Mobilização Política e a Igreja Católica na década de 1950. Aluno: Amanda dos Santos Francisco Orientador: Rafael Soares Gonçalves



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Transcrição:

Mobilização Política e a Igreja Católica na década de 1950. Aluno: Amanda dos Santos Francisco Orientador: Rafael Soares Gonçalves Introdução O presente trabalho visa ressaltar as contribuições de Igreja Católica para a Mobilização Política dos moradores de favelas na década de 1950, resgatando especificamente o movimento pioneiro da União de Trabalhadores Favelados. Nossas análises são frutos do trabalho de pesquisa de Iniciação Científica, orientado pelo professor Rafael Gonçalves Soares, onde desenvolvemos a pesquisa intitulada Favelados, mas Trabalhadores! Reconstruindo a experiência da União dos Trabalhadores Favelados pelo Departamento de Serviço Social da PUC- Rio. Considerando que a bibliografia especializada aponta para uma intensa presença de Igreja Católica nas favelas cariocas nesta época, buscamos destacar suas contribuições nas estratégias de mobilização política de seus moradores que até os dias atuais são caracterizadas pela ambigüidade. Os anos 1950 foram marcados por novos olhares e conhecimentos sobre as favelas cariocas, sobretudo no que tange à compreensão da diversidade destes locais em detrimento da concepção em vigor até então, que uniformizava estes espaços. Estes novos conceitos pautaram-se especialmente na valorização da favela enquanto comunidade e no investimento em trabalho de pesquisas de campo que permitiram a implantação de novas ações do estado nestes espaços. O período foi marcado pelo crescimento das favelas, fenômeno este intimamente ligado à conjuntura política e econômica do país, visto que o acelerado crescimento urbano, pós Segunda Guerra mundial, tornou mais latente a questão da moradia para a parcela pobre da sociedade brasileira (Valladares, 2005, p.74). Em relação ao trabalho de pesquisa realizado nesta época é relevante destacar o estudo Aspectos Humanos das Favelas Cariocas. Este relatório é fruto da pesquisa encomendada pelo governo de São Paulo que buscava contrastar a realidade da

população favelada do Rio de Janeiro com as enormes somas gastas na construção de Brasília, que veio a ser a nova capital federal (José Arthur Rios, junho de 2011 1 ). O estudo em questão foi publicado em 1960, porém sua preparação levou três anos. O desenvolvimento da pesquisa ficou a cargo do escritório de planejamento SAGMACS 2 do Rio de Janeiro, um dos quatro existentes no território nacional sob a coordenação do sociólogo José Arthur Rios. É importante assinalar a grande importância deste estudo uma vez que este vai de encontro aos mitos construídos sobre as favelas. O conteúdo apresentado nesta pesquisa não desloca estas localidades da realidade social, retrata seus moradores como habitantes semelhantes a outros pobres residentes na cidade. O morador da favela se encontra em uma situação política semelhante à de outras áreas urbanas do país e não deve ser considerado com tendo um tipo de comportamento político particular. (SAGMACS, 1960, p. 35). A atuação do poder público nas favelas reflete uma tentativa de salvar a cidade deste problema. Parisse (1969) afirma que de 1940 a 1954 todo empreendimento para solucionar o problema é derrisório. A favela se tornou o problema principal porque manifesta a situação das classes pobres do Brasil e denuncia o sistema econômico e político que a cria. Diante de péssimas condições de vida e das influencias do cenário político do Brasil, a favela não cresce só em números, mas também em relação à politização. Crescem as estratégias de reivindicação e articulação destes moradores que se organizam para lutar pelo direito à moradia, frente ao grande número de processos de despejo do período somado aos ares trabalhistas e populistas da época. As manchetes do Jornal Imprensa Popular 3 durante o período estudado permitem observar que o morador das favelas na década de 1950 era criminalizado, violentado pela polícia e por vezes deveria ser moralizado pelas elites e pela Igreja Católica. Tanto o poder público, a Igreja e as parcelas mais favorecidas economicamente temiam que os ideais comunistas adentrassem as favelas e incentivassem uma rebelião destas massas, o que prejudicaria diretamente a paz social. Neste cenário, nasce um movimento pioneiro, a União dos Trabalhadores Favelados (UTF) que foi protagonista na luta pelo direito a moradia, condições dignas de vida e desapropriação dos terrenos 1 Declaração feita pelo professor José Arthur Rios coordenador da pesquisa, durante entrevistas concedida a equipe do projeto de pesquisa em questão. 2 Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais. 3 Jornal de tendência comunista que proporcionou grande divulgação da realidade das favelas no período estudado.

das favelas. É sobre este movimento e as estratégias gerais de mobilização política dos favelados que nos debruçaremos a seguir. O Movimento Favelado e a criação da União dos Trabalhadores favelados A política de ajustamento e recuperação adotada a partir de então nas favelas do Distrito Federal tem forte influencia do temor de uma possível inserção de comunistas nestes espaços. É inegável a expressiva presença de militantes comunista nas favelas, inclusive contribuindo na denuncia dos problemas existentes nestas localidades e do descaso do governo em relação à prestação de serviços básicos para esta população. A ameaça comunista parecia ainda mais importante na medida em que, de terceira força política do Distrito Federal durante as eleições presidenciais e da Constituinte de 1945, o Partido Comunista Brasileiro havia chegado à primeira posição nas eleições municipais de 1947, obtendo a maioria das cadeiras do conselho municipal, com uma nítida vantagem sobre o segundo partido, o PTB, LIGADO A Getúlio Vargas. (VALLADARES, 2005, p. 76) Neste período aumentam as ações de despejo, especialmente no Morro do Borel, União e Mata Machado (LIMA, 1989) e a questão das favelas torna-se mais importante para o partido comunista. A literatura especializada aponta para uma preocupação com a organização política dos favelados em momentos anteriores, sobretudo em meados da década de 1940, através dos Comitês Populares Democráticos que em alguns casos possuíam unidades em favelas. A estruturação do movimento favelado configurou-se como uma complexa rede de interações que atuou na busca por melhores condições de vida, muitas vezes fazendo antagonismo às práticas do Estado e da Igreja Católica (especialmente a Fundação Leão XII), assim como se inserindo nas práticas clientelistas da época. Se em alguns casos, as Associações de Moradores buscaram a organização sem a tutela destes atores, em muitos casos, as articulações com esses atores foram importantes na aquisição de certas melhorias internas das favelas. A conjuntura política democrática pós 1945, influenciou diretamente na organização do movimento de favelados. Muitas vezes articulados aos Comitês Populares Democráticos e influenciados por militantes do partido comunista, as

associações desenvolveram atividades de resistência às ameaças de despejo, organizaram trabalhos assistenciais, médicos, educativos entre outros. Não é possível resgatar a atuação do movimento de favelados sem retratar a União dos Trabalhadores Favelados (UTF), criada em 1954, no Morro do Borel, que é considerada o grande marco das lutas sociais em favelas. A entidade é proveniente da resistência dos moradores frente ao processo de despejo movido pela Borel Meuren Ltda, empresa subsidiária a Seda Moderna que possuía o reconhecimento legal (por intermédio de grilagem) da propriedade do terreno. Um grupo de moradores recorreu ao advogado Antoine Magarinos Torres Filho, que propôs aos moradores a formação de uma associação na qual os próprios membros contribuíssem com um valor mensal para arcar com os custos do processo. A UTF rapidamente se expandiu além do Borel, reunindo moradores sobre uma reivindicação principal, a desapropriação dos terrenos ocupados pelas favelas: Pode- se constatar as seguintes favelas como participantes da União dos Trabalhadores, nos anos 1954 e 1955: Morro do Borel; Morro do Jacarezinho; Favela do Esqueleto; Morro de Santo Antonio; Morro da Liberdade; Morro do Alemão; Morro da Providencia; Morro da Mangueira; Morro do Salgueiro; Rocinha; Mata Machado (LIMA, 1989, p. 105). Antoine Magarinos Torres foi o grande líder neste processo, no entanto sua figura divide opiniões entre os moradores das diferentes favelas onde a UTF atuou. Em nossas pesquisas, identificamos que grande parte dos moradores do Borel têm uma imagem positiva de Magarinos Torres, isto pode ser exemplificado através de algumas declarações de moradores durante as entrevistas concedidas a equipe de pesquisa em 2011. Ele era muito querido. Morreu cedo talvez porque se preocupou muito. Era uma criatura fantástica Nas duas vezes que o Magarinos foi preso todo mundo fechava seus barracos e ia pra delegacia. Gritávamos que queríamos o Magarinos solto. Ele era advogado, não tinha matado ninguém, nem roubado, não tinha porque ficar preso. Aí batíamos palma. O Magarinos gostava do povo, ajudava, era humano.

Todavia, o relatório de pesquisa publicado pelo SAGMACS revela outra opinião sobre a figura de Magarinos. O exemplo do candidato a vereador Magarinos Torres da favela do Borel é elucidativo. Lançou sua penetração fundando a União dos Trabalhadores Favelados. Cobrava mensalidades dos chefes de famílias (...) quando o morador se recusava a cumprir uma das suas imposições mandava atear fogo ao barraco. Autentico vilão de um western primitivo da época das epopéias. (SAGMACS, 1960, p.4) A UTF causou impacto em diversas camadas da sociedade, o que ocasionou um intenso movimento em resposta às ações de despejo. Os jornais, sobretudo o Imprensa Popular, vinculado ao partido comunista, destacavam as manifestações dos favelados, bem como as melhorias realizadas pela UTF nas favelas. Gomes (1980) relata que as formas de pressões mais utilizadas eram passeatas e concentrações na Câmara dos Vereadores, onde eram votados os projetos de desapropriação. As manchetes dos jornais revelavam o pânico das classes dominantes em relação às manifestações. Além das ações de reivindicação, eram organizadas festas para popularizar a UTF e assim expandir as atividades para todas as favelas, junto a uma articulação com o movimento sindical. As atividades da UTF não se resumiram somente à defesa judicial dos favelados, mas procuraram questionar as representações sociais que associavam as favelas à ilegalidade. A natureza ilegal das favelas, imposta oficialmente desde a promulgação do Código Municipal de Obras de 1937, influenciou a práxis política nestes espaços, identificando as favelas e seus moradores à ilegalidade e à marginalidade (GONÇALVES, 2010, p.3) Em 1958, Magarinos Torres concorreu às eleições para câmara municipal em aliança com José Gomes Talarico, no entanto apenas o segundo consegue se eleger. Magarinos candidatou-se novamente em 1960 para Assembléia Constituinte, mas foi novamente derrotado. Em 1959, foi realizado o Congresso dos Trabalhadores Favelados, com expressiva atuação de José Gomes Talarico. Este congresso teve como fruto a fundação da Coligação dos Trabalhadores Favelados da Cidade do Rio de Janeiro. Esta coligação atuou por um curto período, esta breve duração, para Lima (1989), foi fruto da interferência de questões partidárias nas atividades de entidade que veio a ser substituída pela FAFEG em 1963.

A grande repercussão da UTF causou medo nas elites e no poder público o que incentivou maiores intervenções do Estado no espaço da favela. Neste processo, o principal agente de atuação foi a Igreja Católica, sobretudo através da Fundação Leão XIII e da Cruzada de São Sebastião. A presença da Igreja Católica nas favelas Cariocas na década de 1950 A mobilização da Igreja Católica sobre a questão das favelas data dos anos 1940. Sua presença já poderia ser percebida através do trabalho pastoral, assistencialismo, apoio a melhorias de infra-estrutura. No entanto, iniciativas de maior expressão começaram, em 1947, com a organização da Fundação Leão XIII e, posteriormente, em 1955, com a Cruzada São Sebastião. A Fundação Leão XIII nasce da parceria entre altas instancias da Igreja Católica e a Prefeitura do Rio de Janeiro. Valladares (2005) coloca que a Fundação, criada pela ala conservadora da Igreja, tinha com objetivo principal não deixar as favelas livres para os comunistas. Neste sentido, sua inauguração ocorre no mesmo ano em que o Partido Comunista foi considerado ilegal no país. Prestava assistência moral e material aos favelados, através de escolas, dispensários, creches, maternidades, conjuntos habitacionais entre outros serviços e equipamentos. A Cruzada de São Sebastião foi criada pelo então bispo auxiliar do Rio, Dom Helder Câmara em 1955, durante o XXXVI Congresso Eucarístico Internacional. Esta instituição foi responsável pela retomada das discussões no tocante a habitação popular no Distrito Federal. Seu objetivo primeiro era proporcionar ao trabalhador moradia próxima aos seus locais de trabalho. Teve o intuito também de promover, coordenar e executar medidas e providências destinadas a dar solução racional, humana e cristã ao problema das favelas do Rio de Janeiro, através da mobilização dos recursos necessários para assegurar condições de higiene, conforto e segurança colaborando para integração do favelado a vida normal do bairro. Esta iniciativa teve importante papel ao passo que realocou, em 790 moradias, um grande número de moradores removidos da Favela Praia do Pinto para o bairro São Sebastião, no Leblon. A Cruzada de São Sebastião, para além de melhorias na condição da moradia, buscou incentivar a participação dos moradores nas lutas por melhores condições de vida. Inicialmente, para Dom Helder, a comunidade local deveria apoiar se em um

intermediário, no caso a Cruzada de São Sebastião, nas negociações com as altas instancias de administração, desenvolvendo, paulatinamente, a sua própria capacidade de negociação através da emergência de líderes naturais. Em contrapartida, a Fundação Leão XIII tinha como objetivo principal prestar assistência material e moral aos moradores dos morros, favelas e locais semelhantes, tendo como pano de fundo a função de impedir que o comunismo conquistasse espaços entre esta parcela da população. A atuação da Igreja Católica, especialmente na pessoa de Dom Helder Câmara, uma das figuras de maior destaque na Igreja Católica do Brasil, contribui no incentivo a mobilização política no espaço da favela através de difusão da concepção de participação dos principais interessados, sem os quais nada poderia dar certo. Essa perspectiva, pautada nos ideais do dominicano francês Lebret, pregava o desenvolvimento comunitário e a pesquisa de campo, considerando que uma solução eficaz deveria antes passar por um bom conhecimento da situação local. Este foi um marco na representação política da favela, incluindo seus moradores no estatuto de comunidade, incentivando sua consciência de sujeito autônomo, rompendo com as ações meramente caritativas das quais as favelas vinham sendo alvos até então. Cabe ressaltar as iniciativas do Padre Lebret, que contribuiu principalmente através do estudo das favelas do Rio de Janeiro, publicado no Jornal O estado de São Paulo, em abril de 1960. Em contrapartida, é inegável o controle exercido pelas instituições e figuras católicas nas favelas o que restringia a liberdade dos movimentos de mobilização nestes espaços. Freire, Gonçalves e Simões (2010) acordam que a Fundação Leão XIII possuía um acervo de fichas individuais onde registrava o estado de limpeza das casas, o número de ocupantes e os eventuais conflitos existentes nas mesmas. Ainda sobre a intervenção da Igreja na conduta dos moradores os autores colocam: A notícia de que a Cruzada construiria apartamentos e repercussão junto aos moradores também figurava entre as fichas, permitindo notar suas exigências e resistências diante da iminente mudança. Para ter direito ao apartamento, seria preciso não somente assumir novos compromissos jurídicos, (mensalidades, luz, água) mas também civis e religiosos: celibatários e concubinários: não poderiam pleitear um imóvel no Bairro São Sebastião. Às 22 horas havia toque recolher e os conflitos eram levados ao Serviço Social (FREIRE, GONÇALVES E SIMÕES, 2010).

Diante do exposto, é possível verificar a ambiguidade da presença da igreja católica nas favelas cariocas. Sua importância é inquestionável para o desenvolvimento dos movimentos de favelados, uma vez que as iniciativas católicas proporcionaram a muitos favelados as mínimas condições de sobrevivência e de organização. No entanto, a utilização dos serviços era condicionada a uma adequação dos favelados às normas e crenças da Igreja Católica. Justificativa O estudo deste tema se faz relevante, pois é fundamental compreender a atuação de Igreja Católica nas favelas para se compreender as estratégias de mobilização política, em especial da UTF nestes espaços. A Igreja constitui-se em um dos principais atores ao longo da trajetória de intervenção do Estado, junto aos favelados, especialmente em um período crucial da história brasileira, onde predominou a luta pelo direto à moradia. O resgate destas iniciativas é essencial para conhecer os desdobramentos das políticas públicas voltada para esta parcela da população. Objetivos O objetivo deste trabalho é ressaltar as contribuições da Igreja Católica para a mobilização política nas favelas na década de 1950, tomando como base o pioneirismo da União dos Trabalhadores Favelados. Objetivos específicos Resgatar a construção e desenvolvimento da UTF, protagonista no movimento favelado. Conhecer as iniciativas da Igreja Católica em relação à politização nas favelas cariocas na década de 1950 Compreender as contribuições da Igreja Católica para a mobilização política dos favelados na luta pela legitimação do espaço da favela. Metodologia

O trabalho desenvolveu-se no sentido de compreender os significados da formação da UTF para o desenvolvimento do movimento favelado, assim como as contribuições da Igreja Católica nestes locais. A realização deste trabalho foi possível, em parte, pelo levantamento teórico que permitiu a elucidação, a contextualização e o embasamento frente às questões relacionadas às favelas cariocas, embasamo-nos, sobretudo, nas produções dos autores Rafael Soares Gonçalves, Lícia do Prado Valladares e Nísia Verônica Trindade. Foram realizadas pesquisas nos acervos da Biblioteca Nacional (levantamento exaustivo de matérias sobre as favelas no jornal de tendência comunista Imprensa Popular de 1951 a 1958) e do Arquivo do Estado do Rio de Janeiro (inquéritos policiais sobre a ação de movimentos sociais). Realizamos, igualmente, entrevistas com antigos moradores residentes no morro do Borel, que constituem uma fonte rica de conteúdo sobre o movimento favelado da década de 1950. Referências Bibliográficas: FREIRE, Letícia Luna; GONÇALVES, Rafael Soares e SIMÕES Soraya Silveira. A contribuição da Igreja Católica na transformação da habitação popular em problema público na França e no Brasil. In: Cadernos de Antropologia Social. n 31, 2010. GOMES, Manuel. As lutas do povo do Borel/ Manoel Gomes; prefácio de Luiz Carlos Prestes. Rio de Janeiro: Ilha, 1980. GONÇALVES, Rafael Soares. Favelados, mas Trabalhadores! Reconstruindo a experiência da União dos Trabalhadores Favelados. Texto do Projeto de Pesquisa, 2010. GUIMARÃES, Alberto Passos. As favelas do Distrito Federal. In: Revista Brasileira de Estatística. Rio de Janeiro, v. 14. Nº 55, 1953 LIMA, Nísia Trindade Verônica. O movimento de Favelados do Rio de Janeiro: políticas do Estado e lutas sociais. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: PPGSCP- IUPERJ, 1989.

PARISSE Luciano. Favelas do Rio de Janeiro Evolução sentido. Caderno do CERPHA 5, 1969. SAGMACS. Comissão Municipal da Pesquisa Urbana. São Paulo. Estrutura Urbana de Aglomeração Paulistana, 1960. VALLADARES, Lícia do Prado. A invenção da favela: do mito da origem a favela.com. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, 2005.