Organização Mundial do Comércio: Possibilidades e Limites Análise Integração Regional / Economia e Comércio Bernardo Erhardt de Andrade Guaracy 15 de outubro de 2003
Organização Mundial do Comércio: Possibilidades e Limites Analise Integração Regional / Economia e Comércio Bernardo Erhardt de Andrade Guaracy 15 de outubro de 2003 1 A OMC é um fórum para discussão da liberalização do comércio e regulamentação das regras das trocas internacionais de serviços e mercadorias. Mas a organização não vem conseguindo cumprir seus prazos por causa das divergências entre seus componentes. AOrganização Mundial do Comércio (OMC) tem suas origens no antigo GATT surgido no período do pós guerra, quando foram criados diversos organismos (ONU, FMI e BIRD, principalmente) para assegurar ao mundo fóruns internacionais de debate político e sócio-econômico. O sentido pleno da OMC é garantir que as regras comerciais sejam aplicadas aos países membros, 140 ao todo, gerando crescimento do fluxo comercial internacional e promovendo o desenvolvimento econômico em seus diversos níveis. Estas regras devem ser balizadas por acordos multilaterais elaborados a partir de um conceito de justiça comercial, envolvendo melhoria dos padrões de vida, assegurando o pleno emprego, o crescimento da renda nacional e otimizando o uso dos recursos naturais de cada país. Analisando este princípio fundamental da organização e, paralelamente, os acontecimentos nas últimas reuniões ministeriais (principalmente a de Cancun), duas questões podem ser levantadas para discussão: o que é a OMC hoje? Porque ela não tem obtido sucesso na execução de sua agenda? Para responder a estas questões, esta analise se propõe a levantar um breve histórico sobre a organização e, em seguida, analisar o conflito de interesses de seus integrantes quanto às questões comerciais. DO GATT A OMC BREVE HISTÓRICO A criação da OMC em 1995 foi o resultado de um processo marcado por alguns fatores determinantes do cenário pós Guerra Fria, que tem como marco a derrocada da URSS em 1989. O principal deles foi, justamente, a superação do modelo bipolar sob a liderança hegemônica dos EUA, trazendo em seu escopo uma nova configuração político econômica mundial. Até então, as regras de comércio mundial eram institucionalizadas pelo GATT General Agreement on Tariffs and Trade Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, criado em 1947 com o intuito de ser um instrumento na reconstrução da economia mundial do Pós II-Guerra. Seu princípio básico era regulamentar o sistema de regras do comercio internacional através de rodadas de negociações multilaterais. O GATT já nasceu de um impasse, demonstrando uma característica
2 intrínseca estendida até hoje. O congresso norte americano não ratificou, em 1947, a Carta de Havana que delimitava as funções e objetivos da organização, por temer que a instituição fosse restringir a soberania comercial do país. Para sair deste impasse, foi negociado um acordo provisório naquele mesmo ano, no qual os 23 países adotavam apenas um segmento da carta, denominado política comercial. Assim, o GATT se transformou em um órgão com sede em Genebra, coordenando e supervisionando as regras do comércio até o final da Rodada do Uruguai, culminando com a criação da OMC. Além de fórum de negociações, o GATT desempenhava o papel de árbitro das regras e os casos de conflitos eram levados a painéis e tinha o poder de autorizar medidas de retaliação. Aliás, este era um dos principais problemas da instituição que só foi resolvido com a criação da OMC: os países que perdiam o painel podiam bloquear a sua adoção, e ao GATT só restava exercer uma forte pressão política para que as partes do acordo cumprissem a legislação comercial preestabelecida. O sistema das regras foi estabelecido através de oito rodadas de negociações multilaterais.as seis primeiras visaram a diminuição dos direitos aduaneiros, através de concessões tarifárias recíprocas. Somente as duas últimas, Tóquio e Uruguai, foram as mais amplas. O sucesso delas se confirmaram quando analisamos o decréscimo da média das tarifas aplicadas para os bens: em 1947, era 40% e em 1994, atingiu 5%. A RODADA DO URUGUAI E A OMC HOJE A Rodada do Uruguai foi a mais complexa negociação no âmbito do GATT e culminou na criação da OMC em 1995. O objetivo foi integrar às regras comerciais, os setores antes excluídos como agricultura e têxteis, além de incluir novos como serviços, investimento e propriedade intelectual. Essas áreas eram comercializadas com regras especiais para cada país, reforçando assim o protecionismo. Nesta rodada, surgiu uma clara divisão de interesses entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Questões divergentes estas que perduram até hoje, envolvendo temas como subsídios agrícolas e propriedade intelectual. Assim, o prazo para implantação dos temas negociados foi definido para um período variável de 5 a 10 anos a partir da instalação da OMC em 1995. É importante ressaltar que o GATT morreu como órgão internacional, mas está vivo como o sistema de regras do comércio internacional. A OMC só aceita como membro o país que acatar todos os acordos como um só conjunto, o chamado single undertaking, no qual os países tem que aceitar todos os pontos negociados. Esta é uma diferença fundamental para as rodadas do GATT, nas quais os participantes podiam escolher as medidas que os interessavam, bem diferente do que ocorreu na última Conferência Ministerial em Cancún, por exemplo. Periodicamente, a organização se reúne para discutir a implantação e execução das propostas que ainda remetem à Rodada do Uruguai. Os principais encontros são comandados pela Conferência Ministerial, órgão máximo da OMC, reunindo ministros das relações exteriores dos membros. Este órgão tem autoridade e autonomia para tomar as decisões sobre todas as matérias componentes dos acordos multilaterais. Já foram realizadas seis conferências: Cingapura (1996), Genebra (1998), Seattle (1999), Doha (2001) e Cancun (2003). É a partir destas conferências que a organização determina as modalidades de negociação, estabelecendo parâmetros e prazos para adaptação e execução das
3 novas regras comerciais. Estas reuniões ministeriais são o fórum multilateral para a discussão da liberalização do comércio para o desenvolvimento econômico dos países, mas esbarra nos interesses divergentes dos mesmos. A questão que se tem mostrado mais controvérsia é a agricultura que envolve um alto protecionismo e a aplicação dos subsídios. Em Cancun ficou claro este conflito envolvendo o eixo EUA UE Japão contra um novo ator chamado de G21 e constituído pelos países em desenvolvimento com forte presença no comércio agrícola, como Brasil, Índia, China, África do Sul, entre outros. Outros pontos que não vêm apresentando evolução são as questões da propriedade intelectual, compras governamentais, regras para investimento e políticas para concorrência. Esta pauta é chamada de questões de Cingapura, pois foram discutidas na reunião ministerial de 1996. AGENDA ATUAL E MULTILATERALISMO A reunião de Cancun, em setembro último, deixou claro que a OMC não consegue cumprir seus prazos para implementação do que foi definido em Doha (2001) e tem como data limite o final de 01/01/95 para entrar em vigor. Além disso, o debate multipolarizado (apesar de se concentrar em dois grupos, basicamente) em torno das medidas propostas ficou claro que, pela primeira vez, não entrou em ação o unilateralismo da potência global (EUA), que tanto prejudica as negociações, de acordo com as observações do professor Amado Cervo da UnB. Os países desenvolvidos do G7 enfrentaram um grupo de países articulados, o G22, que impediu a imposição de regras que beneficiassem somente aos países ricos. Este grupo foi muito bem articulado, principalmente na questão agrícola, na qual pressionou EUA e UE a liberalizarem o comércio agrícola e a modificarem a política de subsídios. Este grupo contou também com a mobilização das ONG s, pois o discurso social de que as barreiras comerciais contra os produtos agrícolas competitivos dos países pobres prejudicam milhões de pessoas foi muito bem aceito pela mídia internacional. A acusação de que o G22 foi a principal razão do impasse nas negociações não é válida para o Secretário Geral da UNCTAD, Rubens Ricupero, pois sempre houve impasses nas reuniões ministeriais, e esta não será a última. Segundo ele, é normal o discurso do fim do multilateralismo na OMC após cada rodada que culmina em fracasso, justamente pela falta de consenso entre os negociadores. Para ele, a OMC não se tornará apenas um fórum para arbitragem comercial, ou seja, um lugar onde países recorram somente para abertura dos painéis para questões específicas como no caso da disputa do mercado de aviação regional entre Brasil (Embraer) e Canadá (Bombardier) em 2001. Outro ponto importante a ser ressaltado quanto ao G21 é a coesão do grupo para discutir outras questões além da agricultura, já que vários de seus componentes têm interesses divergentes em relação a outros temas, como compras governamentais, por exemplo. Para alguns especialistas, este grupo teve o caráter oportunista somente para impedir que o eixo EUA UE Japão fizesse valer sua vontade quanto à política comercial agrícola e que não haverá articulação conjunta nas próximas rodadas, justamente pela capacidade negociação bilateral que EUA e União Européia apresentam. Há uma grande dúvida em relação ao futuro das negociações comerciais no âmbito da OMC, pois se corre o risco de uma paralisação ou até retrocesso na implementação de regras para liberalizar o comércio mundial. Muitos dos
4 princípios da OMC são utópicos do pondo de vista da diminuição da desigualdade sócio-econômica entre as nações ricas e pobres. Se o modelo ricardiano de comércio fosse seguido à risca, ou seja, cada país se especializando na produção e comercialização das mercadorias de maior competitividade, o comércio traria maiores ganhos para seus participantes. Mas há um grande leque de divergências neste jogo que não o deixa evoluir, representando uma perda em termos de capital, empregos e recursos para seus jogadores e a OMC não pode se reduzir ao lugar onde este jogo é jogado. Referência THORSTENSEN, Vera. OMC as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais, 2ªed, São Paulo: Aduaneiras, 2003. Organização Mundial do Comércio http://www.wto.org