DESEMPENHO DE FALANTES DO PORTUGUÊS BRASILEIRO COM DESENVOLVIMENTO TÍPICO NO TEST OF NARRATIVE LANGUAGE Autores: GABRIELA MELLO COSTA, NATALIA FREITAS ROSSI, TAMARA LINDAU, CELIA MARIA GIACHETI, Palavras-chave: Teste de Linguagem; Narração; Linguagem infantil. INTRODUÇÃO A narração é uma tarefa complexa que envolve fatores linguísticos sintáticos, semânticos, pragmáticos e fonológicos, além de fatores cognitivos como: memória de trabalho, capacidade de monitoramento, inferências e capacidade de integrar as informações veiculadas no texto 1. A amostra da linguagem narrativa contém elementos macro-estruturais, que melhoram a organização geral da narrativa, e características linguísticas mais complexas (micro-estruturais), que aumentam ainda mais clareza narrativa 2. Dada a complexidade da linguagem necessária para narração, não é de estranhar que as crianças com déficits de linguagem e aprendizagem muitas vezes têm dificuldade em compreender e produzir narrativas. Essa dificuldade com narração pode afetar negativamente o progresso acadêmico 3,4. Posto isso, a narrativa fornece dados linguísticos excepcionalmente ricos para pesquisadores e profissionais que estão interessados em estudar as competências linguísticas de crianças no nível do discurso e, por isso, tem sido amplamente utilizada em pesquisas para identificação de subgrupos clínicos, pois é uma atividade sensível na identificação de problemas de linguagem 5,6. Como parte fundamental do processo de avaliação, temos a escolha dos instrumentos que permitirão a investigação de habilidades específicas que poderão auxiliar no diagnóstico e, mais tarde, no planejamento terapêutico 7. Essa busca pelo diagnóstico precoce e intervenção terapêutica imediata tem como objetivo minimizar o efeito do déficit da linguagem na vida social e, posteriormente, escolar da criança 8,9. Logo, ressalta-se a importância da avaliação quantitativa da linguagem, para o auxílio
ao diagnóstico precoce e início das intervenções terapêuticas, que podem ser baseadas na própria habilidade de narrativa 10-13. O Test of Narrative Language (TNL) é um instrumento internacionalmente reconhecido por investigar a aquisição de habilidades de linguagem narrativa (e.g. memória, coesão e organização textual e habilidade para formular múltiplas sentenças em torno de um tema comum), ou seja, o TNL permite mensurar a habilidade de crianças em reter informações e criar suas próprias histórias 14. Os principais usos do TNL são: (1) identificar crianças com alterações de linguagem; (2) determinar se há discrepância entre as habilidades de compreensão e produção oral da narrativa; (3) documentar o progresso da narrativa como resultado de intervenção da linguagem e (4) mensurar o nível da narrativa dos sujeitos em pesquisas 14. Dada à aplicabilidade deste instrumento no contexto de avaliação, acredita-se que a aplicação em falantes do Português Brasileiro com desenvolvimento típico de linguagem poderá oferecer importantes subsídios sobre a aplicabilidade da versão adaptada para a nossa cultura linguística, e também futura comparação com grupos de diferentes patologias. OBJETIVOS O objetivo deste estudo foi investigar o desempenho de crianças falantes do português brasileiro, com desenvolvimento típico de linguagem, na versão brasileira do Test of Narrative Language,. MATERIAL E MÉTODOS O presente estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, sendo parte da dissertação de mestrado em andamento do primeiro autor. Sujeitos
Participaram deste estudo 100 indivíduos com desenvolvimento típico de linguagem, de ambos os gêneros, com idade cronológica entre cinco anos e 11 anos e 11 meses, sendo divididos em cinco faixas etárias, a saber: Grupo I (GI): 20 sujeitos de 06 anos a 06 anos e 11 meses; Grupo II (GII): 20 sujeitos de 07 anos a 07 anos e 11 meses; Grupo III (GIII): 20 sujeitos de 08 anos a 08 anos e 11 meses; Grupo IV (GIV): 20 sujeitos de 09 anos a 09 anos e 11 meses e Grupo V (GV): 20 sujeitos de 10 anos a 10 anos e 11 meses. Ressalta-se que cada grupo foi formado por 10 meninos e 10 meninas. Os participantes foram selecionados nas Escolas Municipais e os critérios de inclusão para esta pesquisa foram: (a) autorização dos responsáveis mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e concordância da criança, (b) história negativa de alteração visual, auditiva, sensorial e/ou neuropsicomotora, (c) desenvolvimento normal de linguagem e aprendizagem, apontado pelos professores e confirmado pela avaliação fonoaudiológica que antecedeu a aplicação do teste. Procedimento O Test of Narrative Language foi traduzido e adaptado para o Português Brasileiro 15. O TNL é composto por seis tarefas: três de compreensão ( História da Lanchonete, História do Naufrágio e História do Dragão ) e três de produção da narrativa (Recontagem da História da Lanchonete, O Menino Atrasado e História dos Alienígenas ), sendo que as tarefas avaliam as habilidades de compreender e contar histórias em três formatos: (1) sem figuras, (2) com sequencia de cinco figuras e (3) com apenas uma figura. Para avaliação, toda a aplicação do teste foi filmada e, posteriormente, as narrativas orais foram integralmente transcritas para pontuação e registro na folha de resposta do teste. Para cada subteste existe uma pontuação, obtendo-se o escore bruto, que representa uma estimativa global do desenvolvimento da habilidade narrativa de compreensão e produção. As escalas de pontuações de compreensão e produção são somadas para formar a pontuação geral. Para análise do desempenho dos participantes foi utilizado os escores brutos totais de compreensão e de produção da narrativa oral.
Análise dos dados Foi realizada a análise estatística descritiva para estabelecer a média e desvio padrão dos escores obtidos nas tarefas de compreensão e produção da narrativa e dos respectivos escores brutos. A análise estatística inferencial para fins de comparação dos grupos etários foi realizada por meio do teste de Análise de Variância Simples (One Way ANOVA). O valor de significância adotado foi de p<5% ou p<0,05. As análises foram realizadas utilizando o teste estatístico Minitab 16. RESULTADOS Como resultado tem-se que o tempo médio de aplicação do teste foi de 25 minutos e observou-se que, no geral, o tempo de avaliação das crianças mais novas foi maior, pois, em alguns momentos, faziam interferências durante a aplicação para relatar experiências pessoais relacionadas à história. Em relação à compreensão de histórias foi observado que o subteste de maior dificuldade foi a História do Dragão, por ser uma história mais extensa e complexa. Quanto à produção, foi observado que o subteste de maior dificuldade foi a História dos Alienígenas, no qual a criança deveria produzir a história com o apoio de apenas uma figura. A Tabela 1 apresenta o desempenho de cada grupo etário nos subtestes de compreensão e produção da narrativa oral. Nota-se que foi encontrada diferença estatisticamente significante para todos os subtestes de compreensão e produção da versão adaptada do TNL, na comparação dos grupos etários. <TABELA 1> DISCUSSÃO
Nesse estudo, propôs-se investigar o desempenho de falantes do português brasileiro com desenvolvimento típico de linguagem no Test of Narrative Language. Na literatura é possível identificar diferentes métodos de eliciação de narrativa nos estudos com crianças, com desenvolvimento típico e também atípico de linguagem 16-18, porém, ainda há significativa escassez de instrumentos sistemáticos para fins de investigação do desempenho na narrativa oral, principalmente no Brasil. Nessa direção, o TNL é um instrumento formal de avaliação na narrativa oral e que permite não somente estabelecer parâmetros da habilidade de narrar, como também o olhar para essa habilidade tanto pela compreensão quanto pela produção, o que justifica os esforços dispendidos para obtermos dados sobre o desempenho de falantes do Português Brasileiro nesse teste. Os resultados da comparação entre os grupos etários de seis a 10 anos apontaram para diferenças com significância estatística entre os mesmos, quando avaliados por meio da versão adaptada para o português brasileiro do teste TNL (Tabela 1), o que sugere que o teste pode vir a ser um importante instrumento formal a ser utilizado nos estudos com narrativa oral no Brasil. Nota-se pelas médias dos escores brutos apresentados que quanto maior a idade do grupo etário melhor o desempenho deste, dados que corroboram com achados da literatura que consideram a narrativa uma habilidade adquirida gradualmente 19-24. Isto é, com o passar dos anos a criança passa a produzir histórias mais complexas e elaboradas por ter maior domínio das convenções da língua e da estrutura própria do esquema narrativo de história 19-24. Observa-se, ainda, pelas médias dos escores brutos apresentadas pelos grupos etários (Tabela 1) que as diferenças entre as faixas etárias fronteiriças foram relativamente sutis, o que pode ser resultado da variabilidade do desempenho nas tarefas de narrativa apresentadas pelas crianças dentro dos mesmos grupos etários. Essa variabilidade é esperada, uma vez que é sabido que a habilidade de narrar é influenciada pelo contato que a criança tem com o modelo de narrativa de histórias no contexto familiar 25-29 e escolar.
CONCLUSÃO Para uma discussão mais robusta sobre a aplicabilidade desse instrumento no contexto de avaliação da narrativa oral de falantes do Português do Brasil, com desenvolvimento típico e atípico, ainda é necessária a realização de estudos adicionais e complementares a esse. No entanto, os dados aqui reportados mostraram que o TNL é um instrumento interessante para fins de avaliação da narrativa, pois permite informar o desempenho narrativo tanto pela recepção quanto pela expressão e que pode contribuir para o preenchimento de uma lacuna relacionada à falta de procedimentos formais e sistemáticos para avaliação da narrativa no Brasil. REFERÊNCIAS 1 Brandão ACP, Spinillo AG. Produção e compreensão de textos em uma perspectiva de desenvolvimento. Estud Psicol. 2001. 6(1)51-56. 2 Spinillo AG.; Martins, ERA. Uma análise da produção de histórias coerentes por crianças. Psicol Refl Crít. 1997. 10(2):219-248 3 Gillam RB, Johnston, JR. Spoken and written language relationships in language/ learning impairment and normally achieving school-age children. J. Speech Hear. Res. dez 1992. 35(6):1303-15,
4 Newman RM, Mcgregor KK. Teachers and Laypersons Discern Quality Differences Between Narratives Produced by Children With or Without SLI. J Speech Lang Hear Res. 2006. 49(5):1022-36. 5 Muñoz ML, Gillam RB, Peña ED, Gulley-Faehnle A. Measures of Language Development in Fictional Narratives of Latino Children. Lang Speech Hear Serv Sch, 2003. 34(4):332-342. 6 Justice LM, Bowles RP, Kaderavek JN, Ukrainetz TA, Eisenberg SL, Gillam RB. The index of narrative microstructure: a clinical tool for analyzing school-age children's narrative performances. Am J Speech Lang Pathol. 2006. 15(2):177-91. 7 Giacheti CM, Rossi NF. Diagnóstico fonoaudiológico dos distúrbios da comunicação [resumo 2]. Pró-Fono Revista de Atualização Científica [Internet]. 2008 [citado 2008 out 13]; 20(Supl):4-6. [Apresentado no II Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia e Genética dos Distúrbios da Comunicação; 2008; Fortaleza, Ceará]. Disponível em: www.revistaprofono.com.br. 8 Bishop DVM, Adams C. A Prospective Study of the Relationship Between Specific Language Impairment,Phonological Disorders and Reading Retardation. J Child Psychol Psychiat. 1990. 31(7):1027-50. 9 Snowling M, Bishop DVM, Stothard SE. Is Preschool Language Impairment a Risk Factor for Dyslexia in Adolescence? J. Child Psychol. Psychiat. 2000. 41(5):587-600. 10 Schoenbrodt L, Kerins M, Gesell J. Using Narrative Language Intervention as a Tool to Increase Communicative Competence in Spanish-Speaking Children. Lang Cult Curric. 2003. 16(1):48-59. 11 Petersen DB, Gillam SL, Gillam RB. Emerging procedures in narrative assessment: The index of narrative complexity. Top Lang Disord. 2008. 28(2):111 26. 12 Giusti E, Befi-Lopes, DM. Tradução e adaptação transcultural de instrumentos estrangeiros para o Português Brasileiro (PB). Pró-Fono. 2008. 20(3):207-10. 13 Lindau TA. Adaptação transcultural do Preschool Language Assessment Instrument (PLAI-2) em falantes do português brasileiro com desenvolvimento típico de linguagem [Dissertação de Mestrado]. Marília: Universidade Estadual Paulista, Pós-Graduação em Fonoaudiologia; 2014. 14 Gillam RB, Pearson NA. Test of narrative language: Examiner s Manual. Austin, TX: Pro-Ed. (2004).
15 Rossi NF, Lindau TA, Giacheti CM. Adaptação cultural do Test of Narrative Language. (submetido) 16 Eisenberg SL, Ukrainetz TA, Hsu JR, Kaderavek JN, Justice LM, Gillam RB. Noun Phrase Elaboration in Children s Spoken Stories. Lang Speech Hear Serv Sch. 2008. 39:145 157 17 Mäkinen L 1, Loukusa S, Laukkanen P, Leinonen E, Kunnari S. Clin Linguist Phon. Linguistic and pragmatic aspects of narration in Finnish typically developing children and children with specific language impairment. 2014 Jun;28(6):413-27. 18 Mills MT, Watkins RV, Washington JA. Structural and dialectal characteristics of the fictional and personal narratives of school-age African American children. Lang Speech Hear Serv Sch. 2013 Apr;44(2):211-23. 19 Gjersing L, Caplehorn JRM, Clausen T. Cross-cultural adaptation of research instruments: language, setting, time and statistical considerations. BMC Med Res Methodol. 2010. 10:10-13. 20 Bento ACP, Befi-Lopes DM. Organização e narração de histórias por escolares em desenvolvimento típico de linguagem. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2010 out-dez; 22(4):503-8. 21 Motta AB, Enumo SRF, Rodrigues MMP, Leite L. Contar histórias: uma proposta de avaliação assistida da narrativa infantil. Inter Psicol. 2006; 10(1):157-67. 7. 22 Price JR, Roberts JE, Jackson SC. Structural development of the fictional narratives of African American preschoolers. Lang Speech Hear Serv Schools. 2006; 37(3):178-90. 23 Smith VH, Sperb TM. The construction of the narrator subject: discoursive thought in the personalist stage. Psicol Estud. 2007; 12(3):553-62. 24 Perroni MC. Desenvolvimento do Discurso Narrativo. 1983. 213 f. Tese (Doutorado) - Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1983. 25 Spinillo AG. Era uma vez e foram felizes para sempre: Esquema narrativo e variações experimentais. Temas em Psicologia. 1993. 1(1):67-77. 26 Cavalcante PA, Mandrá PP. Narrativas orais de crianças com desenvolvimento típico de linguagem. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2010. 22(4):391-6.
27 Macedo LSR e Sperb TM; O desenvolvimento da habilidade da criança para narrar experiências pessoais: uma revisão da literatura. Estudos de Psicologia 2007, 12(3), 233-241. 4. 28 McCabe A, Peterson C. Getting the story: a longitudinal study of parental styles in eliciting narratives and developing narrative skill. In: McCabe A, Peterson C, organizador. Developing narrative structure. Hillsdale: Lawrence Erlbaum Associates; 2001. p. 217-54. 29 Peterson C, McCabe A. Echoing our parents: parental influences on children's narration. In: Pratt MW, Fiese BE, organizador. Family stories and the lifecourse: across time and generations. Mahwah, NJ: Erlbaum: Allyn & Bacon; 2004. p. 27-54.
APOIO FAPESP Tabela 1 Estatística descritiva e comparativa do escore bruto nos subtestes do TNL e escore bruto total dos grupos etários. Grupo etário 6 anos 7 anos 8 anos 9 anos 10 anos p Compreensão Média DP Média DP Média DP Média DP Média DP Lanchonete 10,3 2,3 11,2 1,8 11,7 1,6 12,8 1,7 11,8 2,2 0,021 Naufrágio 9,3 1,08 9,9 1,4 10,1 0,9 10,3 0,7 10,5 0,6 0,004 Dragão 9,2 2,0 8,9 1,7 10,4 0,9 10,8 1,7 10,2 1,8 0,002 Escore Bruto 29,0 4,8 29,5 4,8 32,2 2,0 33,9 3,4 33,6 4,1 0,000 Total Produção Lanchonete 10,2 3,4 11,9 3,9 12,1 4,9 13,4 3,5 13,9 2,2 0,021 Atrasado para a 11,5 2,4 12,8 2,3 14,0 2,3 16,1 4,0 16,3 3,2 0,000 Escola Alienígenas 12,7 2,9 13,9 4,2 18,2 5,9 22,6 10,0 20,8 5,1 0,000 Escore Bruto 34,5 5,9 38,6 8,0 44,8 11,7 48,9 8,1 51,0 7,5 0,000 Total Legenda: DP = desvio padrão; p<0,05