CISTO ÓSSEO SOLITÁRIO SOLITARY BONE CYST

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CISTO ÓSSEO SOLITÁRIO SOLITARY BONE CYST José Rodrigues LAUREANO FILHO* Hécio Henrique ARAÚJO DE MORAIS** Fernando Vágner RALDI*** Márcio de MORAES*** Roger William Fernandes MOREIRA*** RESUMO O cisto ósseo solitário é uma entidade clínica que se caracteriza pelo aspecto radiográfico de destruição óssea (radiolúcido) e, principalmente, pelo silêncio clínico de sua evolução. Este trabalho teve por objetivo descrever detalhadamente o aspecto clínico e radiográfico, o tratamento e o prognóstico dessa patologia, com a descrição de um caso clínico. Descritores: Cisto, Solitário, Ósseo. ABSTRACT The solitary bone cyst is a clinical entity that is characterized by a radiographic appearance of bone destruction (radiolucent) and, principally, by the clinical silence of its evolution. This paper describes the clinical and radiographic features, the treatment and prognosis of the condition, illustrated by a case report. Descriptors: cyst, solitary, bone. INTRODUÇÃO O cisto ósseo solitário é um pseudocisto que acomete os maxilares (COPETE, KAWAMATA, LANGLAIS, 1998) bem como outros ossos longos do esqueleto (SHAFER, HINE, LEVY, 1987). Foi inicialmente descrito por Lucas, em 1929 ( SAITO, HOSHINA, 1992). Esta entidade clínica tem sido relatada na literatura por uma variedade de sinônimos, a saber: cisto hemorrágico, cavidade óssea progressiva, cisto de extravasamento, cisto de extravasamento hemorrágico, cisto ósseo simples, cisto ósseo unicameral, cavidade óssea traumática, cisto ósseo traumático (COPETE, KAWAMATA, LANGLAIS, 1998; SHAFER, HINE, LEVY, 1987; TOMASI, HANN, 1985). O termo cisto ósseo traumático é o mais encontrado na literatura (LANGLAND, LANGLAIS, MORRIS, 1982), porém a Classificação Histológica Internacional dos Tumores da Organização Mundial de Saúde recomendou, em 1992, o termo cisto ósseo solitário ( KRAMER, PINDBORG, SHEAR, 1992). Sua etiologia é desconhecida, contudo várias teorias têm sido propostas, tais como: degeneração cística, a partir de tumores ósseos; defeito do metabolismo do cálcio; necrose da medula óssea devido à isquemia; infecção crônica de baixa intensidade; alterações intra-ósseas e hemorragia intramedular após traumatismo (COHEN, 1970; SHAFER, HINE, LEVY, 1987). A hipótese traumahemorragia é a mais aceita dentro da literatura, pois sugere que, num traumatismo ósseo insuficiente para causar uma fratura, a resultante é um hematoma intra-ósseo, e se este não sofrer organização e reparo *Professor Doutor da Área de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da FOP/UPE. ** Aluno do Curso de Especialização em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da FOP/UPE. ***Professor Doutor da Área de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial.

pode se liquefazer, resultando em um defeito cístico (WALDRON, 1993; POGREL, 1987). Essa patologia tem predileção para indivíduos do sexo masculino numa razão de 3:2 (SAITO et al., 1992), na segunda década de vida (SHAFER, HINE; LEVY, 1987), sendo rara em crianças com menos de cinco anos e adultos com mais de 35 anos (WALDRON, 1993), atingindo mais a mandíbula na sua porção posterior sendo mais incomum na maxila (FRIEDRICHSEN, 1993). Normalmente esta entidade clínica é assintomática (HUGHES, 1969; SHAFER, HINE, LEVY, 1987; WALDRON, 1993), porém pode estar associada à dor, ao edema, à sensibilidade dentária, à fístula, à reabsorção radicular (COPETE, KAWAMATA, LANGLAIS, 1998), fratura patológica (HUGHES, 1969; WALDRON, 1993), retardo na erupção dentária (CURRAN, KENNETT, YOUNG, 1973) e parestesia (HUEBNER, TURLINGTON, 1971). Parestesia e dor podem aparecer, quando o terceiro ramo do nervo trigêmeo é comprometido, mas o retorno da sensação é normalmente seguido, quando a cura se processa (FIELDING, LOUDEN, JOHNSON, 1999). Geralmente é encontrado em exames radiográficos de rotina, apresentando imagem radiolúcida de contorno regular com margens bem definidas em alguns pontos e margens mal definidas em outros (WALDRON, 1993). Pode ter tamanho variável, com aspecto lobulado ou ondulado, quando envolve raízes dentais, e o deslocamento de dentes é raro. Em muitos casos, a lâmina dentária pode estar intacta ( HIGASHI, SHIBA, IKUTA, 1991). As características radiográficas do cisto ósseo solitário, embora freqüentemente sugestivas do diagnóstico, não o confirmam e podem ser confundidas com uma grande variedade de lesões radiolúcidas na mandíbula, sejam elas de origem odontogênica ou não (WALDRON, 1993). Langlais e Kasle (1992) afirmaram que, no diagnóstico diferencial do cisto ósseo solitário, pode ser incluído o cisto periodontal lateral, cisto primordial, granuloma central de células gigantes e fibroma ameloblástico. A exploração cirúrgica e o envio de material para o exame anátomopatológico necessários para esclarecer o diagnóstico (FRIEDRICHSEN, 1993; HUGHES, 1969; SAITO et al., 1992; TOMASI, HANN, 1985). Quando a cavidade é aberta cirurgicamente, verifica-se que ela contém uma pequena quantidade de líquido cor de palha, fragmentos de coágulos sangüíneos necrosadas, tecido conjuntivo fibroso ou então estar vazia ( SHAFER, HINE, LEVY, 1987). O preenchimento da cavidade óssea pelo sangramento, causado pela manipulação cirúrgica, levaria a cicatrização e à neoformação óssea. Alguns autores vêm sugerindo o enchimento da cavidade com esponja de gelatina absorvível (Gelfoam ) (THOMA, 1955), osso desmineralizado ( BOYNE, 1956) e injeção de sangue autógeno (HUEBNER, TURLINGTON, 1971), com resultados favoráveis. A recorrência ou a persistência da lesão é incomum, e o prognóstico é excelente. RELATO DE CASO O paciente M.D.C., sexo masculino, 21 anos de idade, leucoderma, procurou o serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia de Piracicaba- Unicamp, encaminhado por um cirurgião-dentista. Após exame radiográfico de rotina (panorâmica e periapical), foi observada lesão radiolúcida circunscrita na região posterior de mandíbula. A imagem radiolúcida única, em forma conóide que tinha um ápice na porção anterior e base na porção posterior, com aspecto lobulado, envolvendo todas as raízes presentes entre os dentes 36 a 41(FIG. 1). Ao tempo do exame clínico, o paciente apresentava boas condições gerais de saúde, sem histórico de alergia medicamentosa e não relacionava nenhum traumatismo de face, nem sintomatologia dolorosa. Ao exame físico loca-regional, apresentava discreto aumento de volume na região vestibular próxima aos 22 Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial

dentes 35 e 36, sem alteração dos tecidos moles adjacentes e não apresentava nenhum tipo de sintomatologia e/ou crepitação à palpação. O paciente foi encaminhado à endodontia que, após teste de vitalidade, observou que o elemento 34 não respondeu positivamente, indicando o tratamento endodôntico deste elemento. Após a endodontia, foi programado um procedimento cirúrgico de curetagem, para determinar o diagnóstico desta lesão. determinando o diagnóstico final de cisto ósseo solitário. No acompanhamento radiográfico de três meses, observaram-se sinais deneoformação óssea (FIG. 5). Com seis meses, maior reparo ósseo foi observado (FIG. 6) e, um ano após, o procedimento não apresentava imagem de lesão radiolúcida (FIG. 7). Figura 2 - Cortical óssea adelgaçada próximo ao nervo mentoniano. Figura 1 - Lesão envolvendo raízes dos dentes 36 a 41. Esse procedimento foi realizado sob anestesia local (Lidocaína 2% com adrenalina 1:100.000), com bloqueio dos nervos alveolar inferior, lingual e bucal. Incisão intrabucal foi realizada. Após exposição do osso mandibular, foi possível observar, por transparência, sobre o nervo mentoniano, a destruição óssea, tornando a cortical mais fina (FIG. 2). Nesta região, foi realizada a ostectomia para acesso à lesão, preservando-se a região do nervo mentoniano (FIG. 3), promovendo uma abertura suficiente para inspeção da cavidade. Foi observado que a cavidade estava vazia, com uma delgada camada de tecido mole, revestindo a cavidade. Esta foi curetada e enviada ao exame anátomo-patológico. A cavidade foi irrigada com soro fisiológico, e o retalho muco-periósteo foi reposicionado e suturado com fio de seda 3-0 (FIG. 4). O exame anátomo-patológico revelou, apenas, uma membrana de tecido conjuntivo, v.3, n.3, jul/set - 2003 Figura 3 - Ostectomia para acesso à lesão. Figura 4 - Aspecto após sutura. 23

Figura 5 - Neoformação óssea, após 3 meses. Figura 6 - Seis meses de acompanhamento. Figura 7-1 ano após o procedimento. DISCUSSÃO O número total de casos relatados na literatura ainda não é significativo o suficiente para considerar o cisto ósseo solitário uma entidade comum. A descoberta desse tipo de lesão, pelo fato de o paciente não apresentar sintomatologia dolorosa, normalmente se faz por meio de radiografias de rotina (COPETE, KAWAMATA, LANGLAIS, 1998; FRIEDRICHSEN, 1993; HUGHES, 1969; SAITO et al., 1992; TOMASI, HANN, 1985), como no caso aqui descrito. O diagnóstico, por sua vez, só pode ser estabelecido após exploração cirúrgica da cavidade (HUGHES, 1969; SHAFER, HINE, LEVY, 1987; TOMASI, HANN, 1985). Esta cavidade poderá conter um pouco de líquido, coágulo, fragmentos de tecido conjuntivo, ou mesmo, estar vazia (NEVILLE et al., 1995; SHAFER, HINE, LEVY, 1987). A teoria mais aceita é a que relaciona a lesão com trauma na região, seguido de hematoma intra-ósseo e liquefação desse tecido (WALDRON, 1993). No caso clínico apresentado, o paciente não referiu nenhum trauma prévio na mandíbula ao surgimento da lesão, porém relatou ter fraturado o braço esquerdo há oito anos, após uma queda da própria altura. Diante desse fato, podemos supor a ocorrência de um trauma mandibular nesta época que não foi considerado importante em virtude da fratura do membro superior esquerdo. De acordo com Copete et al.(1998), o aspecto radiográfico da maioria dos cistos ósseos solitários apresentava um aspecto de cone (64%), seguido de oval (16%), irregular (16%) e arredondada (4%). A maioria das lesões, em forma de cone, era considerada grande (maior que 3 cm). No caso clínico apresentado, o cisto tinha uma imagem de cone e também era uma lesão grande. Estes autores avaliaram 44 casos de cisto ósseo solitário, e a maior lesão por eles encontrada media 9 x 3,5 cm; a lesão descrita apresentava 8 x 3 cm em suas dimensões. Para os autores, quanto maior a lesão, maior a possibilidade de apresentar um formato de cone, sendo o formato de cone uma característica de lesões mais antigas. Nesse mesmo trabalho, foi observada a presença da lâmina dura em 34% dos casos e expansão da cortical vestibular, apena,s em dois casos ( 4,5% ). No caso clínico do presente trabalho, observou-se a lâmina dura, principalmente no terço cervical das raízes dos dentes envolvidos. Ainda Copete et al.(1998) observaram que apenas 13% dos casos ultrapassaram a linha média, como ocorreu nesse relato. 24 Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial

Ao teste de vitalidade, a resposta do dente 34 foi negativa, o que poderia sugerir inicialmente a hipótese de cisto inflamatório, no entanto o laudo anátomo-patológico trouxe o diagnóstico de cisto ósseo solitário. Tomasi e Hann (1985) afirmaram que o cisto ósseo solitário, quando explorado cirurgicamente com ou sem curetagem da cavidade, evolui para cura devido ao sangramento ocorrido. Porém, é prudente que todo material removido, durante a cirurgia seja enviado ao exame histo-patológico, para descartar qualquer outra patologia. Esse caso demonstra a importância do exame radiográfico de rotina, a fim de estabelecer uma avaliação periódica dos pacientes. Isto, principalmente, pela radiografia panorâmica, tendo em vista que muitos dos cistos ósseos traumáticos acometem a porção inferior da mandíbula, abaixo do canal mandibular, o que traz dificuldades para visualização por radiografias periapicais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BOYNE, P. J. Treatment of extravasation cyst with freeze-dried bone grafts. J Oral Surg v. 14, p. 206, 1956. 2. COHEN, J. Etiology of simple bone cyst. J Bone Joint Surg v.52, p. 1493-97, 1970. 3. COPETE, M. A.; KAWAMATA, A. LANGLAIS, R. P. Solitary bone cyst of the jaws. Radiographic review of 44 cases. Oral Surg v.85, n.2, p.221-5, 1998. 4. CURRAN, J.; KENNETT, S.; YOUNG, A. Traumatic bone cyst of the mandible: report of an unusual case. J Can Dent Assoc v. 39, p. 853-5, 1973. 5. FIELDING, A. F.; LOUDEN, R. D.; JONHSON, A. L. Simple bone cyst. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod v. 88, p. 277-8, 1999. 6. FRIEDRICHSEN, S. W. Long-term progression of a traumatic bone cyst. Oral Surg v. 76, n.4, p. 421-4, 1973. 7. HIGASHI, T.; SHIBA, J. K. C.; IKUTA, H. Atlas de diagnóstico oral por imagens. São Paulo, Santos, p. 58, 1991. 8. HUEBNER, G.; TURLINGTON, E. So-called traumatic bone cyst of the jaws. Oral Surg v. 31, p. 354-65, 1971. 9. HUGHES, C. Hemorrhagic bone cyst and pathologic fracture of mandible: a case report. J Oral Surg v. 27, p. 345-65, 1969. 10. KAUGARS, G. E.; CALE, A. E. Traumatic bone cyst Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod v. 63, p. 318-24, 1987. 11. KRAMER, I. R. H.; PINDBORG, J. J.; SHEAR, M.; Histological typing of odontogenic tumors. New York: Spring-Verlag; p. 33, 1992. 12. LANGLAIS, R. P.; KASLE, M. J. Exercises in radiographic interpretation, Philadelphia: WB Saunders; p. 234, 1992. 13. LANGLAND, O.; LANGLAIS, R. P.; MORRIS, C. R. Principles and practice of panoramic radiology. Philadelphia: WB Saunders; p. 279-81, 1982. 14. NEVILLE, B. W.; DAMM, D. D.; ALLEN, C. M.; BOUQUOT, J. E. Oral and Maxillofacial Pathology. Philadelphia: WB Saunders; p. 458-9, 1995. 15. POGREL, M. A. A solitary bone cyst possibly caused v.3, n.3, jul/set - 2003 25