Trombocitopenia induzida por heparina: do diagnóstico ao tratamento. Heparin induced thrombocytopenia: diagnosis and treatment

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Rev Med (São Paulo). 2018 Mar.-abr..;97(2):160-4. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1679-9836.v97i2p160-164 Trombocitopenia induzida por heparina: do diagnóstico ao tratamento Heparin induced thrombocytopenia: diagnosis and treatment Marcelo Antônio Oliveira Santos 1, Lucas Soares Bezerra 2 Santos MAO, Bezerra LS. Trombocitopenia induzida por heparina: do diagnóstico ao tratamento / Heparin induced thrombocytopenia: diagnosis and treatment. Rev Med (São Paulo). 2018 mar.-abr.;97(2):160-4. RESUMO: A heparina é largamente utilizada na prática clínica como droga anticoagulante. Trombocitopenia induzida por heparina (TIH) é uma síndrome imune-hematológica que resulta na ativação plaquetária decorrente do uso de heparina, com uma incidência em torno de 1 a 6%. Pode ser classificada em tipo I e II, sendo esta mais grave e potencialmente letal. O somatório de achados clínicos e laboratoriais compatíveis com HIT e positividade para anticorpo HIT é necessário para confirmação diagnóstica. A escala de probabilidade de Warkentin auxilia no diagnóstico de TIH, com alto valor preditivo negativo. Uma abordagem adequada incluindo a suspensão precoce da heparina é mandatória. O esquema de anticoagulação alternativa se faz necessário, com preferência pelo uso dos inibidores diretos da trombina. O uso de fondaparinux nesse contexto mostrou benefícios, embora sejam necessários ensaios clínicos randomizados para melhor nível de evidência. Descritores: Trombocitopenia; Trombocitopenia/diagnóstico; Trombocitopenia/terapia; Heparina; Anticogulantes. ABSTRACT: Heparin is the most common anticoagulant drug used in the clinical practice. Heparin-induced thrombocytopenia (HIT) is an immuno-hematologic syndrome that results from platelets activation in patients under heparin therapy. The incidence of HIT is about 1 to 6%. It might be classified in type I and II, this last is potentially lethal. Clinical and laboratorial findings are both mandatory to diagnostic confirmation, as well as positivity for HIT antibody. The Warkentin probability scale helps on HIT diagnosis and has a high negative predictive value. A clinical approach that includes heparin discontinuation is mandatory. An alternative anticoagulation therapy must be initiated and the direct inhibitors of thrombin are the preferred drugs. Foundaparinux has showed benefits in this context, although randomized clinical trials are needed for better evidence. Keywords: Thrombocytopenia; Thrombocytopenia/diagnosis; Thrombocytopenia/therapy; Heparin; Anticoagulants. 1. Diretor Científico do Grupo de Pesquisa em Epidemiologia e Cardiologia (EPICARDIO) da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE. Graduando em Medicina pelo Centro Universitário Maurício de Nassau, Recife, PE. E-mail: marcelosantos.med@gmail. com. 2. Diretor Geral do Grupo de Pesquisa em Epidemiologia e Cardiologia (EPICARDIO) da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE. Graduando em Medicina pelo Centro Universitário Maurício de Nassau, Recife, PE. E-mail: lucassbezerra@gmail.com. Correspondência: Centro Universitário Maurício de Nassau. Curso de Medicina. Rua Jonathas de Vasconcelos, 316. Boa Viagem - Recife, PE, Brasil. CEP: 51021140. 160

INTRODUÇÃO As plaquetas são componentes presentes no plasma sanguíneo cuja principal função é a hemostasia primária. Podem ser encontradas no sangue periférico com número que varia entre 150.000 a 400.000 por milímetro cúbico de sangue. Assim, trombocitopenia é uma condição na qual há redução em número de plaquetas (inferior a 150 x10³/ul) 1. A heparina é um polissacarídeo largamente utilizado na prática clínica como droga anticoagulante. Essa ação decorre da interação desta molécula com a antitrombina III, criando um complexo enzimático que, por sua vez, inibe os fatores IIa e Xa. Desta forma, inibindo primariamente a via comum de coagulação. Sua meia vida gira em torno de 90 minutos a 2 horas por metabolização prioritariamente hepática e seu efeito pode ser neutralizado através da administração da protamina. Pode ser encontra sob a forma de heparina não-fracionada (HNF) e heparina de baixo peso molecular (HPBM) 2. Em 1942, Copley e Robb 2, em estudos experimentais com cães, descobriram que o uso de heparina poderia induzir uma trombocitopenia transitória. A trombocitopenia induzida por heparina (TIH) é uma síndrome imunehematológica que resulta na ativação plaquetária decorrente do uso de heparina. Esta patologia é definida por trombocitopenia absoluta (< 150 x10³/ul) ou redução relativa (>50% do basal) e, em geral, ocorre cerca de 5-10 dias após o início da droga com uma incidência entre 1 a 6% 3. Um estudo realizado no Instituto do Coração, em São Paulo, mostrou uma incidência de 2,2% nos pacientes em uso de HNF após 5 dias do início da terapia anticoagulante 4. O diagnóstico de TIH depende tanto de aspectos clínicos como da manifestação de alterações laboratoriais específicas. Com o avanço das técnicas de imunoensaio e protocolos que sistematizam a abordagem do paciente com suspeita de TIH, há maior tendência a diagnósticos precoces que tem aumentado a morbidade de pacientes sem confirmação diagnóstica precisa 5. O objetivo deste estudo é realizar uma revisão da literatura sobre a fisiopatologia, aspectos diagnósticos e manejo terapêutico dos pacientes com TIH. METODOLOGIA Trata-se de um estudo descritivo com base em revisão narrativa da literatura. Os bancos de dados SciELO, LILACS, MEDLINE e Google Acadêmicos foram consultados em busca de artigos que tratassem de aspectos fisiopatológicos, diagnósticos e/ou terapêuticos da TIH. Para isso, foram utilizados termos de pesquisa: heparina, trombocitopenia, anticoagulação, complicações, tratamento e seus correspondentes na língua inglesa: heparin, thrombocytopenia, anticoagulation, complications e treatment. Os resumos dos artigos encontrados foram lidos e aqueles que apresentaram informações importantes sobre o tema tiveram o texto resgatado para análise completa e produção deste estudo. Foram excluídos artigos não disponíveis nos idiomas português ou inglês, aqueles não realizados em seres humanos e os relatos ou série de casos. Classificação A TIH pode ser classificada em tipo I e II. A TIH tipo I é uma trombocitopenia não imune relacionada a uma redução transitória e benigna no número de plaquetas. É a forma mais comum, acometendo até 30% dos pacientes em uso de heparina. Sua fisiopatologia está relacionada às características eletroquímicas da molécula de heparina. Por apresentar uma carga muito negativa, a heparina liga-se diretamente às plaquetas, que possuem carga negativa, induzindo à agregação plaquetária. Consequentemente, ocorre sequestro do complexo plaqueta-heparina no baço, resultando em destruição plaquetária 6. A TIH tipo II ocorre devido a uma reação imunomediada (reação de hipersensibilidade do tipo II), na qual autoanticorpos induzem agregação plaquetária na presença da heparina. Sua manifestação é mais tardia (já que depende da formação de anticorpos), porém mais grave, podendo ser letal. Por ser uma reação de hipersensibilidade, exposições múltiplas aumentam a gravidade do quadro. Durante a administração da heparina, são produzidos anticorpos da classe IgG que se ligam às plaquetas através da porção Fc. Essa ligação ativa, nas plaquetas, a liberação do fator 4 plaquetário. Assim como na TIH tipo I, esta molécula possui alta afinidade de ligação com heparina devido às forças eletroquímicas opostas e de grande intensidade. Gera-se um imunocomplexo que causa agregação e destruição plaquetária, lesão endotelial e exposição do fator tecidual, responsável pelo início da via extrínseca da cascata de coagulação 6,7. Assim como na coagulação intravascular disseminada, o organismo pode apresentar diáteses hemorrágicas devido à maciça redução plaquetária (podendo ser < 20x10³/uL) e eventos tromboembólicos devido ao estado protrombótico gerado pela ativação da via extrínseca de coagulação. Diagnóstico clínico e laboratorial O diagnóstico de TIH deve ser aventado em todo paciente com quadro novo de trombocitopenia ou trombose no contexto de uso confirmado ou suspeito de heparina em 161

Rev Med (São Paulo). 2018 mar.-abr.;97(2):160-4. até 100 dias. O somatório de achados clínicos e laboratoriais compatíveis com HIT e positividade para anticorpo HIT é necessário para confirmação diagnóstica. Vale salientar que a presença do anticorpo não tem valor diagnóstico na ausência de quadro clínico e/ou laboratorial compatível 8. A escala de probabilidade de Warkentin (EPW) (Tabela 1) é uma ferramenta que pode auxiliar no diagnóstico de TIH. Pacientes com risco intermediário para HIT (> 4 pontos) devem ter solicitada a dosagem do anticorpo HIT. Em paciente de baixo risco (< 3 pontos), a EPW tem alto valor preditivo negativo sendo suficiente para afastar o diagnóstico de HIT, nesses casos não é necessário solicitar o anticorpo HIT. A pesquisa de anticorpo HIT tem alta sensibilidade e especificidade (>95%) e confirma o diagnóstico se positiva e afasta o diagnóstico se negativa, dentro de contexto clínico-laboratorial compatível 9. Tabela 1. Escala de probabilidade de Warketin para HIT. Probabilidade pré-teste: baixa (0-3 pontos), intermediária (4-5), alta (6-8) 0 redução plaquetária < 30% ou < 10x10³/uL Trombocitopenia 1 redução plaquetária entre 30-50% ou 10-19x10³/uL 2 redução plaquetária > 50% ou > 20x10³/uL Tempo do início da trombocitopenia Trombose ou outra sequela Outra causa de trombocitopenia 0 após 4 dias do primeiro uso de heparina 1 - > 10 dias após início de heparina ou se o tempo é incerto 2 início 5 a 10 dias após início da heparina 0 sem sinais de trombose 1 trombose recorrente ou progressiva, lesões eritematosas cutâneas em locais de injeção ou trombose não confirmada. 2 prova de nova trombose, necrose de pele ou reação sistêmica aguda após bolus de heparina. 0 outra causa definida 1 outra causa provável 2 nenhuma outra causa evidente Tratamento e manejo clínico A TIH pode ocorrer devido à exposição do paciente a qualquer fonte de heparina, seja infusão de HBPM/ HNF ou uso de cateteres heparinizados. Embora seja imprescindível a suspensão da fonte de contato, esta não é suficiente como medida terapêutica, pois não reduz o risco de eventos trombóticos subsequentes. Sendo, por isso, mandatório o início de uma terapia anticoagulante alternativa 8. Schindewolf et al. 10 avaliaram o uso de anticoagulação alternativa em pacientes com TIH de intermediário e alto risco (EPW > 4 pontos), demonstrando que o Fondaparinux foi mais efetivo que argatroban, lepirudin e danaparoid na prevenção de complicações trombóticas (11,7% x 0%), prevenção de morte durante internamento hospitalar (14,4% x 0%) e apresentou menor taxa de sangramento (6,3% x 4,8%). Esses resultados, compatíveis com outros estudos na literatura, sugerem benefício no uso do Fondaparinux como anticoagulação alternativa em pacientes com TIH, embora não exista ainda recomendação formal 11. Embora possa parecer intuitiva a realização de transfusão de plaquetas como terapia anti-sangramento ou profilaxia secundária para eventos trombocitopênicos, há pouca evidência para sua indicação na prática clínica. De acordo com as diretrizes do American College of Chest Physicians, a transfusão de plaquetas não deve ser usada de rotina e sua indicação deve-se restringir a pacientes com trombocitopenia severa e sangramento ativo ou àqueles que serão submetidos a procedimentos invasivos e com alto risco de sangramento 12. Não deve ser realizada terapia alternativa com inibidores da vitamina K (e.g. warfarina) e caso tenha sido iniciada, vitamina K deve ser administrada por via oral ou subcutânea. Isso pois, sozinhos, os inibidores de vitamina K não reduzem chance de novos eventos trombóticos, além de aumentar o risco de gangrena venosa 7-9. As drogas de escolha para terapia de anticoagulação alternativa são os inibidores diretos da trombina, como argatroban, fondaparinux e lepirudina 13. Cuker 14 recomenda uma sistematização baseada no modelo Bayesiano para aumentar a probabilidade pós-teste do diagnóstico de HIT, combinando a triagem pela EPW e a medida da densidade óptica (DO) do anticorpo HIT, quando este for processado pela técnica de ELISA. Um fluxograma desta técnica pode ser visto na Figura 1. 162

Figura 1. Fluxograma para investigação e tratamento de TIH segundo modelo Bayesiano. Adaptado de Cuker 14 CONCLUSÃO A TIH é uma complicação comum em pacientes submetidos a tratamento com heparina, especialmente com HNF. Embora eventos hemorrágicos e suas complicações sejam mais frequentes e igualmente fatais, complicações trombóticas têm sido descritas. Assim, na suspeita de TIH, ferramentas diagnósticas com alto poder preditivo, como a EPW, devem ser usadas para aumentar a acurácia diagnóstica. Associado a isso, uma abordagem adequada incluindo a suspensão precoce da heparina é mandatória. O esquema de anticoagulação alternativa se faz necessário, com preferência pelo uso dos inibidores diretos da trombina. O fondaparinux tem se mostrado uma droga promissora neste cenário, embora ainda não existam evidências fortes baseadas em grandes ensaios clínicos randomizados ou indicação formal para sua utilização. Participação dos autores no texto: Marcelo Antônio Oliveira Santos: proposição do tema, revisão de literatura, escrita do manuscrito original, revisão de texto. Lucas Soares Bezerra: revisão de literatura, escrita do manuscrito, revisão de texto. REFERÊNCIAS 1. Chee YL. Coagulation. J R Coll Phys Edinb 2014;44:42-5. doi: 10.4997/JRCPE.2014.110. 2. Hirsh J, Warkentin T, Shaughnessy S, Anand S, Halperin J, Raschke R, et al. Heparin and Low-Molecular-Weight Heparin Mechanisms of Action, Pharmacokinetics, Dosing, Monitoring, Efficacy, and Safety. Chest. 2001;119:64S-94S. doi: http://dx.doi.org/10.1378/chest.119.1_suppl.64s. 3. Guarino ML, Massimi I, Mardente S, Lappa A, Donfrancesco S, Visentin GP, et al. New platelet functional method for identification of pathogenic antibodies in HIT patients. Platelets. 2017;28:728-30. doi: 10.1080/09537104.2017.1293803. 4. Oliveira SC de. Trombocitopenia induzida por heparina: aspectos clínicos e laboratoriais [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2008. doi: 10.11606/T.5.2008.tde-04112008-155406. 5. Lee GM, Arepally GM. Heparin-induced thrombocytopenia. Hematol Am Soc Hematol Educ Progr. 2013;2013:668-74. doi: 10.1182/asheducation-2013.1.668. 6. Pimenta REF, Yoshida WB, Rollo HA, Sobreira ML, Bertanha M, Mariúba JV de O, et al. Trombocitopenia induzida por heparina em paciente com oclusão arterial aguda. J Vasc Bras. 2016;15:138-41. doi: 10.1590/1677-5449.004215. 7. Pavanelli MF, Spitzner FL. Trombocitopenia induzida por heparina: revisão da literatura. UNOPAR Cient Cienc Biol Saude (J Health Sci). 2011;13(Esp):325-32. doi: http:// dx.doi.org/10.17921/2447-8938.2011v0n0p%25p. 8. Salter BS, Weiner MM, Trinh MA, Heller J, Evans AS, Adams DH, et al. Heparin-induced thrombocytopenia: 163

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