A INSERÇÃO DA PESQUISA EM CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU: limites e possibilidades Cassiano Lazarotto Rambo 1 Maria Lúcia Marocco Maraschin 2 Iône Inês Pinsson Slongo 3 Resumo: Esta pesquisa buscou na disciplina Metodologia da Pesquisa em cursos de pósgraduação lato sensu, em uma universidade comunitária, a concepção de pesquisa e por extensão, sua significação na e para a formação pessoal e profissional dos estudantes deste nível de ensino pelo viés do desenvolvimento de competências e habilidades ante os desafios e as demandas da contemporaneidade. O objetivo deste estudo foi identificar nas vivências de pesquisa na pós-graduação lato sensu os indicadores de compromisso da disciplina com a formação pessoal e profissional dos envolvidos. Trata-se de pesquisa de campo de cunho qualitativo e caráter exploratório com características de um estudo de caso, realizada na Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), junto a sete professores da disciplina de Metodologia da Pesquisa atuantes em cursos de pós-graduação lato sensu. A coleta de dados deu-se via entrevista e a análise dos resultados corrobora com as incursões teóricas que os subsidiam, num movimento dialético. A inserção da disciplina nas propostas pedagógicas dos cursos, tem pois, compromissos políticos, éticos, de continuidade do desenvolvimento das habilidades iniciais desencadeadas via cursos de graduação, suas práticas e elaborações teóricas traduzem-se em conseqüência o compromisso de tomá-la como desafio constante frente as mudanças e exigências. Dentre as múltiplas indagações que perpassam estudos desta natureza, o que se evidencia é que para além da sua concepção, traduz-se por extensão em curiosidade epistemológica, como caminho para a constituição de posturas diferenciadas, em decorrência da compreensão da incompletude do conhecimento e do próprio ser humano. Palavras-chave: Metodologia da Pesquisa. Cursos de pós-graduação lato sensu. Curiosidade epistemológica. 1. Introdução A sociedade desse século passa por mudanças profundas em quase todos os segmentos, especialmente no modo de viver e pensar das pessoas, das organizações e dos processos produtivos. Essas alterações transformaram as exigências em termos de qualificação profissional, aliando ao conhecimento o desenvolvimento de habilidades necessárias à busca de soluções para 1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais (PPGCA), Unochapecó. biorambo@unochapeco.edu.br 2 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Professora da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). marialucia@unochapeco.edu.br. 3 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Professora da Unochapecó. ione@unochapeco.edu.br
problemas concretos. Assim, a educação superior tem diante de si o desafio da mudança, assumindo-a na sua complexidade, precisa envolver a sociedade como um todo para a formação de profissionais críticos, criativos e comprometidos com os desafios da contemporaneidade. Assim, as novas demandas da sociedade exigem uma formação que articule competência científica e técnica com inserção política e postura ética. Neste contexto, cada vez mais ganha notoriedade a inserção da pesquisa como uma importante estratégia de formação pessoal e profissional inerente aos cursos de graduação e pós-graduação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 20 de dezembro de 1996, em seu artigo 43, incisos I a IV explicita os compromissos da universidade: I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação. (http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/lei9394.pdf). Nesta mesma direção Carvalho e Gil-Pérez (1993) argumentam que os profissionais em formação necessitam vivenciar situações de pesquisa, examinando criticamente sua atividade profissional. A disciplina de Metodologia da Pesquisa, componente curricular que integra os projetos pedagógicos de cursos de pós-graduação lato sensu, apresenta relevância na formação dos estudantes. Possibilita ao profissional que está se aperfeiçoando, oportunidade para compreender diferentes concepções que emergem do trabalho de pesquisa, subsidiado pela formação teórico-metodológica que a orienta, validando os instrumentos que colocam o pesquisador em contato com a realidade estudada. Neste sentido, diversos autores (MACCARIELLO; NOVICKI; CASTRO, 2002; DAMASCENO, 2002; CALAZANS, 2002; MALDONADO; PAIVA, 2002;
BRIDI; PEREIRA 2004) advogam sobre os benefícios proporcionados pela inserção na pesquisa, que além de propiciar o desenvolvimento da capacidade de argumentação, de abstração, de levantamento de problemas, e de raciocínio crítico, cria no indivíduo uma atitude de independência e autonomia diante do conhecimento e das questões do cotidiano, colaborando para formar um profissional mais autônomo e independente perante a sua prática. Neste sentido, a inserção do estudante em exercícios de pesquisa, depende, em grande parte, da atitude investigativa do professor da disciplina de pesquisa e da sua capacidade de estimular a curiosidade epistemológica, razão que justifica o estudo ora apresentado que motivou a análise das concepções de pesquisa dos professores que ministram a disciplina de Metodologia da Pesquisa nos cursos de pós-graduação lato sensu da Unochapecó. 2. Caminhos da pesquisa Trata-se de uma pesquisa de campo de cunho qualitativo e caráter exploratório com características de um estudo de caso. Foi realizada na Unochapecó, junto a sete professores da disciplina de Metodologia da Pesquisa, atuantes em 10 cursos de pós-graduação lato sensu, nas diferentes áreas do conhecimento, desenvolvidos até 2008. A amostra foi selecionada de forma aleatória. A coleta de dados deu-se no primeiro semestre de 2009, via entrevista semi-estruturada, abordando os seguintes tópicos: importância e significado da disciplina de Metodologia da Pesquisa; expectativas da mesma na formação do egresso; conhecimento dos impactos de um curso lato sensu na atuação profissional do aluno; habilidades e competências desenvolvidas pela disciplina. A análise dos resultados corrobora com as incursões teóricas que subsidiam o estudo, num movimento dialético. 3. Resultados e discussão
Quanto ao significado da disciplina Metodologia da Pesquisa, os professores informam que ela é grande importância na inserção e aperfeiçoamento do aluno nas práticas de investigação: A atividade de pesquisa se caracteriza como uma das mais significativas no contexto universitário. Assim, a disciplina de Metodologia da Pesquisa representa um espaço de estudos, reflexões e entendimento dos procedimentos teóricos e metodológicos que garantem o caráter científico do processo investigativo, em conformidade com as necessidades da realidade vigente. (Professor 1). Neste sentido, para Maccariello, Novick e Castro (2002) ao se inserir em uma pesquisa, o aluno têm a possibilidade não só de aprender a fazer pesquisa, mas também de se munir de instrumentos para olhar a realidade, abstrair e elaborar conhecimento. No sentido de aperfeiçoamento da ação investigativa, a disciplina: [...] desperta a curiosidade pra investigação e despertando essa curiosidade pra investigação ela também faz com que os estudantes olhem pra realidade, como uma forma de entrar nela, desvendar relações, enfim, tudo o que não está aparente, desvendar um contexto mais complexo, de relações e fenômenos. (Professor 6). E este despertar, para Calazans (2002), contribui sensivelmente para o avanço na produção do conhecimento, pela dedicação ao aprendizado e pela construção de posturas voltadas ao estímulo e à imaginação criadora. A disciplina de Metodologia da Pesquisa além de despertar o aluno para investigação científica dá subsídios para a investigação de seus objetos de estudos, conforme afirmações abaixo: [...] a disciplina habilita no sentido epistemológico, no sentido teórico metodológico, ou técnico metodológico, para que o aluno entre em contato com a elaboração de projetos de investigação, com as técnicas de coletas de dados, cabíveis pra processar o trabalho de campo, enfim, para coletar as informações necessárias ao seu objeto de estudo. (Professor 5). O significado da disciplina Metodologia da Pesquisa é apontado em relação à elaboração e estruturação do projeto de pesquisa que depois poderá resultar no trabalho de monografia final. (Professor 3). Sobre este significado, Damasceno (2002) afirma que a pesquisa oportuniza sistematicamente a apropriação e reelaboração de conhecimentos teórico-metodológicos indispensáveis, tanto para a formação e
aperfeiçoamento da investigação científica, como para o desenvolvimento do próprio estudo. A disciplina também é apontada como uma forma de educação continuada, onde existe certa sequência da pesquisa vivenciada na graduação. Outro significado atribuído à disciplina, é que ela também é importante na vida acadêmica, no processo de formação pessoal e profissional. Os professores argumentam que ela propicia uma união entre a teoria e a prática, da qual emerge o rigor criativo: [...] aquele pelo qual você faz mais do que observar, você interpreta a realidade. [...] começo a notar cada vez mais, na minha observação, que o objeto não é algo em si mesmo, mas está dialeticamente se relacionando com outros que constituem uma totalidade. (FREIRE; SHOR, 1986, p. 104). Quanto às concepções de pesquisa presentes na disciplina, identifica-se a preocupação dos professores em relacioná-la com o dia-a-dia do aluno: Tem-se buscado trabalhar a concepção de pesquisa utilitária, que tenha significado para o autor, a partir dos conceitos do método científico. As pesquisas resultantes deverão ser emanadas da realidade social, seja no sentido de testar teorias ou resolver problemas concretos. (Professor 1). Para Damasceno (2002) a pesquisa é genuinamente gerada da prática social, da realidade social. E neste sentido, faz-se necessário indicar dimensões do real das quais deve incidir o estudo, para, a seguir, problematizá-las, relacionando-as com a teoria. A universidade, além da formação de profissionais, deve propiciar a produção e socialização de conhecimentos, contribuindo para a construção de respostas às demandas socialmente postas. (MACCARIELLO; NOVICK; CASTRO, 2002). Nota-se que a busca efetuada quanto à significação da disciplina de Metodologia da pesquisa, quanto às expectativas e impactos inerentes à formação pessoal e profissional, que esta consolida-se como um componente curricular articulador dos processos de formação possibilitados pela pósgraduação lato sensu. Com relação às habilidades, competências e saberes que a disciplina intenciona desenvolver, os professores entrevistados apontam: Para o desenvolvimento do pensamento crítico, objetivo e racional;
Para a interação entre os pares, na produção e na troca de saberes; Para a busca sistemática, teórico-prática, de um tipo de conhecimento, o conhecimento científico; O estímulo para a observação, o gosto pelas idéias claras, a imaginação ousada, a curiosidade, o aprofundamento de problemas, a sagacidade e o poder de discernimento; Para a atitude de humildade e reconhecimento das limitações do trabalho científico sempre em construção, contendo a possibilidade de acertos, erros e enganos; A busca do conhecimento da realidade, as noções básicas da metodologia e técnicas de pesquisa, seriedade e consciência social; Para o desenvolvimento de uma atitude de autocrítica em relação às próprias pesquisas; O rigor metodológico; O desenvolvimento do hábito da leitura, da escrita, com os cuidados específicos para a redação científica; Habilitar o aluno para pensar, organizar, elaborar, e concretizar um projeto de pesquisa; Perceber a pesquisa como atividade que permite a autonomia intelectual e a descoberta de novos saberes. Compreender o processo da pesquisa na sua amplitude. Quanto às habilidades, competências e saberes que a disciplina contribui e/ou deve contribuir na formação pessoal e profissional dos estudantes, Demo (2002) destaca que a literatura, de forma unânime, vem ressaltando a importância da pesquisa nos processos formativos. Salienta como principal contribuição, o desenvolvimento do rigor e do espírito investigativo e da curiosidade epistemológica. Maldonado e Paiva (2002) destacam também, que esta inserção na pesquisa estimula a criatividade e curiosidade dos estudantes e incrementa a atitude crítica, forjando uma postura de engajamento nos processos acadêmicos, incentivada mediante participação e comunicação de trabalhos em eventos e de intervenções na realidade pesquisada.
Para as autoras, essa nova capacidade/possibilidade do indivíduo gera uma atitude de independência e autonomia diante do conhecimento e das questões do cotidiano, corroborando para formar um profissional mais autônomo e independente perante sua prática. Ressaltam ainda o desenvolvimento da capacidade de argumentação, de abstração, de identificação de problemas, o raciocínio crítico, o rigor metodológico, contribui para formar um profissional com postura crítica perante o conhecimento transmitido e construído na universidade e, posteriormente, perante a prática profissional, colaborando para torná-lo sujeito de seu aprendizado e de sua prática social. Dessa forma, a importância da disciplina de Metodologia da Pesquisa para a formação crítica do aluno é explicitada na fala abaixo: É fundamental, pois permite (como também na graduação) que o pós-graduando tenha a experiência de utilizar o método científico e compreender que ele sintetiza uma maneira de resolver problemas que pode ser levado para seu campo de trabalho. (Professor 7). Damasceno (2002) ressalta que a pesquisa contribui principalmente para as mudanças operadas na visão de mundo dos iniciantes, pois é uma atividade que problematiza a realidade, que relaciona fatos e debruça-se sobre a interpretação destes, e busca a articulação entre empiria e teoria. Sobre a importância da disciplina os professores entrevistados destacaram ainda, que esse momento pode ser o único contato do aluno com a pesquisa, e para quem já teve contato com a pesquisa na graduação, ela permite aprofundar a compreensão da pesquisa num novo campo de reflexão e discussão. 4. Considerações finais O presente estudo aponta principalmente para a contribuição da disciplina de Metodologia da Pesquisa na formação pessoal e profissional do aluno de pós-graduação, munindo-o de concepções, técnicas e métodos que o auxiliarão tanto na sua formação como pesquisador, quanto, na sua formação profissional.
Outro importante papel da disciplina, é despertar o aluno para a investigação, via resolução de problemas do dia-a-dia. Neste sentido, a pesquisa assume um importante papel social, pois, é uma atividade que problematiza a realidade e fornece subsídios para tomadas de decisões públicas. A partir dessa disciplina o aluno tem a possibilidade não só de aprender a fazer pesquisa, mas também de adquirir instrumentos para olhar a realidade, de forma crítica e autocrítica a cerca de sua prática profissional e acadêmica. Estes aspectos foram também evidenciados pelos professores pesquisados, quando destacam ainda, melhorias em habilidades de leitura, de escrita e de raciocínio lógico. Da mesma forma Calazans (2002) relata que diferentes trabalhos discutindo o fazer na pesquisa na Universidade têm revelado a importância da formação de pesquisadores, enfatizando o valor da iniciação cientifica. Esta prática contribui sensivelmente para o avanço na produção (artigos, livros, experimentos de laboratórios etc.) de conhecimentos, estímulo à imaginação criadora, rigor metodológico e em conseqüência melhor qualificação pessoal e profissional. 5. Referências BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Ministério da Educação: Brasília, 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/lei9394.pdf. Acesso em: 06 dez. 2009. BRIDI, Jamile Cristina Ajub; PEREIRA, Elizabete Monteiro de Aguiar. A Iniciação científica na formação do Universitário. Dissertação de Mestrado, UNICAMP, 2004. CALAZANS, Julieta. Articulação teoria/prática: uma ação formadora. In:. Iniciação científica: construindo o pensamento crítico. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. CARVALHO, A. M. P.; GIL-PÉREZ, D; Formação de Professores de Ciências: Tendências e Inovações. São Paulo: Cortez, 1993.
DAMASCENO, Maria N. A formação de novos professores: a investigação como uma construção coletiva a partir da relação teoria-prática. In: CALAZANS, Julieta (org). Iniciação científica: construindo o pensamento crítico. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2002. DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 5. ed. Campinas: Autores Associados, 2002. FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991. LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: E. P. U., 1986. MACCARIELLO, Maria do Carmo M. M.; NOVICKI, Victor.; CASTRO, Elza M.N.V. (2002). Ação pedagógica na iniciação cientifica. In: CALAZANS, Julieta (org.). Iniciação científica: construindo o pensamento crítico. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. MALDONADO, Luciana A.; PAIVA, Edil V. de. A iniciação científica na graduação em nutrição: possibilidades e contribuições para a formação profissional. In: CALAZANS, Julieta (org.). Iniciação científica: construindo o pensamento crítico. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.