O RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA, RESULTANTE DA POSSE DO ESTADO DE FILHO, APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 RESUMO



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Transcrição:

O RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA, RESULTANTE DA POSSE DO ESTADO DE FILHO, APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Marcos Costa Salomão 1 Noli Bernardo Hahn 2 RESUMO O presente artigo é resultado de uma pesquisa bibliográfica normativa, doutrinária e jurisprudencial que analisa, através do método dedutivo, o instituto da filiação e as formas do seu reconhecimento espontâneo após a Constituição Federal de 1988, com ênfase sobre a paternidade socioafetiva resultante da posse do estado de filho. Na sequência serão apresentados os provimentos das Egrégias Corregedorias Gerais de Justiça dos estados do Ceará, Pernambuco e Maranhão que preveem o reconhecimento da paternidade socioafetiva diretamente no cartório do registro civil, sem necessidade de chancela judicial, o que acaba criando uma dúvida em relação ao restante do país sobre a possibilidade deste procedimento, eis que os outros estados não possuem regulamentação específica sobre o tema. Esta é a problemática desta pesquisa. Como resposta ao problema será demonstrado que o Superior Tribunal de Justiça aceita o reconhecimento de filiação socioafetiva perante o notário, através de escritura pública, desde o ano de 2009, o que foi corroborado com a publicação do Provimento 16/2012 do Conselho Nacional de Justiça que 1 Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade de Passo Fundo (UPF), Mestrando em Direito pela Universidade Regional Integrada das Missões-URI/Santo Ângelo/RS, Professor do Curso de Direito das Faculdades Integradas Machado de Assis, Oficial de Registros Públicos e Tabelião na Comarca de Três de Maio/RS. E-mail: marcos@ssalomao.com.br 2 Doutor em Ciências da Religião, pela UMESP. Graduado em Filosofia e Teologia. Professor Tempo Integral da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Campus de Santo Ângelo, RS. Integra o Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado em Direito, no qual ministra a disciplina Direito, Cultura e Religião. Participa do Grupo de Pesquisa Novos Direitos na Sociedade Globalizada. E-mail: nolihahn@santoangelo.uri.br

abordou o reconhecimento de paternidade diretamente nos cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais sem mencionar que a norma seria aplicada exclusivamente a paternidade biológica. Justifica-se a presente pesquisa como forma de colaborar com os serviços registrais e notariais do Brasil, esclarecendo que é possível o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva como forma de contribuir com a regularização de situações fáticas existentes em diversos lares, onde a formação familiar é baseada no afeto e não apenas o critério biológico. Palavras-Chaves: Reconhecimento de filiação - Filiação Socioafetiva Registro Civil - Escritura Pública- Posse de estado de filho - Conselho Nacional de Justiça INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 passou a tratar todos os filhos de forma igualitária. Está vedada toda e qualquer discriminação entre filhos, sejam eles frutos de uma relação de união estável, matrimonial, adúltera, concubinária ou eventual. Todos possuem os mesmos direitos. Ocorre que muitos filhos não são reconhecidos por seus pais, sendo registrados apenas com o nome da mãe. Mais tarde, passados os motivos que não levaram o pai a reconhecer o seu filho quando do seu nascimento, surge a vontade espontânea de reconhecer a paternidade, oferecendo a lei, diversas formas. Sob esta ótica, sabemos que a lei sempre buscou a paternidade biológica como princípio básico da filiação. Porém, modernamente, passou-se a considerar também a paternidade baseada no afeto, sem vínculo biológico, em razão das mais variadas formações familiares, amparadas pelo princípio norteador da pluralidade das famílias. Assim, o judiciário passou a ser a porta de entrada na busca pelo reconhecimento da paternidade socioafetiva, eis que a lei civil não prevê esta modalidade de forma expressa. Foi a jurisprudência que criou, com o apoio da

doutrina, a ideia de que pai é quem cria e assume os deveres constitucionais previstos no artigo 227 da Carta Magna. Eis aí o problema a ser estudado. Seria possível o reconhecimento extrajudicial, via cartório, da paternidade socioafetiva? Os estados do Ceara, Pernambuco e Maranhão se anteciparam e, no ano de 2013, editaram provimentos permitindo esta prática. O restante do país não se posicionou a respeito. A dúvida, então, é latente nos serviços registrais e notariais quanto ao tema, que requer ser estudado como forma de contribuir com a atividade cartorária e com o desenvolvimento uniforme de uma sociedade mais justa e fraterna. Neste artigo abordaremos, pelo método hipotético dedutivo, as espécies de filiação e as suas formas de reconhecimento, através de pesquisa teórica bibliográfica normativa, doutrinária e jurisprudencial, demonstrando que é possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva na via extrajudicial, conforme entendimento expresso do Superior Tribunal de Justiça e tácito do Conselho Nacional de Justiça. 1- Da Filiação Neste item abordaremos a igualdade constitucional entre os filhos e as espécies de filiação, tratando da filiação natural, da resultante de reprodução assistida, da adotiva e da socioafetiva baseada na posse do estado de filho, a qual nos aprofundaremos um pouco mais, por ser o objeto deste estudo. 1.1- Considerações gerais A Constituição Federal de 1988 encerrou com a discriminação legal que existia em relação aos filhos que não eram fruto do casamento, comparando-os, de forma igualitária, aos filhos nascidos na constância do matrimonio. Os filhos adotivos

também receberam o mesmo tratamento. Agora, todos são iguais e possuem os mesmos direitos. Nestes termos, preceitua o 6º do artigo 227 da Carta Magna (BRASIL, 1988) que Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 3 É importante frisar que, quando a Constituição Federal se refere a designações discriminatórias, está se referindo aos dados constantes nos registros de nascimento, lavrados e arquivados nos cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, sendo este o primeiro documento público do recém nascido, e que servirá como fonte para todos os outros documentos que ele terá durante a sua vida civil. Ao lavrar o registro de nascimento do infante, o oficial registrador não poderá mencionar o estado civil dos seus pais, nem tampouco se aquele registro deriva de mandado judicial de adoção ou de qualquer outro ato que possa diferencia-lo dos demais, como, por exemplo, um reconhecimento tardio da paternidade. Como ensina Pablo Stolze Gagliano (2013, pág.618) Ser filho de alguém independe de vínculo conjugal válido, união estável, concubinato ou mesmo relacionamento amoroso adulterino, devendo todos os filhos ser tratados da mesma forma. O texto constitucional trata da filiação biológica e da filiação adotiva, equiparando-as. Posteriormente, a lei 10.406/2002, que instituiu o Código Civil trouxe a possibilidade da filiação surgir de outra origem, conforme o artigo 1593, que diz: O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.(brasil, 2002) Neste sentido, o enunciado 103 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (NEGRÃO, 2012) interpretou o artigo 1593 desta forma: Enunciado 103: O Código Civil reconhece, no artigo 1593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo assim, a noção de que há um parentesco civil no vínculo parental, proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga, relativamente ao pai (ou 3 A lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil repetiu o texto constitucional em seu artigo 1596.

mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho. Eis a grande novidade: a paternidade resultante do afeto, sem vínculo biológico e sem passar por um processo de adoção. A paternidade que nasce do sentimento e da emoção. Como ensina Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf (2012, pág. 29) A afetividade pode ser entendida como a relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém íntimo ou querido. É um estado psicológico que permite ao ser humano demonstrar os sentimentos e emoções a outrem. Assim, quando falamos em filiação devemos entender que ela pode ocorrer na forma biológica, civil ou socioafetiva. Convém, agora, conceituar filiação, com base na doutrina brasileira. Para Jorge Shiguemitsu Fujita (2011, pág.10) Filiação é, no nosso entender, o vínculo que se estabelece entre pais e filhos, decorrente da fecundação natural ou da técnica de reprodução assistida homóloga (sêmem do marido ou do companheiro: óvulo da mulher ou companheira) ou heteróloga (sêmem de outro homem, porém com o consentimento do esposo ou companheiro; ou óvulo de outra mulher, com anuência da esposa ou companheira), assim como em virtude da adoção ou de uma relação socioafetiva resultante da posse do estado do filho. Do conceito se extrai que a filiação pode ser natural, assistida, adotiva ou socioafetiva resultante da posse do estado de filho, ais quais veremos de forma sucinta no próximo tópico. 1.2- Das formas de filiação Conforme abordado no tópico anterior, a filiação pode ser natural, assistida, adotiva ou socioafetiva resultante da posse do estado de filho. É importante ressaltar que toda a paternidade é socioafetiva, pois é possuidora de afeto. Como ensina Paulo Luis Neto Lobo (2006, pág. 16) Toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não; ou seja, a paternidade socioafetiva é gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a não-

biológica. Assim, dividiremos a paternidade 4 socioafetiva em lato sensu (biológica, assistida e adotiva) e stricto sensu (resultante da posso do estado de filho). Veremos agora, separadamente, cada uma destas espécies. 1.2.1 Filiação Natural Por natural, entende-se como aquela proveniente da relação sexual entre o homem e a mulher sem qualquer assistência médica. Trata-se do exercício normal da natureza na busca pela preservação da espécie. Pode ser fruto de pessoas casadas ou não, bem como pode ocorrer de forma intencional ou acidental. A lei 10.406 (BRASIL, 2002) quando trata da filiação natural, fruto do casamento, determina presunções em relação a paternidade natural nos incisos I e II do artigo 1597 Art. 1597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I-nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II- nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação de casamento; Assim, se nascidos cento e oitenta dias após o casamento, o filho da mulher, presume-se do seu marido. Também presume-se do marido o filho nascido em até trezentos dias depois do divórcio, viuvez ou anulação do casamento. 1.2.2 Reprodução Assistida Já a reprodução assistida 5 é aquela que depende de assistência médica especializada e está prevista nos incisos III, IV e V do artigo 1597 6 da lei 4 É importante distinguir pai de genitor. Genitor é quem gera. Pai é quem cria, quem assume os deveres de realização dos direitos fundamentais da pessoa em formação, elencados no artigo 227 da Constituição Federal, constituindo uma relação afetiva com o filho. O pai que assume estes deveres, não é necessariamente o genitor. (LOBO, 2006, pág. 16)

10.406/2002 e regulamentada pela resolução 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina. Ela pode ser homóloga ou heteróloga. Como ensina Rolf Madaleno (2010, pág. 59): A constante evolução da medicina genética permite a fecundação fora do corpo da mulher e sem a realização da cópula, fecundando in vitro um óvulo extraído de uma mulher, com sêmem do marido ou da pessoa que com ela viva em união estável, ou pode decorrer da doação de material genético de uma terceira pessoa. Por reprodução assistida homóloga entende-se aquela em que é utilizado o sêmem do marido ou companheiro e o óvulo da esposa ou companheira. Por reprodução assistida heteróloga entende-se aquela em que o sêmem do homem ou o óvulo da mulher pertence a um doador (a) anônimo. A lei 10.406/2002 também se preocupa com os embriões excedentários (aqueles que não foram utilizados e sobraram), decorrentes de concepção artificial homóloga. Eles serão criopreservados em um local especial, podendo ser reutilizados a qualquer tempo, dependendo da vontade das partes, que deverão expressá-la no momento inicial de todo o processo de reprodução assistida 7. 1.2.3 Filiação Adotiva 5 Enunciado 105 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: As expressões fecundação artificial, concepção artificial e inseminação artificial constantes, respectivamente, dos incisos III, IV e V do art. 1597 devem ser interpretadas como técnica de reprodução assistida (NEGRÃO, 2012). 6 Artigo 1597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I-... II-... III- Havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido. IV- Havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga. V- Havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. 7 Resolução 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina, inc. V n. 4 : No momento da criopreservação os pacientes devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos embriões criopreservados, quer em caso de divórcio, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los. Disponível em: <http://portal.cfm.org.br/images/pdf/resoluocfm%202013.2013.pdf>. Acesso em 02 dez.2014.

A filiação adotiva é aquela que decorre de um processo judicial. Como ensina Renata Barbosa de Almeida (2012, pág. 368) É a forma mais conhecida, porque mais antiga, de filiação socioafetiva. Consiste em, por escolha, tornar-se pai e/ou mãe de alguém com quem, geralmente não se mantém vínculo biológico algum. A autora fala em socioafetividade, eis que o afeto que surgirá entre o adotante e o adotado, é que criará o vínculo sentimental da paternidade e filiação, originandose de uma sentença judicial de adoção. Como ensina Carlos Alberto Dabus Maluf (2013, pág. 561) Adoção é o negócio jurídico pelo qual se promove, mediante sentença judicial constitutiva, o ingresso de um indivíduo, maior ou menor de idade, capaz ou incapaz, em família substituta, a família adotante, passando o adotado a dispor de todos os direitos e deveres inerentes a filiação biológica. O filho adotivo, mesmo que não possuindo vínculo biológico com o adotante, gozará dos mesmos direitos de um filho natural, sendo equiparado a este. 1.2.4 Filiação Socioafetiva resultante da posse do estado de filho Por fim, temos a filiação socioafetiva, decorrente da posse de estado de filho que, modernamente, vem sendo sustentada pela jurisprudência e estudada pela doutrina 8-9. Importante, antes de explicar o estado de filho, e compreender como ocorre a posse deste estado, é preciso conceituar o estado de família, que é o gênero do qual 8 Belmiro Pedro Welter ao escrever sobre o filho de criação ensina que A afetividade se corporifica naqueles casos em que, mesmo não havendo vínculo biológico, alguém educa um ser humano por mera opção, por modo de ser-em-família, amor, afeto e solidariedade humana, abrigando-o em seu lar, cumprindo com o princípio da convivência da família (artigo 227, cabeço, da Constituição do País) (2010, pág.100). 9 Leonardo Barreto Moreira Alves ao falar sobre paternidade socioafetiva diz: Segundo tal ideia, pai não é necessariamente o marido da mulher que concebe o filho ou aquele que procria (mero genitor), mas sim quem cria, quem diariamente preta afeto, cuidado e amor. [...] É que nesta espécie de paternidade, em regra, não há entre pai e filho nenhum vínculo jurídico (paternidade jurídica) ou biológico (paternidade biológica), mas meramente fático, voluntário, constituído, portanto, pela livre manifestação dos envolvidos, que não eram obrigados a constituir uma relação afetiva, mas ainda assim constituíram. (2010, pág. 172)

o outro é espécie. Assim, como ensina Sílvio de Salvo Venosa (2003, pág. 18) Estado de família é a posição e a qualidade que a pessoa ocupa na entidade familiar. Ou seja, é onde a pessoa está localizada naquela família, sendo ela filho, pai, avô, genro, neto, etc. Entre estas posições, está a posição de filho. Assim, dentro do estado de família temos o estado de filho, que é ocupado por que está na linha reta, descendente, em primeiro grau. Como ensina Lobo (2006, pág. 16) Outra categoria importante é a do estado de filiação, compreendido como o que se estabelece entre o filho e quem assume os deveres de paternidade, correspondentes aos direitos mencionados no art. 227 da Constituição. O estado de filiação é a qualificação jurídica dessa relação de parentesco, abrangendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. O filho é titular do estado de filiação, da mesma forma que o pai é titular do estado de paternidade em relação a ele. É importante ressaltar que, se alguém está ocupando uma posição na família, que não é sua, pode ocorrer o fenômeno da posse de estado. Como ensina Maria Berenice Dias (2011, pág. 371) quando as pessoas desfrutam de uma situação jurídica que não corresponde a verdade, detém o que se chama de posse de estado. Assim, se alguém é criado por outro como se filho fosse, desfruta da posse do estado de filho. Como ensina Fujita (2011, pág. 78) A filiação socioafetiva decorrente da posse do estado de filho é aquela em que se verifica uma relação paterno-filial, ou materno-filial, ou paternomaterno-filial, em que se destacam o tratamento existente entre os pais e o filho, de caráter afetivo, amoroso e duradouro, e a reputação ou fama na qualidade de filho perante terceiros. Portanto, aquele que não é filho biológico de alguém, nem passou pelo processo de adoção, mas ocupa posição pública na família, como se filho fosse, está na posse de estado de filho. Esta, então, é a filiação socioafetiva baseada na posse do estado de filho, baseada no afeto.

2. Do Reconhecimento da Filiação Reconhecer um filho é um ato de grandeza. A lei civil traz várias formas de alcançar este fim. Apresentaremos de forma sucinta cada uma destas espécies e ao final abordamos com maior profundidade o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva baseada na posse de estado de filho, objeto deste trabalho. 2.1 Do reconhecimento no ato do registro de nascimento Quando a mãe não é casada, ou, se casada o nascimento do seu filho ocorreu antes do casamento completar 180 dias 10, é necessário que o pai da criança compareça, junto com a mãe, ao cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais para declarar a paternidade e assinar o registro de nascimento. Trata-se de ato de reconhecimento de filho no ato do registro de nascimento, com a concordância da mãe 11. 2.2 Do reconhecimento de filho tardio Quando a mãe registra o nascimento do seu filho somente em seu nome poderá o pai, posteriormente, reconhecer a paternidade. Este reconhecimento poderá ocorrer, conforme prevê o artigo 1609, incisos II, III e IV do Código Civil, através de escritura pública em tabelionato de notas, por instrumento particular diretamente no cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, por testamento ou por manifestação direta e expressa perante um juiz de direito, independente do tipo do processo que as partes estejam envolvidas. 10 Artigo 1597, inciso I do Código Civil. 11 Artigo 1609, inciso I do Código Civil.

Após o reconhecimento da paternidade, será realizada uma averbação no registro de nascimento da criança, inserindo no termo os dados do pai e dos avós paternos. Ao ser extraída nova certidão de nascimento, não constará que o reconhecimento de paternidade ocorreu posteriormente ao registro, como forma de evitar discriminação ao registrado. A nova certidão de nascimento será expedida da mesma forma que é expedida uma certidão de nascimento de uma criança que sempre teve o nome do pai em seu registro. Não haverá diferença. É importante lembrar que a mãe deve concordar com o reconhecimento de paternidade, assinando o documento competente. Se o filho já tiver alcançado a maioridade, este será chamado para consentir com o reconhecimento 12. 2.3 Do reconhecimento judicial da filiação socioafetiva resultante da posse do estado de filho A jurisprudência vem consolidando a possibilidade de reconhecimento de filho não biológico, mas socioafetivo, quando evidente a posse do estado de filho. Diversos tribunais de país entendem que o nome do pai afetivo deve ser inserido no registro de nascimento da criança, preenchendo, assim, a lacuna deixada pelo pai biológico que não reconheceu a paternidade. Trata-se de um avanço na área do Direito de Família, que vem buscando regularizar situações de fato existentes, baseadas no afeto, trazendo segurança e bem estar aos integrantes de uma entidade familiar. Por ser uma novidade, não prevista no ordenamento jurídico, mas construída pela doutrina e pela jurisprudência, a busca pela sua efetivação vem ocorrendo através de processo judicial. Após a sentença que defere a filiação socioafetiva, é expedido um mandado judicial de averbação para o cartório de Registro Civil das 12 Artigo 1614 do Código Civil.

Pessoas Naturais onde se encontra o registro daquele que não possui o nome do pai no seu assento. A necessidade de intervenção judicial para apreciação deste reconhecimento espontâneo de paternidade acaba, naturalmente, dificultando a sua realização. Apesar de ser um pedido simples, com a concordância da mãe ou do filho maior, o processo soma-se a outros tantos que tramitam nas varas de família. Existem, ainda, os inúmeros casos que não chegam ao judiciário por desconhecimento do procedimento ou por questões culturais. A possibilidade de um reconhecimento de filiação socioafetiva diretamente em cartório, seria uma opção prática para as famílias que se encontram nesta situação, o que já vem ocorrendo em três estados brasileiros de forma inovadora. 2.3.1 Do Pioneirismo dos estados de Pernambuco, Ceará e Maranhão em relação ao reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva resultante da posse do estado de filho Enquanto na maior parte do país o reconhecimento de filiação socioafetiva resultante da posse do estado de filho ocorre somente de forma judicial, uma novidade surge na região nordeste do país, com a possibilidade deste reconhecimento ocorrer diretamente na via extrajudicial. É o que prevê o provimento 09/2013 de 02 de dezembro de 2013 da Corregedoria Geral de Justiça do estado de Pernambuco, o provimento 15/2013 de 17 de dezembro de 2013 da Corregedoria Geral de Justiça do estado do Ceará e o provimento 21/2012 de 19 de dezembro de 2013 da Corregedoria Geral de Justiça do estado do Maranhão. As novas normas preveem que a paternidade socioafetiva seja reconhecida diretamente ao oficial do cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais, sem entraves burocráticos.

O pai socioafetivo comparece ao cartório e declara que reconhece como seu filho a pessoa ali registrada, com base no afeto existente entre os dois. A mãe é chamada para consentir. Se o registrado for maior de idade, ele é que será chamado para dar o seu consentimento. Publicados no mês de dezembro de 2013, os provimentos são semelhantes em seu teor, diferenciando-se o provimento do estado do Maranhão em relação aos outros, onde este permite o reconhecimento perante qualquer oficial do registro civil do estado, enquanto no Ceará e em Pernambuco o reconhecimento deve ocorrer diretamente no cartório que encontra-se registrado o filho. 3- Da possibilidade de reconhecimento de filho socioafetivo por escritura pública ou escrito particular nos demais estados brasileiros Enquanto Ceará, Pernambuco e Maranhão caminham a passos largos em busca da desburocratização do reconhecimento da filiação socioafetiva, confiando na fé pública do oficial registrador do cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, os outros estados brasileiros ainda dependem, em regra, da chancela judicial para o ato. Este é o entendimento natural que se possui acerca do procedimento, eis que não existe previsão legal no ordenamento jurídico nacional e, em razão disso, muitos tabelionatos evitam lavrar escrituras públicas de reconhecimento de filiação socioafetiva, procedimento também evitado pelos cartórios de Registro Civil em relação a possibilidade de reconhecimento por instrumento particular. Porém, deve-se compreender que a lei civil brasileira, embora não descreva expressamente a possibilidade de realização deste ato, também não o proíbe. Aliás, cabe aqui desenvolver um raciocínio sobre o reconhecimento extrajudicial de filiação, como forma de averiguar se é possível a sua aplicação na esfera socioafetiva.

3.1- Da evolução legislativa sobre o reconhecimento extrajudicial de paternidade após a Constituição Federal de 1988 Com a chegada da igualdade constitucional entre irmãos, o legislador brasileiro procurou facilitar os procedimentos para o reconhecimento de filho. Neste raciocínio, a lei 8069 (BRASIL, 1990) 13 trouxe em seu artigo 26 a possibilidade de reconhecimento de filho por escritura pública, nestes termos: Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação. Importante dispositivo já trazia a expressão qualquer que seja a origem da filiação, deixando aberta uma porta para o futuro, eis que naquela época pouco se falava em filiação socioafetiva. Com a chegada da lei 8.560 em 29 de dezembro de 1992 o reconhecimento extrajudicial de filho foi novamente descrito como possível através de escritura pública, surgindo agora, também, a possibilidade de reconhecimento por instrumento particular, a ser arquivado em cartório, conforme previsto no inciso II do artigo 1ª. desta norma 14. Em 2002 com a chegada do novo Código Civil através da lei 10.406, novamente o legislador reforçou a ideia de reconhecimento de filho por escritura pública ou por instrumento particular (arquivado em cartório), através do artigo 1609, inciso II 15 e determinou, em seu artigo 10, inciso II, a necessidade do ato ser averbado no registro público competente 16. 13 Estatuto da Criança e do Adolescente. 14 Art. 1 O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I -... II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; 15 Art. 1609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I-... II- por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório.

Sobre a diferenciação entre paternidade biológica e socioafetiva, o legislador não se manifestou. Foi a jurisprudência que começou a construir a ideia da filiação baseada no afeto, interpretando os dispositivos legais para adapta-los a uma nova realidade. 3.2- Do Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o reconhecimento extrajudicial de filiação socioafetiva. Sem normas expressas que regulassem o reconhecimento de filho socioafetivo, em 2009, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Jusitça decidiu no REsp 709.608/MS, Relator Ministro João Otávio de Noronha, sobre a validade do ato por escritura pública, nestes termos: REGISTRO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE VIA ESCRITURA PÚBLICA. INTENÇAO LIVRE E CONSCIENTE. ASSENTO DE NASCIMENTO DE FILHO NAO BIOLÓGICO. RETIFICAÇAO PRETENDIDA POR FILHA DO DE CUJUS. ART. 1.604 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE VÍCIOS DE CONSENTIMENTO. VÍNCULO SOCIOAFETIVO. ATO DE REGISTRO DA FILIAÇAO. REVOGAÇAO. DESCABIMENTO. ARTS. 1.609 E 1.610 DO CÓDIGO CIVIL. 1- [...] 2-.Não há que se falar em erro ou falsidade se o registro de nascimento de filho não biológico efetivou-se em decorrência do reconhecimento de paternidade, via escritura pública, de forma espontânea, quando inteirado o pretenso pai de que o menor não era seu filho; porém, materializa-se sua vontade, em condições normais de discernimento, movido pelo vínculo socioafetivo e sentimento de nobreza. Com esta decisão, encerra-se a discussão sobre a possibilidade de reconhecimento de filho socioafetivo por escritura pública, eis que o próprio judiciário entende como válido e legal o ato, ampliando a interpretação das normas existentes e sepultando a tese de que se aplicariam somente a paternidade biológica. 16 Art. 10. Far-se-á a averbação em registro público: I-... II- dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação.

3.3- Do Provimento 16/2012 do Conselho Nacional de Justiça Finalmente em 17 de fevereiro de 2012 o Conselho Nacional de Justiça publicou o Provimento n. 16/2012 17 tratando do reconhecimento de paternidade a ser realizado diretamente nos cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais. O assunto foi tratado no artigo 6ª., nestes termos: Art. 6ª. Sem prejuízo das demais modalidades legalmente previstas, o reconhecimento espontâneo de filho poderá ser feito perante o Oficial de Registro de Pessoas Naturais, a qualquer tempo, por escrito particular, que será arquivado em cartório (BRASIL, 2012) A nova norma do Conselho Nacional de Justiça facilitou o reconhecimento espontâneo da filiação, pois agora o pai pode comparecer diretamente a qualquer cartório de Registro Civil do país, independentemente de onde esteja o registro, e declarar a paternidade 18. O provimento não disse que a paternidade a ser declarada é exclusivamente a biológica. Falou apenas em reconhecimento espontâneo de filho, o que deixou margem para dupla interpretação, em razão dos estudos já realizados sobre filiação socioafetiva. Corroborando neste raciocínio, encontramos na página do Conselho Nacional de Justiça (www.cnj.jus.br) a publicação de três notícias 19-20 - 21 informando à 17 Disponível em <http://www.cnj.jus.br/provimentos-atos-corregedoria/18278-provimento-n-16-de-17-defevereiro-de-2012 > Acesso em 02 dez. 2014. 18 Art. 6º. Sem prejuízo das demais modalidades legalmente previstas, o reconhecimento espontâneo de filho poderá ser feito perante Oficial de Registro de Pessoas Naturais, a qualquer tempo, por escrito particular, que será arquivado em cartório. 1º. Para tal finalidade, a pessoa interessada poderá optar pela utilização de termo, cujo preenchimento será providenciado pelo Oficial, conforme modelo anexo a este Provimento, o qual será assinado por ambos. 2º. A fim de efetuar o reconhecimento, o interessado poderá, facultativamente, comparecer a Ofício de Registro de Pessoas Naturais diverso daquele em que lavrado o assento natalício do filho, apresentando cópia da certidão de nascimento deste, ou informando em qual serventia foi realizado o respectivo registro e fornecendo dados para induvidosa identificação do registrado. 3º. No caso do parágrafo precedente, o Oficial perante o qual houver comparecido o interessado remeterá, ao registrador da serventia em que realizado o registro natalício do reconhecido, o documento escrito e assinado em que consubstanciado o reconhecimento, com a qualificação completa da pessoa que reconheceu o filho e com a cópia, se apresentada, da certidão de nascimento. 19 Dia 05 de dezembro de 2013. Ato da Corregedoria autoriza pais a reconhecer filho socioafetivo, referindo-se ao estado do Ceará. Pode ser acessado em http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/27086-atoda-corregedoria-autoriza-pais-a-reconhecer-filho-socioafetivo

sociedade brasileira sobre os provimentos de reconhecimento de paternidade socioafetiva nos estados de Pernambuco, Ceará e Maranhão, já descritos neste trabalho. Isso nos leva a crer que, se o próprio Conselho Nacional de Justiça divulga a existência destes provimentos, é porque não se opõe ao procedimento e nem proíbe o seu exercício, consentindo de forma tácita. Assim, é possível traçar um histórico sobre o sobre o reconhecimento extrajudicial da filiação, a partir de 1988 da seguinte forma: - o artigo 227 6ª. da Constituição Federal de 1988: - o artigo 26 da lei 8069/90; - o artigo 1ª. inciso II da lei 8.560/92; - os artigos 10, inciso II e 1609 inciso II da lei 10.406/2002; -Jurisprudência do STJ em 2009 - Provimento 12/2012 do Conselho Nacional de Justiça. - Provimentos do nordeste em 2013 com divulgação pelo próprio Conselho Nacional de Justiça. Diante disso, podemos afirmar que o reconhecimento extrajudicial espontâneo da paternidade socioafetiva resultante da posse do estado de filho pode ser realizado através de escritura pública, perante o notário ou através de instrumento particular, a ser arquivado em cartório, perante o oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais, com anuência da mãe, se o filho for menor de dezoito anos, ou com o consentimento do próprio filho, se maior de idade. 20 Dia 20 de dezembro de 2013. Provimento autoriza reconhecimento de paternidade socioafetiva, referindo-se ao estado do Maranhão. Pode ser acessado em http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/27248- provimento-autoriza-reconhecimento-de-paternidade-socioafetiva 21 Dia 27 de dezembro de 2013. Corregedoria autoriza reconhecimento de paternidade socioafetiva referindo-se ao estado do Ceará. Pode ser acessado em http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/27266- corregedoria-autoriza-reconhecimento-de-paternidade-socioafetiva

CONCLUSÃO Muito tem se discutido acerca da filiação socioafetiva e suas formas de reconhecimento. A filiação baseada no afeto, conhecida como filho de criação é uma modalidade não prevista expressamente na lei civil, mas amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência. Seu reconhecimento sempre esteve atrelado à chancela judicial, até que as Corregedorias Gerais de Justiça dos estados do Ceará, Pernambuco e Maranhão editaram provimentos regulando o seu reconhecimento extrajudicial de forma direta, perante o cartório de registro civil das pessoas naturais. Entendimento semelhante já tinha o STJ no ano de 2009 ao reconhecer como válido o reconhecimento da filiação socioafetiva por escritura pública perante o notário. Analisar e interpretar as normas que tratam o tema é dever dos operadores do direito, que não podem se furtar de reconhecer que o direito está em constante evolução e que a sociedade merece caminhos menos burocráticos para regularizar situações já existentes. O reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, resultante da posse do estado de filho é tacitamente reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça que buscou facilitar o reconhecimento de paternidade através do Provimento 16/2012, sem limita-lo a paternidade biológica, e divulgou em seu saite os provimentos das Corregedorias estaduais do nordeste do país que tratam do assunto. O notário, bem como o oficial do registro civil são detentores de fé pública e estão à disposição da sociedade para prestar o público serviço de solucionar demandas, antes que venham bater as portas do judiciário. A falta de uma regulamentação expressa sobre o tema acaba inibindo a realização destes procedimentos nos serviços registrais e notariais. A presente pesquisa demonstra que é possível o reconhecimento da filiação socioafetiva de forma direta nos cartórios de notas ou de registro civil, sem a

chancela judicial, o que contribui significativamente para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e fraterna. Aconselha-se, ainda, a edição de uma norma nacional expressa sobre o tema, a ser editada pelo Conselho Nacional de Justiça, com a finalidade de tranquilizar a classe de notários e registradores. Ressalva-se, porém, que o procedimento já possui amparo jurisprudencial e normativo, conforme demonstramos no presente trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Renata Barbosa de; JÚNIOR, Walsir Edson Rodrigues. Direito Civil/ Famílias. 2ª. ed. São Paulo: Editora Atlas 2012. ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Direito de Família Mínimo/ A possibilidade de Aplicação e o Campo da incidência da Autonomia Privada no Direito de Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris 2010. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 02 dez. 2014. BRASIL. Lei 8069 de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 02 dez. 2014.. Lei 10406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em : < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 02 dez. 2014.. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 709.608/MS da Quarta Turma, Rel. Ministro João Otávio de Noronha. Brasília, 05 nov. 2011. DJe 23 nov. 2009 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n. 2013, 16 abril 2013, Brasília, DF. Disponível em <http://portal.cfm.org.br/images/pdf/resoluocfm%202013.2013.pdf> Acesso em 02 dez. 2014. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento n. 16 de 17 de fevereiro de 2012. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/provimentos-atos-corregedoria/18278- provimento-n-16-de-17-de-fevereiro-de-2012 > Acesso em 02 dez. 2014. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais 2011.

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