] e a segunda deve ser uma plosiva - e sn - se duas obstruintes estão alinhadas próximas uma a outra em um onset, a primeira deve ser [s] e a segunda deve ser uma nasal - para simplificar a análise. Seguindo Bonilha (2004), entendemos que restrições de marcação de estrutura silábicas devem ser proibitivas, ainda mais considerando que, nesse caso, são subdivisões de uma restrição proibitiva maior, como NotComplex (onset). Propomos, portanto, com base em Hammond (1999), Bonilha (2004) e McCarthy & Prince (1999), as restrições em (11) para explicitar a aquisição das seqüências sc do inglês por falantes nativos do português 8. (11) Not Complex Onset: onsets complexos não são permitidos. *sc: proibindo onsets formados pela seqüência fricativa + plosiva. *sn: proibindo onsets formados pela seqüência fricativa + nasal. *sl: proibindo onsets formados pela seqüência fricativa + líquida. DEP I/O (Dependency Input/Output): segmentos do output devem ter correspondentes no input. MAX I/O (Maximality Input/Output): segmentos do input devem ter correspondentes no output. IDENT I/O: os segmentos do input e do output possuem correspondência nos valores dos traços. Partindo, então, da hierarquia da língua materna, disposta em (12), o aprendiz, ao entrar em contato com os dados do inglês, aciona as restrições de marcação *sc, *sn e *sl que ficarão ranqueadas acima na hierarquia, conforme (13), proibindo, em um primeiro momento, a realização dessas seqüências. (12) H LM : Max I/O >> Dep I/O, Ident I/O >> Not Complex Onset 8 Deve-se salientar que o uso de restrições como *sc pode ocasionar a perda de detalhes fornecidos por uma análise que considere o desmembramento de uma restrição desse tipo. 11

(13) H LE : *sc, *sn, *sl >> Max I/O >> Dep I/O, Ident I/O >> Not Complex Onset O tableau, em (14), demonstra os outputs escolhidos com base na hierarquia em (13). 12

(14) /spa/ *sc, *sn, Max I/O Dep I/O, Not Complex *sl Ident I/O Onset a-) [spa] *! * b) [pa] *! c-) [ispa] * /smile/ a) [smile] *! * b) [mile] *! c) [ismile] * /snow/ a) [snow] *! * b) [now] *! c) [isnow] * /slow/ a) [slow] * * b) [low] *! c) [islow] * Como pode-se observar, em (14), o alto ranqueamento das restrições de marcação que proíbem a realização das seqüências sc do inglês 9 provoca a emergência de outputs com inserção do segmento [i], pois é preferível, com base nessa gramática da interlíngua, violar as restrições de fidelidade que estão ranqueadas mais abaixo. De acordo com Vinhas, Soares, Farias e Bonilha (2004), a aquisição das codas simples do inglês, evidenciam uma relação de dominância entre Max I/O e as demais restrições de fidelidade Ident I/O e Dep I/O -, tendo em vista que a estratégia de reparo de apagamento muito pouco é aplicada na aquisição das codas simples. O mesmo pode ser constatado na 9 Todas as restrições foram agrupadas na mesma coluna por uma questão de simplificação do tableau, representando, portanto, que todas compartilham estrato. O mesmo pode ser estendido às restrições de fidelidade Dep I/O e Ident I/O. 13

aquisição das seqüências sc. Deve-se salientar que, em acordo com o que propõem as autoras, a relação de dominância entre Max I/O se estabelece conforme uma gramática probabilística (Hayes & Boersma, 1999), permitindo que seja possível algumas ocorrências, ainda que em número muito restrito, da estratégia de apagamento. A preferência pelo uso da estratégia de inserção - violação de Dep I/O em detrimento da estratégia de substituição - violação de Ident I/O ocorre não por uma possível relação de dominância entre as restrições de fidelidade, mas pela militância da hierarquia da língua materna que não apresenta codas [k], [p] e [t], mas apresenta coda [z], quando tal constituinte precede segmentos [+sonoros]. Tendo por base os dados analisados no presente trabalho e a hierarquia de marcação proposta em (10), sugerimos as hierarquias de interlíngua, evidenciadas em (15), para explicitar o processo de aquisição das seqüências sc por falantes nativos do português. (15) H LE2 : *sc, *sn >> Max I/O >> Dep I/O, Ident I/O >> Not Complex Onset, *sl H LE3 : *sc >> Max I/O >> Dep I/O, Ident I/O >> Not Complex Onset, *sn, *sl H LE4 : Max I/O >> Dep I/O, Ident I/O >> Not Complex Onset, *sn, *sl, *sc A aplicação da OT aos dados analisados tornou possível explicitar a aquisição das seqüências sc do inglês pelo acionamento de restrições de marcação e pela interação das mesmas com as restrições de fidelidade militantes na hierarquia da língua materna. Também foi possível propor uma hierarquia de marcação para os onsets do inglês constituídos por dois e três elementos que apresentam a seqüência sc. Tal hierarquia tem por base o Princípio de Seqüência de Sonoridade, o ordenamento na aquisição das seqüências sc por falantes nativos do português e as estratégias de reparo aplicadas pelos aprendizes. 14

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. BISOL, Leda. A sílaba e seus constituintes. In: NEVES, Maria Helena de M. (org). Gramática do Português Falado., v.vii. Campinas: Editora da Unicamp, 1999. 2. BONILHA, Giovana F. G. Aquisição fonológica do português: uma abordagem conexionista da Teoria da Otimidade. Tese (Doutorado em Letras). Porto Alegre: PUCRS, 2004. 3. BONET, E.; MASCARÓ, J. On the representation of constrasting rhotics. Unpublished ms. Universidade Autônoma de Barcelona, 1996. 4. CAGLIARI, Aline. A produção dos encontros consonantais sc do Inglês por falantes nativos do português brasileiro. Dissertação (Mestrado em Letras). Porto Alegre: UFRGS, 2001. 5. CLEMENTS, Nick. The role of the sonority cycle in core syllabification. In: KINGSTON, J. e BECKMAN, M. (Org.) Papers in laboratory phonology I: Between the grammar and physics of speech. New York: Cambridge University Press, 1990. 6. GIERUT, Judith; CHAMPION, Annette. Learning and the representation of complex onsets. In: GREENHILL, A. et al. (org.), BUCLD 23 Proceedings, p. 196 203, 1999. 7. HAMMOND, Michael. The Phonology of English. New York: Oxford, 1999. 8. HAYES, Bruce; BOERSMA, Paul. Empirical Tests of the Gradual Learning Algorithm. ROA, 1999. 9. JENSEN, John. English phonology. Amstersam: John Benjamins Publishing Company, 1993. 10. KIPARSKY, Paul. Metrical structure assignment is cyclic. Linguistic Inquiry, 10, p. 421 441, 1979. 11. McCARTHY, John; PRINCE, Alan S. Faithfulness and identity in Prosodic Morphology. In: KAGER, René. et al. (org.) The prosody-morphology interface. New York: Cambridge University Press, 1999. 15

12. VINHAS, Luciana; MESQUITA, Michel; BONILHA, Giovana. Aquisição de estruturas silábicas complexas por aprendizes de inglês como língua estrangeira. Trabalho apresentado na XV Semana de Letras. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, Jun, 2004. 13. VINHAS, Luciana; FARIAS, Miriam; SOARES, Alícia; BONILHA, Giovana. A aquisição do inglês como língua estrangeira: acionamento de restrições potenciais. Trabalho apresentado no III FILE. Pelotas: UCPEL, set, 2004. 16