ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: ENFATIZANDO OS SUJEITOS DE DIREITOS E O PAPEL DA PSICOLOGIA

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Transcrição:

ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: ENFATIZANDO OS SUJEITOS DE DIREITOS E O PAPEL DA PSICOLOGIA Adriana Sousa Silva 1 ; Ana Catarina da Silva Nóbrega ²; Josinaldo Furtado de Souza³; Jullyanne Rocha São Pedro 4 1 Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Campina Grande/UFCG- adriana.s.sousa@outlook.com 2 Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Campina Grande/UFCG anacatarina-16@hotmail.com ³Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Campina Grande/UFCG josinaldofr@hotmail.com 4 Mestranda em Psicologia da Saúde pela Universidade Estadual da Paraíba/UEPB jullyanne.rocha@hotmail.com Resumo: Este estudo objetiva realizar uma reflexão acerca do abuso sexual contra crianças e adolescentes, enfatizando as vítimas enquanto sujeitos de direitos e o papel da psicologia como interventor deste tipo de violência. Com isso, esse trabalho trata-se de uma revisão da literatura acerca do abuso sexual a crianças e adolescentes, legislação, definição de infância e adolescência, e, o papel da psicologia como interventor desta violência. Como resultados e discussão, obteve-se que as concepções de infância e adolescência são de caráter histórico, onde com o passar dos anos foi se instaurando certas legislações aplicadas a este público, até obter-se a vigente. Enfatizou-se que o abuso sexual pode ser combatido através de uma rede afetiva e social, onde diversas redes, como a do direito e da saúde, devem estar unidas, olhando não só pelo bem-estar da vítima, como também da família. Sobre o papel da psicologia, o mesmo foi relatado como uma atividade especializada, psicossocial, e psicossoeducativa a ser realizada com outros profissionais e em grupo, destacando-se o Centro de Referência Especializada de Assistência CREAS. Desta forma, concluiu-se que o abuso sexual é uma violência ainda vigente no Brasil, sendo as crianças e adolescentes sujeitos de direitos perante o Estatuto da Criança e do Adolescente, devendo haver uma maior integração entre as áreas de saúde, jurídico, hospitalar e educacional para se prestar um serviço de qualidade às vítimas, dando-se atenção também a família. Palavras-chave: abuso sexual, direitos, psicologia, crianças, adolescentes. INTRODUÇÃO A constituição Brasileira de 1988, por meio do artigo 227, lançou as bases para a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo este último responsável por garantir as crianças e aos adolescentes os direitos fundamentais, especificando as formas de proteção, através de dispositivos legais diferenciados contra a violência, negligência, crueldade, exploração e opressão (BRASIL, 1990). No entanto, mesmo havendo formas de proteção, o não respeito por esses direitos ainda é um fato existente na vida desse público. Prova disto é que no último ano, 2016, o Disque Direitos Humanos Disque 100 recebeu 77.290 denúncias de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes (BRASIL, 2016). E, no ano de 2015, foi a quarta mais recorrente neste serviço (BRASIL, 2015).

De acordo com Gonçalves (2004), a violência é um fenômeno complexo, sem uma definição única, mas que se manifesta de divergentes formas que estão conexas entre si. Desta forma, em meio a suas manifestações pode-se citar a violência sexual contra crianças e adolescentes, dando-se ênfase ao abuso sexual, onde, segundo o Ministério da Saúde do Brasil, esta última consiste em: todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual cujo agressor está em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o adolescente. Tem por intenção estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para obter satisfação sexual. Apresenta-se sobre a forma de práticas eróticas e sexuais impostas à criança ou ao adolescente pela violência física, ameaças ou indução de sua vontade. Esse fenômeno violento pode variar desde atos em que não se produz o contato sexual (voyerismo, exibicionismo, produção de fotos), até diferentes tipos de ações que incluem contato sexual sem ou com penetração. Engloba ainda a situação de exploração sexual visando lucros como é o caso da prostituição e da pornografia (BRASIL, 2002, p. 13). Ainda, de acordo com o Disque 100, as denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes também envolvem pornografia infantil, assédio sexual na internet ou grooming, sexting ou troca de fotos e vídeos de nudez, eróticas ou pornográficas, exploração sexual no turismo, dentre outras formas de ação (BRASIL, 2015). Entretanto, ressalta-se que o abuso pode ocorrer em dois contextos: o intrafamiliar, que ocorre no ambiente doméstico, onde o abusador possui posição de confiança, cuidado e poder sobre a vítima; e o extrafamiliar, onde este último se passa fora das relações familiares, podendo o agressor ser vizinho ou desconhecido (HABIGZANG & CAMINHA, 2004; KOLLER & DE ANTONI, 2004). Portanto, de acordo com o Mistério da Saúde do Brasil (2002), todos os tipos de violência acarretam traumas físicos e emocionais que atingem não só o presente como também o futuro das vítimas, sendo então vista como um problema de saúde pública. Dito isto, levando-se em consideração o abuso sexual contra crianças e adolescentes, assim como suas consequências, este trabalho objetiva uma reflexão acerca da temática, enfatizando as crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos, e, o papel da psicologia como uma ferramenta de intervenção para lidar com essa problemática. METODOLOGIA O presente artigo constitui-se através de uma revisão da literatura, do tipo explicativa, a qual utilizou-se da análise de artigos, livros e revistas eletrônicas acerca das temáticas que envolvem abuso sexual, violência, legislação e definições acerca da infância e da adolescência, e, o papel da psicologia enquanto interventor da prática de violência à crianças e adolescentes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO 1. Noções de infância e adolescência Ao se falar sobre violência sexual contra crianças e adolescentes pode-se questionar o que é ser criança e o que é ser adolescente. Dessa forma, torna-se necessário discutir os conceitos de infância e adolescência, sendo tais conceitos complexos e de resposta ampla que permitem a reflexão. De acordo com Frota (2007), na leitura do senso comum, ser criança significa ser feliz, onde é a melhor fase da vida. Enquanto que, segundo o autor, a adolescência resume-se no senso comum ao indivíduo chato, que vive constantemente em crises, sendo uma fase difícil da vida. Entretanto, percebe-se que as concepções de infância e adolescência são categorias construídas historicamente, tendo, múltiplas emergências. Somente no século XIX iniciou-se um movimento de preocupação referente aos direitos da criança, e só no século XX atitudes foram formalizadas em documentos, como a Declaração de Genebra (1924 e 1948) e a Declaração sobre os Direitos da Criança (1959), na qual proclamavam que a criança necessitava de proteção e cuidados especiais (ARANTES, 2012). Em 1979, a fim de possibilitar uma maior força e notoriedade a lei de direitos da criança, a ONU criou um Grupo de Trabalho para iniciar o texto da Convenção. Esta que permaneceu em debate por dez anos, sendo ratificada em 2 de setembro de 1990. Os países que participaram da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), se comprometeram em elaborar mecanismos legais internos voltados para efetivação desta. O Brasil ratificou a CDC em 20 de setembro de 1990. Ressalta-se que diversos países fizeram ressalvas aos seus artigos a fim de torná-la compatível com a cultura, a religião e a legislação de cada um. Segundo a Convenção dos Direitos da Criança, crianças são todas as pessoas menores de dezoito anos de idade. Porém, como dito anteriormente, alguns países fizeram ressaltas, e o Brasil foi um destes. No Estatuto da Criança e Adolescente-ECA (BRASIL, 1990), criança é a pessoa até os doze anos de idade incompletos, enquanto os que estão entre doze e dezoito anos, são considerados adolescentes. De acordo com Fontes (2005), a história dessa fase da vida no nosso país engana-se com a história de preconceito, exploração e abandono. Desde o começo crianças foram tratadas de maneiras diferentes e de acordo com a classe social.

Neste cenário, surge um termo que define esta criança esquecida: menor. Inicialmente, o termo referia-se a uma faixa etária associada, pelos Códigos de Menores de 1927 e 1979, as crianças e adolescentes pobres, tendo uma conotação valorativa negativa. Diante disso, era preciso atender a este grupo, mas com um olhar de superioridade, com o objetivo de salvá-los (FROTA, 2007). O menor foi entregue à alçada do Estado, que tratou de cuidar dele, institucionalizando-o, submetendo-o a tratamentos e cuidados massificantes, cruéis, e preconceituosos. Por entender, o menor como situação de perigo social e individual, o primeiro Código do menor, data de 1927, acabou por construir uma categoria de crianças menos humanas, menos crianças do que as outras crianças, quase uma ameaça a sociedade (FROTA, 2007, P.150). Neste tocante, a Constituição Federal brasileira firmou os princípios da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente, com absoluta prioridade. Destaca-se a violência sexual que, é frisada no parágrafo 4º, do Art.227. Tal fato foi uma resposta aos pedidos dos movimentos sociais que demandavam ações do país frente à violência sexual contra crianças e adolescentes. Com esta, o termo menor e a visão da criança como objeto, é substituída pela visão da criança como sujeito de direitos. Este movimento resultou com a aprovação do ECA, que não mais categoriza a infância como irregular, mas busca refletir sobre toda a diversidade desse público no Brasil (BRASIL, 1988; BRASIL, 2013; FROTA, 2007). 2. Proteção, cuidado e família O abuso sexual é uma violência de direitos que pode ser superada por meio de uma rede afetiva e social, sendo está última capaz de interromper o ciclo de violência, reduzir os danos sofridos pelo abuso e construir condições de proteção para a vítima fornecendo autonomia das pessoas em situação de violência (NEVES et al., 2010). De acordo com Habigzang, Ramos e Koller (2011), tal rede é fundamental no momento em que a vítima revela o abuso sexual ocorrido, pois, esta pode minimizar ou potencializar os danos dessa violência. Ainda segundo os autores supracitados, a rede é formada pela família, escola, comunidade, Ministério Público, Conselho Tutelar, Delegacia, Conselho de Direitos da Criança, Vara da Infância e Juventude, abrigos, serviços de saúde e assistência social, como o Centro de Referência da Assistência Social CRAS e o Centro de Referência Especializada da Assistência Social CREAS. Com o intuito de principalmente proteger a criança, a rede ao obter conhecimento de casos de

violência tem como uma de suas medidas notificar os órgãos de proteção, como Conselho Tutelar, Delegacias e Ministério Público, buscando assim afastar o abusador da vítima. Nesse contexto, a rede deve possuir uma equipe de apoio formada por profissionais capacitados e preparados no âmbito emocional, psicológico e técnico, tendo em vista que profissionais despreparados oferecem risco de revitimização (NEVES et al., 2010). Entretanto, destaca-se que ainda é constatado um despreparo dessa rede nas áreas de saúde, educação, hospitalar e jurídica, o que resulta em um trabalho fragmentado e desorganizado, não havendo, portanto, um envolvimento da equipe profissional e um trabalho qualitativo (HABIGZANG, RAMOS; KOLLER, 2011). Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), toda criança e/ou adolescente possui direitos que devem ser respeitados, sendo estes tratados como pessoas que devem ser protegidas e incumbidas de cuidados especiais que assegurem um desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Dessa forma, quando uma criança ou adolescente é vítima de abuso sexual, o ECA assegura também vários outros direitos, dentre eles a saúde, auxílio, refúgio e orientação. Com isso, a rede social de apoio destaca-se novamente, pois além de notificar o Conselho Tutelar, a mesma pode fornecer um atendimento psicológico, tendo em vista que as sequelas deixadas pela violência podem ser evidentes ou imperceptíveis, de gravidade severa ou não, mas sempre presentes (CFP, 2009). Nesse contexto, destaca-se não só o papel de cuidado para com a criança, como também em relação à família, que comumente responsabiliza a vítima pelo abuso, sendo necessário a criação de serviços de atendimento para não só o trabalho com a vítima, assim como para com a família (HABIGZANG, 2008). A família, por sua vez, pode ser considerada a instituição mais importante para a criança e/ou adolescente, visto que a mesma influência o desenvolvimento da criança e do adolescente, sendo um dos sistemas que contribuem para as situações de aprendizagem e introjeção de valores, padrões e normas. Ressaltando-se que, caso esta interação entre família e criança/adolescente não funcionar de forma adequada, as interações da criança/adolescente são prejudicadas (SILVA et al., 2008). 3. O papel do psicólogo enquanto interventor da violência sexual

De acordo com Habigzang et al. (2008), a psicologia tem contribuído no entendimento acerca do abuso sexual infantil e adolescente, fornecendo estudos sobre a dinâmica familiar, incidência epidemiológica, consequências do trauma desta violência para o desenvolvimento e intervenções de ordem clínica. Com isto, foi elaborado em 2009 pelo Conselho Federal de Psicologia CFP o relatório intitulado Serviço de Proteção Social a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias: referências para a atuação do psicólogo. O relatório em questão delimita as diretrizes básicas para a atuação do profissional em psicologia, onde o atendimento deste deve compor a atenção psicossocial especializada e em rede a crianças e adolescentes em situação de violência, assim como para com a família da vítima. Salienta-se que tal atenção psicossocial consiste na atuação do psicólogo (a) em atividades psicossocioeducativas, de apoio e especializadas, realizadas prioritariamente em pequenos grupos, possuindo ainda caráter disciplinar e terapêutico, sendo este último não necessariamente psicoterapêutico, alcançando um trabalho em equipe que envolva o atendimento com escuta e interdisciplinar em uma rede de apoio (NEVES et al., 2010). Tal relatório compreende que necessita-se que o profissional da psicologia atue na perspectiva de prevenção e de promoção, entendendo os fenômenos, dentre eles a atuação do psicólogo (a) no âmbito da assistência social, especialmente no serviço de enfrentamento à violência sexual contra crianças, adolescentes e suas famílias. Nesse contexto, destaca-se o atendimento operacionalizado, prioritariamente, pelos grupos de apoio às crianças e adolescentes e pelo grupo de apoio às famílias e de oficinas socioeducativas, sugerindo-se que o atendimento individual apenas nas entrevistas iniciais (CFP, 2009). Destaca-se que o relatório entende como atendimento a atenção física, jurídica, psicológica, econômica e social, assegurando a garantia de direitos de crianças e adolescentes. Desta forma, o atendimento deve ser tido como um conjunto de ações internas do CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e dos demais serviços da rede, onde as ações são voltadas para a atenção emergencial na prática da redução de danos e na melhoria das condições subjetivas do sujeito, fornecendo autonomia, favorecimento da participação da rede social ampliada, e compreendendo as crianças e adolescentes como sujeitos desejantes e de direitos (CFP, 2009). Outro ponto relevante a ser lembrado é que a psicoterapia tem o seu lugar na atenção à saúde, entretanto, é uma prática mais específica dos serviços de saúde mental. Com isso, o relatório ressalta que nem todos adolescentes e/ou crianças nos serviços de assistência social necessitam de

psicoterapia, porém, caso esta seja necessária, o psicólogo do CREAS avalia adequadamente a situação deste caso e indica o mesmo para a prática psicoterápica (CFP, 2009). CONCLUSÕES Mediante o exposto, compreende-se através dos dados fornecidos pelo Disque 100, nos últimos dois anos, que o abuso sexual em relação à crianças e adolescentes é uma violência ainda vigente no Brasil, sendo tido pelo Ministério da Saúde como um problema de saúde pública. Nesse viés, este trabalho buscou entender, por meio dos conceitos acerca de infância e adolescência, que tal público é visto perante a legislação brasileira enquanto sujeito de direito. Desta forma, respaldase que crianças e adolescentes vítimas desta violência, e de qualquer outra, devem ter validadas seus direitos, dentre eles a saúde, proteção e cuidado. Outro cuidado a ser desferido é sobre a família, pois, além de esta ser uma instituição importante para a vítima, em muitos casos a mesma responsabiliza a vítima pelo ato de abuso. Com isso, enfatiza-se também que apesar da existência das redes de apoio às vítimas, como a rede de saúde, educação, hospitalar e jurídica, tais áreas ainda trabalham de forma fragmentada e despreparada, o que compromete a qualidade do serviço. Portanto, necessita-se de uma reflexão acerca da atividade dessas áreas, buscando efetivar ainda mais a união entre elas, afim de produzir um atendimento qualitativo a vítima. Em meio a todas essas observações destaca-se ainda o papel da psicologia como interventor deste tipo de violência, devendo o Psicólogo ser visto em suas diretrizes básicas como uma das ferramentas da atenção psicossocial especializada, atuando em conjunto não só com as vítimas, como também com a família e outros profissionais. Outrossim, que se ressalta é que este apoio deve ser realizado em grupo, sendo o atendimento individual restrito as entrevistas iniciais. A este tipo de atendimento, exalta-se o serviço do CREAS como principal articulador. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANTES, E.M. M. Direitos da criança e do adolescente: um debate necessário. Psicol. clin.rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 45-56,2012. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0103-56652012000100004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 27 fev 2017. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. 1988.

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