EMOÇÃO E RITMO: ENTRE AS FRONTEIRAS DA TEORIA LITERÁRIA E DA TEORIA MUSICAL



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EMOÇÃO E RITMO: ENTRE AS FRONTEIRAS DA TEORIA LITERÁRIA E DA TEORIA MUSICAL Introdução Cíntia Pires de Lemos Ramires (PG- CLCA - UENP/CJ) Luciana Brito (Orientadora - CLCA - UENP/CJ) A teoria literária pode conceituar, exemplificar e descrever o ritmo e a emocionalidade no gênero lírico, entretanto é indiferente à preocupação em se fazer uma busca para observar a aplicabilidade de termos, muitas vezes, metafóricos que emprestam vocábulos de outras áreas do conhecimento. Isso ocorre nas análises de poemas, por muito se referir a musicalidade, ao ritmo e a emocionalidade nas diversas formas poemáticas do gênero lírico. Como mencionaram Wellek e Warren, exemplificando a problemática: o propósito romântico e simbolista de identificar a poesia com o canto e com a música é pouco mais do que uma metáfora, uma vez que a poesia não pode competir com a música na variedade, claridade e estruturação dos sons puros. (WELLEK & WARREN, 1955, p. 197). Um dos objetivos do estudo empreendido no artigo monográfico foi apontar os acontecimentos emocionais e rítmicos na produção poética por meio de uma pesquisa bibliográfica que retoma conceitos da emocionalidade e ritmo nas artes (poética e musical) os quais serão também expostos aqui. O gênero lírico O gênero literário em menção é o lírico. Ele emergiu devido à necessidade de expressão dos sentimentos pessoais, porque anteriormente a vida na polis grega, na antiguidade, era expressa pela coletividade, numa incrível coesão de idéias e crenças, ressaltando o espírito guerreiro e nacionalista do povo, não havendo espaço para a subjetividade. Na obra lírica há um sujeito nomeado eu-lírico, ou sujeito lírico, voz lírica, voz poética, que exprime sentimentos e emoções. Para Massaud Moisés, a verdadeira poesia lírica, como toda a verdadeira poesia, tem por missão o conteúdo autêntico da alma humana (MOISÉS, 1971, p.63). O gênero realiza-se em forma de poema, composto por estrofes e versos que, devido à intensidade de expressão, tende a explorar a acentuação rítmica e a musicalidade Dentre os principais gêneros líricos em forma fixa, Salvatore 811

D Onofrio em Teoria da Lírica e do Drama (2005) e Angélica Soares na obra Gêneros Literários (2005) destacam os seguintes: hino, ode, elegia, canção, cantiga, soneto, balada, rondó, rondel, madrigal e haicai. O gênero lírico, de acordo com D Onofrio (2005), está diretamente ligado à música e ao canto em sua origem. Podemos iniciar essas relações com o étimo da palavra lírica, oriunda de lira, um instrumento de cordas utilizado pelos gregos para acompanhar a declamação de versos poéticos. Por meio da historiografia musical podemos buscar outras relações como a origem das duas artes: Poesia lírica significava poesia cantada ao som da lira; o termo tragédia inclui o substantivo ode, a arte do canto. Muitas outras palavras gregas que designavam os diferentes gêneros de poesia, como ode e hino, eram termos musicais. (PALISCA & GROUT, 1994, p. 20.) Mesmo quando a poesia lírica se emancipa, desvinculando-se do canto e passando a ser escrita e declamada somente, conserva traços por meio de elementos fônicos do poema: metros, acentos, rimas, aliterações e onomatopéias. Por este gênero manter também uma relação próxima com a linguagem principalmente pela entonação e acentuação das palavras como as sílabas tônicas e átonas, por exemplo, percebemos a aproximação das características rítmicas ao poema. Outro traço peculiar é a emocionalidade, como pondera D Onofrio (2005), ao mencionar que os termos lírico e emocional podem ser usados quase como sinônimos. Esta afirmação deve-se ao fato da emocionalidade exprimir um estado de alma, explorando ao máximo a subjetividade. Os arroubos líricos que ocorrem em momentos fugazes influíram na composição estética da produção lírica que acontece através de formas poemáticas reduzidas. Emoção 812

A emoção designa o ato de sensibilização de um indivíduo por meio de uma motivação que proporcione tal efeito. Ela está presente tanto na poesia quanto na música sendo motivada por recursos distintos que na antiguidade visavam a mesma finalidade: sensibilizar os ouvintes através de uma atmosfera apropriada para a transmissão da poesia, seja pela história declamada dramaticamente ou pelo acompanhamento de instrumentos musicais. Na poesia, além da essência subjetiva atribuída à emocionalidade, a melodia da fala também pode ser um fator determinante para promover a emocionalidade na declamação poética, por meio de um jogo de alturas que acontece entre as sílabas altas e baixas. Como pondera Bosi, a melodia da fala é cantada desde dentro pela intencionalidade semântica, que se fale da exígua pauta de intervalos do sistema da língua para atingir os efeitos de expressão (BOSI, 1983, p. 94). A citação revela a intencionalidade do enunciado, pois através da entonação é que sabemos quando ele é verdadeiro ou irônico, por exemplo. A música tinha poderes mágicos na mitologia grega: curava de doenças, purificava de corpos entre outros ligados à religiosidade; também era responsável por cobrir eventos variados como continua a exercer hoje em festas, casamentos, entre muitos outros eventos sociais. Esse poder mágico se referia à doutrina de etos, que baseava-se na convicção de que a música afeta o carácter e de que os diferentes tipos de música o afetam de forma diferente, poderia influir nas atitudes humanas. Pode-se destacar, de forma geral, duas categorias: a música que acalmava e elevava o espírito e a que causava a excitação e o entusiasmo. De acordo com os historiadores musicais, a primeira categoria prestava culto a Apolo, utilizando-se da lira e de formas poéticas correlativas a ode e a epopéia; e a segunda categoria era associada ao culto da Dionísio acompanhada por um aulo e servindo-se do ditirambo e do teatro (PALISCA e GROUT,1994, p. 22), Os modos musicais gregos (dórico, frígio, mixolídio e lídio) determinavam os efeitos da música que, por uma sequência de tons e semitons (escala), tinham suas características bem definidas de acordo com os intervalos entre tons vizinhos (MED, 1996). Dessa maneira, as melodias oriundas dos modos gregos podiam motivar a brandura, a ira, a coragem, a temperança como também seus opostos. Esse modo como a música influía na atitude das pessoas foi explicado por Aristóteles através da doutrina da imitação: A música, [...], imita diretamente [...] as paixões ou estados de alma [...] daí que, quando ouvimos um trecho musical que imita uma determinada paixão, fiquemos imbutidos dessa mesma paixão... ( PALISCA & GROUT, 1994. p. 20-21). Esse aspecto da música influía diretamente na educação dos gregos e até na preparação para batalhas, em que só era 813

permitida a audição de melodias com os modos dórico e frígio, pois promoviam as virtudes de coragem e temperança. O ritmo pode ser definido como: O ritmo, segundo o dicionário da ABL Academia Brasileira de Letras, Ritmo (rit.mo) sm. 1. Sucessão de sons ou movimentos que se repetem a intervalos regulares: o ritmo do pulso; o ritmo do coração. 2. Fig. Movimentação periódica e regular, de um processo ou atividade; periodicidade: o ritmo das ondas; É preciso acelerar o ritmo dessa obra. 3. (Mús) Subdivisão de uma duração sonora em intervalos de tempo regulares: Com a melodia e harmonia, o ritmo é um dos elementos básicos da música.4. (Mús) Marcação do tempo própria de cada gênero musical: o ritmo do samba e da valsa. 5. (Lit.) Na literatura, especialmente na poesia, alternância de sons tônicos e átonos e de pausas, distribuídos a intervalos regulares. (DICIONÁRIO DA ABL, 2008, p. 1135) Teorizando sobre a música, Bruno Kiefer designa ritmo como o fluir que apresenta descontinuidade, cita exemplos como a emissão de sons em duração desigual (KIEFER, 1973, p. 23). Menciona que a comparação é essencial à percepção do ritmo, ou seja, observar as descontinuidades. Assim podemos constatar o aparecimento de fragmentos mais longos ou mais curtos. Kiefer menciona que os dois fatores que promovem o ritmo são a intensidade e a duração. Para entender melhor seu funcionamento, vamos observar o exemplo do ritmo da valsa vaenense tradicional (MM = 72 a 144): Retirado de: SÁ, Renato de. 211 levadas rítmicas: para violão e outros instrumentos de acompanhamento. São Paulo: Irmãos Vilate, 2002, p. 63. O compasso da valsa é caracterizado pela intensidade do primeiro tempo forte e os dois seguintes tempos fracos (F, f, f). Percebemos que cada nota tem um valor diferente e deve durar a quantidade de seu valor, assim ocorre o ritmo que pode oscilar sua velocidade entre 72 a 144 batidas por minuto continuando a caracterizar a valsa. A duração das notas desempenha um papel importante, pois é através dela que o ritmo se modifica e passa a receber outras características que o definirão como tal. 814

Referindo-se ao ritmo no poema, Kiefer diz que A língua como fenômeno sonoro, possuí ritmo. [...] O modo de alongar as sílabas tônicas, ora mais, ora menos, tem valor expressivo muito grande (KIEFER, 1973, p.39). Em análise, o teórico compara a sílaba tônica ao tempo forte. Por exemplo, a palavra lâmpada separada em sílabas gramaticais ficaria lâm (forte) pa ( fraco) da (fraco) o que corresponderia ao ritmo ternário. Para Candido, o ritmo no poema é a combinação de sonoridades, ou seja, as sílabas e os pés. Ritmo é, pois, uma alternância de sonoridades mais fracas e mais fortes, formando uma unidade configurada (CANDIDO, s.d, p. 44). Para analisarmos a estrutura rítmica do poema, além da alternância de sílabas tônicas e átonas, devemos lembrar que, como na música, o ritmo no poema tem que ser medido por unidades regulares. Para ser medido, o poema precisa ser dividido em sílabas poéticas que nem sempre correspondem às sílabas gramaticais. Pode-se juntar ou separar sílabas quando houver encontro de vogais ou de fonemas parecidos, é a percepção auditiva da melodia do verso quem vai indicar a escansão (GOLDSTEIN, 1989, p. 14). Observe a escansão do trecho de No mar, de Álvares de Azevedo: E/ra/ de/noi/te - /dor/ MI / as Do/ so/ nho/ nas/ me/lo/ DI/as, Ao/ fres/co/ da/ vi/ra/ção; Em/ba/la/da/ na /fa/ LU/a Aos/ ais/ do / meu/ co/ra/ ÇÃO! A escansão em português deve parar na última sílaba tônica, como no exemplo, destacadas em letras maiúsculas. Conforme se faz a declamação do poema, percebemos que há outras sílabas tônicas além da sétima que está destacada, ou seja, há uma acentuação interna. De acordo com C. Proença, são as tônicas, por sua distribuição no verso, que determinam a natureza das células métricas (1955, p. 23), ou seja, a cada identificação da tônica, teremos uma nova célula métrica. Observando assim, para os versos acima teríamos as seguintes acentuações: E/ra/ de/noi/te - /dor/ MI / as Do/ so/ nho/ nas/ me/lo/ DI/as, 815

Ao/ fres/co/ da/ vi/ra/ção; Em/ba/la/da/ na /fa/ LU/a Aos/ ais/ do / meu/ co/ra/ ÇÃO! As sílabas destacadas em negrito indicam as acentuações internas de cada verso. Fazendo as notações diríamos que os versos teriam o respectivo ER: primeiro verso ER7 (1,4,7), o segundo verso ER7(2,4,7), o terceiro verso ER7(2,4,7), o quarto ER7(3,5,7) e o último ER7(2,4,7). As células métricas de Proença podem ser comparadas aos pés gregos como veremos a seguir. Num sistema quantitativo, representavam a sílaba longa por / / e a sílaba curta por / /. A sílaba longa correspondia a duas sílabas breves e uma sílaba breve correspondia a metade de uma longa (GOLDSTEIN, 1989, p. 18).Com a alternância dessas sílabas formou-se esquemas rítmicos diferentes. De acordo com os estudos de Norma Goldstein (1989), os principais pés métricos do sistema quantitativo são: pé jâmbico, formado por uma breve e uma longa: / -/; pé trocaico ou troqueu, formado por uma longa e uma breve: / - /; pé espondeu, formado por duas longas: / - -/; pé dátilo, formado por uma longa e duas breves: / - /; pé anapéstico, formado por duas breves e uma longa: / - /. Com o passar do tempo, a alternância entre longas e breves foi substituída pela alternância de sílabas acentuadas e não acentuadas respectivamente. O sistema de contagem silábicas em português é o sistema silábico-acentual, o que pode se adequar ao ER feito acima.para explicar como se dá a aplicação dos pés gregos no sistema silábico-acentual, Cavalcanti Proença (1955) exemplifica através de palavras. Utiliza a palavra tela para exemplificar o pé trocaico, pálido para o pé dactílico, bater para o pé jâmbico e recolher para anapéstico. (PROENÇA, 1955, p. 16-17). Esses pés são chamados por Cavalcanti Proença de células métricas. De acordo com as acentuações ele nomeia como número distributivo a marcação das tônicas para indicar os acentos. Considerações finais 816

Após as considerações feitas percebemos que há referências entre emoção e ritmo na poesia e na música respectivamente. Contudo, não podemos deixar de reafirmar que nunca suas aplicações poderão ocorrer da mesma forma nas duas artes. Como vimos, a emocionalidade na poesia acontece pela essência subjetiva, com a temática, as figuras de linguagens e outros recursos da linguagem literária. Por outro lado, na música, a emocionalidade ocorre por meio da melodia que utiliza os modos gregos ou outras seqüências de notas em conjunto outros recursos musicais para promover a emoção nas pessoas. O ritmo, que aparenta não ter muita proximidade quanto sua atuação na música e na poesia, realmente não a tem; a não ser pelos dois fatores que o promovem, dito por Kiefer (1973): duração e intensidade, presente nos sons e nas sílabas, respectivamente. Mesmo assim, foi necessário fazer a pesquisa para observar os limites das duas artes e poder termos mais cautela ao afirmar alguma proximidade entre as características intrínsecas da música e da poesia. Referências ÁLVARES, de Azevedo. Literatura comentada. São Paulo: Abril educação, 1982. BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Editora Cultrix, 1983. CANDIDO, Antonio O estudo analítico do poema. FFLCH-USP, s.d. DICIONÁRIO ESCOLAR DA LÍNGUA PORTUGUESA- ABL- Academia Brasileira de Letras. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. D ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto: teoria da lírica e do drama. São Paulo: Ática, 2005. GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons e Ritmos. São Paulo: Ática, 1989. GROUT, Donald J. PALISCA, Claude V. História da Música Ocidental. 1ª Ed. Lisboa, 1994. KIEFER, Bruno. Elementos da linguagem musical. 2 ed. Porto Alegre, Movimento, Brasília/ Instituto Nacional do Livro, 1973. MED, Bohumil. Teoria da música. 4 ed. rev. e ampl.brasília, DF: Musimed, 1996. MOISÉS, Massaud. A criação literária: introdução à problemática da literatura. 4.ed. São Paulo: Melhorarmentos, 1971. PROENÇA, M. Cavalcanti. Ritmo e poesia. Rio de Janeiro: Simões, 1955. SÁ, Renato de. 211 levadas rítmicas: para violão e outros instrumentos de acompanhamento. São Paulo: Irmãos Vilate, 2002. SOARES, Angélica. Gêneros literários. 6 ed. São Paulo: Ática, 2005. WARREN, Austin; WELLEK, René.Teoria da Literatura. Lisboa: Publicação Europa- América, 1962. 817

Para citar este artigo: RAMIRES, Cíntia Pires Lemos. Emoção e ritmo: entre as fronteiras da teoria literária e da teoria musical. In: VII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários. 2010. Anais... UENP Universidade Estadual do Norte do Paraná Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2010. ISSN 18089216. p. 811-818. 818