Página180 A Importância da Leitura nos Anos Iniciais: relato de um projeto desenvolvido no Curso de Magistério O projeto A Importância da Leitura nos Anos Iniciais foi desenvolvido em uma turma do Curso de Magistério de uma escola municipal de Porto Alegre que abrange alunos oriundos principalmente da periferia da cidade. Realizou-se durante entre novembro e dezembro de 2016, tendo duração de cinco encontros e tratou-se de projeto realizado para o Estágio de Docência em Português II do curso de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A turma em que foi desenvolvido contava com uma média de doze presentes em cada aula, em sua maioria trabalhadores. Apesar de demonstrarem dificuldades diversas, boa parte devido à defasagem escolar e a longo período sem estudar, mostravam-se interessados e envolvidos com a proposta apresentada. Antes da realização do projeto, foram assistidas aulas de Língua Portuguesa na turma, bem como outras atividades interdisciplinares da escola, além de realizada sondagem para identificar temáticas de interesse. Assim, coube pensar em um projeto que pudesse estar relacionado a este perfil específico. Uma vez que o Magistério tem como objetivo formar professores para atuar nos anos iniciais, nesta turma, praticamente todos os alunos já trabalhavam (ou desejavam) lidar com essa etapa. Logo, a temática debruçou-se em no que pudesse os afetar diretamente, sendo possível de ser aplicar em suas salas de aula quando docentes: a importância da leitura. Resgatando o que versa Cosson (2006) sobre a literatura, vale entendê-la como o que serve tanto para ensinar a ler e a escrever, quanto para formar culturalmente o indivíduo. Tais atribuições de caráter cultural e social dadas ao sujeito podem ser percebidas desde os níveis mais elementares, corroborando com o entendimento dos Referenciais Curriculares sobre a literatura proporcionar o direito à fruição e ao exercício da cidadania; por isso, não devem ser deixadas de lado em uma aula de Língua Portuguesa e Literatura ao extrapolarem pressupostos propriamente linguísticos. O projeto foi desenvolvido, portanto, sob uma perspectiva interacionista, colocando o texto como centro das aulas de Língua Portuguesa, para buscar uma atitude
Página181 crítica nos alunos frente ao que era lido (RIO GRANDE DO SUL, 2009). Buscou-se construir um projeto que desse conta do entendimento de que o ensino de língua materna deve dar-se não apenas pelo estudo da gramática, mas pela leitura e produção escrita, onde, conforme Britto (2004), o objeto de ensino a ser privilegiado não é a língua padrão, mas a leitura e a escrita bem como os usos da língua em situações de instâncias públicas, que, em última análise, se orienta pela cultura escrita, além da presença de reflexão linguística e reescrita de textos produzidos. As atividades relativas ao projeto foram desenvolvidas em três etapas, em que cada uma esteve diretamente relacionada a textos norteadores. A divisão ocorreu da seguinte maneira: a primeira etapa tratou-se de uma introdução temática à importância da leitura junto com delimitação gramatical do universo das classes de palavras; a segunda teve como eixo central exercitar e delimitar conceitualmente o que era entendido por esse universo (mais precisamente estudaram-se os substantivos, os adjetivos, os verbos e os advérbios); e a terceira, foi destinada à realização da escrita e reescrita da produção final: um planejamento de atividade didática que abordasse um recorte dos conteúdos gramaticais estudados e possível de ser aplicado em uma sala de aula real. Embora não fosse um tema pesado, optou-se por textos que tratassem do assunto indiretamente, com tom leve e acessível, pois os alunos assumiram-se como leitores imaturos e alegaram, mesmo gostando de ler, terem dificuldades em interpretar suas leituras. Os gêneros textuais abordados no projeto foram: um curta-metragem, dois textos jornalísticos publicados em revistas virtuais e uma campanha publicitária. Para isso, o gênero estruturante utilizado foi a crônica e, os demais, foram considerados gêneros adicionais (sendo o planejamento de atividade pedagógica o gênero utilizado no produto final do projeto). Primeira etapa Delimitando: A primeira etapa, de introdução à temática, contou com dois encontros, totalizando 6h/aula. Esse momento foi importante para que os alunos pudessem se aproximar do tema e refletir sobre a importância dada à leitura, bem como serem
Página182 introduzidos ao conteúdo linguístico estipulado: as Classes de Palavras. Na Aula 1, foi trabalhado inicialmente com o curta-metragem Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore em que, após assistirem, se debateram opiniões acerca do filme e realizou-se tarefa de escrita diagnóstica para relatar percepções sobre o que foi assistido. No curta, ao ir parar em uma biblioteca, um homem começa a dar valor à leitura e à transmissão de conhecimento, que ocorre ao emprestar livros às outras pessoas. Esta passagem ficou nítida nas cenas em que as pessoas ganharam cores ao receber livros, quando antes eram apenas preto e branco. Embora tenha acontecido retorno para os alunos quanto ao que escreveram, não foi realizada reescrita, dado o caráter diagnóstico da atividade. Sequencialmente, na Aula 2, foi realizado leitura do texto A linguagem que nos faz ver o mundo, de Clara Browne, publicado na Revista Capitolina. Nele, a autora traz pontos interessantes sobre a importância da linguagem para a comunicação humana, apontando os contrastes existentes entre as línguas no mundo, bem como a utilidade de algumas classes de palavras para o nosso cotidiano. Após a leitura, os alunos responderam de interpretação textual e introdução ao conteúdo gramatical, tendo especial dificuldade na resposta da última, conforme Imagem 1. Imagem 1 Questões sobre o texto A linguagem que nos faz ver o mundo, de Clara Browne Fonte: a autora.
Página183 Segunda etapa - Exercitando: A segunda etapa contou com duração de dois encontros, totalizando 6h/aula. Tendo como objetivo principal a conceituação e exercitação das classes gramaticais a serem trabalhadas, a aula 3 foi dividida em dois momentos: no primeiro, foi realizado a construção de um esquema colaborativo no quadro com informações retiradas do texto da aula anterior; no segundo momento, os alunos foram apresentados à campanha Leia para uma Criança, do Banco Itaú, que tem como objetivo incentivar a leitura para crianças. As obras referentes aos anos de 2014 e 2016 circularam entre os alunos e trabalhou-se com duas peças publicitárias da edição de 2016, conforme abaixo: Imagem 2 Texto publicitário informacional retirado do site do projeto Eu leio para uma criança, do Banco Itaú Fonte: Entenda. Disponível em: <https://www.itau.com.br/crianca/entenda/>. Acesso: 29 nov. 2016.
Página184 Após a leitura deste texto foram respondidas as seguintes questões com auxílio da professora. As que visavam à compreensão do texto e ao conteúdo gramatical trabalhado diziam respeito aos verbos e às classes nominais (mais precisamente o substantivo e o adjetivo) que executam as ações propostas pelos verbos elencados. Imagem 3 Questões sobre o texto publicitário informacional retirado do site do projeto Eu leio para uma criança, do Banco Itaú Fonte: a autora. Imagem 4 Texto informativo sobre os livros participantes da Coleção 2016 do projeto Eu leio para uma criança, do Banco Itaú Fonte: Pratique. Disponível em: <https://www.itau.com.br/crianca/pratique/>. Acesso: 29 nov. 2016.
Página185 Consequentemente, após a leitura dos dois pequenos textos acima, os alunos responderam as questões abaixo que visavam à compreensão das diferenças entre substantivo e adjetivo assim como de concordância nominal, entre gênero e número. Imagem 5 Questões a respeito do texto informativo sobre os livros participantes da Coleção 2016 do projeto Eu leio para uma criança, do Banco Itaú Fonte: a autora. Sendo dividida em dois momentos, primeiramente na aula 4 verificou-se a necessidade de resumir aquilo que já havia sido abordado, ou seja, os conteúdos gramaticais estudados até então. Para isso, os alunos preencheram o seguinte quadro com as informações que possuíam e discutiram os colegas para esclarecer as que desconheciam. O objetivo aqui era fazê-los diferenciar bem as quatro classes gramaticais que foram estudadas, entendendo as diferenças de usos no sentido sintático, morfológico e semântico.
Página186 Imagem 6 Quadro resumitivo sobre Classes de Palavras Fonte: a autora. No segundo momento, trabalhamos com o texto Como ser uma criança curiosa me ajudou a descobrir vários mundos, também publicado na Revista Capitolina. Nele, a autora Marina Monaco falava sobre o quanto a curiosidade construída durante a infância moldou sua vida adulta. Discutindo-o com os alunos, traçaram-se paralelos sobre o incentivo à leitura e muitos conseguiram estabelecer relações com suas próprias vidas, com os estímulos que receberam durante seus primeiros anos, bem como com seus alunos da educação infantil e/ou de familiares em idade de alfabetização. Após a leitura, os alunos responderam as seguintes questões que visavam a uma maior exercitação dos conteúdos já vistos. Nelas foram retomados os substantivos, os adjetivos, as noções de singular e plural e os verbos. Além disso, foi incluída a noção de circunstância atribuída aos advérbios, podendo eles estarem ligados a um verbo, outro advérbio ou um adjetivo.
Página187 Imagem 7 Questões sobre o texto Como ser uma criança curiosa me ajudou a descobrir vários mundos, de Marina Monaco Fonte: a autora. Terceira etapa Finalizando: A finalização, última etapa do projeto, contou com apenas um encontro com duração de 3h/aula. Sendo dividido em dois momentos, de escrita e reescrita do trabalho final, suas atividades tiveram início na tarefa de tema de casa deixada ao final da aula 4. Foi proposto que os alunos pensassem em uma proposta de atividade pedagógica sobre os conteúdos estudados, possível de ser aplicada em uma sala de aula real. Na aula, foram levados esboços de planejamento e escritas as propostas finais de atividades, para isso, responderam aos seguintes critérios: Para quem se destina a atividade? ; Quais são os objetivos a serem alcançados com ela? ; Qual o conteúdo estudado envolvido na atividade? ; Quanto tempo a atividade demandará para ser realizada? ; Quais os recursos/estratégias que serão utilizados na execução da atividade? ; e Como ela será organizada? Descreva-a.
Página188 Após a escrita, foi realizada leitura de todas as produções para os colegas que apontaram melhorias e problemas. O que gerou mais dúvidas foi quanto aos objetivos a serem alcançados com a proposta, pois era entendido que o conteúdo deveria ser abordado apenas por constar no currículo escolar, sem um propósito a ser alcançado. O fato de a turma ser pequena possibilitou uma melhor assessoria com relação às produções e também uma elucidação mais eficaz das dúvidas; mesmo assim, o produto final do projeto teve resultados muito positivos. Tais produções foram expostas no corredor da escola, o que motivou ainda mais os alunos a se sentirem autores de seus trabalhos e protagonistas do seu próprio aprendizado e, enquanto professores em formação, do aprendizado de seus futuros alunos. Considerações Finais É de suma importância fazer com que nossos alunos entendam que já possuem conhecimentos acerca de sua língua materna, no caso, a Língua Portuguesa. Isto exige ao professor compreender que o conhecimento linguístico atribuído ao estudante é produto de elementos não apenas linguísticos, mas também sociais e culturais o que não é diferente com o hábito de leitura. O mesmo ocorre na formação linguística do professor: mais do que ensinar gramática aos alunos, é preciso ensinar sobre a importância de sentir-se capaz de ser crítico com relação à sua própria língua, de modo que o texto sempre esteja a serviço desta criticidade. No caso da formação de professores, aqui exposto por um projeto executado em uma turma do Curso de Magistério, esta reflexão deve ser ainda mais intensa e a importância da leitura ainda mais incentivada, uma vez que aquele que ensina a ler deve compreender que tem um esforço a fazer diante daquele que aprende também (LEAL, 2011). Nesse sentido, o projeto realizado objetivou que os alunos - grande parte deles já atuantes como docentes (ou auxiliares de docentes) na educação infantil - pudessem ter uma maior consciência quanto à inclusão de momentos de leitura em suas aulas, em ambientes extraclasses e de como se dá um planejamento de maneira crítica envolvendo os conteúdos linguísticos estudados, pois mais do que aprender, é preciso aprender a como ensinar.
Página189 REFERÊNCIAS BRITTO, L. Escola, ensino de língua, letramento e conhecimento. Calidoscópio. 2007.. O ensino escolar da língua portuguesa como política linguística: ensino de escrita x ensino de norma. Revista Internacional de Linguística Iberoamericana, v. 2. 2004. BROWNE, C. A linguagem que nos faz ver o mundo. Capitolina. 10ª ed, 13 jan. 2015. Mensal. Disponível em: <http://www.revistacapitolina.com.br/a-linguagem-que-nosfaz-ver-o-mundo/>. Acesso: 15 nov 2016. Cada leitura conta. Disponível em: <https://medium.com/itau/cada-leitura-conta- 1e7565d2893a#.fqxk4xqot>. Acesso: 15 nov. 2016. COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006. Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore. Direção de William Joyce e Brandon Oldenburg. Estados Unidos: 2012. (17 min.), Colorido. FILIPOUSKI, A.; MARCHI, D.; SIMÕES, L. Área de Linguagens e Códigos: Língua Portuguesa e Literatura. In: RIO GRANDE DO SUL. Secretaria do Estado de Educação. Departamento Pedagógico. Referenciais Curriculares do Rio Grande do Sul: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias / Secretaria de Educação Porto Alegre: SE/DP, 2009, v. 1. LEAL, L. A Escolarização da Leitura Literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Leitura e Formação de Professores, 2ª ed, p. 263-268. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. MONACO, M. Como ser uma criança curiosa me ajudou a descobrir vários mundos. Capitolina. 19ª ed, 19 ago. 2016. Mensal. Disponível em: <http://www.revistacapitolina.com.br/como-ser-uma-crianca-curiosa-me-ajudou-adescobrir-varios-mundos/>. Acesso: 15 nov. 2016.
Página190 Aline Moraes Alberto é licenciada em Letras, com ênfase em Língua Portuguesa e Literatura, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) desde 2017. É professora de português desde 2013, dedicando-se mais intensamente à pesquisa na área de ensino de Português como Língua Adicional.