Relação entre utilização de ferrageamento corretivo com tempo de tratamento e reabilitação de cavalos com laminite crônica

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Transcrição:

355 Relação entre utilização de ferrageamento corretivo com tempo de tratamento e reabilitação de cavalos com laminite crônica Relationship between the use of therapeutic shoeing, period of treatment and rehabilitation of horses with chronic laminitis Tiago Marcelo OLIVEIRA 1 ; Manuela Manzi Frayze PEREIRA 1 ; Luis Cláudio Lopes Correia da SILVA 2 ; Wilson Roberto FERNANDES 1 ; Raquel Yvonne Arantes BACCARIN 1 1 Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, São Paulo SP, Brasil 2 Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, São Paulo SP, Brasil Resumo Foram revisados os dados de 138 equinos com laminite, atendidos no período de dez anos. Destes, 48 casos de laminite crônica foram selecionados com o objetivo de relacionar a recuperação clínica dos cavalos com a utilização de dois métodos diferentes de distribuição de apoio sobre os cascos: palmilha de isopor e palmilha de isopor associada ao ferrageamento. Os cavalos foram divididos de acordo com a recuperação clínica, método de distribuição de apoio escolhido e grau de rotação da terceira falange. Também foi estabelecido o tempo médio de tratamento. Considerando os graus de rotação 3 a 5, 6 a 8, 9 a 11 e acima de 11, e comparados os dois métodos de distribuição de apoio sobre os cascos, não foi observada diferença estatística na porcentagem de animais com recuperação clínica. Contudo, dos animais que utilizaram palmilha de isopor, 43,5 ± 14% recuperaram-se clinicamente, e nos que utilizaram palmilha de isopor associada ao ferrageamento, obteve-se 69,5 ± 19% de recuperação clínica. Não houve correlação entre o aumento do grau de rotação da terceira falange e tempo de tratamento. Também a recuperação clínica dos animais não teve relação com tempo de tratamento. A literatura correlaciona vários fatores ao prognóstico, porém, neste trabalho demonstrou-se que a o retorno à função anteriormente exercida pelo cavalo não está relacionado ao tempo de tratamento, contudo, sofre influência da utilização do método de ferrageamento. Palavras-chave: Equino. Laminite. Tratamento. Ferrageamento corretivo. Palmilha de isopor. Abstract Data from 138 horses with laminitis treated in the period of ten years were reviewed. Of these, 48 cases of chronic laminitis were selected in order to relate the clinical recovery of horses using two different methods of distribution of body weight on the hooves: foam pad and foam pad associated with shoeing. The horses were divided according to clinical recovery, the weight distribution method chosen and degree of rotation of the third phalange. Also the average time of treatment was established. Considering the degrees of rotation 3-5, 6-8, 9-11 and above 11, and comparing the two methods of distribution of body weight on the hooves, there was no statistical difference in the percentage of animals with clinical recovery. However, 43.5 ± 14% of horses that used foam pad and 69,5 ± 19% of them that used foam pad associated with shoeing recovered clinically. There was no correlation between the increase of the degree of rotation of the third phalanx and treatment time. Clinical recovery of animals was not related to treatment time. Several factors are correlated with prognosis in the literature, but this study demonstrated that the return of the function previously performed by the horse is not related to treatment time, however, is influenced by the use of shoeing. Keywords: Equine. Laminitis. Treatment. Therapeutic shoeing. Foam pad. Correspondência para: Tiago Marcelo Oliveira Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia Universidade de São Paulo Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87 Cep: 05508-270 e-mail: tiagooliveira@usp.br Recebido: 18/06/2010 Aprovado: 05/10/2011

356 Introdução A laminite é uma síndrome complexa, onde uma sequência de eventos resulta em perda da interdigitação entre as lâminas dérmicas e epidérmicas do casco, culminando na rotação e/ou no deslocamento distal da terceira falange. Acredita-se que a rotação da terceira falange resulte de uma combinação da degeneração laminar, primeiramente na parede dorsal do casco, e de forças de tração do tendão flexor digital profundo 1. Quando o cavalo começa a mostrar sinais de dor, a anatomia das lâminas da parede do casco já está em processo de alteração 2. A etiopatogenia da laminite ainda causa divergências, existindo algumas teorias que tentam explicar a causa e os mecanismos dessa enfermidade. As causas de laminite incluem a microtrombose induzida por endotoxinas, alterações na dinâmica vascular, ativação da destruição enzimática da membrana basal laminar, aumento da expressão de mediadores inflamatórios e estados de resistência a insulina 3. A laminite aguda pode ser subdividida em subaguda, aguda e refratária. A laminite subaguda é a forma moderada da doença, tem resolução rápida sem danos laminares permanentes e a rotação da terceira falange geralmente não acontece. Na forma aguda da laminite, os sinais clínicos são mais graves, a doença não responde tão rapidamente ao tratamento e a rotação da terceira falange tem maior probabilidade de ocorrer. A laminite refratária é representada pelos casos de laminite aguda que não responderam ou responderam minimamente a terapia em sete a dez dias. A laminite crônica é uma continuação do estágio agudo, envolvendo mudanças morfológicas laminares e colapso digital, ou seja, começa com o primeiro sinal de movimento da terceira falange dentro do casco 1,4. O diagnóstico é baseado no exame físico do animal e radiográfico da terceira falange 5, que deve ser realizado ao primeiro sinal de laminite aguda, servindo como base para exames subsequentes 1. A parede dorsal do casco e a superfície dorsal da terceira falange devem ser paralelas e o espaço entre elas deve ser menor que 19 mm ou 30% do comprimento da terceira falange, medida desde a extremidade distal da terceira falange até a articulação com o osso navicular 6,7. O prognóstico para os equinos com rotação ou deslocamento distal de terceira falange deve ser dividido em prognóstico para a vida e para a função atlética, e um dos critérios mais usados é a severidade dos sinais clínicos 8, pois são considerados mais precisos e seguros 9. Contudo, o grau de rotação da terceira falange em relação à parede do casco também pode ser usado para estabelecer o prognóstico de equinos com laminite. Segundo Nickels 10 a maioria dos equinos com menos de 5,5º de rotação retorna à função atlética anterior, enquanto aqueles com mais do que 11,5º de rotação perdem seu uso para atividades físicas e alguns podem ser usados para reprodução. Os cuidados com o casco em todas as fases da laminite são extremamente importantes. É necessária a redução de tensão nas lamelas danificadas, através da amenização dos fatores que levam ao deslocamento da terceira falange. Esses fatores são o apoio do animal, a força de tração exercida pelo tendão flexor digital profundo e a influência do casco durante a movimentação do cavalo 10. Vários são os métodos de casqueamento e ferrageamento indicados para cavalos com laminite, porém, não há um consenso do método considerado eficaz, uma vez que a resposta individual é muito variada 6. O único cuidado com o casco que pode ser realizado no primeiro exame é aparar (cortar em ângulo) a pinça em aproximadamente 15 a 20º. Isso é feito para reduzir as forças de sustentação de peso sobre a parede dorsal do casco, reduzindo, assim, a contínua separação laminar. A colocação de ferradura terapêutica também tem um papel importante no tratamento da laminite; e os tipos mais comumente utilizados incluem aqueles com barra em formato de coração, ferraduras invertidas com palmilhas, ferraduras com

357 barra em formato oval, ferraduras com palmilhas e ferraduras que elevam os talões 1. Sendo a laminite uma importante causa de morbidade e eutanásia em cavalos, o objetivo deste estudo foi determinar a incidência da laminite em equinos no atendimento hospitalar, bem como relacionar a utilização do ferrageamento corretivo com o tempo de tratamento e o retorno a atividade física de cavalos com laminite crônica. Material e Método A amostragem deste estudo foi selecionada a partir de 4262 prontuários de equídeos, atendidos no serviço de Clínica Médica de Equinos do Hospital Veterinário, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo (USP), durante dez anos. Cento e trinta e oito (138) animais chegaram ao hospital com diagnóstico de laminite. Dentre estes, foram selecionados 48 casos que possuíam registro radiográfico com rotação de terceira falange, submetidos a tratamento medicamentoso semelhante, e que não vieram a óbito por outros motivos que não a eutanásia decorrente da laminite. Além disso, foi realizado contato telefônico com proprietários, posteriormente a alta hospitalar, para obtenção do tempo de tratamento e recuperação clínica do animal. Foram analisados dados referentes a: grau de rotação da terceira falange, utilização de palmilha de isopor acompanhada ou não de ferrageamento e recuperação clínica. O diagnóstico foi estabelecido pelos exames físico e radiográfico. O exame radiográfico com projeção lateromedial foi utilizado para determinar o grau de rotação da terceira falange segundo Pollitt 7. Quatro grupos foram formados de acordo com o tratamento utilizado e recuperação clínica, a saber: 13 animais com utilização de palmilha de isopor com recuperação clínica (G1), 11 animais com utilização de palmilha de isopor sem recuperação clínica (G2), 15 animais com utilização de palmilha de isopor associada ao ferrageamento com recuperação clínica (G3), e nove animais com utilização de palmilha de isopor associada ao ferrageamento sem recuperação clínica (G4). Após a formação dos grupos, o grau de rotação da terceira falange dos membros acometidos de cada cavalo foi anotado, com o intuito de se avaliar cada categoria de grau de rotação, ou seja: 3 a 5, 6 a 8, 9 a 11 e acima de 11. A análise dos dados foi conduzida com base no modelo estatístico χ² (qui-quadrado), com nível de significância de 5%, afim de verificar associação entre o método de distribuição de apoio nos cascos e recuperação clínica dentro de cada categoria de grau de rotação. Para o estudo de relação entre grau de rotação e tempo de tratamento foi utilizada a análise de regressão linear e o coeficiente de correlação. Foram consideradas diferenças significativas quando P foi inferior a 0,05, sendo uma correlação considerada forte quando r > 0,6; média quando os valores de r estiveram entre 0,3 e 0,6; e fraca quando r < 0,3. Resultados Durante dez anos foram atendidos 138 equinos com laminite, o que representou 3,2% do atendimento hospitalar. Uma vez formado os quatro grupos segundo o método de distribuição do apoio nos cascos e recuperação clínica, estes animais foram avaliados de acordo com cada categoria de grau de rotação, ou seja, de 3 a 5, 6 a 8, 9 a 11, e acima de 11 (Tabela 1). Dos 18 animais que apresentaram grau de rotação entre 3 e 5, 13 apresentaram recuperação clínica (G1 e G3) e cinco vieram a óbito ou foram sacrificados (G2 e G4). 11 animais apresentaram grau de rotação de 6 a 8, sendo que oito apresentaram recuperação clínica e apenas três vieram a óbito ou foram sacrificados. Dos oito animais que apresentaram grau de rotação entre 9 e 11, seis apresentaram recuperação clínica e dois vieram a óbito ou foram sacrificados. Dos 11 animais que apresentaram grau de rotação superior a 11, apenas um apresentou recuperação clínica e dez

358 Tabela 1 - Número e percentagem de animais dos grupos G1, G2, G3 e G4 de acordo com o método utilizado de distribuição de apoio sobre os cascos, recuperação clínica e grau de rotação da terceira falange, ou seja, 3 a 5, 6 a 8, 9 a 11, e acima de 11 - São Paulo - 2010 Grau de rotação da terceira falange Palmilha Distribuição de apoio sobre cascos Palmilha + Ferrageamento N (%) G1 (%) G2 (%) N (%) G3 (%) G4 (%) 3-5 14 (100) 9 (64)a 5 (36)a 4 (100) 4 (100)a 0 (0)a 6-8 5 (100) 3 (60)a 2 (40)a 6 (100) 5 (83)a 1 (17)a 9-11 2 (100) 1 (50)a 1 (50)a 6 (100) 5 (83)a 1 (17)a > 11 3 (100) 0 (0)a 3 (100)a 8 (100) 1 (12)a 7 (88)a Média (%) ± DP 100 43,5 ± 14a 56,5 ± 14a 100 69,5 ± 19a 30,5 ± 19a N: número; DP: desvio padrão; G1 e G3: com recuperação clínica; G2 e G4: sem recuperação clínica. Letras minúsculas distintas na mesma linha denotam diferença estatística. Nível de significância P < 0,05 vieram a óbito ou foram sacrificados. Não foi observada diferença estatística na porcentagem de animais que apresentou recuperação clínica, de acordo com o método de distribuição de apoio nos cascos (palmilha de isopor acompanhada ou não de ferrageamento), quando avaliada dentro de cada categoria de grau de rotação (Tabela 1). Apesar de uma porcentagem maior de cavalos que utilizaram palmilha de isopor associada ao ferragemanto ter apresentado recuperação clínica (G3 = 69,5 ± 19) do que os que utilizaram somente palmilha (G1 = 43,5 ± 14), esta diferença também não foi estatisticamente significativa (P > 0,05). Tanto os animais tratados com a colocação de palmilha que obtiveram recuperação clínica (G1), quanto os que vieram a óbito ou foram sacrificados (G2) apresentaram um tempo médio de tratamento similar, ou seja, 3,5 meses (106 dias) e 3,7 meses (112 dias), respectivamente. Dos animais que utilizaram palmilha associada ao ferrageamento, os pertencentes ao G3 obtiveram recuperação da função em tempo médio de tratamento de 16 meses (472 dias), enquanto que a média de tempo de tratamento do G4 foi de dez meses (311 dias). Observou-se que não houve correlação entre o aumento do grau de rotação da terceira falange em cada grupo e tempo de tratamento (r < 0,3), ou seja, entre 3 e 5 (G1 = 3,5; G2 = 3,8; G3 = 12 meses), 6 a 8 (G1 = 6,3; G2 = 2,8; G3 = 20,8 e G4 = 10 meses), 9 a 11 (G1 = 4; G2 = 7; G3 = 14,4 e G4 = 7,3 meses), e acima de 11 (G2 = 2,5; G3 = 18 e G4 = 10,3 meses) (Figura 1). Analisando-se os grupos com recuperação clínica (G1 e G3), é interessante observar que os animais com grau de rotação entre 6 e 8 necessitaram de mais tempo para se recuperarem do que os animais com grau de rotação entre 9 e 11. Discussão e Conclusões A porcentagem precisa de cavalos que progridem de uma laminite aguda para crônica não é conhecida, mas é suficiente dizer que é extremamente comum. Recentemente foi reportado que a laminite acomete anualmente nos Estados Unidos da América 2% dos cavalos 11. Em nosso estudo encontramos uma incidência de 3,2% no atendimento hospitalar, contudo este número pode ser variável segundo as características da região estudada e o perfil de atendimento hospitalar. Apesar da análise estatística não ter mostrado diferença, pode-se observar que a utilização de palmilha acompanhada de ferrageamento contemplou uma porcentagem maior de animais com recuperação clínica in-

359 Figura 1 - Tempo médio de tratamento (meses) dos animais acometidos por laminite dos grupos G1, G2, G3 e G4 (G1 e G3: com recuperação clínica; G2 e G4: sem recuperação clínica), segundo o grau de rotação da terceira falange, ou seja, 3 a 5, 6 a 8, 9 a 11, e acima de 11 - São Paulo - 2010 dependente da categoria de grau de rotação, ou seja, de 3 a 5 (G1 = 64%; G3 = 100%), de 6 a 8 (G1 = 60%; G3 = 83%), de 9 a 11 (G1 = 50%; G3 = 83%), ou acima de 11 (G1 = 0%; G3 = 12%), sugerindo ser um método de distribuição de apoio nos cascos mais efetivo. No estudo realizado por Cripps e Eustace 12 com cavalos acometidos por laminite, 77% dos animais retornaram a vida atlética, 3% não recuperaram o mesmo desempenho e 20% vieram a óbito ou foram sacrificados. Contudo, devemos ressaltar que no referido trabalho também estavam incluídos casos de laminite aguda e não somente os que apresentavam rotação de terceira falange, o que não permite comparação direta entre nosso trabalho e o de Cripps e Eustace 12. Observou-se também que nos grupos em que não houve recuperação clínica (G2 e G4) há número maior de animais com rotação elevada de terceira falange (maior ou igual a 9 ) do que nos grupos com recuperação clínica (G1 e G3), sugerindo uma relação entre o grau de rotação e a resposta clínica ao tratamento. Apesar de Hunt 9 e Cripps e Eustace 12 não correlacionarem o grau de rotação da terceira falange com o retorno do animal à função atlética, segundo Nickels 10 a maioria dos equinos com menos de 5,5º de rotação retornam à função atlética anterior, enquanto aqueles com mais do que 11,5º de rotação perdem seu uso como animais de esporte ou lazer, apesar de alguns poderem ser usados para reprodução. Esta relação também está de acordo com o relatado por Stick et al. 13 e Hunt 9 ou seja, há uma relação inversamente proporcional entre o grau de rotação e instabilidade da terceira falange e a viabilidade do cavalo de retornar a sua atividade atlética. Os animais com grau intermédio de rotação de terceira falange, ou seja, graus 6 a 8, nos grupos 1 e 3 necessitaram de tempo de recuperação maior do que os animais com grau de rotação acima de 9, o que pode estar ligado ao tempo necessário para estabilização da terceira falange. Cavalos com laminite crônica que apresentam rotação estável de 10 a 12 da terceira falange possuem prognóstico melhor que aqueles com rotações de 3 a 4, mas que ocorreram em uma semana, associadas com dor severa, ou seja, o fator determinante mais importante é o grau de instabilidade dentro

360 do casco 4, reforçando a ideia de que a análise de prognóstico apenas pelo exame radiográfico é insuficiente. Em nosso estudo, o G1 apresentou recuperação da função em tempo médio de tratamento de 3,5 meses e o G3 em 16 meses, enquanto o G2 e G4, ambos sem recuperação clínica, foram sacrificados ou vieram a óbito em 3,7 e 10 meses respectivamente. Observou-se, portanto, que a recuperação da função não teve relação com o tempo de tratamento. Herthel e Hood 14 consideram como fatores que devem ser considerados para determinação do prognóstico o grau de claudicação induzido pela laminite, a presença de lesões irreversíveis no dígito e a falta de resposta às tentativas de reabilitação do animal, o que pode ter ocorrido com os animais em G2 e G4. A determinação dos grupos baseado no tratamento e evolução clínica do animal possibilitou a comparação de duas diferentes condutas relacionadas à distribuição de apoio sobre os cascos acometidos por laminite, demonstrando que a escolha destas condutas pode se basear no grau de rotação da terceira falange, apesar da grande variação individual na resposta ao tratamento medicamentoso. Essa divisão de grupos também pode proporcionar ao clínico uma perspectiva de tempo médio de reabilitação. A literatura correlaciona vários fatores ao prognóstico, porém neste trabalho demonstrou-se que o retorno à função anteriormente exercida pelo cavalo não está relacionado ao tempo de tratamento, contudo sofre influência da utilização do método de ferrageamento. Estas observações são de grande utilidade para se estabelecer as condições e perspectivas de recuperação do animal. Referências 1. STASHAK, T. S. The foot. In: STASHAK, T. S. Adam s lameness in horses. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins. 2002. p. 645-733. 2. POLLITT, C. C. Phatophysiology of laminitis. In: ROSS, M. W.; DYSON, S. J. Diagnosis and management of lameness in the horse. St. Louis, Missouri: Elsevier, 2003. p. 325-329. 3. BACCARIN, R. Y. A.; MIKAIL, S. Afecções do casco equino. In: PEDRO, C. R.; MIKAIL, S. Fisioterapia veterinária. 2. ed. São Paulo: Manole, 2009. p. 215-226. 4. HUNT, R. J.; WHARTON, R. E. Clinical presentation, diagnosis, and prognosis of chronic laminitis in North America. Veterinary Clinics of North America: Equine Practice, v. 26, n. 1, p. 141-153, 2010. 5. FLOYD, A. E. Grading the laminitic horse. In: FLOYD, A. E.; MANSMANN, R. A. Equine podiatry. St Louis, Missouri: Elsevier, 2007. p 320-327. 6. KANEPS, A. J.; TURNER, T. A. Diseases of the foot. In: HINCHCLIFF, K. W.; KANEPS, A. J.; GEOR, R. J. Equine sports medicine and surgery. London: Elsevier, 2004. p. 274-278. 7. POLLITT, C. Laminitis radiology. In: POLLITT, C. Equine laminitis. Kingston: Rural Industries Research and Development Corporation, 2001. p. 63-73. 8. PARKS, A.; O GRADY, S. A. Chronic laminitis: current treatment strategies. Veterinary Clinics of North America: Equine Practice, v. 19, n. 2, p. 393-416, 2003. 9. HUNT, R. J. A retrospective evaluation of laminitis in horses. Equine Veterinary Journal, v. 25, n. 1, p. 61-64, 1993. 10. NICKELS, F. A. Hoof care of a laminitic horse. In: ROSS, M. W.; DYSON, S. J. Diagnosis and management of lameness in the horse. St. Louis, Missouri: Elsevier, 2003. p. 332-335. 11. KANE, A. J.; TRAUB-DARGATZ, J.; LOSINGER, W. C.; GARBER, L. P. The Occurrence and Causes of Lameness and Laminitis in the U.S. Horse Population. In: ANNUAL CONVENTION OF THE AMERICAN ASSOCIATION OF EQUINE PRACTITIONERS, 46, 2000, San Antonio. Proceedings San Antonio: American Association of Equine Practitioners, 2000. p. 277-280. 12. CRIPPS, E. J.; EUSTACE, R. A. Factors involved in the prognosis of equine laminitis in the UK. Equine Veterinary Journal, v. 31, n. 5, p. 433-442, 1999. 13. STICK, J. A.; JANN, H. W.; SCOTT, E. A.; ROBINSON, N. E. Pedal bone rotation as a prognostic sign in laminitis of horses. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 180, n. 3, p. 251-253, 1982. 14. HERTHEL, D.; HOOD, D. M. Clinical presentation, diagnosis, and prognosis of chronic laminitis. Veterinary Clinics of North America: Equine Practice, v. 15, n. 2, p. 375-394, 1999.