MODOS DE PRODUÇÃO DE SENTIDOS NA NOTÍCIA: UMA PROPOSTA DE PROMOÇÃO DA LEITURA NO ENSINO FUNDAMENTAL

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Sumário APRESENTAÇÃO...7 LER E ESCREVER: A ESPECIFICIDADE DO TEXTO LITERÁRIO...11 A PRODUÇÃO ESCRITA...35 A CRÔNICA...53 O CONTO...65 A POESIA...

Transcrição:

MODOS DE PRODUÇÃO DE SENTIDOS NA NOTÍCIA: UMA PROPOSTA DE PROMOÇÃO DA LEITURA NO ENSINO FUNDAMENTAL Ana Paula Costa da Silva Santos 1 Andréa Rodrigues 2 Este trabalho apresenta um projeto de atividades de leitura com alunos do Ensino Fundamental, numa turma em que uma das autoras é a professora. A proposta surge de uma preocupação recorrente na prática pedagógica: a constatação da dificuldade dos alunos quanto à interpretação textual, principalmente no que tange à compreensão do funcionamento discursivo dos textos, isto é, no modo como os textos produzem sentidos. Consideramos que é de grande relevância pensar a formação de leitores hábeis e perspicazes, que possam fazer uma leitura crítica dos textos e analisar seus modos de produzir sentidos. Diante da proposta de oferecer aos alunos subsídios para a prática de leitura dos textos jornalísticos, optamos pelo trabalho de leitura da notícia. A escolha do gênero se deve, basicamente, a duas razões: a primeira, devido ao impacto que os textos jornalísticos têm na vida social e a segunda em virtude de que a notícia é apresentada, sobretudo no ambiente escolar, como um texto imparcial. Essa visão, presente inclusive em materiais didáticos, busca caracterizar a cobertura jornalística como uma narração pura e isenta de valores que perpassam pela sociedade, garantindolhe credibilidade, veracidade e autenticidade. Contudo, sabemos que a própria seleção dos fatos que terão espaço num determinado noticiário e o modo como serão apresentados ao leitor já fazem parte da produção de sentidos numa notícia. Temos como objetivo geral promover a capacidade leitora de alunos do Ensino Fundamental a partir da análise da produção de sentidos na notícia, desenvolvendo os seguintes objetivos específicos: a) avaliar a interpretação de notícias por parte dos alunos; b) apresentar as relações entre os funcionamentos discursivos dos textos e as suas condições de produção e recepção; c) propor atividades de interpretação de notícias voltadas para a análise de algumas sequências discursivas e seus modos de produção de sentidos. Consideramos que podemos contribuir para a formação de leitores que tenham mais possibilidades de compreender, dialogar, enfim, construir e reconstruir sentidos do/para o texto. Para isso, estamos desenvolvendo um projeto de natureza interventiva voltado para atividades de leitura, debates e exercícios de interpretação a partir da notícia. Através de análises de notícias, promovemos ações que destacam as possibilidades de leituras na compreensão dos textos veiculados pelo Jornal Extra de acordo com os modos de produzir sentidos. Pretendemos oferecer aos alunos meios de exercitar práticas de leitura que permitam observar os modos de funcionamento 1 Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Letras da FFP-UERJ. 2 Professora do Programa de Mestrado Profissional em Letras da FFP-UERJ. Doutora em Linguística pela PUC- Rio. 1

discursivo das notícias, numa análise que possa se articular tanto ao contexto histórico quanto a um contexto mais imediato, promovendo com isso a possibilidade de uma leitura não ingênua dos textos que circulam em nossa sociedade. O projeto vem sendo desenvolvido em sala de aula, com atividades elaboradas para o aperfeiçoamento da habilidade de promoção da capacidade leitura em uma turma de 9º ano na escola estadual CIEP 415 Miguel de Cervantes, situada no município de Itaboraí/RJ. Partimos da abordagem teórica da Análise do Discurso (AD) formulada por Pêcheux e seus colaboradores, desenvolvida também no Brasil por Eni Orlandi e pesquisadores por ela formados. Como dispositivo analítico, destacamos a discussão sobre a leitura na AD (ORLANDI, 1995, 2012; INDURSKY, 2010, 2011) para pensar modos de praticá-la em sala de aula. A prática de leitura de acordo com a proposta da Análise do Discurso refuta o fazer pedagógico do passado, que desenvolvia esse processo entendendo-o como um simples ato de decodificação de sinais gráficos. De acordo com Indursky (2010, 2011), é imprescindível associar à atividade de interpretação o conhecimento de mundo, a fim de que o sujeito tenha possibilidades de construir hipóteses e formular sentidos levando em conta as condições de produção e recepção do texto. Um ensino de leitura que se pretende efetivo deve, essencialmente, desconstruir a concepção de leitura como algo homogêneo, a desqualificação do conhecimento prévio do aluno, a restrição da apreensão dos significados textuais e a imposição do reducionismo que visa à decodificação. Nesse sentido, Indursky (2011, p.166) critica abordagens como a da Linguística Textual: A leitura que deriva dessa concepção de texto é apegada à superfície textual, não abrindo espaço para que o leitor negocie seu sentido. Sendo assim, não é possível pensarmos na prática de leitura sem que a exterioridade seja tomada como constitutiva do texto. Interpretar um texto não é um processo de apropriação de sentidos; o leitor deve considerar a significação construída por meio da materialidade linguística, observar os modos de funcionamento discursivo, para pensar de que modo o texto está produzindo sentidos. O cenário educacional atual exige uma reflexão contínua acerca dos problemas com os quais nos deparamos em sala de aula, buscando, incansavelmente, novas ideias e estratégias para amenizar as dificuldades que impedem nossos alunos de avançarem de modo expressivo no processo de aprendizagem. A primeira parte do projeto de natureza interventiva consiste numa avaliação do processo de interpretação de notícias por parte dos alunos. Na atividade, utilizamos a seguinte notícia: 2

Fonte: Jornal Extra, 14/5/2016 Consideramos que era importante a percepção do modo como a notícia era construída: o texto não está somente relatando o fato de que o presidente Michel Temer saiu de Brasília em direção a São Paulo. A notícia estabelece uma comparação entre o comportamento da ex-presidente Dilma Rousseff e o atual presidente em relação ao deslocamento do Palácio do Jaburu até a Base 3

Aérea de Brasília. Nosso objetivo, nesse primeiro momento, era avaliar o quanto os alunos conseguiam perceber, no texto, esse modo de produção de sentidos. Antes de desenvolvermos uma discussão sobre o texto, propusemos uma atividade de compreensão leitora relacionada à notícia, através de um exercício com as seguintes questões: (1) Que fato está sendo relatado no texto? (2) Quais são os personagens envolvidos no fato? (3) Onde ocorreu o fato? (4) Como aconteceu? (5) De que modo o fato está sendo relatado? O exercício foi respondido por 18 alunos. Encontramos resultados compatíveis com a ideia de que havia uma demanda de uma prática de leitura mais crítica, mais atenta às condições de produção e recepção de textos. Não havia uma percepção clara, por exemplo, em relação ao fato de a notícia ter estabelecido uma comparação entre o comportamento de Dilma e Temer. Nas respostas às questões do exercício, observamos a recorrência das palavras humilde para caracterizar o atual presidente e mordomia, ambiciosa para descrever os costumes da expresidente, reforçando a oposição construída pela própria notícia e a ideia de que Temer é melhor presidente que Dilma, no sentido de adotar posturas mais próximas a do cidadão comum, abrindo mão dos privilégios de que o representante da nação dispõe. A partir dos resultados, iniciamos um trabalho de análise do modo como o texto produz esses sentidos, problematizando a suposta neutralidade do gênero notícia, defendida/postulada nos livros didáticos. Partindo das condições de produção do texto, discutidas com os alunos, procuramos explorar a estrutura da notícia para que os alunos observassem.a própria construção da notícia, com a ordem das informações, as escolhas lexicais, etc. Também foram debatidos o lugar que a notícia ocupou no jornal e o seu título, a fim de fazer com que os alunos refletissem sobre esses processos de significação e problematizassem os sentidos produzidos no texto. Esse segundo momento de análise colaborou para que eles construíssem novas interpretações e verbalizassem, oralmente, que estavam percebendo outros sentidos no texto. Foram comentados os usos das palavras facilidades e raramente, por exemplo. A comparação passou também a ser vista como um modo de produzir sentidos sobre os personagens envolvidos, com a valorização do atual presidente e a crítica à ex-presidente. Os resultados da atividade de leitura e de debate reforçaram a demanda por um conjunto de atividades que propiciem essa leitura crítica do gênero notícia, que estão sendo propostas na continuidade do projeto de natureza interventiva. Ao longo das etapas, e como resultado final, esperamos criar as condições para que os alunos compreendam melhor o funcionamento discursivo das notícias, o que poderá torná-los capazes de uma leitura mais crítica dos textos de uma forma geral. 4

REFERÊNCIAS INDURSKY, Freda. Estudos de linguagem: a leitura sob diferentes olhares teóricos. In: TFOUNI, Leda V. (Org.). Letramento, escrita e leitura. Campinas: Mercado de Letras, 2011, p. 163-178.. Estudos da linguagem: língua e ensino. Revista Organon, Porto Alegre: Instituto de Letras/UFRGS, vol. 24, n. 48, 2010. ORLANDI, Eni P. Leitura: de quem, para quem? In: ABREU, Márcia. Leitura do Brasil: antologia comemorativa pelo 10º Cole. Campinas: Mercado de Letras, 1995, p. 57-71.. Discurso e Leitura. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2012 5