Educação não formal e desenvolvimento local: o caso da Escola Comunitária de São Miguel de Machede

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Transcrição:

Educação não formal e desenvolvimento local: o caso da Escola Comunitária de São Miguel de Machede Bravo Nico & Lurdes Pratas Nico Universidade de Évora & Escola Comunitária de São Miguel de Machede/ SUÃO-Associação de Desenvolvimento Comunitário jbn@uevora.pt / lpnico@uevora.pt RESUMO: Fundada em 1998, na freguesia que lhe dá o nome, a Escola Comunitária de São Miguel de Machede (projeto da SUÃO/Associação de Desenvolvimento Comunitário) tem vindo a promover um modelo de desenvolvimento humano e social baseado no recurso à educação das pessoas privilegiando os contextos não formais de aprendizagem, a cooperação intergeracional e a valorização dos recursos endógenos na construção de respostas para os seus problemas individuais e coletivos, envolvendo o contributo e a participação de todos os membros da comunidade, independentemente das suas circunstâncias pessoais, profissionais, culturais ou escolares. PALAVRAS-CHAVE: Educação não formal; Educação e Território; Educação e Desenvolvimento; Desenvolvimento Local INTRODUÇÃO Desde 1998, na freguesia de São Miguel de Machede (município de Évora/Portugal), a Escola Comunitária local um dos projetos da SUÃO-Associação de Desenvolvimento Comunitário tem vindo a construir e a concretizar um modelo endógeno de desenvolvimento local, no qual se valorizam, em simultâneo, os conhecimentos académicos dos mais jovens e os conhecimentos experienciais dos adultos da comunidade. O projeto da Escola Comunitária de São Miguel de Machede abrange áreas como a saúde, o trabalho (nomeadamente, o trabalho jovem e qualificado), a solidariedade, o empreendedorismo social e económico, a informação, a cultura e a educação. O modelo pedagógico assume a educação não formal, a cooperação intergeracional e a participação e a valorização dos recursos humanos locais como elementos estruturantes, no pressuposto de que a construção local de repostas inovadoras para os desafios e os problemas da comunidade contribuem para a edificação de competências territorializadas que, pela sua natureza endógena, contribuirão para fortalecer as capacidades individual e coletiva e para a respetiva sustentabilidade. Ao longo dos 18 nos da sua existência, a Escola Comunitária de São Miguel de Machede tornou a educação não formal uma das principais fileiras do desenvolvimento local da comunidade micaelense e uma das principais atividades económicas da freguesia. 1

1. O QUADRO TERRITORIAL E SOCIAL São Miguel de Machede contava, em 2011, com 794 residentes. Este número traduz uma significativa diminuição da população, uma vez que, nos últimos quatro recenseamentos da população, a evolução demográfica é a seguinte: Tabela 1: Evolução demográfica da freguesia de São Miguel de Machede Ano Habitantes 1981 1169 1991 1058 2001 983 2011 794 (fonte: www.ine.pt) De acordo com diagnóstico social do concelho de Évora (CLASE/CME, 2012), verifica-se que São Miguel de Machede foi a freguesia rural que registou a maior quebra demográfica do concelho, no período 2001/2011, com uma variação negativa de 23,8%. O envelhecimento da população é uma outra evidência demográfica. A freguesia perdeu, entretanto, a Escola do 1º Ciclo do Ensino Básico, o posto da Guarda Nacional Republicana e a sua Extensão de Saúde funciona pontualmente, sem a regularidade e a frequência razoáveis para satisfazer as necessidades da população residente. A economia local baseia-se, em grande escala, nos rendimentos proporcionados pelas prestações sociais percecionadas por um número significativo de aposentados, reformados e desempregados e nos apoios sociais que algumas famílias recebem, no âmbito do Rendimento Social de Inserção. Por outro lado, as Instituições Particulares de Solidariedade Social existentes (três) asseguram um significativo número de empregos. Salienta-se, por fim, a recente instalação de uma empresa da fileira vitivinícola (Casa Agrícola Alexandre Relvas) que criou um significativo número de empregos qualificados e veio dinamizar um setor que se encontrava moribundo desde o desmantelamento da Unidade Coletiva de Produção Agrícola «Flor do Alentejo», fundada no período pós-revolucionário e que integrou um período económico, político e social conhecido por «Reforma Agrária», que marcou, de forma indelével, a história contemporânea da freguesia e da região. A vila sede da freguesia possui, ainda, um supermercado, quatro pequenos estabelecimentos de restauração, uma associação filarmónica, uma fábrica paroquial, uma associação desportiva e alguns grupos informais de natureza cultural e recreativa. 2

2. O QUADRO INSTITUCIONAL Foi no quadro territorial e social caracterizado que, em 1998, um grupo de jovens micaelenses decidiu intervir na realidade das suas vidas individual e coletiva, no sentido de contrariar uma evolução que não era a desejada. Nesse sentido, foi fundada uma instituição: a SUÃO-Associação de Desenvolvimento Comunitário. Esta nova instituição assumiu, desde o início, uma tripla dimensão formal: juvenil, de solidariedade social e de desenvolvimento local. Desde o seu momento fundador, a SUÃO assumiu a educação e a formação como pedras angulares da sua ação comunitária e como instrumentos privilegiados para a promoção do desenvolvimento humano, social e económico de São Miguel de Machede. Para a consecução das suas finalidades, foi criada a Escola Comunitária de São Miguel de Machede, em 1998. Paralela e complementarmente, foi aberta uma Biblioteca Comunitária (atualmente com mais de 6000 títulos no seu acervo bibliográfico) e o Gabinete da Papelada (um projeto local que antecipou o modelo das conhecidas Lojas do Cidadão). Mais tarde (em 2004), foi criado o Centro Comunitário de São Miguel de Machede, no sentido de consolidar o papel social da instituição. Ao longo dos 18 anos de vida instituição, outros projetos foram desenvolvidos (cf. www.suao.pt). O projeto institucional e comunitário que tem vindo a ser concretizado parte do pressuposto de que é possível a resolução de muitos dos problemas de desenvolvimento da comunidade, a partir da mobilização, valorização e gestão solidária dos recursos comunitários. Este processo endógeno de mobilização e gestão dos recursos locais assenta num processo educativo que proporciona, aos membros da comunidade local, as oportunidades de construírem, desenvolverem e consolidarem, de forma estrutural e sustentável, saberes e competências que, garantindo um exercício dos direitos de cidadania em maior quantidade e melhor qualidade, proporcionam mais qualidade nas suas vidas e uma maior capacidade de participação crítica nas decisões que dizem respeito aos seus destinos individual e coletivo. 3. O QUADRO EDUCATIVO E O DESENVOLVIMENTO A Escola Comunitária de São Miguel de Machede tem vindo a promover um modelo pedagógico que privilegia o desenho, construção e concretização de projetos e atividades educativos, em contextos não formais de aprendizagem, nos quais se promove a cooperação intergeracional, ativa e solidária, numa interpretação muito própria e local do 3

modelo PADéCA/Programa de Auxílio ao Desenvolvimento da Capacidade de Aprendizagem (Berbaum, 1992), dos princípios e práticas da aprendizagem social propostos por Vygotsky (Fontes & Freixo, 2004) e dos valores defendidos e praticados por Paulo Freire (2001). Os projetos partem sempre da identificação simultânea dos problemas a resolver e das capacidades endógenas existentes e mobilizáveis para a construção das respostas necessárias (Pacheco et al, 2011). Neste contexto, todos os saberes (académicos e experienciais), todas as experiências vitais (dos mais novos ou dos mais velhos), todas as didáticas (das escolas formais ou a das «escolas da vida»), todas as motivações (as decorrentes das necessidades que se sentem ou as que nascem da disponibilidade para ajudar), todos os recursos (os disponíveis no território ou os mobilizáveis nas redes territoriais ou institucionais, nacionais ou internacionais) e todos os contributos (de quem quer que seja) são recenseados, mobilizados, valorizados e incluídos nas equações de resolução dos problemas que são, simultaneamente, equações de desenvolvimento local, nas suas diferentes dimensões. Neste quadro educativo, foram desenvolvidos, entre outros, dois projetos que traduzem, fielmente, o modelo pedagógico e axiológico que é seguido: 1. Gabinete do Desenrascanço Estudantil: projeto de promoção do sucesso escolar dos jovens de São Miguel de Machede e que se baseia na concretização do mentorado e da tutoria juvenis. Nesta solução local, os jovens organizaram-se no sentido de resolverem um problema que os afetava diretamente e optaram por construir, local e estruturalmente, a resposta para o seu problema: os jovens mais experientes e que frequentam níveis de escolaridade mais avançados (ensinos superior e secundário) apoiam os seus colegas mais novos e inexperientes e que frequentam os níveis de escolaridade menos avançados (ensino básico). Alguns dos que terminaram os seus cursos superiores asseguram a tutoria de todo o processo. Em alguns casos, esta tutoria faz parte do conteúdo profissional de um estágio profissional que a instituição promoveu e que garantiu o primeiro emprego a um jovem que conseguiu um percurso longo de qualificação; 2. Circuito da Aldeia: projeto de empreendedorismo social e económico, através do qual a comunidade, através da SUÃO-Associação de Desenvolvimento Comunitário, disponibiliza um produto diferenciado, no competitivo mercado do turismo pedagógico. O Circuito da Aldeia consiste num contexto não formal de aprendizagem, organizado em torno de um roteiro pela localidade que inclui várias estações que retratam o quotidiano da vida da 4

comunidade (horta, padaria, lavadouro púbico, capoeiras dos animais de criação doméstica, jogos tradicionais, gastronomia local, etc.). Cada estação foi desenhada e construída, a partir da valorização e da cooperação, solidária e mutual, dos saberes experienciais dos adultos e dos saberes académicos dos jovens. O resultado final traduz-se numa oportunidade de aprendizagem adaptada a qualquer público que realize o roteiro. Neste projeto, ocorre uma verdadeira simbiose de todos os saberes, todos os contributos e todos os protagonistas e isso proporcionou uma diferenciação só possível pela presença simultânea de toda esta diversidade. A atividade da Escola Comunitária de São Miguel de Machede contempla, ainda, a realização de um Curso de Educação Comunitária (há 18 anos consecutivos), a realização de visitas de estudo (para os micaelenses e para muitos visitantes que procuram conhecer o projeto local), a organização, regular, de palestras sobre assuntos de interesse comunitário (saúde, história local, profissões, cultura), a recolha, organização e divulgação do património local (material e imaterial) e uma intensa atividade de divulgação e promoção da comunidade nos órgãos de comunicação social e nas redes digitais. Toda a atividade se encontra estruturada em torno de vetores considerados fundamentais nos processos de desenvolvimento humano e social e no sentido de garantir um adequado exercício da cidadania, no território, através da promoção, estruturada e sistematizada de atividades de educação para a saúde, o trabalho, a cultura, a solidariedade, a identidade local, a economia local, o ambiente e a sustentabilidade, a política, entre outras áreas. 4. ALGUNS RESULTADOS DA ATIVIDADE DA ESCOLA COMUNITÁRIA Como foi anteriormente referido, nas últimas duas décadas, apesar do trabalho focado e articulado da Escola Comunitária de São Miguel de Machede/SUÃO-Associação de Desenvolvimento Comunitário e das restantes instituições existentes na freguesia, o despovoamento continuou a verificar-se, de forma muito acentuada, e essa é a variável crítica que condiciona o futuro comunitário. No entanto, a atividade da Escola Comunitária determinou o aparecimento de uma nova fileira na economia e na vida social da freguesia: a educação não formal. Esta nova área, no quotidiano comunitário, tem vindo a influenciar algumas dimensões da realidade: i) A educação não formal (e os projetos nela ancorados) é, na atualidade, o quarto setor com mais peso na atividade económica da freguesia, seguindo-se à área social, à fileira agroalimentar (já referidos) e à indústria de componentes eletrónicos existente em Évora e 5

onde um número significativo de micaelenses trabalha. Esta importância relativa da educação não formal decorre do facto de o Circuito da Aldeia ter registado sucesso e gerado receitas crescentes e, também, do facto de, desde a sua fundação, a instituição assegurar sempre, no mínimo, dois empregos qualificados, quase sempre preenchidos por jovens da terra; ii) A existência, no território, de uma relação positiva entre percursos longos de qualificação e o trabalho qualificado. Esta evidência decorre do facto de a SUÃO- Associação de Desenvolvimento Comunitário ter assegurado as condições para a concretização de longos percursos de qualificação (através do Gabinete do Desenrascanço Estudantil) e garantir, a muitos dos jovens (até ao presente, verificaram-se 12 casos), a realização de um Estágio Profissional, que lhes garante trabalho compatível com as suas qualificações e lhes proporciona um início de carreira profissional na sua própria terra. Esta, tranquila e territorializada, transição qualificação/trabalho diminui a probabilidade de saída dos jovens, durante ou após as suas formações, facto que é, na atualidade, o maior impulso de despovoamento, jovem e qualificado, do interior de Portugal; iii) A existência, no território, de uma instituição que assegura, a todos, um acesso, mais fácil e eficaz, ao exercício dos deveres e direitos de cidadania. Esta perceção de apoio próximo e disponível, com recursos endógenos e soluções locais, transmite um sentimento de maior autonomia à comunidade; iv) A comprovação das vantagens de uma valorização do trabalho cooperativo entre indivíduos de diferentes gerações, com diferentes saberes e experiências vitais e com diversos percursos profissionais e culturais, numa época em que as fraturas geracionais, culturais e institucionais se sobrepõem ao espírito comunitário e do bem comum. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Berbaum, J. (1992). Desenvolver a Capacidade de Aprendizagem. Lisboa: Escola Superior de Educação João de Deus. CME/CLASE (2012). Diagnóstico Social de Évora (2013/2015). Évora: Câmara Municipal de Évora/Conselho Local de Ação Social de Évora. Fontes, A. & Freixo, O. (2004). Vygotsky e a Aprendizagem Cooperativa: uma forma de aprender melhor. Lisboa: Livros Horizonte. Freire, P. (2001). Pedagogia dos Sonhos Possíveis. São Paulo: Fundação Editora da UNESP(FEU). Nico, B. & Nico, L. (2011). Educação e território: o (des)encontro geracional das aprendizagens e a fratura cultural no Alentejo. in Marcia Alvarenga (Org.). Educação de Jovens e Adultos em tempos e contextos de aprendizagem. Rio de Janeiro: Editora Rovelle, pp.33-44. Pacheco, D.; Ramalho, P.; Nico, B. & Nico, L. (2011). Aprendizagens Comunitárias. in Bravo Nico & Lurdes Nico (Orgs.) Escola(s) do Alentejo: um mapa do que se aprende no Sul de Portugal. Mangualde: Edições Pedago, pp. 45-48. Sítios eletrónicos consultados www.ine.pt 6