PROJETO DE LEI Nº 186/2007 Deputado(a) Raul Carrion



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Transcrição:

DIÁRIO OFICIAL DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA Porto Alegre, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008. 1 Deputado(a) Raul Carrion Dispõe sobre a preservação do patrimônio histórico e cultural de origem africana e afro-brasileira no Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências. Art. 1º A preservação do patrimônio histórico e cultural de origem africana e afro-brasileira, no âmbito do Rio Grande do Sul, dar-se-á conforme o disposto nesta Lei. Art. 2º Considera-se patrimônio histórico e cultural de origem africana e afro-brasileira toda manifestação, produção ou obra de natureza material e imaterial que tenha referência com a identidade, a ação, o modo de vida ou a memória dos povos que possuem essa origem, nas quais se incluem: I - as formas de expressão e celebração; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as obras, objetos, documentos, monumentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticas e culturais; e IV - os conjuntos urbanos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos e dos antigos terreiros de cultos afro-brasileiros. Art. 3º A preservação do patrimônio de origem africana e afro-brasileira realizar-se-á por meio de: I - tombamento de bens móveis e imóveis; II - levantamento, inventário, catálogo, registro, recolhimento e, se for o caso, restauração das obras, dos monumentos, dos objetos e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural; III - reparo, recuperação e proteção de documentos; IV - conservação das áreas reconhecidamente de interesse histórico, cientifico e cultural; V - criação de mecanismos que impeçam a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico e artístico; VI - por outras formas de acautelamento e preservação julgadas convenientes e necessárias pelos órgãos institucionalmente responsáveis. 1º Para efeitos deste artigo, fica instituído o cadastro de bens móveis e imóveis de interesse histórico e cultural, com o objetivo de identificar bens com essas características; 2º Consideram-se como documentos toda forma de expressão escrita, tal como cartas, certidões, livros, fotografias, mapas, desenhos e assemelhados. Art. 4º Fica instituído pelo Poder Público o cadastro de bens culturais de origem africana e afrobrasileira, de natureza imaterial, constituído de gravações sonoras de depoimentos, filmes, fotos ou outros tipos de registros que se prestem a perpetuar as formas de expressão ou vida destes povos. Art. 5º O Poder Público instituíra campanhas de promoção à doação de documentos particulares aos acervos estaduais; Art. 6º Os bens móveis e imóveis de origem africana e afro-brasileira que forem designados parados na forma da legislação pertinente, observarão, especialmente, a Lei n.º 7.231, de 18 de dezembro de 1978 e o Decreto n.º 31.049, de 12 de janeiro de 1983.

DIÁRIO OFICIAL DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA Porto Alegre, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008. 2 Art. 7º Esta Lei poderá ser regulamentada para garantir a sua execução. Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Sala das Sessões, em 14 de maio de 2007. Deputado(a) Raul Carrion JUSTIFICATIVA O projeto em tela visa preservar o patrimônio histórico e cultural de origem africana e afro-brasileira, no âmbito do Rio Grande do Sul, considerada assim toda manifestação, produção ou obra de natureza material e imaterial que se refira à identidade, à ação, ao modo de vida ou à memória dos povos que possuem essa origem. A presença negra no Estado está nas lendas e na própria história gaúcha, que nos momentos de paz ou de peleias, sempre contou com a participação e o testemunho dos afro-brasileiros. Desta forma, não se justifica que até o presente momento não tenhamos sob proteção o patrimônio histórico e cultural legado por essa tão importante etnia. É importante ressaltar que a nossa capital já possui uma Lei neste sentido, a LC n.º 495, de 28 de outubro de 2003, de autoria deste Deputado, quando vereador de Porto Alegre. Entendemos que é necessária uma lei específica para a preservação do patrimônio histórico e cultural do povo negro pois por desprezo, racismo ou subestimação estes bens sofrem de uma sistemática falta de cuidado, além de verificarmos uma ausência de monumentos, logradouros, museus, que reverenciam esse tema. Segundo dados do Observatório Afrobrasileiro, no ano de 2000, em todo o Rio Grande do Sul viviam quase 1,3 milhões de negros e negras, sendo que a maior cidade negra, em termos do tamanho da população era a capital, Porto Alegre, abrigando mais de 225 mil afro-brasileiros, seguida de Pelotas, Caxias do Sul e Santa Cruz do Sul. Mas sem dúvida, a pequena cidade de Lageado do Bugre, com 73% da sua população negra, era o município gaúcho com maior percentual de afro-brasileiros do Estado. A cartilha O Negro no Rio Grande do Sul, elaborada pelo Ministério da Cultura, pela Fundação Cultural Palmares e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN, nos traz um breve relato sobre a colonização do Rio Grande do Sul, que oficialmente começou em 1737, mas que desde o século anterior já contava com a presença negra no pampa. Os negros participaram da fundação da Colônia do Sacramento em 1680, perto de Montevidéu. Tomaram parte na fundação de Laguna, em Santa Catarina, em 1684. Integraram a frota de João de Magalhães em 1725, indo por terra de Laguna a São José do Norte, na primeira expedição de exploração de nosso Estado. Encontramos os negros na Guerra Guaranítica, em 1750, e nos conflitos de fronteira com os castelhanos, na década de 1770, como lanceiros, em ação militar. Os encontramos, também, como mão-deobra escravizada nas lavouras de trigo de açorianos e portugueses, na Feitoria do Linho-Cânhamo de Canguçu (1783-89) e em São Leopoldo (1789-1824). Foi através da produção de charque que a mão-de-obra escravizada passou a ingressar de maneira significativa no território gaúcho, consolidando o sistema escravista no Brasil Meridional. Há registros de

DIÁRIO OFICIAL DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA Porto Alegre, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008. 3 charqueadas com mais de 100 escravos como a de Eugenia Ferreira da Conceição (179); Antônio José da Silva Maia (116); Barão de Buthuy (142) e outros [Assumpção, 1995]. Além da produção de charque, a mão-de-obra negra alavancou a agricultura e o trabalho nas estâncias, o que levou os negros a totalizarem 30% da população da Província em 1780 e 40% em 1814. Nessa época, os negros eram 51% da população de Piratini e 60% de Pelotas. Essa tendência ao crescimento da população negra foi refreada com o início da imigração alemã, em 1824, e italiana, em 1875, quando verifica-se um aumento da população branca e, como conseqüência, uma redução do percentual da população negra no Rio Grande do Sul. A produção das charqueadas executada pelo trabalho escravo em condições terríveis em razão das condições climáticas, precariedade de infra-estrutura e brutalidade do regime escravocrata era tão importante que em 1861 o charque contribuiu com 37,7% do total da exportação do Rio Grande do Sul, e os couros com 37,2% do total. Portanto, juntos somavam 75% da produção enviada para fora da Província. A relação entre o trabalho forçado dos negros e o funcionamento das charqueadas era tal que, na medida em que se aproximava a Abolição, também diminuía o número de charqueadas. Por exemplo, no município de Pelotas, de um total de 34 charqueadas existentes em 1878, permaneciam apenas 21 às vésperas da Abolição e 18 dois anos depois, ocasionando a diminuição da produção de charque, acarretando problemas ao abastecimento do mercado de consumo deste produto no Sudeste. Durante a Revolução Farroupilha, a participação dos negros foi de grande importância, celebrizada nos Lanceiros Negros, que tiveram um papel decisivo em todo o desenrolar dessa luta pela República e contra o Império escravista e centralizador. Os corpos de cavalaria e de infantaria dos Lanceiros Negros eram formados por negros alforriados ou por escravos libertos pela República com a condição de lutarem pela causa republicana. Destacaram-se por sua bravura e combatividade. Ao final da luta, foram traídos por alguns chefes farroupilhas e mortos em grande número pelas tropas imperiais no Massacre de Porongos. Os sobreviventes foram entregues prisioneiros à Caxias. Anos mais tarde, em 1884, os escravos foram libertados parcialmente em Porto Alegre e em Pelotas. Mas o liberto deveria continuar servindo aos donos por um período de cinco anos. Até que em 13 de maio de 1888, o Brasil declarou definitivamente extinta a escravidão, através da chamada Lei Áurea. Nesse então, abandonado à própria sorte, o negro do Rio Grande do Sul lutou pela sobrevivência e procurou manter suas culturas e tradições através da criação de sociedades tais como a Sociedade Floresta Aurora (1872), a Associação Satélite-Prontidão (1902), ambas centenárias, além de outros clubes. Também surgiu a imprensa negra, como o jornal O Exemplo (Porto Alegre, 1892-1930), A Alvorada (Pelotas, 1907) e outros órgãos. Em 1910, a Revolta da Chibata no Rio de Janeiro foi liderada pelo riograndense por João Cândido, celebrizado como o Almirante Negro. No decorrer desses anos, a comunidade negra criou seus primeiros núcleos, que foram a Frente Negra Brasileira e a União dos Homens de Cor. A crescente conscientização e mobilização dos afro-brasileiros em busca da cidadania levou a que em 1971, através do Grupo Palmares, fosse evocado o dia 20 de novembro data da morte de Zumbi, em 1695 como o Dia Nacional da Consciência Negra. Atualmente os afrobrasileiros se fazem representar por diversas entidades contra o racismo e a exclusão e pela permanência de suas tradições. Por tudo isso, é inegável a contribuição dos povos de origem africana para o desenvol-vimento sociocultural e econômico do Rio Grande do Sul. Profundas são as marcas deixadas pela raça negra na dança, na música e nos esportes (samba, capoeira), passando pelas figuras de linguagem, pelos costumes alimentares, obras e construções por eles edificadas, o carnaval e a mais recente manifestação da periferia, o hip hop. Múltiplos são os personagens que conquistaram expressão social. O povo africano, em que pesem as discriminações, integrou-se aos demais que para aqui foram trazidos, formando o povo e a cultura do Rio Grande do Sul.

DIÁRIO OFICIAL DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA Porto Alegre, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008. 4 Temos o exemplo em Porto Alegre de inúmeras obras que se tornaram verdadeiros pontos turísticos da capital, como a Ponte de Pedra, construída pelos escravos junto ao atual Largo dos Açorianos; a Igreja das Dores, construída sobre um pelourinho, com todas suas lendas e sua cativante escadaria (onde os capoeiristas costumam fazer seus jogos). E a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, que foi construída pelos escravos com o objetivo de ali efetuarem seus cultos religiosos. Necessário, portanto, preservar-se o conjunto desse patrimônio, como forma de se fazer justiça. Com bases nesses argumentos não se pode mais negar a tutela do Estado ao vasto patrimônio histórico e cultural construído pelo povo negro. Por esta razão aguardamos com otimismo a acolhida da matéria pelos Senhores e Senhoras Deputados. Sala das Sessões, em 14 de maio de 2007. Deputado(a) Raul Carrion COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA Processo nº 20511.01.00/07-0 Proponente: Deputado(a) Raul Carrion Ementa: Dispõe sobre a preservação do patrimônio histórico e cultural de origem africana e afro-brasileira no Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências. Relator(a): Deputado(a) Giovani Cherini Parecer: Favorável, c/emenda(s). PARECER DA COMISSÃO Nº 2/2008 Vem a esta Comissão de Constituição e Justiça, para exame e parecer, o Projeto de Lei nº 186/07, de autoria do nobre deputado Raul Carrion, que Dispõe sobre a preservação do patrimônio histórico e cultural de origem africana e afro-brasileira no Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências. A proposição visa preservar o patrimônio histórico e cultural de origem africana e afro-brasileira, no âmbito do Rio Grande do Sul, considerada assim toda manifestação, produção ou obra de natureza material e imaterial que se refira à identidade, à ação, ao modo de vida ou à memória dos povos que possuem essa origem. O autor destaca na justificativa que a presença negra no Estado está nas lendas e na própria história gaúcha, que, nos momentos de paz ou de peleias, sempre contou com a participação e o testemunho dos afro-brasileiros. Desta forma, não se justifica que até o presente momento não tenhamos sob proteção o patrimônio histórico e cultural legado por essa tão importante etnia. Em Porto Alegre já existe uma Lei neste sentido, a Lei Complementar n.º 495, de 28 de outubro de 2003, de autoria do Deputado Raul Carrion quando vereador desta Capital. A Constituição Federal estabelece, nos incisos III, IV e V do artigo 23, que a proteção de bens culturais é competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios:

DIÁRIO OFICIAL DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA Porto Alegre, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008. 5 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:... III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; Assim, não restam dúvidas acerca da competência Estadual para propor a presente proposição. Entretanto, com objetivo de contribuir com a tramitação do presente Projeto, proponho emendas ao 1º do art. 3º, caput do art. 4º e caput do art. 5º, para sanar vícios de constitucionalidade e juridicidade, retirando o caráter executório do programa pela delegação de atribuições ao Poder Executivo, o que atrairia a incidência da norma constitucional prevista no artigo 60, inciso II, e artigo 82, inciso II, ambos da Constituição Estadual e que inviabilizaria, portanto, o trâmite da proposição. Com as emendas propostas, sendo a competência para dispor sobre o tema concorrente, o projeto acha-se amparado pelo que dispõem os incisos III, IV e V do artigo 23, inciso IX do artigo 24 e 1º do artigo 25, todos da Constituição da República Federativa do Brasil; combinados com os artigos 52, 59 e 223 da Constituição Estadual, e artigo 180, inciso II, alínea a do Regimento Interno desta Assembléia Legislativa. Ante o exposto, não existindo impedimentos de natureza constitucional, jurídica, legal e regimental, o parecer é favorável à tramitação, com emendas. Sala das Sessões, 19 de fevereiro de 2008. Deputado(a) Francisco Appio, Presidente. Deputado(a) Giovani Cherini, Relator(a). Deputado(a) Alexandre Postal Deputado(a) Ivar Pavan Deputado(a) Raul Pont Deputado(a) Adilson Troca (Suplente) Deputado(a) Adroaldo Loureiro Deputado(a) Márcio Biolchi Deputado(a) Marquinho Lang EMENDA Nº 1 Comissão de Constituição e Justiça Altera a redação do 1 do art. 3, do art. 4 e do art. 5 do PL 186/07. Fica alterado o 1 o do art. 3 o do PL 186/07, que passa a ter a seguinte redação: Art. 3 o...

DIÁRIO OFICIAL DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA Porto Alegre, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008. 6... 1 o Para efeitos deste artigo, o Poder Público poderá instituir cadastro de bens móveis e imóveis de interesse histórico e cultural.... Fica alterado o art. 4 o do PL 186/07, que passa a ter a seguinte redação: Art. 4 o Para fins desta Lei, o Poder Público poderá instituir cadastro de bens de natureza imaterial, originários da cultura africana e afro-brasileira, constituído de gravações sonoras de depoimentos, filmes, fotos ou outros meios de registro que se prestem a perpetuar as formas de expressão e vida destes povos. Fica alterado o art. 5 o do PL 186/07, que passa a ter a seguinte redação: Art. 5 o O Poder Público poderá realizar campanhas de promoção à doação de documentos particulares, visando a formação de um acervo estadual de bens culturais, materiais e imateriais, de origem africana e afro-brasileira. JUSTIFICATIVA A presente emenda visa adaptar o mesmo às normas de elaboração legislativa e sanar óbices de natureza constitucional. Retirando-se da proposição o comando incidente de ações executórias que prevê atribuição de funções a outro Poder, o que infringiria a competência normativa privativa do Poder Executivo, especialmente ao disposto nos artigos 60, inciso II, alínea d e artigo 82 da Carta Magna do Estado. EMENDA Nº 2 Comissão de Constituição e Justiça Altera a redação do art. 6 do PL 186/07. Fica alterado o art. 6 o do PL 186/07, que passa a ter a seguinte redação: Art. 6 o Ao disposto nesta Lei aplicar-se-á a legislação pertinente, em especial a Lei n.º 7.231, de 18 de dezembro de 1978 e o Decreto n.º 31.049, de 12 de janeiro de 1983. JUSTIFICATIVA A presente emenda visa corrigir a redação do dispositivo, que restou truncada.