Número do processo: 1.0105.03.107269-4/001(1) Relator: TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO Relator do Acordão: TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO Data do Julgamento: 29/03/2007 Data da Publicação: 01/06/2007 Inteiro Teor: EMENTA: AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULATÓRIA DE REGISTRO CIVIL - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE RECURSAL - PEDIDO INICIAL - ALTERAÇÃO DO REGISTRO PÚBLICO - PROVIMENTO DO RECURSO. O Ministério Público tem legitimidade para recorrer nos casos em que atua como "custos legis", nos termos do art. 499 do CPC, verificada a continuidade do interesse do menor. Diante do pedido do autor para que fosse anulado o registro civil realizado mediante erro, com a exclusão de seu nome "como pai do requerido" (fl. 07), saneando, desse modo, o vício presente, deve ser mantido o registro do menor, feitas as devidas alterações. APELAÇÃO CÍVEL N 1.0105.03.107269-4/001 - COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES - AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A) (S): J.C.M. - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO ACÓRDÃO (SEGREDO DE JUSTIÇA) Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO. Belo Horizonte, 29 de março de 2007. DESª. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO - Relatora NOTAS TAQUIGRÁFICAS A SRª. DESª. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO: VOTO Conheço do recurso, uma vez que preenchidos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de sua admissibilidade. Trata-se de "Ação Negatória de Paternidade c/c anulatória de registro civil" (fls. 02/08) proposta por J. C. D. M. em face de E. P. D. M. representado por sua mãe S. P., alegando que manteve relação sexual com a mãe do requerido, tendo se prevenido usando preservativo, e após um ano recebeu a notícia de que a mesma havia tido um filho e que ele poderia ser o pai. Aduziu que não teve contato próximo com a criança e que "após muita insistência da Sra. S." resolveu registrar o menino como seu filho. No entanto, "com o passar do tempo o autor passou a desconfiar que o filho não era seu, pois a criança nada se parecia com ele", além de ter tido a informação de que a mãe do requerido "mantinha relações sexuais com outra pessoa, chamada Ronaldo, na mesma época em que saiu com o autor e que, inclusive, a criança se parece muito com este ex-namorado". Ainda, sustentou que "foi a um médico urologista e descobriu que possui um baixo número de espermatozóides (doc. anexo) e que seria necessário fazer um tratamento para que ele conseguisse engravidar alguém", motivo pelo qual requereu "seja decretada a não paternidade do autor e a conseqüente anulação do
registro civil do menor com a exclusão do nome do autor como pai do requerido". O MM. Juiz de primeiro grau (fls. 105/106), em sede de audiência, julgou procedente o pedido inicial, consignando que "verifica-se que a paternidade foi excluída conforme laudo pericial, às fl. 90", inexistindo "nos autos nenhuma outra prova que possa fazer face ao que foi apurada por meios técnicos", declarando "nulo o registro do menor, constante do livro 165 A, fls. 164, termo 5933 do Cartório de Registro Civil Claudionor Nunes Leite". Inconformado, apelou o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (fls. 109/114), apontando, preliminarmente, sua legitimidade para recorrer nos termos do art. 499 do CPC, atuando como custos legis, bem como a tempestividade do recurso e, no mérito, alegou "ter ficado extremamente comprometido o interesse do menor no que diz respeito a segunda parte da sentença (fls. 105 e 106) que declara totalmente nulo o registro do mesmo", entendendo que "o autor deseja apenas a exclusão de seu nome do registro civil em razão do erro, e não da totalidade do registro", sendo que "continuando com o registro, o interesse do menor estará melhor resguardado, conforme determina a Carta Magna em seu artigo 227, prioridade absoluta, já que os demais dados são verídicos, e sua anulação total traz prejuízo para a identificação da criança, seja no meio escolar, familiar ou social, uma vez já inserido no contexto social e assim sendo, conta com registro pertinente, permanecendo o mesmo assento", aduzindo ainda que "a sentença proferida foi ultra petita", motivo pelo qual requereu o provimento do recurso. Às fls. 117v, o réu se manifestou, aduzindo que "faz suas as razões recursais apresentadas pelo MP", assim como o autor que pugnou "pelo improvimento do recurso". Parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 124/128), opinando pelo provimento do recurso. Inicialmente, cumpre a análise da questão preliminar de legitimidade do Ministério Público do Estado de Minas Gerais para recorrer no presente caso, destacando o disposto no art. 499 do CPC: "Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público. (...) 2º O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei." Sobre a questão, o posicionamento de NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY: "Legitimidade recursal do MP. É ampla, quer seja parte ou fiscal da lei no processo civil. Pode recorrer no processo falencial (RT 657/86), nos procedimentos de jurisdição voluntária (RJTJSP 94/210), bem como nas ações de estado (RSTJ 27/329). Tem o MP legitimidade para interpor recurso adesivo, como parte ou fiscal da lei, porque o termo 'parte' constante do CPC 500, quer significar parte recorrente. Pode interpor recurso nas ações acidentárias, ainda que o obreiro seja maior e possua advogado constituído (RSTJ 48/123; STJ 226). Cessada a causa de interdição do MP no processo civil, cessa por conseqüência sua legitimidade para recorrer (RSTJ 18/445)" (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor, Ed. Revista dos Tribunais, 6ª ed., pág. 832). Além dos fundamentos expostos, verifica-se nos autos que continua presente o interesse do menor,
razão pela qual mostra-se legitimado o Ministério Público para interpor o presente recurso. Também em sede de prefacial, é possível aferir a tempestividade do recurso, tendo em vista a data da audiência em que foi proferida a decisão monocrática (fl. 106v), aplicando-se o disposto no art. 188 do Código de Processo Civil. Feitas essas considerações, passo à análise meritória. Revelam os autos que J. C. D. M. ajuizou "Ação Negatória de Paternidade c/c anulatória de registro civil" (fls. 02/08) em face de E. P. D. M. representado por sua mãe S. P., requerendo "seja decretada a não paternidade do autor e a conseqüente anulação do registro civil do menor com a exclusão do nome do autor como pai do requerido", tendo o MM. Juiz a quo julgado procedente o pedido inicial "para declarar que J. C. D. M. não é pai biológico de E. P. D. M.", declarando ainda "nulo o registro do menor". Irresignado, apelou o Ministério Público, alegando que "a sentença proferida foi ultra petita" (fl. 113), requerendo seja "mantido o atual registro, suprimindo-se somente o cognome 'Mata', o nome do autor como genitor (J. C. D. M.) e de seus avós paternos" (fl. 114), para resguardar o interesse do menor. Inicialmente, importante destacar o disposto no art. 113 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos e dá outras providências, verbis: "Art. 113. As questões de filiação legítima ou ilegítima serão decididas em processo contencioso para anulação ou reforma de assento." (destaquei) Ainda, vale colacionar o ensinamento de MÁRIO AGUIAR MOURA, que esclarece: "Se houve um reconhecimento que não corresponde à realidade, a lei deve admitir a faculdade de impugnação desse reconhecimento extravagante da verdade objetiva. O artigo 113 da Lei nº 6.015/73, dispõe que as questões de filiação legítima e ilegítima serão decididas em processo contencioso para anulação ou reforma do assento. A ação de impugnação de paternidade é ação de estado, como tal, inalienável, irrenunciável, inacessível e imprescritível. A falsidade da declaração jamais poderá convalescer porquanto é de interesse público que a filiação seja estabelecida segundo a verdade da filiação natural" (Tratado e Prática da Filiação, vol. I, págs. 164/167). No caso dos autos, "a paternidade foi excluída conforme laudo pericial às fl. 90" (fl. 105), tendo o magistrado de primeiro grau julgado procedente o pedido "para declarar que J. C. D. M. não é pai biológico de E. P. D. M.", tendo ainda declarado "nulo o registro do menor" (fls. 105/106). No entanto, verifica-se que o pedido inicial versa sobre a decretação da "não paternidade do autor e a conseqüente anulação do registro civil do menor com a exclusão do nome do autor como pai do requerido" (fl. 07, destaquei). Assim, anota-se que o autor requereu fosse anulado o registro civil realizado mediante erro, com a exclusão de seu nome "como pai do requerido" (fl. 07), saneando, desse modo, o vício presente, devendo ser mantido o registro referente ao menor e sua genitora. Destarte, a respeitável decisão a quo não foi proferida, nesse mister, de acordo com os termos do pedido inicial, motivo pelo qual a mesma deve ser reformada para que seja mantido o registro civil do menor com a exclusão do cognome "Mata", bem como do nome do autor como genitor, e dos avós paternos. Ademais, não há outro caminho a ser seguido, tendo em vista que o menor não pode ser penalizado
por erro de outrem, com a perda de seu registro civil, devendo ser resguardado seu direito neste aspecto, nos termos do art. 227 da Constituição da República. Esse é o entendimento dessa Egrégia Corte de Justiça: "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - CERCEAMENTO DE DEFESA. SEGUNDA PERÍCIA. DESNECESSIDADE. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO. ERRO ESSENCIAL. INVALIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO 1. Omissis. 2. Omissis. 3. O reconhecimento voluntário de paternidade é irrevogável desde que válido. 4. Comprovada, através de exame de DNA, a existência de erro essencial, revela-se inválido o reconhecimento de paternidade. Deve, portanto, ser alterado o registro civil de nascimento para exclusão dos dados relativos à paternidade equivocada. 5. Apelação cível conhecida e não provida, rejeitada uma preliminar." (AP. 1.0456.01.012107-1/001, Rel. Des. Caetano Levi Lopes, DJ 26/03/2004). "EMENTA: AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE POR TERCEIRO QUE NÃO O CONSTANTE DO REGISTRO - EXAME DE DNA COMPROVATÓRIO - CONSEQUÊNCIA JURÍDICA INAFASTÁVEL: ANULAÇÃO DO REGISTRO E AVERBAÇÃO DOS DADOS CORRETOS - CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. - Na virada do milênio, com a valorização dos atributos da dignidade da pessoa humana e seu patrimônio genético, é inconcebível manter hígido falso reconhecimento de paternidade, pela nocividade para o plano afetivo da família, relação de dependência econômica e o interesse social que a descoberta da exclusão genética pelo teste DNA provoca nestes setores." (APELAÇÃO CÍVEL N 1.0480.03.048481-4/002 - RELATOR: EXMO. SR. DES. SILAS VIEIRA - j. 13/10/2005) "PATERNIDADE. NEGATÓRIA. REGISTRO DE NASCIMENTO. ERRO. OCORRÊNCIA. RETIFICAÇÃO. EXAME DE DNA. COMPROVAÇÃO.Para afastar falsidade dele constante, impõe-se a retificação do registro de nascimento dos menores, invalidando-se o ato de reconhecimento da paternidade, diante das provas e circunstâncias." (APELAÇÃO CÍVEL N 1.0024.04.298602-6/001 - RELATOR: EXMO. SR. DES. MANUEL SARAMAGO - j. 27/10/2005) "AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL - REGISTRO ATESTANDO A PATERNIDADE - ERRO SUBSTANCIAL - EXAME DE DNA - VERIFICAÇÃO DA CORRETA PATERNIDADE - ANULAÇÃO DO REGISTRO PARA COLOCAÇÃO DA CORRETA PATERNIDADE. Se o pai que consta no registro de nascimento incorreu em erro substancial quando registrou a menor como sua filha, o erro autoriza a sua anulação e alteração da paternidade no registro civil. Revela-se sobretudo correta a retificação quando o pai biológico por ela se interessa e reivindica a paternidade. Deve-se olhar a questão pelo lado humano e justo, não podendo se atentar para formalismos exagerados que possam conduzir à injustiça." (APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0145.00.009885-8/001 - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE - j. 24/08/2004) Mediante tais considerações, dou provimento ao recurso. Custas recursais, ex lege. Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): RONEY OLIVEIRA e SILAS VIEIRA. SÚMULA : DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0105.03.107269-4/001