Jacintho Arruda Câmara Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público

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Transcrição:

São Paulo, 9 de abril de 2018 Prezados Senhores, A Sociedade Brasileira de Direito Público sbdp é organização não governamental sem fins lucrativos fundada em 1993. Desde então tem se dedicado sistematicamente à produção de pesquisa e à propositura de ideias voltadas ao aprimoramento do direito público brasileiro. Já passaram por sua Escola de Formação Pública programa de iniciação científica anual cuja missão é formar lideranças jurídicas para a inovação no mundo público cerca de 450 alunos, que, hoje, ocupam postos de destaque nas áreas pública e privada. A sbdp mantém um observatório permanente da atividade legislativa em matéria de direito público. O objetivo é acompanhar o processo de elaboração de normas nesta seara do Direito e, quando pertinente e oportuno, apresentar manifestação sobre o teor de diplomas sensíveis, seja para explicá-los, apoiá-los ou criticá-los. O Projeto de Lei 7448/2017 (na origem, PLS 349/2015) tem recebido especial atenção da sbdp. Em linhas gerais, o PL quer acrescentar 11 artigos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, visando, com isso, trazer mais segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público no Brasil. O PL concluiu sua tramitação no Congresso Nacional e, no momento, aguarda sanção presidencial. A sbdp realizou diversos debates públicos sobre o PL envolvendo pessoas e instituições de diferentes tipos e matizes. As sucessivas rodadas de discussões levaram à firme conclusão de que a sanção do PL pelo Presidente da República é fundamental ao aprimoramento das instituições públicas e ao desenvolvimento nacional. Visando cumprir com sua missão de colaborar para o aprimoramento do direito público brasileiro, a sbdp apresenta moção de apoio ao PL 7448/2017 e breves comentários acerca do contexto e conteúdo dos dispositivos que pretende introduzir no Direito brasileiro. Atenciosamente, Jacintho Arruda Câmara Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público 1

PL 7448/2017 Sociedade Brasileira de Direito Público - sbdp Inclui no Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º O Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), passa a vigorar acrescido dos seguintes artigos: Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. Comentário da sbdp: O artigo reforça que motivar, com base nos dados do processo, é um dever das decisões administrativas, controladoras e judiciais, ideia consensual hoje na jurisprudência. Ao tomar decisões, administração, órgãos de controle e Poder Judiciário já devem explicar porque a medida é correta e como ela se compatibiliza com a lei. Mas ainda são comuns as motivações vazias, apenas retóricas ou principiológicas, sem análise prévia de fatos e de impactos. Contra isso, há uma novidade no dispositivo: decidir com base em valores jurídicos abstratos é normal, mas nesse caso deverão ser avaliadas, na motivação, a partir de elementos idôneos coligidos no processo administrativo, judicial ou de controle, as consequências práticas da decisão. O dever se torna mais importante quando há pluralidade de alternativas: afinal, por que ir por uma e não por outra? Quem decide não pode ser voluntarista, usar meras intuições, improvisar ou se limitar a invocar fórmulas gerais como interesse público, princípio da moralidade e outras. É preciso, com base em dados trazidos ao processo decisório, analisar problemas, opções e consequências reais. E é natural que assim seja: as decisões produzem efeitos práticos no mundo e não apenas no plano das ideias. Isso, por certo, exige que a autoridade assegure a instrução adequada do processo, antes de tomar decisões. Art. 21. A decisão que, na esfera administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas. Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em 2

função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos. Comentário da sbdp: Responsabilidade é a palavra de ordem do dispositivo. A ideia é que o agente público que toma decisão envolvendo competências ou direitos de terceiros tem que se preocupar de imediato com as consequências jurídicas e administrativas dessa decisão, indicando-as no mesmo ato. Ressalte-se que indicar consequências não é fazer ilações. Aqui, trata-se de consequências jurídicas e administrativas, cuja ocorrência decorre do ordenamento jurídico vigente e da situação fática existente. A análise será feita com base no direito e nos elementos fáticos, que têm de ser trazidos ao processo; não é, portanto, exercício de futurologia sem parâmetros consistentes. Um exemplo da aplicação do dispositivo, compatível com a jurisprudência atual, é que, no caso da invalidação de um contrato administrativo, a autoridade pública deve resolver desde logo se o ordenamento jurídico garante ou não a preservação de alguns dos seus efeitos, ou o pagamento de indenização ao particular que já executou as prestações. O que o dispositivo combate são as anulações vazias, que se limitam a afirmar a ilegalidade e deixam na total incerteza, durante anos, para ser debatida em infindáveis rodadas futuras, a questão principal: o que desfazer, o que manter, como regularizar? Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. Comentário da sbdp: O dispositivo assume como premissa dois fatos notórios: nenhum gestor atua em um mundo abstrato de sonhos e as várias gestões públicas no Brasil têm realidades bem diferentes. Assim, não é razoável que as normas sejam lidas em descompasso com o contexto fático em que a gestão pública a ela submetida se insere. Todavia, isso não significa que a lei permita interpretações casuísticas irresponsáveis. Há preocupação de que os direitos dos administrados sejam sempre respeitados, e esses direitos são em essência os mesmos, independentemente do contexto com o qual se está lidando. E há a previsão expressa de que as exigências fundamentais das políticas públicas, como construídas pelas normas, têm de ser observadas. 3

Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais. Parágrafo único. Se o regime de transição, quando aplicável nos termos do caput, não estiver previamente estabelecido, o sujeito obrigado terá direito a negociá-lo com a autoridade, segundo as peculiaridades de seu caso e observadas as limitações legais, celebrando-se compromisso para o ajustamento, na esfera administrativa, controladora ou judicial, conforme o caso. Comentário da sbdp: Instituições públicas, na administração, no sistema de controle ou no Poder Judiciário, têm a possibilidade de mudar suas interpretações sobre o direito. É normal que, com o devido cuidado, o façam, inclusive em decorrência de novas demandas e visões que surgem com o passar do tempo. Contudo, as relações jurídicas pré-existentes não podem ser ignoradas. Elas seguem existindo e, se for o caso, terão de se adequar às novas interpretações ou orientações. Necessário, então que seja previsto regime jurídico de transição que lhes dê tempo e meios para que realizem a conformação, segundo parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade. A jurisprudência constitucional já reconhece isso, quando modula os efeitos das declarações de inconstitucionalidade. Este artigo ressalta que compete à instância administrativa, controladora ou judicial que mudou seu entendimento prever esse regime, preservando a segurança e a estabilidade das relações jurídicas, bem como os interesses gerais por elas atendidos. Mudanças de interpretação não podem lançar as situações anteriores em regime de incerteza, durante anos. Orientar a transição é dever básico de quem cria nova regulação de qualquer assunto. Caso não seja previsto esse regime de transição, como é correto, o particular afetado poderá negociá-lo com a autoridade competente, em uma solução para corrigir a falha da autoridade. O fato de, eventualmente, haver negociação não suprime qualquer competência da autoridade administrativa, controladora ou judicial afinal, a negociação ocorrerá apenas em caso de inexistência de regime de transição previamente fixado. O artigo em nada limita a competência para o Tribunal de Contas fixar prazo para a correção de irregularidades, prevista na Constituição, art. 71, IX, pois, ao exigir que o Tribunal fixe prazo para a regularização, a norma constitucional já pressupõe que está envolvido um período de transição, que será por certo maior se o Tribunal tiver mudado orientações consolidadas anteriormente. Art. 24. A revisão, na esfera administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas 4

em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. Comentário da sbdp: A norma fortalece a ideia de irretroatividade do direito em prejuízo de situações jurídicas perfeitas, constituídas de boa-fé, em coerência com o ordenamento à época vigente. Visa dar segurança no longo prazo para situações jurídicas plenamente constituídas à luz de um entendimento geral válido. Para isso, estabelece que eventual revisão da validade de ato administrativo (leia-se: ato, contrato, ajuste, processo ou norma) deverá considerar o entendimento consolidado à época de sua produção. O dispositivo dá amparo legal à racionalidade que deve estar presente em procedimentos de revisão de ato administrativo: a invalidação do ato por mudança de orientação não torna ilegal situação constituída na vigência da orientação anterior. Art. 25. Quando necessário por razões de segurança jurídica de interesse geral, o ente poderá propor ação declaratória de validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, cuja sentença fará coisa julgada com eficácia erga omnes. 1º A ação de que trata o caput será processada conforme o rito aplicável à ação civil pública. 2º O Ministério Público será citado para a ação, podendo abster-se, contestar ou aderir ao pedido. 3º A declaração de validade poderá abranger a adequação e a economicidade dos preços ou valores previstos no ato, contrato ou ajuste. Comentário da sbdp: O Judiciário é quem dá a última palavra sobre validade jurídica, e nenhum órgão do estado está isento da força da coisa julgada, que alcança todos os assuntos públicos. Os Tribunais de Contas são apenas órgãos de controle administrativo, não integram o Judiciário e não podem reivindicar isenção frente à coisa julgada. O art. 25 do projeto de lei, inspirado, por um lado, na tradicional ação declaratória prevista no Código de Processo Civil, e, por outro, na experiência da ação direta de constitucionalidade, cria a ação declaratória de validade de regulamentos e outros atos públicos, com efeitos erga omnes, ação essa que será processada no regime da ação civil pública, com ampla participação dos legitimados. O mecanismo permite que, em casos de instabilidade jurídica gerada por múltiplas contestações ou dúvidas abusivas, o Judiciário, sempre com a participação obrigatória do Ministério Público, possa conferir certeza definitiva quanto à validade, vigência e obrigatoriedade de normas e atos, garantindo o fluxo adequado da ação pública, contra as sabotagens de que esteja sendo alvo. De acordo com o caput, para que algum ente possa manejar essa ação, tem de demonstrar a existência de razões de segurança jurídica de interesse geral. Portanto, é preciso que este princípio jurídico, que é central ao ordenamento e ao funcionamento das instituições públicas e privadas (a segurança jurídica), esteja sob grave ameaça, como aconteceu, por exemplo, quando dos processos de privatização da década de 1990. Caberá ao juiz de direito avaliar, caso a caso, o preenchimento dessa 5

condicionante e decidir sobre seu conhecimento e procedência. Note-se que o ente que decide manejar a ação declaratória de validade corre certos riscos. Afinal, poderá obter não o desejado reconhecimento de validade do ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, mas de sua invalidade. Vê-se que a ação foi idealizada para uso em situações graves, quando contestações sucessivas injustificadas estejam instabilizando a atuação normal do poder público. Essa ação não afeta o exercício cotidiano e normal das competências dos Tribunais de Contas na verificação da regularidade de atos, contratos, ajustes, processos e normas administrativas. Nos limites de suas competências, órgãos de controle continuarão podendo investigar e aplicar as medidas corretivas pertinentes. O art. 25 nada mais faz do que criar via direta para que o Judiciário possa dar a última palavra sobre a validade de atos em sentido amplo (atribuição essa que, segundo o sistema constitucional brasileiro, já é sua). Não há, aqui, nada de novo ou excêntrico. Por força da Constituição, decisões tomadas nas esferas administrativa e controladora estão sujeitas a revisão Judicial (art. 5º, XXXV, da Constituição). Mas, claro, se os controladores, inclusive os Tribunais de Contas, recusarem-se de modo sistemático a respeitar as normas, tentando ilegalmente impor aos gestores públicos a submissão a orientações ilegais, o ente público poderá acionar a Justiça para que este Poder, que é o titular definitivo da dicção jurídica, garanta a vigência efetiva do Direito. Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. 1º O compromisso: I buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; II poderá envolver transação quanto a sanções e créditos relativos ao passado e, ainda, o estabelecimento de regime de transição; III não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; IV deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento. 2º Poderá ser requerida autorização judicial para celebração do compromisso, em procedimento de jurisdição voluntária, para o fim de excluir a responsabilidade pessoal do agente público por vício do compromisso, salvo por enriquecimento ilícito ou crime. Comentário da sbdp: Visando eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, o art. 26 reconhece à autoridade administrativa o poder de negociar, estabelecendo, para tanto, 6

procedimento pautado pela transparência. A celebração de termo de compromisso exige prévia oitiva de órgão jurídico e, a depender do caso, pode ser precedida de consulta pública. O fato de haver a possibilidade de transação quanto a sanções e créditos relativos ao passado não importa em leniência ou perdão. Trata-se de simples reconhecimento, em norma geral, da possibilidade de autoridades firmarem acordos substitutivos de sanção (ou de crédito relativo ao passado). A ideia, já utilizada em muitos casos, é que sanção ou crédito relativo ao passado possam, dentro de certos limites, ser utilizados pela administração pública como moeda de troca para a obtenção de outras medidas de interesse público (tais como a realização de investimentos de interesse público por entes privados). Não se trata de qualquer renúncia de créditos públicos, mas de uma alternativa para viabilizar seu recebimento efetivo e eficiente (pondo, por exemplo, fim a conflitos com os particulares envolvidos). No âmbito dos órgãos ambientais e da regulação econômica, esse tipo de acordo tem sido firmado com frequência, contando, inclusive, com a chancela de órgãos de controle. O próprio TCU já se manifestou pela possibilidade de a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) firmar acordo dessa natureza (Acórdão 2.121/2017). Visando evitar abusos e desvios, a norma do projeto de lei previu a impossibilidade de o termo de compromisso vir a conferir desoneração permanente de dever (ex.: o dever de o concessionário observar as regras regulatórias de qualidade do serviço público) ou condicionamento de direito (exemplos são as limitações administrativas, como a proibição de a indústria lançar poluição tóxica na atmosfera) que esteja reconhecido por orientação geral (conceito esse, o de orientação geral, que está explicitado com clareza no art. 24, parágrafo único). O 2º deste art. 24 prevê a possibilidade de a autoridade administrativa requerer autorização judicial para a celebração do compromisso, excluindo, por conseguinte, a responsabilidade pessoal do agente público por vício do compromisso, salvo por enriquecimento ilícito ou crime. O objetivo da norma foi claro: criar mecanismo alternativo, de controle judicial prévio, para afastar o risco de responsabilização futura do agente, por conta de eventuais visões diferentes dos controladores. Isso, em certos casos, pode lhe conferir a segurança e a tranquilidade necessárias para desempenhar suas funções a contento, dando-lhe proteção judicial contra as tentativas de intimidação injustas, vindas de interessados e mesmo de órgãos de controle que abusem de seus poderes. Trata-se de um autêntico processo de justificação judicial, dependente da decisão do juiz de direito. Portanto, não se trata de mecanismo para garantir impunidade, pela óbvia razão de que, ao reconhecer a regularidade da atuação do agente público na solução de um assunto difícil, o Judiciário não protege infratores. De qualquer modo, a norma não garantiu imunidade total ao agente público que vier a obter tal autorização judicial. Caberá aos órgãos de controle (Polícia, Ministério Público, Judiciário, Tribunais de Contas etc.) apurar enriquecimento ilícito ou crime e, em os constatando, tomar as medidas cabíveis, na forma da legislação. 7

Art. 27. A decisão do processo, na esfera administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos. 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor. 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos. Comentário da sbdp: O dispositivo em questão visa evitar que partes, públicas ou privadas, em processo na esfera administrativa, controladora ou judicial aufiram benefícios indevidos ou sofram prejuízos anormais ou injustos resultantes do próprio processo ou da conduta de qualquer dos envolvidos. O art. 27 tomou o cuidado de exigir que a decisão que impõe compensação seja motivada e precedida da oitiva das partes. Há, também nesse caso, a possibilidade de celebração de compromisso processual entre os envolvidos. Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. 1º Não se considera erro grosseiro a decisão ou opinião baseada em jurisprudência ou doutrina, ainda que não pacificadas, em orientação geral ou, ainda, em interpretação razoável, mesmo que não venha a ser posteriormente aceita por órgãos de controle ou judiciais. 2º O agente público que tiver de se defender, em qualquer esfera, por ato ou conduta praticada no exercício regular de suas competências e em observância ao interesse geral terá direito ao apoio da entidade, inclusive nas despesas com a defesa. 3º Transitada em julgado decisão que reconheça a ocorrência de dolo ou erro grosseiro, o agente público ressarcirá ao erário as despesas assumidas pela entidade em razão do apoio de que trata o 2º deste artigo. Comentário da sbdp: O art. 28 quer dar a segurança necessária para que o agente público possa desempenhar suas funções. Por isso afirma que ele só responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões em caso de dolo ou erro grosseiro (o que inclui situações de negligência grave, imprudência grave ou imperícia grave), nos termos dos parágrafos. Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão. 1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver. 8

2º É obrigatória a publicação, preferencialmente por meio eletrônico, das contribuições e de sua análise, juntamente com a do ato normativo. Comentário da sbdp: O art. 29, ao prever a consulta pública prévia à edição de atos normativos por autoridade administrativa, procura trazer transparência e previsibilidade à atividade normativa do Executivo. Trata-se de medida consentânea com as melhores práticas. Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão. Comentário da sbdp: O art. 30 procura estimular a previsibilidade na aplicação de normas no mundo público. Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, salvo o art. 29, que entrará em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial. 9