Batata-doce biofortificada



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1 Batata-doce biofortificada João Bosco Carvalho da Silva 1 Sumário Segurança alimentar... 1 Biofortificação... 5 A batata-doce como hortaliça de base familiar... 6 Composição da raiz da batata-doce... 13 Bioforticação da batata-doce como fonte de pró-vitamina A... 13 A batata-doce na Embrapa Hortaliças... 15 Produção de farinha... 17 Uso da farinha de batata-doce... 19 Disseminação da tecnologia... 20 BIBLIOGRAFIAS... 20 Segurança alimentar A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, tendo como base, práticas alimentares promotoras de saúde. Além desses princípios, os programas de alimentação não devem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais e devem respeitar a diversidade cultural (Consea, 2007). Segundo dados publicados pelo IBGE, relativos à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada em 2002/2003, estima-se que no Brasil, em 65,2 % dos cerca de 52 milhões de domicílios particulares, residem pessoas em situação de Segurança Alimentar, ou seja, seus moradores tiveram acesso aos alimentos em quantidade e qualidade adequadas, enquanto nos outros 34,8% dos domicílios foi relatada a situação de insegurança alimentar, atingindo aproximadamente, 72 milhões de pessoas que vivem em condição de insegurança alimentar leve, moderada ou grave. A estimativa é que 12,3% e 6,5% são percentuais de domicílios onde residem pessoas com insegurança 1 Eng. Agrônomo DSc. - Pesquisador da Embrapa Hortaliças C. postal 218 CEP 70.359-970 Brasília-DF www.cnph.embrapa.br jbosco@cnph.embrapa.br

2 alimentar moderada e grave, respectivamente, (Figura 1). A Região Nordeste é a que apresenta os piores índices de segurança alimentar, onde cerca de 53,5% dos domicílios foi constatada a situação de insegurança alimentar, sendo 12,4% considerados como submetidos à insegurança alimentar grave. (Figura 2). Figura 1 Prevalência de situação de segurança alimentar em domicílios brasileiros. Figura 2 Situação de segurança alimentar em domicílios brasileiros, por Região.

3 Deve-se enfatizar que esta situação, na forma como foi medida, é relacionada à falta de recursos dos moradores para a aquisição de alimentos e que a insegurança alimentar moderada ou grave significa limitação de acesso quantitativo aos alimentos, com ou sem o convívio com situação de fome. Os dados retratam a fome e os problemas decorrentes dela, mas não dimensiona os aspectos da má alimentação, tanto pelo consumo exagerado de alimentos calóricos causadores da obesidade, quanto das deficiências de vitaminas e minerais que causam grandes prejuízos à saúde. A boa nutrição envolve diferentes aspectos biológicos e comportamentais. Para que ela seja adequada é necessário que a alimentação contenha todos os nutrientes e em quantidade adequada para que o corpo humano não acumule reservas e nem sinta deficiência dos nutrientes, o que significa uma alimentação equilibrada. Entretanto certos nutrientes nem sempre estão disponíveis para a população, ou nem todos podem ter acesso a eles, envolvendo aí questões relativas ao custo da aquisição, hábitos e educação alimentar. Cada grupo de plantas é considerado uma fonte de alguns nutrientes essenciais. Por exemplo, os grãos são fontes de carboidratos, proteínas, lipídios e vitaminas solúveis em gorduras, porém possuem baixas concentrações de cálcio e ferro. Os vegetais folhosos são boas fontes de vitaminas e sais minerais, porém são pobres em macronutrientes. As frutas possuem carboidratos, vitaminas solúveis em água e carotenóides, porém não são boas fontes de proteína e certos minerais. Esta é a razão principal de os profissionais de nutrição recomendarem uma diversificação da dieta alimentar. Porém, em muitas situações as famílias não têm acesso a uma alimentação diversificada, envolvendo aí múltiplas questões tais como: a) falta de água para irrigação nas propriedades rurais ou em hortas urbanas; b) indisposição ou falta de mão-de-obra na família para cultivar hortas domésticas; c) falta do conhecimento das técnicas de plantio; d) falta de conscientizarão e educação alimentar; e) priorização pelo volume de comida em detrimento da qualidade; f) perdas pela dificuldade de armazenamento doméstico com refrigeração; g) indisponibilidade dos produtos diversificados para a venda; h) custo; i) hábitos alimentares; j) questões culturais. Independentemente das causas, o fato é que existe populações inteiras que

4 baseiam sua alimentação quase que exclusivamente em mandioca, arroz, milho e feijão. Nestas condições, mesmo que tenha alimento em quantidade, a população se encontra sob insegurança alimentar. A esta situação se denomina de FOME OCULTA. Por meio de programas de educação alimentar, suplementação com medicamentos e fortificação de alimentos têm sido feitos esforços para equilibrar e garantir uma alimentação saudável. Entretanto, grande parte da população não tem acesso a estes programas, especialmente quando o alimento é produzido pela própria família. A deficiência de vitaminas e minerais é um grave problema de nutrição pública em todo o Mundo e principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil, atingindo, principalmente, crianças, adolescentes, gestantes e mulheres em idade fértil. Agravados pelos problemas de falta de saneamento e higiene, as principais conseqüências diretas são: anemia; raquitismo; deficiência neurológica; deficiência de visão; deficiência imunológica e várias outras conseqüências a longo prazo. A fortificação ou enriquecimento de alimentos, que consiste na adição de nutrientes aos alimentos de ampla utilização, é uma maneira de suprir a deficiência, sendo uma alternativa de intervenção recomendada principalmente para programas emergenciais em localidades onde se encontram elevadas prevalências de deficiência nutricional. A fortificação apresenta como vantagens: a alta possibilidade de cobertura populacional; o fato de não modificar os hábitos alimentares; apresentar baixo risco de toxicidade. As dificuldades estão ligadas à: viabilidade da adição do nutriente ao alimento, em termos de quantidade, compatibilidade e preservação; quantidade consumida do alimento fortificado; ocorrência do consumo massivo do alimento; a distribuição; o custo; a aceitação do produto. A alternativa de fortificação de alimentos funciona portanto muito bem quando se trata de aditivos estáveis, que não altere as propriedades do alimento e que possam ser inseridos em produtos industrializados de amplo uso pela população, como é o caso da adição de iodo no sal de cozinha. Para as populações de países em desenvolvimento, especialmente em locais em que a maioria vive na área rural, ocorrem limitações de acesso aos alimentos fortificados industrializados. Em certas regiões, a comercialização desses produtos é pequena e, muitas vezes, não existem mercados ou postos de distribuição, onde os alimentos fortificados possam ser encontrados.

5 A recente introdução da biofortificação pode, nesses casos, representar um novo e importante papel, como parte de um processo integrado em que o sistema produtivo gera alimentos de consumo regional, favorecendo a disponibilização do nutriente sem alterar a dieta da população. Biofortificação Biofortificação é o desenvolvimento de alimentos naturais que contenham quantidades de nutrientes capazes de suprir a necessidade do corpo humano ao ser inserido na dieta alimentar da população. Os produtos biofortificados com minerais e vitaminas podem ser usados no consumo direto ou na produção de alimentos enriquecidos, tendo como principais alvos o suprimento de micronutrientes como ferro e zinco e pró-vitamina A (caroteno). A biofortificação é uma estratégia cientificamente possível e de baixo custo, tendo como maior vantagem o fato de não requerer mudanças no comportamento de produtores e consumidores. As mudanças no conteúdo dos produtos, necessariamente, não modificam a aparência, o gosto, a textura ou a forma de preparo do alimento. Com suporte do programa internacional denominado de HarvestPlus, várias atividades têm sido conduzidas com sucesso, tanto no desenvolvimento de materiais geneticamente melhorados quando no uso e aceitação dos produtos biofortificados de milho, arroz, feijão, mandioca e batata-doce. Essas culturas compõem a dieta básica de populações que praticam a agricultura de subsistência nas regiões mais pobres do mundo, como África, Ásia, América Latina e Caribe. A iniciativa partiu do Grupo Consultivo sobre Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR), entidade americana, e com a aliança mundial de diversas instituições de pesquisa e entidades executoras, entre elas a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O projeto é coordenado pelo Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT) e o Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares (IFPRI). As ações do projeto são desenvolvidas nos mais diversos níveis de intervenção, através de um sistema alimentar integrado envolvendo desde o desenvolvimento de tecnologias para o sistema produtivo até a avaliação do consumo e da redução dos índices de desnutrição das populações alvo. Desta forma, com pouca intervenção e com

6 intensa participação das comunidades carentes são obtidos resultados de longa duração. Os trabalhos de melhoramento genético são a base do projeto, pois os produtos fortificados devem conter maior quantidade de vitaminas e minerais, mas devem gerar produtos de aparência, sabor e textura semelhantes aos alimentos tradicionais. A batata doce é uma das espécies alvo, por ser um alimento importante para muitas populações que vivem no Centro e no Leste da África, na América Latina e Central, onde a deficiência de provitamina A é endêmica. A batata-doce como hortaliça de base familiar O cultivo de hortaliças em pequena escala ainda é uma atividade múltipla de produção agrícola exercida com baixo nível de profissionalismo e com pouco uso de tecnologia. As culturas são geralmente conduzidas sem orientação técnica adequada, percebendo-se também que um grande número de opções tecnológicas não são de conhecimento da classe produtora. Essa constatação explica, pelo menos em parte, os baixos índices de produtividade e a baixa qualidade dos produtos obtidos pelos pequenos produtores, tendo em vista que as espécies olerícolas se caracterizam pelo cultivo de plantas tenras, com ingredientes atrativos para pragas e patógenos, e também por serem geralmente exigentes em água e fertilizantes. A cultura de batata-doce é um exemplo dessa situação pois, ao longo do tempo, tem sido cultivada de forma empírica pelas famílias rurais, em conjunto com diversas outras culturas, visando a alimentação da família, principalmente na primeira refeição diária, utilizada na forma de raízes cozidas, assadas ou fritas. Com o crescente êxodo rural, grande parte do consumo de batata-doce foi substituído pelo pão e por hortaliças de mais fácil preparo e de maior atratividade, como batata, cenoura e tomate, que eram hortaliças anteriormente pouco consumidas pela família rural, por serem de difícil cultivo no sistema de produção em hortas domésticas. Estas afirmativas têm base na análise do histórico da produção que revela um declínio de produção brasileira nas últimas décadas (Figuras 3 e 4). Por outro lado, percebe-se também que o índice de produtividade tem sido crescente nos últimos anos, revelando que o sistema de produção tem sofrido mudanças que indicam uma evolução do nível tecnológico, embora muitas tecnologias disponíveis ainda sejam raramente aplicadas nessa cultura.

7 200 ÁREA (1000 ha) 150 100 50 0 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 ANOS Figura 3. Área cultivada com batata-doce no Brasil (FAO, 2007) Apesar da grande decadência sofrida durante as últimas décadas, verifica-se pelos dados estatísticos, que a batata-doce ainda detém o 6 lugar entre as olerícolas mais plantadas no Brasil, correspondendo a uma produção anual de 484.000 toneladas, obtidas em uma área estimada de 44.000 hectares. A batata-doce é plantada em 111 países, sendo que aproximadamente 90% da produção são obtidos na Ásia, 5% na África e 5% no restante do mundo. Apenas 2% da produção está em países industrializados como os Estados Unidos e Japão. A China é o país que mais produz, com 100 milhões de toneladas (FAO, 2001) Em termos de volume de produção mundial, a cultura ocupa o sétimo lugar entre as olerícolas, mas é a décima quinta em valor da produção, o que indica ser universalmente uma cultura de baixo custo de produção. A batata-doce é cultivada desde a longitude de 42 ºN até 35 ºS do equador, desde o nível do mar até 3000 m de altitude. Ou seja, é cultivada em climas diversos como no das Cordilheiras dos Andes; em regiões de clima tropical, como o da Amazônia; temperado, como no do Rio Grande do Sul e até desértico, como o da costa do Pacífico. Adapta-se melhor, entretanto, em áreas tropicais, onde vive a maior proporção de populações pobres. Nestas regiões, além das vantagens que tem como alimento humano de bom conteúdo nutricional, principalmente como fonte de energia e de proteína, a cultura tem grande importância na alimentação animal e na produção industrial principalmente de amido e álcool. É considerada uma cultura rústica, pois apresenta

pouca resposta à aplicação de fertilizantes e cresce em condições de solos pobres e degradados. Produção (1000 t) 2500 2000 1500 1000 500 0 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 AN OS Figura 4. Produção de batata-doce no Brasil (FAO,2007) 8 Comparada com outras culturas como arroz, banana, milho e sorgo, a batata-doce cultivada em regiões tropicais é mais eficiente em termos de quantidade de energia líquida produzida por unidade de área e por unidade de tempo. Isso ocorre porque produz grande volume de raízes em um ciclo relativamente curto a um custo baixo, durante o ano inteiro. No Brasil, o investimento na cultura de batata-doce é muito baixo, e o principal argumento contrário ao investimento em tecnologia é que a lucratividade da cultura é baixa. Isso decorre do pequeno volume individual de produção, ou seja, os produtores ainda tendem a plantar a batata-doce como cultura marginal, com o raciocínio de que, gastando-se o mínimo, qualquer que seja a produção a cultura constitui um ganho extra. Dessa forma, é obtido um produto de péssima qualidade, que sofre grande restrição no momento da comercialização, tanto por parte dos atacadistas que tendem a reduzir o preço, quanto por parte do consumidor que refuga boa parte do produto exposto à venda. Ao se compararem os custos de produção e os índices de produtividade, percebese que uma questão básica é a falta de determinação, por parte do produtor, em pesquisar mercados e descobrir oportunidades de estabelecer compromissos de produção com alta qualidade, para se ter um canal seguro de comercialização, com possível regularidade de uma produção programada. Isto requer que a cultura seja tratada

9 com mais profissionalismo, pois a grande limitação de ordem econômica ocorre na comercialização. A produtividade média brasileira é menor que 10 t/ha (500 caixas/ha), enquanto que, utilizando-se apenas cerca de R$3400/ha ou Us$1300, que é o custo médio para adotar um sistema tecnológico razoável, obtém-se com relativa facilidade, a produtividade de 22 t/ha (1.100 caixas/ha). Considerando o preço médio de R$9,50 por caixa, estima-se o retorno do triplo do capital investido em apenas quatro ou cinco meses, o que raramente se obtém em outra atividade produtiva. Além do bom nível de retorno econômico, o uso da tecnologia resulta na melhoria substancial da qualidade do produto, melhorando a sua aceitação e aumentando o poder de barganha no momento da comercialização. Para o Brasil, a batata-doce é uma cultura de grande interesse social, pois se adapta a amplas condições de clima, solo e topografia, podendo ser cultivada em todas as regiões. Embora bem disseminada no país, está mais presente nas regiões Sul e Nordeste, notadamente nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Pernambuco e Paraíba (Tabela 1). Na região Nordeste, a cultura assume maior importância social, por se constituir em uma fonte de alimento de fácil acesso, levando-se em conta a grande limitação na disponibilidade de outros alimentos em períodos críticos de estiagem prolongada. Paradoxalmente, é nesta região e na Região Norte, mais carentes e com melhor clima, que a produtividade é mais baixa. Os dados de consumo de hortaliças, relacionados com quantidade adquirida per capita (Tabela 2) indicam que as regiões Nordeste e Sul consomem três a quatro vezes mais batata-doce que demais regiões. Considerando o consumo de tuberosas, na região Nordeste a batata-doce representa 13,07% e na região Sul 7,12%, enquanto nas demais regiões corresponde à cerca de 3% da quantidade consumida.

Tabela 1. Área, produção e produtividade da batata-doce em alguns estados e nas regiões brasileiras (dados de 2004). Estados Área Produção Produtividade (ha) (t) (t/ha) Rio Grande do Sul 13.554 147.430 10,9 Paraíba 6.441 59.971 9,0 Paraná 3.860 68.653 17,8 São Paulo 3.020 53.000 14,2 Pernambuco 2.455 23.113 9,4 Santa Catarina 2.343 41.818 17,8 Regiões Sul 21.046 258.558 12,2 Nordeste 15.559 126.228 8,1 Sudeste 5.853 82.004 14,0 Norte 398 1.370 3,4 Centro-Oeste 302 4.262 14,1 Brasil 43.158 472.422 10,36 Fonte: IBGE, 2007. 10 Tabela 2 Aquisição de produtos hortícolas, das hortaliças tuberosas e de batata-doce pelas famílias brasileiras em 2002/3003. Aquisição alimentar domiciliar per capita anual (kg) Produtos Grandes Regiões Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul C.Oeste Hortaliças 29,002 19,73 22,352 32,425 39,298 23,277 Hortaliças tuberosas 13,089 8,529 8,665 14,499 21,557 9,375 Batata-doce 0,749 0,256 1,133 0,385 1,536 0,317 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004. Vantagens e desvantagens da cultura É resistente à seca a cultura de batata-doce necessita de cerca de 500 mm de lâmina de água durante o ciclo produtivo para que apresente um índice elevado de produtividade. As raízes de reserva se formam já no início do desenvolvimento da planta,

11 e estas estruturas, além de se constituírem reserva para a própria planta, são unidades de reprodução capazes de emitirem novas brotações se a parte aérea da planta for eliminada ou se ressecar pela deficiência hídrica prolongada. Nesse caso, o ciclo cultural se prolonga, mas raramente ocorre perda total da lavoura, como é comum ocorrer com outras espécies, nessas condições. É de fácil cultivo Embora existam diversas técnicas aplicadas desde o preparo do solo até o processamento pós-colheita, a cultura pode ser conduzida de forma rudimentar, sem utilização de fertilizantes, agrotóxicos ou irrigação. Tem baixo custo de produção Ao se comparar com diversas outras olerícolas, a batata-doce demanda menos fertilizantes, irrigação e mão-de-obra, o que resulta em baixo custo relativo de produção. Permite colheita prolongada A parte comercial se constitui de raízes de reserva que se formam ao longo do ciclo da planta, sem apresentar um momento específico de colheita, tratando-se portanto de uma planta de ciclo perene. Assim sendo, a colheita pode ser escalonada, antecipada, ou retardada, de acordo com a conveniência do produtor, levando-se em conta porém, que a antecipação corresponde à produção de raízes de menor tamanho e que o retardamento implica em maior incidência de pragas, além da formação de raízes acima dos padrões comerciais. Apresenta resistência a pragas e doenças O fato de a batata-doce ter sido uma das olerícolas mais cultivadas em décadas passadas, quando não se utilizavam agrotóxicos, é um comprovante de sua resistência natural a pragas e doenças. Esta característica foi comprovada em várias pesquisas. É mecanizável A horticultura é uma atividade que geralmente consome grande quantidade de mão-de-obra. Esta característica tem a vantagem da utilização de mão-deobra familiar e favorecer a fixação do homem no campo. Entretanto, o uso de serviço mecanizados reduz o custo de produção e aumenta a possibilidade de lucro para o produtor. Nesse sentido a cultura da batata-doce tem a vantagem de ser adaptada a ambos sistemas de produção, podendo ter diversas etapas mecanizadas, especialmente o plantio e a colheita. É protetora do solo A cultura é instalada em camalhões ou leiras que devem ser construídas em nível, formando um eficiente sistema de controle da erosão, podendo portanto ocupar áreas marginais e de topografia acidentada. A planta apresenta ainda um

12 crescimento rápido, cobrindo completamente o solo a partir de aproximadamente 45 dias do plantio. A despeito de tantas vantagens, como hortaliças destinada ao consumo humano apresenta uma série de desvantagens ou barreiras que são: É de difícil preparo As hortaliças são geralmente preparadas em curto tempo, sendo diversas delas simplesmente picadas ou raladas. A batata-doce entretanto, necessita ser picada, descascada e cozida, exigindo certo esforço e tempo que nem toda dona-de-casa moderna está disposta a despender. Tem aparência ruim Por se tratar de uma raiz tuberosa, o crescimento das batatas é geralmente afetado pela presença de torrões, pedras e fendas do solo, formando um produto tortuoso. O ataque de larvas de insetos, mesmo que não danifiquem severamente as batatas, causam pequenos orifícios e galerias superficiais que depreciam muito a sua aparência. Além disso, das variedades cultivadas apresenta altos teores de produtos fenólicos que, embora úteis por aumentar a resistência a pragas, causam o escurecimento da polpa quando exposta ao ar, constituindo alimentos menos atrativos. Forma manchas A planta da batata-doce produz látex que se fixa facilmente na pele e em tecidos formando manchas de difícil remoção. Causa pesadez no estômago e forma gases A batata-doce possui um inibidor da digestão que reduz a ação de enzimas digestivas como a tripsina e quimotripsina. A redução do tempo de digestão favorece a fermentação dos alimentos no trato intestinal, com aumento na formação de gases. É comida de pobre A batata-doce tem sido tradicionalmente consumida por famílias de baixa renda, especialmente as do meio rural. Uma constatação disso é que raramente faz parte da pauta de produtos de exportação. Ou seja, nos países ricos não se consome batata-doce. Outra constatação é que, embora possa ser utilizada em inúmeras receitas, tanto de doces como de salgados, raramente é citada como ingrediente, em livros de receitas. A principal conseqüência destes entraves é a restrição na comercialização. O volume de venda nos supermercados e nos atacadistas é relativamente pequeno. Com isso, não se formou, ao longo do tempo, um canal de comercialização e não se conhecem casos de produção programada ou organizada em forma de cooperativas ou associações.

13 O maior volume de venda ocorre em mercados de periferia, como as feiras e quitandas, que é individualmente pequeno, formando-se então um ciclo vicioso de baixa qualidade do produto, baixo valor pago ao produtor, pouco investimento, baixo nível tecnológico. Composição da raiz da batata-doce A batata-doce é um produto basicamente energético (Tabela 3). Ao ser colhida apresenta cerca de 30% de matéria seca que contém em média 85% de carboidratos, cujo componente principal é o amido. Comparada com outras estruturas vegetais amiláceas, a raiz da batata-doce possui mais matéria seca, carboidratos, lipídios, cálcio e fibras em relação à batata e mais proteína e vitaminas que a mandioca. Tabela 3. Composição nutricional de 100 gramas de raiz de batata-doce crua. Componente Água Calorias Fibras digeríveis Potássio Fósforo Sódio Cálcio Magnésio Ferro Manganês Zinco Cobre Pró-vitamina A retinol Vitamina B tiamina Vitamina B2 riboflavina Vitamina C ácido ascórbico Vitamina B5 niacina Fonte: Luengo at al., 2000 Quantidade 72,8 (g) 102 cal 1,1 (g) 295 (mg) 53 (mg) 43 (mg) 39 (mg) 10 (mg) 0,9 (mg) 0,35 (mg) 0,28 (mg) 0,2 (mg) 300 (mg) 96 (mg) 55 (mg) 30 (mg) 0,5 (mg) Bioforticação da batata-doce como fonte de pró-vitamina A A vitamina A é encontrada nos organismos dos animais. Portanto, os alimentos de origem animal são fontes naturais desta vitamina na forma de nutriente prontamente assimilável. Quando se trata de alimento de origem vegetal, o organismo humano inicialmente assimila os compostos do grupo denominado de carotenóides que são convertidos em vitamina A durante o processo digestivo. Daí o termo pró-vitamina A.

14 Dentro grupo de carotenóides os compostos com maior atividade são os carotenos, sendo que a fração beta-caroteno possui o dobro da atividade do alfa-caroteno. Este composto tem coloração alaranjada, o que facilita muito a identificação de alimentos enriquecidos. O valor de pró-vitamina A apresentado na tabela 3 representa uma média entre as variedades de batata-doce encontradas no mercado. Entretanto, as variedades de polpa branca contém teores insignificantes de caroteno, enquanto que em variedades com polpa de coloração alaranjado-intenso apresenta valores superiores aos encontrados em cenoura, que é o alimento mais citado como fonte de caroteno. Como visto nos itens anteriores, a batata-doce apresenta muitas vantagens para ser utilizada como fonte de disponibilização de pró-vitamina A para as comunidades carentes, aliando-se as facilidades do ponto de vista agronômico com a facilidade de identificação de produtos naturalmente enriquecidos, pelo fato da coloração da polpa alaranjada ser um indicador de fácil visualização. Outra grande facilidade é o processo de multiplicação por meio vegetativo. A batata-doce é geralmente plantada por meio de ramas-semente que são segmentos de ramas contendo seis a oito nós (30 40 cm) retirados de plantas em lavouras em crescimento, com aproximadamente 90 dias de cultivo. Neste procedimento obtêm-se em média, cinco ramas por planta, sem prejuízo para a produção da lavoura doadora. Quando se necessita de alta taxa de multiplicação, cada nó pode dar origem a uma nova planta. Neste caso é feito o pré-enraizamento dos nós em água por dois ou três dias e depois são transplantados para bandejas altas de isopor (72 células e 11 cm de altura), cultivados em ambiente de viveiro de mudas por cerca de 30 dias e então transplantados em campo. Neste processo a taxa de multiplicação depende do vigor e tamanho da planta-matriz, podendo-se obter 20 a 30 mudas por planta. Outra forma de obter material propagativo consiste em utilizar raízes tuberosas. Cada raiz produz de 15 a 20 brotações que podem ser utilizadas nos processos de multiplicação descritos nos parágrafos anteriores. Além destes três procedimentos bastante práticos, a batata-doce pode ser vegetativamente multiplicada por enraizamento de folhas isoladas e por técnicas de cultivo in vitro. O fato de ser possível utilizar infinitas gerações no processo de multiplicação

15 vegetativa significa que, a partir de uma única planta que contenha um conjunto de características desejadas, pode-se ter uma nova variedade, utilizando o método de seleção. Para realização dos trabalhos de melhoramento genético são obtidas sementes botânicas com ampla variabilidade de caracteres, pois se trata de uma hexaploide (n=15). Portanto são 90 cromossomos com inúmeras possibilidades de combinações genéticas. A batata-doce na Embrapa Hortaliças A Embrapa Hortaliças mantém um banco de germoplasma de batata-doce que tem 1024 acessos, sendo 625 mantidos como planta cultivada em vasos, 43 in vitro e os demais como sementes. Durante o processo de renovação dos acessos foram separados e multiplicados sessenta acessos mais vigorosos que foram plantados em campo para avaliação, quando foram obtidos três acessos com coloração alaranjada (Figura 5) que contém cerca de 65 mg/kg de carotenóides totais. Figura 5 Raiz de batata-doce do acesso 171 do banco de germoplasma da Embrapa Hortaliças. Embora estes materiais não tivessem o teor tão elevado quanto o encontrado na variedade Resisto, que tem sido muito disseminada nos países africanos, iniciou-se a divulgação e disseminação destes materiais, ao mesmo tempo em que se procedia à introdução de clones, variedades e sementes, através do Centro Internacional de la Papa

16 (CIP) localizado no Peru. Quando o assunto foi apresentado no programa Globo Rural, da Rede Globo de Televisão, foi solicitado aos produtores o envio de amostras de batatas que tivessem polpa com coloração alaranjada, visando enriquecer a coleção. Surpreendentemente foram obtidos 153 materiais com as mais diversas características, incluindo desde batatas com polpa branca até polpa roxa (Figura 6). Esta nova coleção está sendo caracterizada por meio de descritores morfológicos e também por análise molecular, visando agrupar e eliminar as duplicatas. Os acessos que apresentavam raiz com coloração alaranjado-intenso foram analisados, obtendo-se valores de 52 a 261 mg/kg de carotenóides totais. Estes dados indicam um grande potencial para obtenção de variedade de excelentes características e com boa adaptação às condições de cultivo no Brasil. Figura 6 Raízes de acessos do banco de germoplasma de batata-doce da Embrapa Hortaliças. Dentre estes acessos foram selecionados 63 que apresentavam as melhores características em termos de formato, tamanho de raiz, uniformidade, cor e vigor. Este grupo está sendo avaliado para produtividade, resistência à nematóides e resistência ao fungo Plenodomus destruens, causador do mal-do-pé. Dos quarenta e três acessos que vieram do CIP, um grupo é composto por 22 variedades já avaliadas em outros países e os demais são clones elite selecionados no CIP. Estes materiais foram submetidos à quarentena, multiplicados e plantados em campo. A primeira avaliação deverá ocorrer em agosto de 2007. Enquanto isso, serão também submetidos à seleção para resistência à Plenodomus e Nematóides.

17 Produção de farinha A população alvo são as crianças e mães gestantes de comunidades carentes. Estas categorias sociais são atendidas por programas governamentais, como são os programas municipais e estaduais de alimentação coordenados pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional CONSEA (www.planalto.gov.br/consea/) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) (www.fnde.gov.br/ programas/pnae/index.html). São também assistidos por organizações não governamentais, tais como Pastoral da Criança (www.pastoraldacrianca.org.br) e Caritas do Brasil (www.caritas.org.br). Por meio de ações conjuntas com as entidades sociais os produtos biofortificados podem ser introduzidos, atingindo de forma rápida e efetiva à grande parte da população alvo. Entretanto, para que isso ocorra, é necessário que o produto seja apresentado de forma que permita o armazenamento sem refrigeração por longo prazo, além de ser de fácil utilização e de custo competitivo. Ao se entrevistarem senhoras merendeiras, elas foram unânimes ao afirmar que não é possível utilizar produtos in natura que demandam tanto tempo para o cozimento (20 min) para preparar grande número de refeições, mas que como substituta da farinha de trigo, a farinha de batata-doce seria facilmente utilizada para o preparo das merendas. Embora seja um produto com teor de umidade relativamente alto (70%), o custo da fabricação da farinha de batata-doce deve ser competitivo, pois o processamento e as características das matérias-prima são semelhantes às da farinha de mandioca, que é amplamente consumida pelas populações de baixa renda. Entretanto, para que os custos reais sejam avaliados, é necessário haver investimentos em unidade de fabricação, para que os custos operacionais e financeiros sejam devidamente quantificados. Como citado, o processamento da farinha é semelhante ao que se faz com outras matérias-prima. Os dois fatores diferenciais são a temperatura, que não pode ser superior a 60 ºC e a não exposição ao sol, tanto durante a secagem quando durante o armazenamento. O calor e a radiação degradam o caroteno. O processo consiste nas etapas: a) descascamento; b) lavagem; b) ralação ou picagem; c) secagem; d) moagem. O descascamento consiste na remoção da película e das partes danificadas por pragas e doenças. Ainda não foram avaliados os processos mecanizados para esta

18 operação, mas é muito provável que os descascadores utilizados para a mandioca sejam facilmente adaptados para a batata-doce. Logo após o descascamento as raízes devem ser mantidas imersas em água para evitar a oxidação e também evitar a aderência dos resíduos do descascamento. A lavagem consiste na remoção se sujeiras e dos contaminantes deixados durante a operação de descascamento. A picagem consiste em transformar as raízes em fatias longas e finas para facilitar o processo de secagem. Deve-se evitar o uso do ralador mandioca, pois com ele se obtém uma massa compacta que dificulta a passagem do ar durante a secagem. Para esta operação podem ser utilizados os processadores de alimentos ou construir um picador semelhante ao mostrado na figura 7, utilizando o disco fatiador com furo de 5 mm. Figura 7 Picador e secadora de raiz de batata-doce para fabricação de farinha A secagem deve ser feita à temperatura inferior a 60 ºC até atingir cerca de 10% de umidade, no menor tempo possível, visando reduzir os processos de oxidação e fermentação. Existe no mercado diversos modelos de secadores ou desidratadores utilizando como fonte de calor a energia elétrica, o gás e ar aquecido por coletores solares. Geralmente consiste em fazer circular e exaurir o ar aquecido, fazendo retirar a umidade do produto colocado sobre bandejas perfuradas. Na Embrapa Hortaliças foram avaliados dois secadores, sendo um elétrico, contendo seis resistências de 1000 w e capacidade de secagem de 30 kg de material fresco. O tempo de secagem foi de aproximadamente 10 horas, resultando num consumo

19 máximo de dois kwatts por quilo de material fresco (não foi possível quantificar o tempo que as resistências permaneciam automaticamente desligadas pelo termostato). O outro secador a gás (GLP) consumiu em média 2 kg de gás por ciclo de secagem de 10 h, e capacidade de secagem de 20 kg de material fresco. Estes parâmetros não devem se usados como cálculo do custo, pois a eficiência de secagem depende muito das condições ambientais e da eficiência do secador. Outra opção muito interessante é utilizar equipamentos de leito fluidizado, nestes equipamentos o ar aquecido circula em alta velocidade fazendo que a massa de material a ser secado flutue dentro da coluna de secagem, ocorrendo a desidratação em aproximadamente uma hora, à temperatura de 50 ºC. Com este processo é mantida a coloração original do produto, resultando numa farinha de ótima aparência. A grande limitação ainda é o custo do equipamento. Após a secagem o material pode ser armazenado em embalagens impermeáveis para posterior moagem. A moagem pode ser realizada em diversos tipos de moinho, desde que tenha uma peneira apropriada para que a granulometria da farinha seja fina e uniforme. Quanto à embalagem, é importante que seja impermeável à luz, para evitar a degradação do caroteno. Na Embrapa Hortaliças tem sido utilizado o plástico dupla face (preto e branco) fabricado com produto não reciclado. Outras opções são as embalagens aluminizadas e as latas. Quanto à conservação, amostras com 10 % de umidade, mantidas por um ano embalagens armazenadas em ambiente de laboratório ainda não apresentaram bolores, insetos ou quaisquer outros sinais de deterioração. Uso da farinha de batata-doce Em receitas de bolos, biscoitos e pães caseiros foi possível substituir totalmente a farinha de trigo. O sabor dos produtos elaborados com esta farinha é um pouco diferente, mas é agradável e não há repugnância. Mesmo nas receitas mais simples como as de biscoito que têm como ingredientes a farinha, ovos, margarina e fermento, houve ótima aceitação por alunos. Quando foram avaliadas receitas contendo chocolate, coco ralado ou leite condensado, a quantidade consumida foi maior que a habitual. Em receita de pão-francês o limite de substituição da farinha de trigo foi de 15%,

20 sem alteração de estrutura e volume e apresentando sabor suave. Ao adicionar 20% houve redução de volume e o sabor foi mais acentuado. Disseminação da tecnologia A Embrapa Hortaliças está desenvolvendo diversas atividades de disseminação da batata-doce alaranjada, porém sem utilizar a denominação de variedade biofortificada, pois o que está disponível ainda não contém o teor de caroteno desejado. Várias Unidades de Demonstração, Dias-de-campo, já foram realizados e a Embrapa tem disponibilizado os materiais genéticos para órgãos de pesquisa e assistência técnica, para grupos de produtores, cooperativas e prefeituras. BIBLIOGRAFIAS CURSO INTERNACIONAL SOBRE EL CULTIVO DE BATATA, 2. San Pedro, Argentina. [Apostilias...]. San Pedro: Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária, 1990. (CONSEA) Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. www.planalto.gov.br/consea/exec - Acesso em 12/04/2007. EDMOND, J.B.; AMMERMAN, G.R. Sweet Potatoes Production Processing Marketing. The air Publishing Company, INC, 1971. 58 p. FAO - FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. www.fao.org/ - Acesso em 12/04/2007. FOLQUER, F. La batata (Camote). Estudio de la planta y su produccion comercial. Editorial Hemisferio Sur. 1978, 82p. IBGE Instituto brasileiro de geografia e estatística. http://www.sidra.ibge.gov.br/ - Acesso em 02/04/2007. LUENGO, R. de F.A.; PARMAGNANI, R.M.; PARENTE, M.R.; LIMA, M.F.B.F. Tabela de composicão nutricional de hortaliças. Brasília: Embrapa Hortaliças, 2000. SILVA, J.B.C.; LOPES, C.A. (org.). Cultivo da batata-doce (Ipomoea batatas (L.) Lam). Brasília: Centro nacional de pesquisa de hortaliças, 1995. 18p. (Instrução técnica 7). SILVA, J.B.C.; LOPES, C.A.; MAGALHÃES, J.S. Cultura da batata doce. In: Agricultura: tuberosas amiláceas latinoamericanas (ed.). São Paulo, Fundação Cargill, 2002, v.4, p. 448-504. WOOLFE, J.A. Sweet potato. An untapped food resource. Cambridge University Press. 1992, 188 p.