A IMAGEM DO CORPO NA PSICOSE



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Transcrição:

0 UNIJUÍ UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DHE DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA A IMAGEM DO CORPO NA PSICOSE PRISCILA HERMES MOHR Ijuí RS 2012

1 PRISCILA HERMES MOHR A IMAGEM DO CORPO NA PSICOSE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do grau de Psicólogo. Orientadora: Normandia Cristian Giles Castilho Ijuí RS 2012

2 UNIJUÍ UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DHE DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA A IMAGEM DO CORPO NA PSICOSE PRISCILA HERMES MOHR BANCA EXAMINADORA: Profª Normandia Cristian Giles Castilho (UNIJUÍ) Profª Kenia Spolti Freire (UNIJUÍ) Ijuí, 20 de dezembro de 2012

3 RESUMO A prática clínica nos apresenta muitos tipos de sujeitos, subjetividades e estruturas, o que nos propõe a estudar sobre esses diversos modos de ser. O presente trabalho aborda a temática da psicose na infância. Serão trabalhados os conceitos de função materna e paterna, relacionando-os ao Nome-do-Pai e as consequências da não inscrição deste significante, particularmente o que afeta na construção do corpo. O objetivo deste trabalho é demonstrar como o corpo do sujeito psicótico é constituído e percebido por ele. Para isso nos referimos às teorias psicanalíticas, principalmente em autores como Sigmund Freud, Jacques Lacan, Françoise Dolto e Esteban Levin. Palavras-chave: psicanálise; sujeito; corpo; psicose; estádio do espelho.

4 ABSTRACT The clinical practice presents lots of subject types, subjectivities and structures, which propose us to study about these various modes of being. The present study address the issue of childhood psichosis. Will be worked out the concepts of mathernal and pathernal function, relating them to the Father-Name and the consequences to the non-inclusion of it, particulary wht afects the construction of the body. The objective of this work is to demonstrate how the body of psicotic subject is constituted and percieved by them. We refer to this to the psichoanalytic theories, mainly in authors like Sigmund Freud, Jacques Lacan, Françoise Dolto and Esteban Levin. Key-words: Psychoanalisis; subject; body; psychosis, mirror stadium.

5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 6 1 A CONSTITUIÇÃO DO CORPO... 8 2 A PSICOSE E A IMAGEM DO CORPO... 24 2.1 A ESTRUTURA PSICÓTICA... 24 2.2 A IMAGEM DO CORPO NA PSICOSE... 31 CONCLUSÃO... 40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 43

6 INTRODUÇÃO O presente trabalho monográfico aborda a temática da psicose, particularmente psicose na infância, e nossa questão de investigação é: como se constitui o corpo na psicose? Para responder esta questão nos apoiamos na teoria psicanalítica, principalmente em Freud e Lacan. Todos nós temos um corpo. Sim. Mas de que corpo falamos? As definições que os dicionários trazem para corpo, o reduzem a uma estrutura física, porção de matéria, um organismo abstraído de seu psiquismo. Porém, a partir da Psicanálise, o corpo ao qual nos referimos certamente não se trata de um corpo-organismo, embora este seja imprescindível em todo ser humano. Nesta, define-se o corpo enquanto atravessado pela linguagem, o que significa dar outro estatuto a ele, significa falar de um corpo subjetivado. Em Psicanálise quando se fala em corpo, se pensa no corpo de um sujeito, para além do orgânico. Partimos da hipótese de que não há corpo sem linguagem e sem história, ou seja, o corpo é uma construção psíquica, algo que, de alguma forma se liga ao inconsciente e história de cada um. Mas como se constitui este corpo? E como o mesmo se constitui na psicose? Para responder estas questões organizamos nosso trabalho em dois capítulos. No primeiro capítulo abordaremos a constituição do corpo no sujeito, para além do orgânico, e para isto se desenvolverá questões como a importância da linguagem e inscrição dos significantes neste momento de fundação do corpo e de sua imagem, ou seja: o Estádio do Espelho; o circuito pulsional; a importância da função materna e paterna na constituição do sujeito; sem esquecer o conceito de narcisismo, pois alguns autores o têm como central no estudo da imagem. Ainda no primeiro capítulo, serão abordados os conceitos de imagem e esquema corporal, trabalhados por Françoise Dolto.

7 No segundo capítulo trabalhar-se-á propriamente o corpo na psicose. Abordaremos a diferença da estrutura neurótica e psicótica, seguindo a trajetória de Freud, para entrar no conceito de estrutura de Lacan. A seguir, enfocaremos a psicose na infância, desde a constituição da imagem, portanto construção do corpo e do Eu e as fraturas que se produzem quando há falhas na inscrição do significante Nome-do-Pai.

8 1 A CONSTITUIÇÃO DO CORPO Para iniciar o capítulo sobre a construção do corpo na psicanálise, esclarecemos que não se falará simplesmente de um corpo orgânico. Neste sentido, partiremos já da hipótese psicanalítica que o corpo, assim como o sujeito, depende para se constituir, da linguagem. O corpo sobre o qual trabalhamos é o corpo que a Psicanálise conceitua como receptáculo, erógeno, simbolizado, discursivo, subjetivado, o corpo de um sujeito. Para constituir o corpo, a criança deve percorrer um longo caminho construído por proibições, leis, imagens e desejos. (Levin, 1995, p.75) É fundamental, de início, situar a importância da entrada e atravessamento da linguagem no corpo. Antes mesmo de o bebê nascer, ele e seu corpo já está presente no discurso de seus pais. Antes de sua chegada são planejados um nome e um espaço, também são criadas expectativas acerca do nascimento do filho e o que acontecerá com ele depois, como vai ser, entre outros aspectos. Previamente ao corpo real existir, já há ali um corpo simbólico, suposto pelos pais no seu discurso. Após o nascimento, é através da linguagem que a mãe - ou quem cumpre a função materna 1, encarnada no Outro 2, vai começar a nomear, mapear e simbolizar o corpo do bebê. Assim, a mãe na posição de Outro deixa marcas no corpo do bebê, marcas simbólicas que ficarão no inconsciente e que irão, junto com outros aspectos, fazendo parte da constituição do corpo e do sujeito. É o Outro materno que apresenta o corpo à criança. Mas como é essa apresentação? Desde o início, a mãe quando toca o bebê vai nomeando as partes do corpo, mostrando a ele e dizendo o que é. O Outro através de seu discurso vai nomeando as partes e fazendo com que elas se tornem significantes 3. Assim, podese dizer que a mãe introduz o bebê no seu discurso e assim, introduz o corpo de seu filho na legitimidade de um corpo humano (é por via desta inscrição na linguagem 1 Função materna essa função é exercida por quem atende os primeiros cuidados e necessidades do bebê, inicialmente os biológicos, mas que também dará suporte as questões psíquicas do mesmo. Geralmente, mas não necessariamente, quem cumpre esta função é a mãe. Durante o presente trabalho, quando falar em mãe, estarei me referindo a quem cumpre a função materna. 2 Outro Lacan usa o termo no sentido de Outro como representando um lugar, como função, está ligado a questão da linguagem. Quem ocupa esta posição de Outro é a mãe ou quem exerce a função materna. Durante o texto, quando usarei os termos mãe, função materna e propriamente Outro, estarei me referindo a esta posição. 3 O termo significante será trabalhado posteriormente.

9 que o mesmo torna-se legítimo) deixando de ser meramente um corpo biológico para passar a ser o corpo de um sujeito. Reporto-me a Esteban Levin em seu livro A Clínica Psicomotora- O Corpo na Linguagem (1995) onde o autor trabalha como se dá a apresentação do corpo à criança, cuja função é realizada pelo Outro mãe: É o Outro materno que vai criando nesse puro corpo coisa : buracos, bordas, protuberâncias, tatuando deste modo um mapa corporal produto do desejo do Outro, que erogeiniza e pulsionalisa, ou seja, cria-lhe uma falta no corpo, uma maneira, uma forma de que lhe falte algo (p. 52). É através destas marcas deixadas que esse corpo coisa vai se transformando num corpo erógeno e simbólico. E é pela instauração da falta que vai se criar a possibilidade de surgir o desejo do sujeito, ela é constitutiva. Mas como se dá esse processo de instauração da falta e criação da demanda 4? É através do circuito pulsional, como isso acontece, veremos a seguir. Mas antes ainda de falar sobre o circuito pulsional, abro aqui um espaço para situar o conceito de Pulsão, que é um dos conceitos fundamentais trabalhado pela Psicanálise. Freud em algumas publicações já a descrevia como um conceito na fronteira entre o material e o somático, mas é em 1911, quando escreve o caso Schreber que a conceitua definitivamente como sendo o conceito sobre a fronteira entre o somático e o mental, vemos nela o representante psíquico de forças orgânicas (p.81). A pulsão é uma força para agir, um querer, quer atingir um objetivo. Ela é a base a partir da qual se gera a necessidade, a ânsia, a vontade, o querer e o desejo. Ela nunca pode tornar-se objeto da consciência, só a ideia que a representa pode. Segundo Freud, a pulsão nunca se dá por si mesma, ela só é conhecida pelos seus representantes que são a ideia e o afeto. Apesar de ter sua fonte em fenômenos somáticos, porém tem um destino basicamente psíquico. Freud (1915) afirma que as pulsões são formadas por quatro propriedades, são elas: a fonte, que se refere ao processo somático, está localizada no corpo, cujo estímulo é representado no psiquismo pela pulsão; a força (pressão), que é a essência da pulsão, é sempre ativa e constante; o objeto, onde a pulsão alcança sua meta. É muito variável, lábil, não se fixa, é parcial e a finalidade que é sempre 4 A questão da demanda será trabalhada quando se falará sobre o circuito pulsional. Brevemente o que se pode relatar é que ela diz de um desejo do sujeito, sendo mais do que um querer.

10 satisfação, porém esta nunca é totalmente alcançada, é sempre parcialmente atingida. Podem, no entanto, haver pulsões inibidas em sua finalidade. Não há como dizer quantas são as pulsões existentes, pois elas são constantes nos seres humanos, são como desejos nunca saciados, não é algo pensado, consciente. Primeiramente Freud divide as pulsões em pulsões sexuais e de conservação, posteriormente, divide em pulsões de morte e pulsões de vida, porém estas elaborações não serão aprofundadas no presente trabalho. O que nos interessa no momento é abordar, após este breve relato sobre o conceito de pulsão, como se dá o circuito pulsional, na medida em que a pulsão sempre é relacional. Neste sentido, para se instaurar o circuito pulsional na criança depende da presença do Outro. Deste Outro depende que se instaure o circuito pulsional e ao mesmo tempo permite também que se instaure o desejo na criança. Deste modo, pode-se situar que, inicialmente há um ciclo de repetições na busca pelo objeto, o bebê chora, a mãe responde amamentando-o, pegando-o no colo ou fazendo algo que supõe que responda ao que o bebê esteja sentindo ou pedindo. Desta forma, ele necessita de alguém que o cuide, o alimente, etc., e a partir do que lhe é ofertado, ele encontra o objeto que o satisfaça. É somente pelo Outro através da linguagem que o sujeito pode ter acesso ao saber que permite que ele escolha o objeto de satisfação. O Outro dá um sentido, põe um significado naquilo que está acontecendo, porém se o corpo e os objetos não forem apresentados ao bebê através da linguagem, não terá como se transformar em algo que tenha representação. A mãe codifica as ações através da linguagem, transformando essas manifestações em mensagem, em demanda. Ela instala desse modo a demanda na criança, na suposição de que seu filho demande algo para ela. Além disso, o fundamental é que após a mãe supor o que é que o bebê quer, ela se interrogue acerca disso, se pergunte se era esse mesmo o objeto desejado. Deve haver a dúvida supondo o que o bebê pode estar querendo, para que se abra espaço, falta. É como se a mãe se interrogasse: Será que é isso mesmo que ele queria? Neste movimento, ela supõe sujeito no bebê, supõe nele um desejo que não necessariamente coincidiria com o dela (Jerusalinsky, 2002, p.137) Esta suposição é importante, pois imaginar que o bebê quer algo é supor que ali existe um sujeito de desejo, o que é imprescindível para sua constituição

11 psíquica, para ser sujeito. Há um momento onde deverá ser deixada uma falta, ou seja, um espaço onde não se responda imediatamente, para que se crie uma demanda no bebê e este possa colocar ali o seu desejo. É nesse circuito através da relação mãe-bebê que ela vai permitindo que se deixe uma falta, um espaço para que o bebê possa demandar e escolher por si o que quer. Por certo, a mãe não responde sempre do mesmo modo aos chamados da criança. A ausência e a presença dela são importantes para constituição do sujeito, assim como a criação de ritmos, rotinas, momentos de sono ou vigília, fome e saciedade, tensão ou calma, entre outros, impostos por ela e situados neste circuito de demanda e desejo. É neste circuito também, que vai se produzindo a inscrição da satisfação e da insatisfação. A partir da primeira experiência de satisfação tentar-seá sempre retornar a ela, numa busca constante. Um exemplo disso é a primeira vez que o bebê é amamentado, a partir disso sempre buscará sentir a mesma satisfação obtida da primeira vez. O desejo surge nessa busca, em querer de novo o objeto que se supôs ter e que o satisfez. O objeto causa desejo. Assim, constata-se que o desejo só passa a existir a partir da separação psíquica do corpo materno, ou seja, depois que o desejo do sujeito é seu, não está mais assujeitado ao desejo materno. Isto só é conseguido depois de instaurada a castração 5, através da entrada do Pai (simbólico) enquanto possuidor da Lei. Antes desta separação o bebê ainda não é sujeito de desejo, seu desejo ainda esta submetido ao materno. É a falta do objeto que faz com que se formule inconscientemente a ficção de que ele existiu e com ele nada faltava. O desejo surge quando acontece a castração, separação entre a mãe e a criança e acaba com a suposta completude que se imagina existir, isso no terceiro momento da construção fantasmática. É a castração que permite com que a criança saia desse lugar de desejo do Outro e se torne sujeito de seu próprio desejo, a castração faz com que a criança escolha forçosamente entre continuar sendo o objeto de desejo da mãe ou ser sujeito de desejo. A constituição fantasmática acontece em três tempos, no primeiro há a relação fusional entre mãe e bebê, aparece aqui a ideia de completude, são uma coisa só, há o assujeitamento do bebê quando está submetido ao desejo materno. No segundo se dá a escolha forçada dita anteriormente, a partir da castração, o 5 Termo que irá sendo explicado no decorrer do trabalho.

12 bebê deve escolher entre si mesmo ou continuar sendo o desejo da mãe. Se ele escolher a si mesmo, se encaminhará para a estrutura neurótica, se optar por continuar sendo o desejo da mãe, permanece ligado ao corpo e desejo materno, e seu destino possível é a psicose. Ainda sobre o terceiro tempo, é nele que há então a castração e separação entre corpo da mãe e do bebê, e que o objeto cai, fazendo com que se instaure uma falta, a qual permite que a criança possa começar a desejar por si. Quando se diz que o objeto deve cair, é isso que deve acontecer para aparecer no lugar deste a falta que faz constituir o desejo no sujeito, se este objeto não cair, mãe e criança continuam sendo unidade, e o desejo continua a ser o desejo do Outro, e não é possível que se faça a separação entre corpo da criança e corpo da mãe. Vale aqui salientar que a mãe deve se separar do corpo da criança, porém deve continuar com as funções intrínsecas a função materna. As implicações que ocorrem quando não há separação entre o corpo da mãe e do bebê serão apresentadas no segundo capítulo deste trabalho. Mas, por certo sabemos que deve haver uma descontinuidade entre o corpo da mãe e o corpo da criança. Para que isto aconteça, é preciso que antes de criar a falta na criança, ela exista na mãe, ou seja, esta deve ser castrada simbolicamente. Isto pode ser explicado simplificadamente, da seguinte forma: quando a mãe se retira abre um espaço, uma falta que produz uma frustração, e esta, por conseguinte, vai fazer a criança representar o objeto de desejo. Posteriormente, a mãe deve colocar no seu discurso que seu desejo está submetido a Outro, a uma lei. Neste momento surge o pai, como função simbólica conhecida como função paterna, que já deveria aparecer anteriormente no discurso da mãe, porém agora sim ele passa a fazer função, entra como representante da Lei, aquele que castra. É ele quem faz essa separação entre mãe-bebê, impedindo que o desejo do bebê continue assujeitado ao desejo materno. Julieta Jerusalinsky (2002) quando situa a função do Outro de atribuir sentido as ações do bebê, e assim realizar uma oferta como resposta a esta ação, diz que: Neste movimento de articulação da pulsão pela demanda, também se abre a dimensão do desejo, pois a pulsão não fica toda articulada na demanda, o desejo sempre escapa, sempre insiste na busca da realização do que foi inscrito como satisfação. Insiste assim de um objeto a outro, num

13 movimento que busca o reencontro com um objeto mítico irremediavelmente perdido. (p. 139) Quando não há uma antecipação imaginária por parte dos pais ou quem cumpra as funções materna e paterna; quando eles não supõem capacidades no bebê e, por isso, não abrem espaço para dúvidas, para questionar sobre o que quer o bebê, para que estes possam começar a demandar, fica fraturada a inscrição deste circuito de demanda e desejo. Dessa forma se apaga a noção de sujeito no bebê, não se sustenta que ali há desejo. Ou se vê o bebê como incapaz de responder as demandas, ou estas ficam direcionadas a mãe, pois, não acreditam que o bebê seja capaz de realizá-las. É o Outro que faz a articulação entre pulsão e desejo, então, se há falhas neste circuito, algo pode se problematizar. Sobre o circuito pulsional, pode se dizer ainda que, a meta da pulsão é sempre satisfação. Ela parte da zona erógena demarcada pela mãe nos cuidados iniciais e inscrita no corpo do bebê e a ela retorna, porém, sem nunca conseguir a satisfação completamente. O circuito se apresenta de diferentes formas, dependendo de como a mãe apresenta este circuito ao seu bebê. Pode ser mais curto quando não há suposição de capacidade de realização e resposta às demandas, pelo bebê, ou mais esticado quando abre-se espaço a produções e interpretações das ações do bebê. Julieta Jerusalinsky (2002) fala que: O estiramento da corda da pulsão ocorre atrelado ao deslizamento significante (pelo movimento metonímico que implica o desejo). Tanto mais extenso será o arco percorrido pela pulsão quanto mais extensa for a cadeia, a série significante produzida na busca de satisfação. (p.147) E isto tudo vai depender do modo como se articula a pulsão com a demanda e o desejo, inscrita pelo Outro. Vale destacar que demanda e desejo não são sinônimos. A demanda se relaciona com a busca da satisfação, descarga, se constitui entre a necessidade e o desejo, por outra via sabemos que é sempre demanda de amor. O desejo ultrapassa este nível da satisfação, vai além dessa resposta, ele diz do sujeito, do seu querer, mesmo inconsciente. Tomemos como exemplo os gestos produzidos pelos sujeitos, estes vão sendo nomeados e então levados do estatuto de signo a significante. Neste processo de suposição de sujeito de desejo e criação da demanda, vão se

14 estabelecendo os registros Imaginário, Simbólico e Real. Estes registros são trabalhados por Jacques Lacan como fundamentais na constituição do sujeito, e serão importantes na construção do capítulo posterior onde falar-se-á sobre a psicose. Para Lacan (1957-1958/1999) a constituição do sujeito estrutura-se a partir de três registros que se articulam, Real, Simbólico e Imaginário. O Real não é o mesmo que realidade, ele não depende dos outros registros, existe por si mesmo. É o campo daquilo que não é nomeável, que escapa à simbolização, não pode ser descrito. O sujeito não tem domínio completo sobre ele, escapa ao nosso desejo e poder. O campo do imaginário envolve tudo aquilo que tem a ver com as imagens, fantasias, o que é inscrito e registrado através da imagem fica no imaginário. É no Estádio do Espelho que ele começa a se estruturar. Já o simbólico se refere ao campo da linguagem. Tudo que é apresentado ao sujeito desde bebê por estar na linguagem é apropriado pelo simbólico, por ter um significado e representar algo entram numa cadeia de significantes. Um significante representa um sujeito para outro significante, há um significante que inaugura a cadeia e este só pode ser entendido quando o outro dá significação. Isto pode ser verificado nos gestos produzidos pelo bebê, pois aqui o fundamental é que o gesto passe de signo a significante, e como já dito algo só se torna significante quando alguém geralmente o Outro, começa a dar sentido as ações produzidas, através do discurso. É isto que faz com que a ação se transforme em gesto, com que o signo se torne significante e adquira uma representação para o sujeito. Isso mostra que esta interpretação feita pelo Outro singulariza o gesto, não podendo este então, ter uma classificação dependendo de seu movimento, como era feito quando dos primeiros estudos sobre os mesmos. Nestes, os gestos eram classificados pelo tipo de movimento, havia um dicionário de gestos, assim como há sobre os sonhos. Não se levava em conta a subjetividade e singularidade de cada sujeito que o produzia. A linguagem aparece aqui mais uma vez como imprescindível, como situa Levin (1995), esta linguagem, este diálogo, metaforiaza experiência corporal e traça a condição de todo corpo humano, que é a de ser discursivo e simbólico (p. 90). Se o gesto não é simbolizado pelo Outro, ele acaba ficando somente no registro de imagens, ou seja, no registro imaginário.

15 As funções do significante, além de dar sentido às coisas, são a metáfora e a metonímia. 6 Relacionando com o corpo, um exemplo que traz Levin (1995), fala de um gesto, como por exemplo um tropeço, tentando mostrar algo que está oculto, inconsciente, como se fosse um ato falho produzido pela linguagem. Levin (1995) diz: concebemos o corpo no imaginário como efeito do simbólico (do significante) no Real do corpo (p.47). Ou seja, é preciso supor um corpo, representá-lo por meio da linguagem, significando-o, para que então possa se ter uma imagem global do corpo real. O que a criança reconhece no corpo não é a unidade do mesmo, mas a imagem que tem. Essa passa antes de tudo por uma identificação com a imago materna. Nesta etapa a imagem não pertence propriamente a criança, mas é esta que permite a ideia de unidade, de um corpo inteiro. Lacan chama essa fase de identificação da própria imago de Estádio do Espelho. Algo a ser situado é que este acontecimento, pelo qual passa o bebê, não se dá propriamente em frente a um espelho real, mas em frente a um Outro que devolve, reflete e simboliza o que é representado. Começa pela série de gestos e movimentos desenvolvidos pelo bebê. Segundo Lacan, esta fase se dá entre os 6 e os 18 meses de idade. Compreende-se o estádio do espelho como um momento de identificação, onde o sujeito se reconheça enquanto imagem. É essa a transformação que se espera ser realizada nesta fase. A imagem, no estádio do espelho, antecipa a unidade do Eu simbólico frente a imaturidade do corpo real no momento, por isso é situada como uma experiência inaugural e primordial (Dolto, 2008, p. 36). Para Lacan, o momento em que se vê a imagem refletida no espelho é de jubilação 7. Percebe-se a importância desta visão de unidade quando o autor diz: A forma total do corpo pela qual o sujeito antecipa numa miragem a maturação de sua potência só lhe é dada como Gestalt 8, isto é, numa exterioridade em que decerto essa forma é mais constituinte do que constituída [...] simboliza a permanência mental do [eu], ao mesmo tempo 6 A metáfora tem a ver com as condensações, algo aparece dizendo sobre o que está oculto, ou seja, das substituições de significante por outro significante. Popularmente se fala da metáfora como sentido figurado. Já a metonímia diz dos deslocamentos, de significante a significante, ou, de um termo por outro. Sendo que estes só tem sentido quando fazem parte de uma cadeia significante. 7 No Estádio do Espelho ela aparece como antecipação da globalidade da imagem, situada através da imago do Outro, esta que é uma forma necessária para que o sujeito comece a se identificar enquanto imagem. A jubilação pode ser descrita como o momento do encontro com a imagem. 8 Refere-se à forma, construção de uma imagem total.

16 que prefigura sua destinação alienante; é também prenhe das correspondências que unem o [eu] à estátua em que o homem se projeta e aos fantasmas que o dominam, ao autônomo, enfim, no qual tente a se consumar, numa relação ambígua, o mundo de sua fabricação. (Lacan, 1998, p.98) É pelo estádio do espelho que a imagem de unidade do corpo é apropriada pelo sujeito. E é função desta imago fazer a relação do organismo com a sua realidade. Passa-se da insuficiência para a precipitação de algo que deverá ser constituído, mas que antes de tudo deve ser projetado pelo sujeito no imaginário para que se chegue a uma identificação do eu, sendo esta algo que ficará marcado na sua estrutura permanente. Lembrando aqui que se passa de uma imagem despedaçada por este corpo não ter bordas instauradas, devido a não ter ocorrido ainda a entrada do Pai enquanto castrador, que faz a separação entre o corpo da mãe e do bebê para uma imago de unidade, caso tudo ocorra bem nesta fase e a imagem seja constituída e apropriada pelo sujeito. Resumindo as etapas do estádio do espelho, é possível assim situa-las: no primeiro tempo a criança tem dificuldade de separar a imagem de si e do outro; no segundo tempo ela descobre que o outro do espelho não é real, mas sim uma imagem, isso indica que de agora em diante ela sabe distinguir a imagem do outro da realidade do outro, essa etapa é decisiva no processo identificatório. No terceiro tempo a criança reúne as duas etapas precedentes, porque além de já saber que aquele reflexo é uma imagem, sabe convictamente também que esta imagem é dela. Ela passa a reconhecer-se, transformando assim a imagem de corpo esfacelado para o corpo unificado. Esta imagem de corpo é estruturante para a identidade do sujeito. É o simbólico que sustenta a imagem. O estádio do espelho representa, de uma forma ampla, aquilo do que o sujeito é comumente tomado quando ele se vê, se identifica, se localiza no outro. Poderíamos dizer que se trata da fundação do eu pela imagem especular (Backes, 2004, p.29). Mostra-se aqui o valor desta fase na constituição do sujeito. Pensando na fundação e constituição da imagem, podemos nos referir sobre a importância, nesta etapa, da intercalação da ausência e presença da mãe. Isso faz com que haja um espaço que permite a criança fazer a separação do corpo materno. Freud coloca a brincadeira do Fort-da como constituinte desta conquista simbólica. O Fort-da (lá aqui) consiste no jogo de presença e ausência de um objeto ou pessoa, que simbolizam os retornos e partidas. Parece facilitar a criança a suportar a

17 angústia da partida da mãe (ou tolerar em parte). A elaboração desta conquista simbólica faz agir ativamente aquilo que sofre passivamente, ou seja, começar a simbolizar ela mesma e se apropriar do seu corpo e do que é seu. No Estádio do Espelho, a partir do momento que a criança se identifica com sua imagem e pode ser una é que pode se fazer uma diferenciação entre o seu corpo e o corpo da mãe, a criança começa a perceber que ela e a mãe não são uma unidade, são separadas. Parece interessante salientar que a imagem que o sujeito tem de si mesmo não pode ser considerada o Eu este é uma projeção psíquica, constituído por um processo mental, não é algo apreensível, não se restringe a imagem do corpo, porém, durante vezes estas se relacionam. Esta imagem do corpo é constituinte dele, ou seja, não é por possuir um corpo que esta imagem existe naturalmente, faz parte da construção da própria identidade, é necessário se apropriar dela, existir uma identificação com o Eu. A imagem do corpo é efeito da identificação a uma imagem de unidade, constituinte de um eu ideal, perfeito, entretanto esta dimensão é inconsciente. Como o sujeito acredita ser esta imagem, mas nunca se iguala totalmente a ela pois como dito ele não é a imagem, procura sempre voltar a reconhecer-se como tal. Busca-se essa completude que se imagina existir, mas que na verdade não há. O Estádio do Espelho mostra que o Eu se constitui no Outro, através de um desconhecimento e um engano, desconhecimento porque não sabe o que faz para que a imagem que vê se sustente e retorne para ele, e engano por ter uma dimensão paranoica, pois essa imagem com a qual se identifica tem um pouco dele mesmo. Tanto o Eu quanto a imagem se constituem através do que falta. Cabe aqui destacar o modo como a criança percebe a parte e o todo, pensando sempre que juntos formam uma unidade. Insere-se aqui um traço unário, essencial para a constituição e o reconhecimento do sujeito e do outro enquanto ser. A condição para que qualquer um se veja é que haja um ideal, qualquer um se vê a partir do Outro, que dá a condição da possibilidade de ser esse um. Vê-se do lugar desde o qual idealiza o objeto do seu desejo que faz a condição da unaridade (traço unário). Esta primeira forma unida é uma representação. (Levin, 1995, p.118) É este traço que identifica o sujeito, que marca um lugar, porém ao mesmo tempo há um desconhecimento sobre o mesmo. O traço é a inscrição de uma marca

18 mnêmica, algo é marcado por quem cumpre a função materna, entretanto esta pessoa deve se retirar e então algo é apagado, mas a marca fica, algo resta, uma fixação onde acontecem os investimentos, em cima deste apagamento. Fica determinado que alguém passou e deixou o rastro. É necessário que o objeto se perda, desse modo a marca fica como um enigma, que vai ter que ser lido por um sujeito Outro. Retomando ideias apresentadas, já pode ser dito que o corpo é situado no simbólico - pois tem relação com a linguagem, é atravessado pelo discurso, no imaginário em relação a identificação de imagem, e no real corpo coisa, que não é representável, pois fica fora da imagem. Quando se fala em corpo como receptáculo, ele é assim chamado, pois é ele que recebe as marcas e inscrições da linguagem e do desejo. É discursivo pois metaforiza-se na linguagem, é quando esta perpassa o corpo que ele passa a ser legítimo, reconhecido. A linguagem aparece como fundamental neste processo de constituição do corpo. Os movimentos não são simplesmente ação, eles são atos. Atos porque são simbolizados, e isto acontece por causa do atravessamento da linguagem. Esse é um dos aspectos que diferencia o corpo humano do corpo animal, este último é pura ação. E essa transformação da ação em ato simbolizado só é possível porque o Outro entra com o discurso. Levin (1995) destaca desta forma: O tocar por tocar não gera nada. Não gera marca. Não faz corte. Não há diálogo (p.80). O corpo é efeito da linguagem e não o contrário. É através dela que se constitui o sujeito e seu corpo, e é por meio dela que se permite reconhecer-se, ser um sujeito, ter um corpo e poder transformá-lo. É ela que articula o corpo ao desejo do sujeito. É quem participa da construção do universo simbólico. Quando se fala em corpo, dois outros conceitos a que se remete são: imagem e esquema corporal. Que muitas vezes são tomados como sinônimos, mas que na verdade não o são. O esquema corporal tem a ver com o que se apresenta, parte física, é da ordem do evolutivo e temporal. É a noção que se tem do corpo. Já a imagem corporal tem a ver com a história, é subjetiva e implica o desejo do sujeito. Relaciona-se com a as inscrições e marcações mnêmicas que ficam inconscientemente na memória. O esquema pode ser explicitado e trabalhado, já a imagem não é algo que se possa descrever, pois é da ordem do inconsciente, e como tal, só se apresenta indiretamente. Estas são as diferenças entre imagem e esquema corporal, entretanto há alguma relação, pois a imagem é vista através do

19 esquema. Por exemplo, um comprometimento do esquema pode ter sua origem na imagem corporal da criança. É visível em um deles, mas pode ter se originado em outro. Sintetizando o que Françoise Dolto (2010) fala sobre imagem e esquema corporal, pode se dizer que o esquema é igual para todos (com mais ou menos a mesma idade cronológica), é evolutivo no tempo e no espaço, estrutura-se pela aprendizagem e pela experiência. É inconsciente, mas também pré-consciente e consciente. O funcionamento do corpo fará parte da constituição da imagem, através de seu esquema corporal, este especifica o indivíduo enquanto representante da espécie, quaisquer que sejam o lugar, a época ou as condições nas quais ele vive. É ele, o esquema corporal, que será o intérprete ativo ou passivo da imagem do corpo, no sentido de que permite a objetivação de uma intersubjetividade, de uma relação libidical linguageira com os outros que, sem ele, sem o suporte que ele representa, permaneceria para sempre um fantasma nãocomunicável. (Dolto, p. 14, 2010) É o suporte biológico físico para que a imagem corporal se represente e se comunique com o outro, é nele que as experiências aparecem. As pulsões antes mencionadas tem sua fonte no esquema corporal, porém o lugar onde são representadas é a imagem do corpo. A imagem corporal está ligada ao sujeito e a sua história, é singular, subjetiva e inconsciente. Se estrutura pela relação de comunicação entre os sujeitos. É imaginária e marcada pela dimensão simbólica. Pode tornar-se independente de seu esquema corporal. Reporta ao desejo do sujeito, vai além da necessidade. É quando há uma presença, mesmo que somente simbólica de alguém que permite que o sujeito deseje, que estas duas noções se relacionam, como diz Dolto: Quando existe uma testemunha humana, real ou memorizada, o esquema corporal, lugar de necessidade, que constitui o corpo em sua vitalidade orgânica, se cruza com a imagem do corpo, lugar do desejo. É esta trama de relações que permitirá à criança estruturar-se como ser humano. (Dolto, p.29, 2010). Dolto relata em seu livro A imagem inconsciente do corpo (2010), que quando as crianças chegavam a Clínica lhes apresentava papel, lápis de cor, massa

20 de modelar, e diz que através do que contavam sobre suas produções falavam ali, de seu fantasma. Posteriormente ela diz que, a imagem do corpo é sempre imagem potencial de comunicação em um fantasma (Dolto, 2010, p.25, 26), quer dizer, do que é transmitido à criança desde antes do seu nascimento, é simbólico, fala da própria constituição do sujeito. Estas produções só são codificáveis a partir da fala da criança sobre isso direcionada a seu analista, quando já instalada a transferência relação analítica entre paciente e terapeuta, de confiança e amor, é um vínculo afetivo intenso, assim como são codificáveis, nos adultos os sonhos, atos falhos, por exemplo, só que nestes feitos através das associações de ideias. Segundo a autora, os desenhos fazem aparecer algo inconsciente, que não está sendo possível de ser trabalhado de outra forma, e a interpretação destes se dá através do que a criança traz no discurso, quando fala do desenho. Ela diz um desenho não se conta, é a própria criança que se conta através dele. Situa que ali se mostra o que é impossível no corpo a corpo, o que não é mostrado frente aos outros é mostrado nos desenhos através das representações. Fala dos desenhos para se referir à imagem corporal porque o corpo é o que mais aparece nestes. Chamou de imagem inconsciente do corpo o mediador das instâncias psíquicas (Isso, Eu e SuperEu). Em um seminário no ano de 1985, convidada por J.D.Nasio fala a ele e aos demais presentes sobre seu livro A imagem inconsciente do corpo, seminário este que foi publicado sob o título A criança do espelho (2008). Nele, num primeiro momento, questionada por Nasio, esclarece o porquê de usar o termo imagem se não é de uma imagem literal de que está falando. Segundo ela, usa o termo imagem, pois diz da relação com o outro, com a identidade, identificação. Não é literalmente imagem, não é imagem especular, é inconsciente é um substrato relacional da linguagem (Dolto, 2008, p.12) A autora fala ainda dos três aspectos dinâmicos da imagem corporal, são elas que associadas entre si, através das pulsões de vida, constituem e sustentam a imagem do corpo do sujeito, e também seu narcisismo. Para saber como se desenvolve e quais mudanças e evoluções acontecem na imagem do corpo é importante abordar o estudo delas, que são: imagem de base, funcional e erógena. A imagem de base seria o primeiro componente da imagem corporal, uma noção de continuidade narcísica.

21 Lacan parte do narcisismo para falar do Estádio do Espelho, por isso, neste momento abre-se aqui, um espaço para falar, mesmo que minimamente deste conceito fundamental da psicanálise, o narcisismo. Dolto fala no narcisimo do sujeito, entendido por ela como a mesmice de ser, conhecida e reconhecida, indo-devindo para cada um no espírito de seu sexo [...] sujeito do desejo de viver, preexistente à sua concepção. É isto que anima o chamado para viver em uma ética que sustenta o sujeito a desejar. (Dolto, 2010, p.38). Já Freud, relaciona o narcisismo com a evolução da libido, esta que seria a energia sexual que parte do corpo e investe nos objetos. Freud fala na diferenciação entre libido do ego e libido objetal, diz que quando está se investindo em uma a outra fica esvaziada, dá o exemplo uma pessoa que, quando apaixonada, parece desistir de sua própria personalidade para investir no objeto amoroso. Distingue o narcisismo em duas fases, que se relacionam com o tipo de escolha objetal: o narcisismo primário que diz sobre o auto-erotismo, isto é, as pulsões buscam obter a satisfação no próprio corpo, segundo Freud, nesta fase o Eu ainda não foi constituindo, ficando assim, os investimentos nas próprias partes do corpo. Após ser confrontado com ideal, que lhe é imposto, e com o qual se compara, passa a investir em um objeto, que não seu corpo, e há aqui outro momento, o retorno do investimento ao Eu, neste, identifica-se a necessidade e quem pode satisfazê-la, investindo assim neste objeto que retorna o que lhe foi investido. Geralmente, no início, investe-se aqui na mãe ou quem cumpre esta função, porém depois muda-se de objeto. Para Nasio, o narcisismo pode ser resumido como um modo particular da relação com a sexualidade (Nasio, p.47, 1997). Alguns autores falam dele como promovedor de uma imagem unificada de si, e como processo pelo qual o sujeito assume e se identifica com sua imagem. Voltando a imagem de base, pode-se dizer que esta vai acompanhando o desenvolvimento do sujeito e se modificando de acordo com as experiências que vão ser vividas pelo mesmo. O segundo componente da imagem do corpo seria a imagem funcional, que não é tão estática como a de base, visa a realização dos desejos e permite que o sujeito se comunique com os outros, é graças à imagem funcional que as pulsões de vida podem, após serem subjetivadas no desejo, tender a manifestar-se para alcançar prazer, objetivar-se na relação com o outro (Dolto, p.

22 43, 2010). A imagem erógena é o terceiro componente da imagem do corpo, esta se relaciona com o lugar do corpo onde se focaliza, na relação com o outro, o prazer erótico. Estes três aspectos se misturam para que a imagem do corpo seja constituída da melhor forma, sendo que para isso a imagem de base deve garantir a coesão narcísica, deste modo, para que isto aconteça é necessário 1. que a imagem funcional permita uma utilização adaptada do esquema corporal; 2. que a imagem erógena abra ao sujeito o caminho de um prazer partilhado, humanizante naquilo que tem como valor simbólico e pode ser expresso não somente de forma mímica, mas com palavras ditas por outrem. (Dolto, 2010, p.44) Reunidos formam a dinâmica da imagem do corpo, que não tem representação própria, entretanto, esta pode ser descrita em termos de intenção, de desejo, parte do sujeito ao objeto. A imagem é sustentada porque é investida desde que o Outro começa a simbolizar o corpo da criança através dos primeiros cuidados começando a erotizar e demarcar as bordas pulsionais, deixando marcas, até o momento em que a imago do Outro sustenta a imagem do corpo do sujeito, afim de que este possa se identificar e a partir de então, assumir a própria imagem. Entretanto, apesar de o Outro servir como suporte, ele deve se ausentar e deixar uma falta, para que o sujeito possa vir a desejar e assumir o que é seu. A imagem se sustenta a partir daquilo que não esta lá, pelo o que falta, esta é a condição, o objeto fica de fora. Antes mesmo desta etapa em que a mãe deve se ausentar, alguém já deve entrar para fazer esta separação simbólica entre mãe-bebê, este alguém que castra é quem cumpre a função paterna, representado na maioria das vezes pela figura do pai. Quando a mãe se retira abre um espaço, uma falta que produz uma frustração, e esta, por conseguinte, vai fazer a criança representar o objeto de desejo. Posteriormente, a mãe deve colocar no seu discurso que seu desejo está submetido a Outro, a uma lei. É aí que a criança começa a se questionar sobre qual é o desejo da mãe, já que descobriu que não é mais ela. Neste momento surge o pai, como função simbólica, que já deveria aparecer anteriormente no discurso da mãe. Porém agora sim ele passa a fazer função, surge como representante da Lei, aquele que

23 castra. Num terceiro momento o pai se revela como possuidor do falo 9, daquilo que a mãe deseja, e mais do que isso, ele pode dar a ela este falo. Constitui-se nessa etapa a identificação. Neste momento aparece esse pai, portador da Lei e castrador. É nomeado por Lacan como Metáfora Paterna. Esta diz de quando o pai aparece na relação como pai simbólico, é aqui que intervém o Nome-do-Pai associado à Lei simbólica que ele encarna. O Nome-do-Pai é uma designação endereçada ao reconhecimento de uma função simbólica, circunscrita no lugar de onde se exerce a lei. Esta designação é que é o produto de uma metáfora. O Nome-do-Pai é o novo significante (S2) que, para a criança, substitui o significante do desejo da mãe. (Dor, 1991, p. 92) A partir da efetivação ou não da função paterna é que se estruturará o sujeito. Quando esta função for exercida corretamente pelo pai, estabelecendo a lei, o sujeito se estruturará como neurótico. Já quando este pai não exercer função, ou seja, for forcluído, o destino possível será a psicose. Pensando nesta constituição da imagem e sua relação com o objeto, podese, a partir de agora, refletir sobre as questões que envolvem a relação mãe-bebê onde o Nome-do-Pai não faz função, a castração e a falta não são instauradas e onde objeto fica atrelado ao Outro, relacionando-as com a psicose. E com isso, descobrir quais as possíveis implicações que possam aparecem na constituição da imagem do corpo destes sujeitos assim estruturados. 9 Falo Representação simbólica, que vem a ser o organizador da sexualidade. Freud Primeiramente utilizou o termo pênis para situar esse elemento em torno do qual se organizava a sexualidade, quando do acontecimento da castração. Por não se tratar especificamente do órgão masculino, mas sim da representação do mesmo, Lacan passou a utilizar o termo falo. Representação esta que pode ser tanto de forma imaginária quanto simbólica, por isso, muitas vezes fala-se de falo imaginário ou falo simbólico, como situa Nasio: O mesmo falo, enquanto imaginário, é o objeto visado pela castração, e, enquanto simbólico, é o corte que efetua a castração. (Nasio, 1997, p.38) A questão que se coloca é a presença ou ausência do mesmo.

24 2 A PSICOSE E A IMAGEM DO CORPO 2.1 A ESTRUTURA PSICÓTICA Para trabalhar a questão da imagem corporal na psicose, primeiramente o essencial é esclarecer como se estrutura um sujeito psicótico, fazendo a diferenciação da estruturação de um neurótico. Pode ser que alguns aspectos apresentados na parte anterior sejam repetidos, entretanto, se assim for feito, é para uma melhor construção e tentativa de esclarecimento sobre a estruturação dos sujeitos. A partir do estudo do ego e seus relacionamentos, tanto com o id como com o mundo externo, Freud em seu texto O Ego e o Id (1923), propõe fazer uma diferenciação entre neurose e psicose. Nele assinala o que talvez seja a mais importante diferença genética entre uma neurose e uma psicose: a neurose é o resultado de um conflito entre o ego e o id, ao passo que a psicose é o desfecho análogo de um distúrbio semelhante nas relações entre o ego e o mundo externo. (Freud, 1924 [1923], p. 167) Tenta assim estabelecer que a neurose é estruturada a partir de um conflito interno, já a psicose, é uma consequência da relação conturbada entre o ego e o mundo externo. Mesmo sendo possível fazer uma diferenciação entre neurose e psicose, há algo em comum entre estas estruturas. Freud em Neurose e Psicose (1924[1923]) situa isso que há de comum no início dessas duas estruturas, para ele, é sempre a frustração, ou seja, uma não-realização de algum desejo que nos acompanha desde a infância. A frustração parece ser sempre vinda do mundo externo, mas pode também emergir do agente interno, ou seja, do superego, que assumiu a representação das exigências da realidade. O efeito patogênico depende de o ego, numa tensão conflitual desse tipo, permanecer fiel á sua dependência do mundo externo e tentar silenciar o id, ou ele se deixar derrotar pelo id e, portanto, ser arrancado da realidade. (Freud, 1924 [1923], p. 169)

25 Ou seja, para que não se torne patogênico, o ego não deve se apoiar e se manter somente através do que é imposto pelo mundo externo, como regras e restrições e ignorar os impulsos do id, ou ser vencido por estes impulsos e perder o controle sobre a realidade. Essa conquista pelos impulsos do id e a perda sobre o controle da realidade é o que ocorre na psicose. Acontece um distúrbio entre o ego e o mundo externo, este passa a não ser percebido ou apesar de ser, esta percepção não tem efeito algum sobre o sujeito. O que normalmente acontece entre mundo externo e ego é o seguinte: ele (ego) é governado por percepções atuais, sempre renováveis e mediante as lembranças de percepções anteriores. Na psicose novas percepções não são aceitas e as já existentes através das lembranças perdem suas significações. Deste modo, o ego cria, autocraticamente, um novo mundo externo e interno, e não pode haver dúvida quanto a dois fatos: que esse novo mundo é construído de acordo com os impulsos desejosos do id e que o motivo dessa dissociação do mundo externo é alguma frustração muito séria de um desejo, por parte da realidade frustração que parece intolerável. (Freud, 1924 [1923], p. 168) Já na neurose, o ego recusa-se a aceitar os impulsos desejosos do id, tenta ajudá-lo a encontrar outra saída, ou simplesmente proibi-lo de encontrar o objeto que deseja. Para se defender desse impulso o ego se vale do recalque, o material reprimido cria representações substitutivas que aparecem em forma de sintoma. É com este sintoma que o ego continua a lutar, não mais com o impulso original. É certo que, empreendendo o recalque 10 o ego seguiu ordens do superego, porém para o ego estas forças são mais fortes que as exigências do id, conseguindo assim reprimir os impulsos do id. Este enfrentamento entre ego e id, a serviço da realidade e do superego é o que caracteriza toda neurose de transferência. As neuroses narcísicas são caracterizadas pelo conflito entre ego e superego. Sintetizando o que foi dito anteriormente, podemos dizer que na neurose o ego suprime um fragmento do id, seguindo as ordens da realidade, já na psicose, seguindo as ordens do id, o ego acaba por afastar um fragmento da realidade. O que mudaria entre uma e outra, como pode se ver, seria a influência da realidade na

26 neurose e do id na psicose. Na psicose a perda da realidade estaria necessariamente presente, ao passo que na neurose, segundo pareceria, essa perda seria evitada. (Freud, 1924, p. 205) Assim, para falar mais sobre o recalque, destaco primeiramente a contextualização que Freud (1911) faz sobre ele. Sinteticamente pode se dizer que o recalque é um mecanismo de defesa do sujeito e serve para afastar algo da consciência. Ele distingue três fases do recalque: a primeira seria a fixação de algum componente pulsional, apesar de mais componentes passarem por este mesmo percurso de desenvolvimento, algum é deixado para trás; a segunda fase seria o recalque propriamente dito; e a terceira é quando algo escapa ao recalque e retorna, regressa-se aqui ao ponto de fixação e este componente que havia sido deixado de lado é impulsionado a aparecer, Freud refere-se a esta fase como retorno do recalcado. Na primeira fase descrita, o recalque do poder do id existe tanto na neurose quanto na psicose. O que as diferencia acontece na segunda fase, quando pode acontecer o fracasso por parte do ego de restringir as exigências do id, quando isso não é conseguido pelo ego, a consequência é a perda da realidade. E isso é que provoca, na psicose, a criação de outra realidade que viria substituir a que fora perdida. O que está sendo apresentado até o momento é o que pensa Freud, quando relaciona as instâncias psíquicas id, ego e superego com a constituição das estruturas neurose e psicose, também sobre a utilização da noção de realidade para diferencia-las e compará-las. Entretanto, não nos deteremos propriamente nestes aspectos relacionados a perda ou não da realidade, pois nos interessa a psicose na infância e, para tanto, não precisamos chegar a fase da perda da realidade, do delírio, para explica-la. A proposição de trabalhar inicialmente a partir destas concepções foi para termos conhecimento de como, segundo Freud, se dá esta diferenciação entre estruturas, enfatizando o fato de que estas não são decididas ainda na infância. O que continuaremos seguindo no trabalho, são as contribuições que Freud traz ao estudo da psicose, através de suas concepções acerca da 10 Freud usa o termo repressão ao invés de recalque, porém, optei por usar este último uma vez que este tem conotação de vindo do interior do sujeito. O termo repressão não foi utilizado por poder ser usado para situar algo vindo de fora do próprio sujeito, como por exemplo, a repressão social.