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IX Colóquio Internacional Marx e Engels CEMARX IFCH UNICAMP GT 5 Relações de classes e lutas sociais Classes e mobilidade de classes na economia política da urbanização Sandro Barbosa de Oliveira 1 Introdução Os estudos e o debate sobre as classes sociais no final do século XX e início do século XXI foi e continua sendo polêmico, se dividindo em momentos e pressupostos teóricos distintos. Sua importância evidencia-se na tradição marxista, fundamental para o entendimento de conflitos e contradições sociais; e na tradição weberiana, que permite a compreensão da situação socioeconômica dos indivíduos. Após um período de baixas nas análises políticas e acadêmicas nas décadas de 1980-90 em decorrência da chamada crise do marxismo o conceito de classe social tem sido retomado com vigor e amplitude, e os pressupostos para sua análise têm sido ampliados no sentido de alargar o entendimento de sua dinâmica relacional na fase atual da acumulação e expansão capitalista, com pesquisas que incluem a intersecção do conceito de classe com gênero, raça e o urbano. Com referência a dificuldade de apreensão da formação e constituição das classes sociais, esse texto desenvolve de modo preliminar a hipótese de que a compreensão das classes sociais exige a perspectiva relacional e interseccional, e não apenas de modelos e esquemas de classificação sociológica baseados no caráter empírico da teoria da estratificação social por renda e consumo, aspecto que tende reduzir as classes à renda. Nossa tese é de que as classes sociais precisam ser compreendidas em sua amplitude no processo de urbanização, cujas contradições fundamentais se assentam na relação entre a segregação urbana e a espoliação da renda no espaço, ao evidenciar como a metrópole está organizada para as classes dominantes e desorganizada para as classes trabalhadoras. Essas contradições podem ajudar a evidenciar também as segregações étnico-raciais e de gênero presentes na sociedade no espaço urbano. Por isso, pretendo apresentar uma análise que contribua com a compreensão das relações de classes entre localizações socialmente produzidas e os sistemas viários e de transportes, o que representaria a base da mobilidade urbana a partir da questão: por que não houve avanço no desenvolvimento do transporte metroferroviário na metrópole paulistana? Para tanto, pretendemos mostrar que a desigualdade urbana de classes no espaço produzido expressa o resultado da dominação de classes do tempo de trabalho socialmente necessário indicado por Marx, convertido agora em tempo de deslocamento socialmente determinado pelo espaço urbano. 1 Doutorando no Programa de Pós Graduação em Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Correio-e: ontologicosan@hotmail.com. 1

A problemática urbana e a mobilidade de classes sociais no Brasil A compreensão da problemática das classes sociais passa necessariamente pela questão urbana, não só por ela enquanto dimensão do social, mas também pelas questões de gênero e étnico-racial. O processo de urbanização adquiriu suma importância para o desenvolvimento capitalista por ser um processo induzido pela produção capitalista do espaço, ao passo que o espaço urbano de metrópoles e cidades grandes no Brasil apresenta visualmente os efeitos das desigualdades estruturais deste tipo de capitalismo dependente. As consequências do desenvolvimento desigual e combinado são visíveis e se manifestam por meio da segregação urbana, entendido pelo fato das classes dominantes habitarem e trabalharem numa área da metrópole produzida exclusivamente para elas, enquanto que as demais classes sociais habitam um lugar e trabalham em outro, condição estrutural que indicaria os efeitos da necessidade de deslocamentos diários de trabalhadores, pequenos burgueses, profissionais liberais e camadas médias, porém, não as suas causas. As causas e determinações sociais do deslocamento diário de milhões de trabalhadores se encontram na relação entre segregação urbana e renda da terra, o que pode evidenciar os fundamentos da mobilidade urbana originado nessa contradição da urbanização. Para compreender as classes sociais a partir do processo de urbanização é necessário entender que ele expressa o processo de trabalho convertido em valorização, acumulação e expansão do capital, e que traz consigo uma relação social que não se apresenta imediatamente, mas que é possível ser desvelada se observamos de perto seu processo de produção a partir de um setor estratégico e essencial na economia política da urbanização: o setor imobiliário. Nessa relação, em que os agentes do setor imobiliário detêm o poder de produção das cidades, porque concentram a propriedade da terra que se desdobra em imóvel bem localizado para as classes dominantes e médias, isso faz com que se defina a produção do valor enquanto relação social em que o trabalho morto (valor) se apropria do trabalho vivo (trabalhadores) e se desdobra em uma dupla dimensão do trabalho (trabalho abstrato e trabalho concreto), num processo de definição de áreas valorizadas e menos valorizadas determinadas pelo mesmo processo que produzem as classes. Isso não quer dizer que os trabalhadores que vivem na metrópole não produzam o seu espaço, pelo contrário, basta observar a cidade informal, a autoconstrução e os mutirões autogeridos produzido por eles e as imensas ocupações de terras do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Mas quem tem produzido localizações valorizadas e infraestrutura tem sido o setor imobiliário em articulação com o Estado. 2

Um dos estudiosos dessa questão no Brasil tem sido o urbanista Flávio Villaça (1998; 2012), que aprofundou a problemática da segregação urbana e dos vetores de valorização ao explicitar que: Daí decorre a importância da segregação na análise do espaço urbano de nossa metrópole, pois a segregação é a mais importante manifestação espacial-urbana da desigualdade que impera em nossa sociedade. [...] (VILLAÇA, 2012: 44). Ele analisou que os vetores de valorização nas diversas metrópoles brasileiras convergem para uma direção: a localização das classes dominantes na metrópole. No caso de São Paulo, essa localização está bem delimitada: o quadrante sudoeste da cidade, que abriga as classes dominantes da cidade, mas também da metrópole e parte do país. Villaça (Idem: 45) propôs ainda seis aspectos que condiz com os avanços dessas reflexões, que contribuem para entender a segregação urbana e como ela se articula com a desigualdade e a dominação: 1) Negar a forma clássica de segregação sob a forma de círculos concêntricos, com os mais ricos no centro e os mais pobres na periferia (crítica à Escola de Chicago); 2) Historicizar a segregação. A falta de inserção histórica é uma das responsáveis pelas limitações nas análises atuais sobre segregação urbana; 3) Mostrar a relação entre segregação e totalidade das estruturas social e urbana; 4) Mostrar a relação entre dominação e segregação, evidenciando as especificidades da dominação por meio do espaço urbano; 5) Abordar a segregação não mais por bairros, mas por região geral da cidade; 6) Finalmente os avanços no sentido de explicar a segregação, e não apenas no de denunciá-la, descrevê-la ou medi-la. A partir desses pressupostos, a presente comunicação analisa de modo preliminar a mobilidade de classes na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), ao buscar um entendimento da relação entre mobilidade urbana e mobilidade social das classes na relação entre segregação urbana, renda da terra urbana e dominação social. As noções de economia política do espaço, de Lefebvre (2009), e economia política da urbanização, de Singer (1973), são referências nesse estudo e permitem deslocar a análise da economia para o espaço e o urbano na perspectiva da produção do espaço. 2 Essa 2 Lefebvre (2009) analisou como o capital se expandiu e subordinou tudo ao seu redor, inclusive o espaço, ao mostrar como se apossou do solo urbano e como o imobiliário se tornou central para se compreender a reprodução capitalista através da luta contra a tendência à queda da taxa de lucro presente no setor fabril. Singer (1973), por sua vez, traduziu o papel da urbanização no desenvolvimento capitalista no Brasil a partir de São Paulo, e expôs uma economia política da urbanização em que a metrópole se converteu em um modo de organização espacial expandida com a aglomeração urbana que permitiu a divisão social do trabalho, com a indústria fabril e o transporte mecanizado, ao introduzir o custo do transporte para os trabalhadores. 3

forma de produção define-se pela cadeia produtiva da construção civil no âmbito da produção habitacional e infraestrutura (ruas, avenidas, rodovias, aeroportos, metrô, trem). Por isso, a produção por construtoras e incorporadoras, ao lado da produção estatal em parceria com as empreiteiras, se destacam como formas de produção inseridas na lógica do mercado imobiliário e na mediação do tripé terra, capital e trabalho. Em busca da valorização imobiliária através da produção do espaço, as construtoras passaram a deter o poder de produção de boa parte de cidades e metrópoles em busca da apropriação da renda urbana, e por meio da produção do espaço impedem relativamente a tendência de queda da taxa de lucro nos demais setores industriais, por gerar uma imensa massa de valor-trabalho por meio da expropriação da mais-valia absoluta no processo de urbanização. No caso da renda, mesmo a economia política clássica teve dificuldades para determinar a diferença entre valor, renda e preço de terrenos e imóveis urbanos. Na crítica à economia política, Marx (2017) analisou que a terra é um recurso natural e não possui valor, mas que o valor advém do trabalho e das relações sociais de produção e propriedade. Ele avança na formulação da renda da terra rural, mas deixou em aberto a análise da terra urbana. Samuel Jaramillo González (2009) atualiza essa crítica ao formular uma teoria da renda do solo urbano que analisa como ocorrem os aumentos nos preços dos imóveis ( valorizações ) e que podem ser provocados por dinâmicas estruturais como o aumento da demanda por espaço construído, combinado às oscilações conjunturais no movimento geral do mercado imobiliário, ou a particularidades das empresas do ramo, da legislação local ou regional e seus instrumentos urbanísticos e ambientais, de redes e equipamentos e infraestrutura urbanas ofertadas pelo Estado, ao indicar a dinâmica das rendas absoluta e de monopólio a partir das rendas diferenciais I e II já analisadas por Marx. Para aprofundar o estudo da mobilidade urbana a partir da renda urbana, nosso argumento ao fato de não ter havido avanço no desenvolvimento do transporte metroferroviário na RMSP tem três aspectos: econômico, político e ideológico. No aspecto econômico, a renda da terra, sobre suas mais variadas formas, demonstra a existência de um lucro extra extraído da propriedade da terra que se origina no desenvolvimento e aumento das forças produtivas com a atividade imobiliária, com destaque para a renda de monopólio, que eleva o preço da terra por causa dessa massa de mais-valor gerada na produção do espaço como forma de valorização da terra-capital. O aspecto político se verifica na prioridade do Estado na regulação do regime de acumulação capitalista no Brasil, que tem sido o de investir nos sistemas viários para atender as classes dominantes e médias, favorecendo o rodoviarismo em prol das montadoras transnacionais instaladas no 4

país e as construtoras/incorporadoras. Só na década de 2000 o Governo do Estado de São Paulo retomou investimento no sistema metroferroviário, com pouca ampliação da malha. O aspecto ideológico se verifica na ação das classes dominantes de produzir e difundir ideias que escondem os processos reais de produção do espaço. Os investimentos na Companhia do Metropolitano (Metrô) e Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) dependem da regulação estatal para se viabilizar, ao passo que a prioridade dos governos tem sido a construção de sistemas viários para a circulação de automóveis, caminhões, ônibus e motocicletas. A Linha 15 Prata do Metrô não vai chegar à Cidade Tiradentes, mas o governo está terminando o último trecho do Rodoanel. Por isso, e de acordo com Harvey (1982), o Estado capitalista garante a distribuição desigual do espaço por meio da ação de agentes diversos que permitem visualizar uma economia urbana. Esses agentes são: 1) Estado; 2) proprietários de terras; 3) incorporador; 4) capital financeiro; 5) corretores de imóveis; 6) usuários ou compradores. Em tais condições, a produção do espaço para o transporte público e coletivo fica limitada diante da apropriação da renda da terra e imobiliária e pela regulação do Estado no fortalecimento da ideologia da circulação. Nesse sentido, a compreensão da problemática da mobilidade vincula-se ao entendimento da inserção do Estado nessa economia urbana. A mobilidade de classes, regulada pelo Estado e estruturada pelo regime de acumulação que tem na produção imobiliária do espaço sua forma-mercadoria mais desenvolvida, pode ajudar no entendimento da segregação urbana que separa as classes sociais no espaço produzido, a começar pelo problema que separa tais classes: a relação entre localizações e deslocamentos. As localizações são produzidas socialmente, e uma localização pode ser de fácil ou difícil acessibilidade e por isso não é possível pensá-la separadamente do deslocamento, o que exige a apreensão da relação entre produção habitacional e circulação da classe trabalhadora mediada pela divisão social do trabalho. Como efeito, as localizações são determinadas por sistemas viários e de transportes. Usados mais pela geografia crítica, os conceitos de espaço e localização derivam da prática social de produção e reprodução no contexto da divisão social do trabalho que, em nosso caso específico, se converte em divisão socioespacial do trabalho. Como toda sociedade necessita de espaço para reproduzir a vida social de seus membros, o território desta sociedade urbana expressa uma divisão social do trabalho e de classes estruturadas nas desigualdades do espaço estratificado. Essa organização espacial vincula-se necessariamente ao uso do solo que, nesse caso específico, requer uma localização entre outras localizações que estabelecem uma inter-relação de acordo com as atividades e usos 5

exercidos por elas, ou seja, as localizações representam pontos em um determinado espaço e o que as ligam umas às outras são os sistemas viários e de transportes existentes em uma determinada metrópole ou cidade, aspectos que permitem maior ou menor apropriação da riqueza socialmente produzida nesse espaço para determinadas classes de acordo com suas localizações. (HARVEY, 2013; DEÁK, 2001; VILLAÇA, 2012). Dessa maneira, o problema da mobilidade urbana, em particular, e da mobilidade de classes, no geral, exige a compreensão de que a realização das necessidades sociais e econômicas de indivíduos, empresas, instituições e classes sociais requer seu deslocamento frequente no espaço urbano metropolitano. Esse deslocamento é induzido por uma lógica social que advém do processo de acumulação do capital, e os indivíduos podem realizá-las por diversos modais de transporte como automóveis, ônibus, metrô, trem, ou mesmo a pé. Em meio a essa problemática, as Pesquisas Origem e Destino 2007 e Mobilidade 2012 do Metrô de São Paulo constatam que o meio de transporte que predomina na metrópole é o automóvel, seguido por ônibus, metrô e trem. 3 No entanto, elas não evidenciam a lógica desse espaço, apenas o espaço de uma lógica oculta à percepção geral ao descrever e constatar a estrutura urbana dada por suas pesquisas. Uma breve análise dos dados expõe a complexidade urbana: a somatória das viagens de ônibus, metrô e trem na RMSP ultrapassa as de automóveis e motocicletas, o que mostra a importância do transporte coletivo na circulação residência-trabalho para maior parte da classe trabalhadora. As condições de deslocamento remetem a noção de espoliação urbana, 4 que junto com a de segregação socioespacial, contribui para explicar a segregação urbana e expõe uma contradição fundamental que ajuda entender os limites do planejamento urbano, entendido enquanto ideologia e atividade coordenada pelo Estado com o objetivo de interferir no processo de crescimento da cidade (VASCONCELOS, 1999; VILLAÇA, 2012). Verifica-se que o Estado assume parte da resolução desse problema coletivo o transporte, mas que passa a encará-lo de maneira classista ao atender de modo privado e individual os interesses de produção de montadoras de veículos, empresas de ônibus e construtoras, ao explicitar que a desorganização espacial é parte do processo de dominação do tempo e que ela serve de barreira espacial para dificultar a circulação da maior parte da classe trabalhadora na metrópole, o que expõe as determinantes do aspecto ideológico da segregação urbana num espaço metropolitano alheio às realizações do trabalho. 3 De acordo com a Pesquisa Origem Destino de 2007 do Metrô, dos 23,5 milhões de deslocamentos diários na cidade de São Paulo, 30,8% são feitos a pé, 28,3% de ônibus (público, fretado ou escolar), 28% de carro particular, 10,1% de metrô ou trem, 1,7% de moto, 0,6% de bicicleta, 0,3% de táxi, e 0,1% outros. 4 Lúcio Kowarick (1979). 6

As Pesquisas OD e Mobilidade expõem o principal motivo dos deslocamentos o trabalho, e destacam a concentração dos empregos em quatro sub-regiões: 65% no centro; 11,6% no sudeste; 8,5% no oeste; 6,1% no nordeste. Na sub-região leste, a mais populosa depois do centro com mais de 2,9 milhões de habitantes, apenas 4,7% dos empregos, o que exige deslocamento massivo dessa população para outras sub-regiões e para o centro da metrópole. A mobilidade urbana, portanto, entende-se pela localização do trabalho em sua dominação pelo capital, e muitos trabalhadores precarizados de baixa renda, como pedreiros, ajudantes de pedreiros, teleoperadores, domésticas, diaristas, auxiliares de limpezas, são os que mais dispõem de tempo para se deslocar entre a casa e o trabalho, e seus trabalhos são variáveis, intermitentes e localizados em lugares diferentes, o que expõe as causas do tempo de deslocamento socialmente determinado como forma de dominação oriundo da segregação urbana e dos limites de expansão metroferroviária. Referências Bibliográficas DEÁK, Csaba. À busca das categorias da produção do espaço. 2001. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) Programa de Pós-Gradução de Arquitetura FAUUSP. FIX, Mariana. Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil. 2012. Tese (Doutorado em Economia) Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Estadual de Campinas. GONZÁLEZ, Samuel Jaramillo. Hacia una teoria de la renta del suelo urbano. Bogotá, Ediciones Uniandes, 2009. HARVEY, David. O trabalho, o capital e o conflito de classes em torno do ambiente construído. In. Revista Espaço e Debates, n 6, jun/set, 1982, p. 6-35.. A produção capitalista do espaço. São Paulo, Annablume, 2ª Ed., 2006.. Os limites do capital. São Paulo, Boitempo, 2013. KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. São Paulo, Paz e Terra, 1979. LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1999.. La production de l espace. 4 e éd. Paris, Éditions Anthropos, 2000.. O direito à cidade. São Paulo, Centauro Editora, 2009. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I. São Paulo, Boitempo, 2013.. O capital: crítica da economia política. Livro II. São Paulo, Boitempo, 2014.. O capital: crítica da economia política. Livro III. São Paulo, Boitempo, 2017. SINGER, Paul. Economia política da urbanização. São Paulo: Brasiliense, 2ª ed., 1975. VASCONCELOS, Eduardo. Circular é preciso, viver não é preciso. A história do trânsito na cidade de São Paulo. São Paulo, Annablume, 1999. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel, 1998.. Reflexões sobre as cidades brasileiras. São Paulo, Studio Nobel, 2012. 7