Análise ultrassonográfica da produção de líquidas de crianças com e sem alteração fonológica

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1 Análise ultrassonográfica da produção de líquidas de crianças com e sem alteração fonológica Berti, L.; de Boer, G.; Bressmann, T. Descritores: Avaliação; Fala; Ultrassom; Crianças Introdução Crianças com alterações fonológicas apresentam erros de produção de fala que não são esperados para a sua faixa etária e estágio de desenvolvimento (1). Historicamente, a alteração fonológica é caracterizada não somente como uma dificuldade cognitiva quanto à organização e classificação dos sons que ocorrem contrastivamente na língua, como também uma dificuldade de adequação ao input recebido (2-4). No entanto, pesquisas sobre o controle motor da fala têm sugerido que crianças com alteração fonológica apresentam padrões anormais de movimento da língua. Baseado em pesquisas com o uso de eletropalografia, autores têm descrito a presença de gestos articulatórios indifenciados com largo e excessivo contato da língua contra o palato em crianças com alterações fonológicas (5-6). Posteriormente, autores (7) descreveram um fenômeno denominado articulatory drift em crianças com alterações fonológicas, caracterizado pela mudança do ponto articulatório durante a soltura de consoantes oclusivas comparativamente ao seu onset. Mais recentemente, com o uso da articulografia eletromagnética,

2 constataram-se bizarros valores cinemáticos em tais crianças, caracterizados como: valores cinemáticos aumentados comparativamente às crianças controles; aceleração reduzida, além do variável padrão de coordenação entre ponta e dorso de língua. Comumente, observou-se o uso excessivo do dorso da língua durante a produção de consoantes alveolares (8). O objetivo do presente estudo foi investigar o deslocamento da língua na produção de líquidas em crianças com e sem alteração fonológica. Hipotetizouse que as produções de crianças com alteração fonológica apresentariam (1) maior deslocamento de língua e (2) menor diferenciação de gestos articulatórios. Método O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp de Marília (0900/2010). Participaram 11 crianças com alteração fonológica (9 meninos e 2 meninas entre 5a 0m e 7 a 11m) e 9 crianças controles(2 meninos e 7 meninas), pareados de acordo com a idade e nível educacional, selecionadas por amostra de conveniência. O movimento da língua das crianças foi gravado com o uso do ultrassom portátil DP 6600, em plano sagital. A imagem foi obtida com 6.5 MHz de frequência, 120 de campo setorial e de taxa de amostragem em cabine

3 acústica. Também foi utilizado o estabilizador de cabeça durante as gravações. O estímulo de fala consistiu de 3 repetições de 5 palavras contendo os fonemas /l/, /ʎ/, /ɾ/, e /R/ no contexto da vogal /a/. Todas as 300 produções (20 participantes x 3 repetições x 5 palavras) foram editadas em arquivos individuais e julgadas por 4 juízes para classificálas como corretas ou incorretas. Após o julgamento, as produções foram agrupadas em produções controles (produções corretas das crianças típicas), produções corretas (produções corretas das crianças com alteração fonológica) e produções incorretas (erros de fala das crianças com alteração fonológica). Com o uso do software UltraCATS (9-10) foram desenhados os contornos de língua relativos à altura da língua no tocante (1) ao ponto máximo de deslocamento para a produção das líquidas e (2) à posição estacionária da língua para a produção da vogal. A fim de se comparar o deslocamento da língua de diferentes falantes, foram desenvolvidas três medidas ultrassonográficas para o deslocamento da língua: porcentagem média de deslocamento, deslocamento da porção anterior e posterior da língua. Após o alinhamento dos dados, a partir do ângulo 0, a medida de deslocamento foi calculada como uma porcentagem, dividindo os valores da altura máxima da língua (ao longo dos 25 ângulos, entre 60 posterior e 60

4 anterior) na produção das líquidas pela altura da língua na posição estacionária da vogal. A porcentagem média de deslocamento foi calculada pela média absoluta dos diferentes pontos de medida, enquanto o deslocamento das porções anteriores e posteriores da língua foram calculados considerando os valores médios da altura da língua da metade anterior e posterior, respectivamente. Cada medida foi analisada separadamente utilizando o Modelo Misto de Análise de Variância. Como efeito fixo considerou-se as quatro líquidas (/l/, /ʎ/, /r/ and /R/) e a classificação do julgamento auditivo (produção correta, produção incorreta e produção controle). Como efeito aleatório considerou-se os sujeitos e as repetições. O teste Bonferroni foi utilizado como post-hoc. Resultados A Tabela 1, abaixo, apresenta a média e o desvio-padrão das medidas de deslocamento da língua em função da classificação das produções (correta, incorreta e controle) e das líquidas alvos. Tabela 1 Porcentagem de deslocamento (média e desvio-padrão), em função da classificação das produções e líquidas. Medidas de deslocamento (%) Produções Líquidas /l/ /ʎ/ /r/ /R/ M (DP) M (DP) M (DP) M (DP)

5 Controle 5.71 (2.88) (4.14) 6.32 (2.34) 6.78 (2.24) Deslocamento Médio Deslocamento Anterior Deslocamento Posterior Correta 8.49 (4.19) (7.68) (3.09) 5.69 (2.86) Incorreta 9.98 (4.96) 8.95 (6.02) 7.35 (4.12) 6.11 (.90) Controle 6.19 (3.04) (6.37) 8.52 (4.01) 6.56 Correta 9.96 (5.67) (8.97) 8.35 (2.05) 6.39 (3.49) (4.34) Incorreta 8.42 (5.22) 8.27 (6.08) 7.79 (4.30) 5.74 (1.74) Controle 5.44 (4.47) (3.95) 4.36 (2.38) Correta 7.35 (4.65) (8.69) (3.78) 7.09 (2.87) 4.99 (2.82) Incorreta (7.79) (6.60) 7.19 (4.78) 6.96 (1.01) M=Média; DP=Desvio-Padrão A análise foi conduzida para verificar se o deslocamento da língua nas produções corretas, incorretas e as produções controles eram diferentes entre si, em função de cada líquida alvo. Considerando a porcentagem média de deslocamento, para o alvo /l/, as produções incorretas (ou seja, os erros de substituições) apresentaram uma maior porcentagem de deslocamento do que as produções corretas e as produções controle (p<0,05). Já para a líquida /ʎ/, a porcentagem média de deslocamento das produções incorretas foi menor do que as produções corretas e produções controle (p<0,05). Para a porcentagem de deslocamento da porção anterior da língua, na líquida /l/, o deslocamento anterior da língua nas produções corretas das crianças com alteração fonológica foi maior do que o deslocamento das produções

6 controle. Para a líquida /ʎ/, o deslocamento anterior dos erros (produções incorretas) foi menor do que o deslocamento nas produções corretas e nas produções controle (todos p<0,05). Finalmente, a porcentagem de deslocamento posterior da língua dos erros foi maior do que a porcentagem de deslocamento das produções corretas e controle para /l/. No caso do /ʎ/, o deslocamento posterior dos erros também foi maior do que o deslocamento das produções controle. Para /r/, as produções corretas apresentaram maior porcentagem de deslocamento posterior do que as produções controle (todos p<0,05). Tomados juntos, a primeira hipótese foi confirmada para os alvos /l/, /ɾ/ e /R/, mas não para /ʎ/. A segunda hipótese foi confirmada para os alvos /l/, /r/, /ʎ/, na medida em que houve um maior deslocamento posterior da língua nas produções das crianças com alterações fonológicas do que nas produções dos controles. Conclusão As produções das crianças com alterações fonológicas, tanto as corretas quanto as incorretas, apresentaram, de um modo geral, maior porcentagem de deslocamento do que as produções controle e um uso excessivo do dorso da língua. Os resultados confirmam os achados da literatura e sugerem a presença de uma alteração motora da fala nas crianças com alteração

7 fonológica. Referências 1. Rvachew S. Developmental phonological disorder. In: Cummings L. Communication Disorders. Cambridge: Cambridge University Press; p Grunwell P. Clinical phonological. 2 nd edition. London: Croom Helm; Shriberg LD, Kwiatkowski J. Phonological disorders I: a diagnostic classification system. J Speech Hear Disord. 1982; 47(3): Munson B, Baylis AL, Krause, MO, Yim DS. Representation and access in phonological impairment. In: X International Conference on Laboratory Phonology; 2006, June 29 July 1; Paris. Proceedings of Labphon10. Paris: France; Dent H, Gibbon F, Hardcastle B. The application of electropalatography (EPG) to the remediation of speech disorders in school-aged children and young adults. Int J Lang Commun Disord. 1995;30(2): Gibbon FE. Undifferentiated lingual gestures in children with articulation/phonological disorders. J Speech Lang Hear Res. 1999;42(2): Gibbon FE, Wood SE. Articulatory drift in the speech of children with articulation and phonological disorders. Percept Mot Skills. 2002;95(1): Goozée J, Murdoch B, Ozanne A, Cheng Y, Hill A, Gibbon F. Lingual kinematics and coordination in speech-disordered children exhibiting differentiated versus undifferentiated lingual gestures. Int J Lang Commun Disord. 2007;42(6): Gu J, Bressmann T, Cannons K, Wong W. The Ultrasonographic Contour Analyzer for Tongue Surfaces (Ultra-CATS). 1 ed. Toronto: University of Toronto; 2004.

8 10. Bressmann T, Heng C, Irish, JC. Applications of 2D and 3D ultrasound imaging in speech-language pathology. Int J Speech Lang Pathol Audiol. 2005;29(4):