PROF. MS. FABIO TRUBILHANO



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Transcrição:

3 PROF. MS. FABIO TRUBILHANO ASPECTOS POLÊMICOS DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO A primeira questão polêmica sobre a qual nos debruçaremos envolve os arts. 1.641, 1.687 e 1.829 do Código Civil brasileiro. Passamos a transcrevê-los, para melhor análise: Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II - da pessoa maior de sessenta anos; III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares [...].

4 O art. 1.829 diz que o cônjuge não concorre com os descendentes se for casado com o falecido no regime da comunhão universal, no regime de separação obrigatória de bens e no regime da comunhão parcial se o autor da herança não houver deixado bens particulares. O referido dispositivo legal, portanto, não deixa dúvidas no caso da separação obrigatória de bens, cujas hipóteses estão no art. 1.641. São hipóteses as quais o legislador estabelece com o intuito de preservar o patrimônio particular, haja vista a condição especial em que se encontra o casal ou um dos cônjuges. Assim sendo, quando o cônjuge supérstite for casado no regime da separação obrigatória, ele não concorre com os descendentes, cabendo a estes a totalidade da herança, desde que não haja testamento. Cumpre lembrar que a herança não se confunde com a meação a que faz jus o cônjuge, conforme o regime em que está casado. A meação já pertence ao cônjuge sobrevivente e não integra o acervo hereditário. Quando se fala em concorrência da herança, portanto, não se está referindo à meação, com a qual ninguém concorre, visto que não integra o patrimônio que está sendo objeto de sucessão. A questão polêmica surge quando o regime de bens é o da separação total de bens, mas não ex vi legis, e sim por força da vontade das partes, ou seja, o regime da separação convencional de bens. Quando o matrimônio se dá com o regime da separação de bens porque assim quis o casal, por meio do pacto antenupcial, não se enquadrando nas hipóteses

5 do art. 1.641, a lógica sucessória será a mesma do regime da separação obrigatória? Em outras palavras, a concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes só não deve ocorrer quando o regime da separação for obrigatório ou também não deve ocorrer quando o regime de bens é o da separação convencional? A doutrina se divide quanto a este posicionamento, alguns afirmando que o cônjuge casado no regime da separação convencional não deve concorrer com os descendentes, e alguns sustentando o inverso, que o cônjuge sobrevivente casado no regime da separação convencional deve concorrer com os descendentes. O professor Miguel Reale publicou alguns artigos no jornal O Estado de São Paulo, referente ao Código Civil de 2002, que à época estava em seu primeiro ano de vigência. No artigo publicado no dia 12 de abril de 2003, o professor Miguel Reale explica que o cônjuge sobrevivente casado no regime da separação convencional de bens não poderia concorrer com os descendentes, assim como o cônjuge casado no regime da separação obrigatória de bens. Explica o ilustre jurista que existiria conflito entre o art. 1.687 e o art. 1.829, I, caso fosse entendido que o cônjuge casado no regime de separação convencional tivesse tratamento sucessório distinto do cônjuge casado no regime da separação obrigatória.

6 Assim, por mais que a literalidade da lei leve à conclusão de que o cônjuge sobrevivente casado no regime da separação convencional possui tratamento distinto, afirma o referido jurista que deve ser aplicada uma hermenêutica com unidade sistemática. Mostrando posicionamento divergente, a douta professora Maria Helena Diniz sustenta que a redação do art. 1.829, I, deve ter outra interpretação. A referida jurista demonstra que o artigo em questão só exige, para que não haja concorrência entre cônjuge sobrevivente e descendente, o matrimônio enlaçado pelo regime da separação obrigatória de bens, o qual não se confunde com o regime da separação convencional. (DINIZ, 2007, p. 121). Também o Enunciado n. 270 do Conselho da Justiça Federal assevera que o artigo ora estudado só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens [...]. Em que pese o posicionamento de ilustres juristas, assim como o do professor Miguel Reale, entendemos que a interpretação da lei não pode desvirtuar-lhe as palavras. A interpretação unitário-sistemática não tem o condão de modificar o que a lei, claramente, estabelece. Nesse sentido, sustentamos que a lei se refere exclusivamente à separação obrigatória de bens, diferenciando-a, nesse diapasão, do regime de separação convencional de bens.

7 Destarte, chegamos à conclusão de que o cônjuge sobrevivente casado no regime da separação convencional de bens deve concorrer com os descendentes; e que o cônjuge sobrevivente casado no regime da separação obrigatória de bens não concorre com os descendentes, visto que assim estabelece o legislador no inciso I do art. 1.829. A segunda questão polêmica, que doravante passamos a analisar, diz respeito, também, ao art. 1.829, I, do Código Civil. Reza este artigo que a sucessão legítima tem, em primeira ordem, os descendentes, os quais irão concorrer com o cônjuge dependendo do regime de bens em que era casado com o de cujus. Ocorre que o artigo, ao final, estipula que o cônjuge não irá concorrer com os descendentes se for casado no regime da comunhão parcial de bens, desde que o de cujus não tenha deixado bens particulares. Portanto, não restam dúvidas de que, no regime da comunhão parcial de bens, haverá concorrência com os descendentes caso o de cujus tenha deixado bens particulares, ou seja, bens que só a ele pertenciam, não compondo a meação. A questão polêmica exsurge quando se faz a pergunta: a concorrência a que alude o art. 1.829, I, deve se dar sobre todo o acervo hereditário ou somente sobre os bens particulares? Noutras palavras, a concorrência dos descendentes do falecido com o cônjuge sobrevivente, casado no regime da comunhão parcial de bens, se dará só sobre os bens particulares do de cujus ou sobre todo o acervo?

8 O mesmo enunciado acima referido, do Conselho da Justiça Federal, conclui que a concorrência só se dará sobre os bens particulares, isto é, ressalvada a meação, dá-se a concorrência entre descendentes e o cônjuge sobre os bens particulares do de cujus, de modo que todo o restante dos bens (os bens não particulares) cabe apenas aos descendentes, ressalvada, obviamente, a meação. Assim, propala tal Enunciado, sob n. 270: o cônjuge sobrevivente tem direito de concorrer com os descendentes quando for casado com o de cujus no regime da comunhão parcial de bens, desde que o falecido possuísse bens particulares, hipótese em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes Com tal entendimento não se harmoniza Maria Helena Diniz, de modo a expor em sua obra (2007, p. 121) que o art. 1.829, I, contém tão-somente requisitos legais especiais para tal concorrência, pois o cônjuge que os preencher terá sua quota, considerando-se todo o acervo hereditário e não apenas os bens particulares do falecido, em razão do disposto nos arts. 1.791 e parágrafo único, 1.832, 1.845 e 1.846 do novo Código Civil. Em que pese respeitadíssima posição, não podemos com ela concordar, pois nos parece extremamente injusto que apenas o fato de existir um bem particular conceda a legitimidade para o cônjuge concorrer com os descendentes em todo o acervo hereditário do de cujus, principalmente

9 porque, nessa situação, o cônjuge supérstite já tem assegurada a meação de todos os bens não particulares. Vejamos um exemplo, em que hipoteticamente não há herdeiros testamentários: A é casado com B no regime de comunhão parcial de bens com B, e juntos possuem os filhos C e D. O patrimônio do casal, constituído após o casamento, é de 1 milhão de reais. Caso A venha a falecer, não possuindo bens particulares, caberá a B a meação, de 500 mil reais, e os outros 500 mil reais serão divididos entre os filhos. Agora, suponhamos que A tenha, como bem particular, um terreno de 10 mil reais, adquirido antes do casamento. Falecendo A, torna-se polêmica a aplicação do art. 1.829, I. Se entendermos que o bem particular é mero requisito legal especial, então teríamos a divisão: B ficaria com a meação, correspondente a 500 mil reais, e concorreria com os filhos nos outros 510 mil reais (500 mil referentes à meação do de cujus, e 10 mil referentes ao bem particular). Segundo o entendimento com o qual nos harmonizamos, por nos parecer mais justo, caberá a B os 500 mil reais de meação e a concorrência nos 10 mil reais com os filhos, que irão dividir, apenas entre si, os 500 mil reais da meação do de cujus. É de se perceber, pelo exemplo, que o fato de existir um bem de baixo valor, caso se aplique a interpretação sustentada por Diniz, faz com que o cônjuge participe numa quantia que pode ser extremamente superior ao do bem particular.

10 Ficaria a situação de que o cônjuge se beneficiaria caso o outro tivesse bens particulares, em sendo casados no regime da comunhão parcial de bens. O fato do de cujus possuir bens particulares não nos parece permitir que o cônjuge tenha mais direitos e os filhos menos, mesmo porque esses direitos podem recair sobre valores muito mais valiosos do que o bem particular. Respeitosamente, parece-nos que a alternativa mais justa e adequada é interpretar o art. 1.829, I, no sentido dado pelo Enunciado n. 270 do Conselho da Justiça Federal, restringindo a concorrência do cônjuge com os descendentes apenas aos bens particulares. A terceira questão polêmica a ser estudada neste trabalho envolve o artigo 1.830 do Código Civil, o qual passamos a transcrever, a fim de facilitar o acompanhamento da análise: Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente. A questão se mostra pacífica quando existe separação judicial. Em existindo tal separação, basta que se aplique o que dispõe o artigo 1.830 em sua primeira parte: no momento da morte do de cujus, se já houve a separação judicial, ao cônjuge sobrevivente não lhe tocará direitos sucessórios.

11 A situação se mostra mais tormentosa quando há a separação de fato, situação em que a prova, por vezes, é dificultosa, às vezes até mesmo em relação à prova da própria separação, quanto mais a prova da data e da culpa. Dispõe o referido artigo, em sua segunda parte, que o cônjuge separado de fato há menos de dois anos tem direito sucessório. Assim, se o interregno entre a separação de fato e a morte do de cujos for de até dois anos, não há celeuma: o cônjuge sobrevivente tem seu direito sucessório garantido. Se a separação de fato contar de mais de dois anos quando da morte do de cujus, a legislação afasta o direito sucessório do cônjuge, concebendo, entretanto, uma exceção que propicia dificuldades práticas: salvo prova, neste caso [no caso de separação de fato superior a dois anos], de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente (art. 1.830, última parte). Assim, existindo lapso temporal maior do que dois anos entre a data da separação de fato e da morte do de cujus, em regra não cabe direito sucessório ao cônjuge. Entretanto, se for provado que o cônjuge supérstite não teve culpa nos atos que tornaram a convivência impossível, então lhe tocará direito sucessório. Ora, então há a presunção relativa de que o cônjuge supérstite praticou os atos que tornaram a convivência insuportável, visto que é obrigado a provar que não o fez para que tenha direitos. Isso, por si só, já nos parece polêmico.

12 Maior polêmica se apresenta, entretanto, no que toca à prova que deve ser produzida pelo cônjuge separado judicialmente há mais de dois anos: tentará provar, no mais das vezes, que a culpa se deu em razão do falecido. A necessidade de fazer prova que implique condutas indevidas do falecido, além de, talvez, mostrar-se imoral, tem como inconveniente básico o fato de que a pessoa a quem se imputa a culpa está morta, não podendo defender-se, sobretudo por dizer respeito a fatos normalmente da intimidade do casal. A lei, portanto, estabelece uma presunção relativa de má-fé do cônjuge sobrevivente, o que nos parece incabível na sistemática jurídica atual, e exige, para afastar tal presunção iuris tantum, provas que amiúde atentam contra a honra e a vida íntima de alguém que está morto e não pode se defender em juízo, ou mesmo fora dele. Sobre este assunto, explica Maria Helena Diniz (2007, p. 117), expondo reflexões com as quais corroboramos integralmente: Como perquirir a causa daquela separação, provando inocência do viúvo, se o autor da herança não está mais presente para defenderse das acusações que lhe serão feitas? Será preciso demonstrar que a ruptura fática da convivência conjugal não foi provocada, culposamente, pelo viúvo, pois se, p. ex., veio a abandonar o lar imotivadamente, inibido estará de suceder. O quarto e derradeiro aspecto polêmico deste trabalho envolve os artigos 1.790 e 1.830 do Código Civil, os quais estão transcritos abaixo:

13 Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocarlhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente. Da leitura conjugada dos artigos supracitados exsurge uma questão complexa: se no lapso dos dois anos previsto no art. 1.830 o cônjuge separado de fato vier a constituir uma união estável, o cônjuge deve concorrer com a companheira? Ora, se um artigo assegura que o cônjuge separado de fato tem direito sucessório se o seu cônjuge vier a falecer até dois anos após a separação, e o outro assegura ao companheiro a participação na sucessão dos bens adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável, então há a possibilidade de cônjuge e companheira concorrerem.

14 Isto se dá pelo motivo de que, atualmente, é pacífico o entendimento de que a união estável pode ser constituída mesmo sendo um dos companheiros casados, desde que esteja separado de fato. É o que dispõe, expressamente, o art. 1.723, parágrafo primeiro, do Código Civil de 2002. O fato de nosso ordenamento afastar a bigamia não implica a proibição de constituir-se união estável, com plenos efeitos jurídicos, e portanto sucessórios, mesmo que ainda não se haja desfeito formalmente o vínculo matrimonial. Importante ressaltar, entretanto, que a união estável não pode ser constituída caso não haja separação de fato ou judicial, visto que, se não fosse assim, aproximar-se-ia dos valores negativos que pretendeu afastar o legislador por meio da proibição à bigamia. Em nosso entender, peca o legislador ao atribuir ao cônjuge separado de fato o direito sucessório, sobretudo quando em concorrência com companheiro do de cujus. Isto porque, conforme já incorporado em ordenamentos jurídicos alienígenas (França, Argentina, Espanha, Portugal, Itália...), o cônjuge que se encontra efetivamente separado de fato já não compartilha da afetividade, do cotidiano, da intimidade e da reciprocidade próprios do enlace familiar.

15 REFERÊNCIAS DANELUZZI, Maria Helena Marques Braceiro. Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge sobrevivente. São Paulo: Letras Jurídicas, 2004. DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2006.. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. v.6. GOMES, Orlando. Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2007. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 7. REALE, Miguel. O cônjuge no novo Código Civil. O Estado de São Paulo, 12/04/2003. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2008. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. São Paulo: Atlas, 2008.