160 Entrevista com a Professora Ivani Catarina Arantes Fazenda por Professora Eliana Márcia dos Santos Carvalho Ivani Catarina Arantes Fazenda Atualmente é professora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora associada do CRIE (Centre de Recherche et intervention educative) da Universidade de Sherbrooke Canadá. Tem graduação em Pedagogia pela Universidade de São Paulo, Mestrado em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Doutorado em Antropologia pela Universidade de São Paulo e Livre Docência em Didática pela UNESP. É membro do comitê científico da revista E. Curriculum da PUC/SP, membro fundador do Instituto Luso-Brasileiro de Ciências da Educação Universidade de Évora/Portugal. Preside o conselho editorial de duas coleções de livros da Editora Papiros e Três, das Edições Loyola. Membro da Academia Paulista de Educação. Coordena o GEPI Grupo de Estudos e Pesquisas em Interdisciplinaridade www.pucsp.br/gepi, filiado ao CNPq e outras instituições internacionais. Eliana Márcia dos Santos Carvalho Doutora e Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem LAEL da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Pósdoutoranda em Educação: Currículo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
161 sob a supervisão da Prof.ª Dr.ª Ivani Fazenda. Atualmente é Professora Adjunta da Universidade do Estado da Bahia UNEB/Campus VI Caetité BA. RESUMO Para falar sobre as Práticas interdisciplinares de Sala de Aula o Professor Rogério da Costa Neves, do Curso de Mestrado Profissional em Práticas da Educação Básica do Colégio Pedro II, trouxe a Prof.ª Dr.ª Eliana Carvalho para entrevistar a Prof.ª Dr.ª Ivani Fazenda, uma das maiores autoridades em interdisciplinaridade e autora de muitos livros sobre o tema. Com a palavra, Prof.ª Eliana: Já passava de meio dia, hora que marcava o início da aula de francês, e nós em pé, esperávamos na porta de uma das salas de aula da PUC-SP, agoniados pelo atraso e esperando uma turma sair para que pudéssemos começar as atividades. Alguns colegas já reclamavam da demora. Então, eu abri a porta devagarinho e perguntei: quem é o professor que está aí? e a resposta: Ivani Fazenda. O coração disparou. Nunca imaginei encontrar a autora dos livros que eu utilizava com os meus alunos, assim naquela circunstância. Ansiosa, aguardei a saída da turma e me apresentei. Ela me ouviu e me acolheu num grato e caloroso abraço no qual permaneço abrigada até os dias de hoje. Na semana seguinte, lá estava eu às nove horas para participar da aula da Professora que é uma das principais estudiosas da Interdisciplinaridade no Brasil. Tive a honra de tê-la em minha banca de defesa de tese e atualmente a tenho como supervisora do pós-doutorado. A cada aula uma certeza de que as pesquisas desenvolvidas sob a orientação desta pesquisadora constituem um grande diferencial na educação brasileira, o que ocasiona o surgimento de uma nova maneira de trabalhar com o outro. Os profissionais da educação por vezes são expostos a algumas linhas de pensamento que os levam a modificar seu jeito de trabalhar: Educação Libertadora, Construtivismo, Educação Bancária, Interdisciplinaridade, são algumas dessas linhas que os professores precisaram lidar nos últimos anos para desenvolver o seu trabalho de maneira atualizada. Muito se tem falado a respeito da interdisciplinaridade no Brasil: O que é? Como se faz? Quais são os aspectos necessários para que ela se torne efetiva? É necessário envolver toda a escola? Estes são alguns questionamentos que os estudiosos deste tema sempre precisam responder. A Entrevista que se segue apresenta as ideias da Prof.ª Dr.ª Ivani Catarina Arantes Fazenda, uma das maiores autoridades em interdisciplinaridade da atualidade. Com formação em Filosofia, Antropologia e Didática e imbuída de base teórica advinda dos campos da Sociologia, Psicologia, Antropologia e Educação, esta estudiosa que é autora de mais de trinta livros, estabeleceu os princípios da interdisciplinaridade necessários para o desenvolvimento de atividades educacionais. Ela vê a interdisciplinaridade como uma questão de atitude diante do problema do conhecimento (Fazenda, 1979:71). Desenvolvendo pesquisas sobre esta abordagem educacional desde os anos 60, ela alia seus estudos a nomes do cenário nacional como Hilton Japiassu e internacional como Ives Lenoir e Basarab Nicolesco (França), Antônio Nóvoa e Olga Pombo (Portugal), entre outros. Vejamos:
162 Eliana: Há uma enorme curiosidade e mais especificamente, uma necessidade de uma definição pronta, objetiva, exata para a Interdisciplinaridade. O que a Professora diz sobre isso? Prof.ª Dr.ª Ivani Fazenda: Histórica e socialmente o termo interdisciplinaridade parte da polissemia que o envolve, buscando em alguns de seus pesquisadores aspectos contidos na diversidade cultural que envolve definições múltiplas, conceitos variados e resultados aferidos a partir das configurações assumidas quando tratamos da questão formação de professores para a Escola que queremos. Se definirmos Interdisciplinaridade como junção de disciplinas, cabe pensar currículo apenas na formação de sua grade. Porém, se definirmos Interdisciplinaridade como atitude de ousadia e busca frente ao conhecimento, cabe pensar aspectos que envolvem a cultura do lugar onde se formam professores. Mas, posso lhe afirmar que o conceito de interdisciplinaridade é muito mais amplo. Eliana: A Professora quer dizer que é possível abordar outros aspectos do conceito do termo interdisciplinaridade no campo educacional? Prof.ª Dr.ª Ivani Fazenda: Sim. Na medida em que ampliamos a análise do campo conceitual da Interdisciplinaridade, surge a possibilidade de explicitação de seu espectro epistemológico e praxeológico. Somente então, torna-se possível falar sobre o professor e sua formação, e dessa forma no que se refere a disciplinas e currículos. Eliana: Então como podemos definir a interdisciplinaridade quando a intenção é formar professores? Prof.ª Dr.ª Ivani Fazenda: Servindo-nos, por exemplo, de uma definição clássica produzida em 1970 pelo CERI Centro para Pesquisas e Inovação do Ensino órgão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - (Documento CERI/HE/SP/7009) onde Interdisciplinaridade é definida como interação existente entre duas ou mais disciplinas, verificamos que tal definição pode nos encaminhar da simples comunicação das ideias até a integração mútua dos conceitos chave da epistemologia, da terminologia, do procedimento, dos dados e da organização da pesquisa e do ensino, relacionando-os. Tal definição, como se pode constatar, é muito ampla, portanto não é suficiente nem para fundamentar práticas interdisciplinares e nem para pensar-se uma formação interdisciplinar de professores. Eliana: Acredito que ainda há sutilezas relacionadas aos conceitos de interdisciplinaridade. É possível decodificar cientificamente este termo? Prof.ª Dr.ª Ivani Fazenda: Podemos proceder a uma decodificação na forma de conceber a Interdisciplinaridade. Fourez (2001) fala-nos de duas ordens distintas, porém complementares, de compreender uma formação interdisciplinar de professores: uma ordenação científica e uma ordenação social. A científica nos conduzirá à construção do que denominaríamos saberes interdisciplinares. A organização de tais saberes teria como alicerce o cerne do conhecimento científico do ato de formar professores, tais que a estruturação hierárquica das disciplinas, sua organização e dinâmica, a interação dos artefatos que a compõem, sua mobilidade conceitual, a comunicação dos saberes nas sequências a serem organizadas. Essa
163 proposição conduzirá à busca da cientificidade disciplinar e com ela o surgimento de novas motivações epistemológicas, de novas fronteiras existenciais. Eliana: E as disciplinas, como devem ser trabalhadas na abordagem interdisciplinar? Prof.ª Dr.ª Ivani Fazenda: Cada disciplina precisa ser analisada não apenas no lugar que ocupa ou ocuparia na grade, mas, nos saberes que contempla, nos conceitos enunciados e no movimento que esses saberes engendram, próprios do seu lócus de cientificidade. Essa cientificidade então originada das disciplinas ganha status de interdisciplinar no momento em que obriga o professor a rever suas práticas e a descobrir seus talentos, no momento em que ao movimento da disciplina seu próprio movimento for incorporado. Eliana: Anteriormente, a Professora falou em duas ordens para compreender a Interdisciplinaridade. Qual seria segunda? Quais os seus objetivos? Prof.ª Dr.ª Ivani Fazenda: A segunda, então denominada ordenação social, busca o desdobramento dos saberes científicos interdisciplinares às exigências sociais, políticas e econômicas. Tal concepção coloca em questão toda a separação entre a construção das ciências e a solicitação das sociedades. No limite, diríamos mais, que esta ordenação tenta captar toda a complexidade que constitui o real e a necessidade de levar em conta as interações que dele são constitutivas. Estuda métodos de análise do mundo em função das finalidades sociais, enfatiza os impasses vividos pelas disciplinas científicas em suas possibilidades de sozinhas enfrentarem problemáticas complexas. Eliana: Sabemos que as suas ideias sobre a interdisciplinaridade educacional são compartilhadas com estudiosos de outros países. É possível citar um deles em particular? Prof.ª Dr.ª Ivani Fazenda: Sim, claro. Dentre outros parceiros da pesquisa interdisciplinar, cito o Professor Yves Lenoir, Professor Titular da Université de Sherbrooke (Québec Canadá). A respeito da primeira ordenação, a científica, diríamos que este estudioso em 2001 afirma que a cientificidade revelada no trabalho interdisciplinar estaria em conformidade com uma cultura eminentemente francófona na qual o saber se legitima pela beleza e capacidade de abstração um saber/saber. Ainda apropriando-nos dos escritos de Lenoir (2001), diríamos que a segunda classe de ordenação social, se aproximaria mais de uma cultura de língua inglesa na qual o sentido da prática, impõe-se como forma de inserção cultural, essencial e básica saber fazer. Duas culturas diferentes, duas formas diferenciadas de conceber conhecimento e organizar seus currículos de formação de professores. Porém, Lenoir aponta para o surgimento de uma terceira cultura legitimada como a do saber ser. Refere-se a uma forma brasileira de formar professores. Sua conclusão fundamentase na análise de estudos e pesquisas sobre Interdisciplinaridade na formação de professores produzidos no Brasil. Sem abdicarem das duas anteriores, estas pesquisas apresentam um denominador comum: a busca de um saber ser interdisciplinar. Essa busca explicita-se na inclusão da experiência docente em seu sentido, intencionalidade e funcionalidade, diferenciando o contexto científico do profissional e do prático. (Lenoir, Fazenda 2001). Abarcar a questão da experiência docente nessa tríplice dimensão: do sentido, da intencionalidade e da funcionalidade,
164 requer cuidados de diferentes ordens (Fazenda, 2002). Cuidados nas pré-suposições teóricas, investigando os saberes que referenciam a formação de determinado professor, cuidados ao relacionar esses saberes ao espaço e tempo vivido pelo docente, cuidados no investigar os conceitos por ele aprendidos que direcionaram suas ações e finalmente cuidados em verificar se existe uma coerência entre o que se diz e o que se faz. Para melhor compreendermos o significado dessa ordenação brasileira que poderíamos denominar internacional, precisaríamos adentrar em aspectos teórico/práticos apenas emergentes nas pesquisas sobre interdisciplinaridade e em outros um pouco mais aprofundados na produção brasileira. Estamos nos referindo a questões como: estética do ato de apreender, espaço do apreender, intuição no ato de apreender, design do projetar, tempo de apreender, importância simbólica do apreender. Eliana: Os seus estudos apontam cinco pilares (1979, 1982) que constituem a ordenação interdisciplinar brasileira. Fale-nos um pouco sobre eles. Prof.ª Dr.ª Ivani Fazenda: No Brasil, a palavra interdisciplinaridade encontra singularidade por trazer em seu conceito o lado afetivo do ensino. Respeito, coerência, humildade, desapego e espera, são mais do que pilares interdisciplinares. São ações que devemos buscar praticar diariamente em sala de aula e fora dela, a fim de viver a interdisciplinaridade plenamente. Essas ações constituem o saber-ser a que Lenoir se refere quando trata da educação brasileira. Elas buscam estabelecer uma conexão entre o pensar, o sentir e o agir dos indivíduos envolvidos na ação educativa (Fazenda, 1979, 82). Assim temos o primeiro pilar, a coerência. Com mais clareza, afirmo que para agir interdisciplinarmente, é necessário praticar a Humildade nas ações de interação (troca), pesquisa, saberes, senso crítico; a Espera no processo de construção do saber, na subjetividade; o Desapego na interação, transformação; o Respeito na interação, ética, senso crítico, transformação e no tempo de cada um. Quando os profissionais da educação conseguem trabalhar vivenciando estes aspectos, a interdisciplinaridade acontece de forma espontânea e prazerosa para todos os envolvidos e o resultado do processo ensino-aprendizagem pode ser observado na atitude integradora executada. QUER SABER MAIS? Bibliografia Básica LENOIR, Rey, Fazenda 2001, Les fondaments de L interdisciplinarité dans la formation à L enseignement. Canadá, Editions Du CRP/ UNESCO FAZENDA, I. C. A Dicionário em Construção: Interdisciplinaridade. São Paulo, Editora Cortez, 2001 2003. Interdisciplinaridade: Qual o sentido? Paulus São Paulo 1994. Interdisciplinaridade: História, teoria e pesquisa. Papirus Editora. São Paulo
165 2015. O que é Interdisciplinaridade? Editora Cortez, São Paulo 1989. Metodologia da Pesquisa Educacional. 12ª edição. Cortez Editora. São Paulo. 1991. Interdisciplinaridade: Um projeto em parceria. 6ª edição. Edições Loyola. São Paulo 2011. (org.) Didática e Interdisciplinaridade. 17ª edição. Papirus Editora. São Paulo 1991. (org.) Práticas Interdisciplinares na Escola. Editora Cortez, São Paulo 1979. Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: efetividade ou ideologia. Edições Loyola, São Paulo PINEAU, G 2002. Les Histoires de Vie, PUF, Paris e outros Chemins de formation au fil Du temps, n.6 Les écritures de soi, Université de Nantes, 2003 TORRE, S 2007. Transdisciplinaridad Y Ecoformation uma nueva mirada sobre la Educacion. Editorial Universitas, Espanha