1060 AS REFORMAS NO SETOR EDUCACIONAL MINEIRO NA DÉCADA DE 90: A INFLUÊNCIA DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS DE FINANCIAMENTO Robson Luiz de França Universidade Federal de Uberlândia RESUMO Esta pesquisa possui o objetivo de analisar os resultados das reformas implementadas no Estado de Minas Gerais na década de 90, descreve as mudanças ocorridas no setor educacional e demonstra a relação entre as propostas de reformas educacionais mais amplas sugeridas por organismos internacionais de financiamento e as mudanças ocorridas nesse setor no Brasil e em Minas Gerais bem como os possíveis impactos sociais causados por elas. Considerando o contexto sócio-político em que se coloca o objeto de estudo, parti-se dos seguintes aspectos: relação entre as políticas educacionais implementadas pelo Governo Federal com as de Minas Gerais; Influência das agências internacionais de financiamento de projetos educacionais nas reformas ocorridas neste estado; eficácia das mudanças propostas em cada um dos subprojetos; parecer das instituições avaliadoras dos projetos e subprojetos implementados no Estado de Minas Gerais no setor educacional. A hipótese central é que as reformas educacionais propostas pelo governo mineiro não obtiveram os resultados almejados considerando-se os seguintes aspectos: as reais demandas educacionais de Minas Gerais, as dificuldades histórico-estruturais do setor educacional mineiro, além de profundamente complexas, dada às várias realidades do Estado, e a não participação dos profissionais de base da educação, professores e as comunidades escolares na elaboração, participação e implementação do PROQUALIDADE. Utilizou-se levantamento documental dos dispositivos normativos, projetos, bem como das avaliações a respeito dos programas instituídos pela SEE-MG e das avaliações externas realizadas pela Fundação Cesgranrio/RJ e João Pinheiro/MG. A Análise de Conteúdo permitiu a definição de duas categorias teóricas: histórico-política e institucional-organizacional. Na análise realizada sobre a política educacional em Minas é possível depreender que o Governo determinou um tipo de reforma que estava inserida num programa político do país e de acordo com agência de financiamento externo. Ou seja, as diretrizes educacionais estão inseridas dentro de um discurso político descentralizador, sendo ampliado para conceitos de autonomia administrativa, financeira e pedagógica da escola. Os conceitos considerados chaves da proposta educacional de Minas Gerais foram o de eficácia e eficiência do sistema estadual de educação inseridos num quadro de busca de melhoria da qualidade de ensino e de aprendizagem. Quanto aos projetos de capacitação de professores, entendemos que a propostas desconsiderou alguns aspectos relevantes para a mudança da cultura da repetência dos professores, além de aspectos referentes à formação. Questões como a formação dos professores, salários, cultura, contexto sócio-econômico da comunidade escolar, professores contratados, ausência de planos de carreira, tempo dos professores disponível para a capacitação, condições de trabalho, foram evidenciados como fatores que impediram o alcance das metas propostas pelo PROCAP. No que se refere ao programa de municipalização, constata-se, que, apesar de várias prefeituras mineiras, a princípio, se manifestarem interesse e ter assumido escolas de ensino fundamental, a atração maior explicitada foi pela possibilidade de aumento de recursos financeiros. Quanto à avaliação, entende-se que o Estado, tem, de fato, o papel de acompanhamento do processo educacional devendo portanto, utilizar instrumentos para a medir o grau de eficácia e efetividade das políticas implementadas, porém, entende-se também, que o acompanhamento não se restringe a avaliar para imputar à escola e seus agentes a responsabilidade pelo insucesso detectado. Verificamos, por sua vez, que as medidas implementadas no Estado de Minas Gerais, estavam de acordo com as propostas dos planos nacionais e com as agências internacionais de financiamento e que as orientações das agências internacionais estão inseridas em um contexto estruturado sobre bases de desenvolvimento econômico e colocando a educação como co-responsável por esse processo. Dessa maneira, a busca pela equidade social, por meio da reforma educacional, promovida em Minas Gerais, demonstrou, na verdade, estar inserida dentro de uma lógica excludente. A exclusão se revela quando consideramos a prioridade que é atribuída a uma modalidade de ensino ensino fundamental em detrimento das outras modalidades educação infantil, ensino médio, educação de jovens e adultos -, se revela também quando os professores que atuam no ensino fundamental passam a receber melhores salários que os outros professores; da mesma maneira, a exclusão se faz presente, quando escolas localizadas em regiões mais pobres do estado possuem condições materiais inferiores às escolas localizadas nos municípios considerados mais ricos; nesse mesmo sentido, a exclusão é claramente percebida no processo de municipalização, considerando que a maioria dos municípios de Minas Gerais não possui condições de infra-estrutura para o atendimento a essa
1061 modalidade de ensino. Os princípios da democratização, da participação da comunidade nas decisões da escola, a municipalização e da melhoria do ensino ficaram escondidos, no final da implementação dos projetos, por detrás da questão econômica, reduzindo a finalidade da formação do homem, no que se refere ao papel da educação, ao problema do custo e do benefício econômico. TRABALHO COMPLETO A presente investigação buscou responder à questão sobre as reformas educacionais empreendidas nos anos 90, no Estado de Minas Gerais, por meio do PROQUALIDADE, as quais objetivaram garantir a oferta de educação básica para todos, verificando se essas reformas conseguiram alcançar os propósitos almejados e analisou também as relações estabelecidas com agências internacionais de fomento, especificamente com o Banco Mundial. Considerando o contexto sócio-político em que se desenrolam as principais mudanças educacionais no país, e especificamente em Minas Gerais, a partir do qual se colocou o objeto de pesquisa, este estudo se desdobrou pela análise dos seguintes aspectos: Relações entre as políticas educacionais implementadas pelo Governo Federal com as do Governo Estadual; Influência das agências internacionais de financiamento de projetos educacionais nas reformas ocorridas no Estado Mineiro; Eficácia das mudanças propostas em cada um dos subprojetos; Parecer das instituições contratadas para avaliar os projetos e subprojetos constituintes do PROQUALIDADE. Para alcançar os objetivos propostos, foi feito um levantamento documental dos dispositivos normativos, projetos, das avaliações a respeito dos programas instituídos pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais e das avaliações externas realizadas pela Fundação Cesgranrio/RJ e João Pinheiro/MG, contratadas para tal fim. 1. Minas aponta o caminho O Estado de Minas Gerais, no que se refere à alfabetização possui 77% da população alfabetizados, e, 94,6% das crianças em idade escolar (7 a 14 anos) se encontram matriculadas nas escolas. Segundo dados da Secretaria de Planejamento de Minas Gerais, no ano de 2000, a taxa de repetência na rede pública estadual de ensino fundamental, encontrava-se em 2,0% do total de alunos matriculados. No que se refere às taxas de evasão escolar, os dados revelam que, 7,9% dos alunos matriculados evadiram da escola, no ano de 2000. Apresentando, portanto, uma das menores taxas do Brasil de analfabetismo, evasão e repetência. Esses dados refletem os resultados de várias reformas educacionais implementadas no Estado durante a década de 90 do século passado, à semelhança de vários estados brasileiros. Na verdade, a década de 90, do século XX, o setor educacional brasileiro passou por profundas transformações, as quais visaram a superação do status de atraso tecnológico e a colocação, no mercado de trabalho, de mão-de-obra apta para responder às novas demandas do mundo globalizado. As reformas promovidas na década de 90, tiveram início com duas grandes conferências, a primeira, ocorrida nos dias 5 a 9 de Março de 1990, por convocação da Organização das Nações Unidas (ONU), da UNESCO, do UNICEF, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Banco Mundial, nela foram estabelecidos
1062 consensos para servir de base para os planos decenais de educação voltados, principalmente, para os países menos desenvolvidos que se incluíram no Plano da Declaração Mundial de Educação para Todos. A segunda, em 1993, ocasião em que foi assinada a Declaração de Nova Delhi, em reunião ocorrida em 16 de dezembro, com chefes de nove países 1 participantes que revalidaram os compromissos assumidos na ocasião da Conferência Mundial de Educação para Todos. A partir desses acordos, vários países começaram a reformular suas políticas educacionais, tendo como base uma ampla e profunda reforma. No caso específico do Brasil, com a elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos, que, dentre outras ações, estimulou a municipalização do Ensino Fundamental e a implementação dos Planos Curriculares Nacionais (PCNs), centralizou uma lista nacional de livros didáticos, incentivou Programas de Qualidade Total na Educação e aquisição de equipamentos, buscando a modernização da escola, tais como antenas parabólicas, aparelhos de fax e TV, computadores, vídeos e livros, de forma a garantir a competitividade escolar. A Conferência Mundial para Todos proclamava que Uma educação básica adequada é fundamental para fortalecer os níveis superiores de educação e de ensino, a formação científica e tecnológica e, por conseguinte, para alcançar um desenvolvimento autônomo (BRASIL, 1993:71). Vários programas educacionais foram desenvolvidos, tendo como objetivo uma reforma ampla e profunda no setor educacional da América Latina, partindo dos princípios de eficiência e eqüidade 2, tendo em vista que os resultados assinalavam um crescimento de número de alunos nas séries iniciais do ensino fundamental de 21% anuais, nos anos 80, para 42%, na década de 90. Apesar desse crescimento significativo, a expansão do ensino se deu em detrimento da qualidade, e a solução desse problema passou a ser o compromisso dos governantes dos países latino-americanos, ou seja, diminuir a diferença qualitativa entre o ensino nessa região com a dos países desenvolvidos. A escolarização para todos, entendida como universalização da educação, apresenta-se para os organismos internacionais, tais como ONU, UNICEF, UNESCO, FMI, Banco Mundial, como meta para o novo milênio, fazendo parte das contrapartidas dos empréstimos realizados. No entanto, o crescimento vertiginoso na oferta de educação, no Brasil e na América Latina, extensivo a todas as camadas populacionais foi resolvido às custas da qualidade dos serviços educacionais, pois Os governos foram, segundo essa perspectiva, incapazes de assegurar a democratização mediante o acesso das massas às instituições educacionais e, ao mesmo tempo, a eficiência produtiva que deve caracterizar as práticas pedagógicas nas escolas de qualidade (GENTILI, 1998:17). O que podemos, na verdade, constatar é que os problemas de expansão educacional já estão praticamente resolvidos em toda a América Latina 3. Os projetos educacionais, de certa 1 Indonésia, China, Bangladesh, Brasil, Egito, México, Nigéria, Paquistão e Índia. 2 Os significados dos conceitos de eficiência e eqüidade foram analisados por VEIGA:1998, sob o ponto de vista de Martin Carnoy e Cláudio Moura Castro. Para eles, eficiência é organizar de modo novo e mais produtivo o aproveitamento escolar e as qualificações profissionais, tendo em vista, sobretudo, produzir capital humano de melhor qualidade a fim de tornar os países da América Latina e do Caribe mais competitivos na economia mundial (Castro; Carnoy, 1996 In.: VEIGA:1998:212). 3 No Chile, com os Processos de Regionalização da Educação (municipalização); no México, com a implementação dos Conselhos de Participação Social ; na Argentina, por meio do Pacto Federal Educativo ;
1063 forma, conseguiram abranger quase toda a população no que se refere à oferta dos serviços. No entanto, não resolveram os problemas da qualidade desses serviços, e este é hoje o grande problema dos governos latino-americanos, ou seja, a questão da quantidade x qualidade, que são ainda incompatíveis. Em outro sentido, constata-se que a tão propalada qualidade aliada à quantidade, que tem estado presente nos discursos governamentais, não apenas é ineficaz, mas também enganosa, e pode ser demonstrada pelos próprios programas e projetos desenvolvidos na América Latina que conseguiram solução para essa problemática. Atribuindo a crise educacional da América Latina à qualidade dos serviços oferecidos, os organismos internacionais, principalmente o FMI e o Banco Mundial, e, no setor regional, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) passaram a exercer um papel central em investimentos financeiros nesse setor, veiculando a idéia de que essa cooperação e assistência técnica (FONSECA, 1998) podem ajudar os países latino-americanos a superar suas dificuldades de desenvolvimento social e econômico. Dessa forma, a década de 90 foi marcada, no setor educacional, por propostas de reestruturação e reformas na educação dos países da América Latina. As reestruturações ou reformas deveriam partir da descentralização administrativa e financeira da educação, ou, especificamente, visar à autonomia no processo decisório e financiamento educacional. Nesse sentido, os governos estimularam as comunidades locais a aumentarem por si as fontes de recursos destinados para a educação, de forma a atribuir às escolas, a seus gerentes e a seus usuários diretos e indiretos o controle sobre as finanças e gastos. Os recursos públicos, previstos nos orçamentos dos governos centrais e destinados para o setor educacional, foram diminuídos paulatinamente na maioria dos países da América Latina, tendo em vista que parte dessa responsabilidade foi outorgada para as comunidades e para a iniciativa privada. Assim, as mudanças no setor educacional, iniciadas nos anos 90, se configuraram como uma reforma financeira, a qual visava à redução dos gastos públicos, aumento da participação da sociedade e da iniciativa privada para complementar esses recursos e, concomitantemente. Mais mudanças buscaram também expandir o sistema de ensino com vista ao aumento da escolarização da população e da produção de capital humano para tornar os países da América Latina e do Caribe mas competitivos na economia mundial (CARNOY E CASTRO, 1997:16). A economia na aplicação dos recursos no setor educacional e contraditoriamente a necessidade de aprimoramento do sistema e de sua expansão levaram esses países a buscarem recursos externos sob a forma de financiamentos, o que se configurou como uma operação de reposição dos recursos públicos antes destinados à educação. Apesar de o discurso governamental afirmar que era possível racionalizar os recursos previstos nos orçamentos internos destinados à educação, sem prejuízo da qualidade do ensino oferecido, o que se tem visto é que a qualidade do ensino caiu vertiginosamente devido ao excesso de alunos por sala de aula, à falta de qualificação adequada dos professores e à diminuição de recursos destinados à infra-estrutura das escolas. Dessa maneira, o Governo brasileiro, apresentou um conjunto de diagnósticos e propostas para resolver a crise educacional, por meio de soluções e recomendações que foram explicitadas no Plano Decenal de Educação para Todos, em 1993, com ênfase em três linhas de atuação: a prioridade ao ensino fundamental e valorização do magistério; definição e implementação de reformas institucionais capazes de criar as condições de mudanças permanentes nos rumos da educação brasileira e a mobilização da sociedade pela melhoria do ensino público (MEC, 1993). na Colômbia, têm-se o Núcleo de Desenvolvimento Educativo e, no Brasil, a expansão ocorre inicialmente com o Plano Decenal de Educação para Todos.
1064 Essas políticas de ação do Ministério da Educação se desdobraram em outras destinadas aos Estados e Municípios, as quais passariam pelos seguintes passos: 1. aumento de investimentos para a educação básica; 2. gradativa descentralização do ensino fundamental das mãos do poder central para os Estados e Municípios; 3. diminuição dos investimentos na educação do ensino médio e ensino superior público; 4. educação básica com vistas a empregabilidade (MEC, 1993 p. 06). Considerando a necessidade de implementação das mudanças citadas, uma boa parte dos estados brasileiros buscou viabilizar programas e projetos que visam à reforma do ensino, em parceria com o Governo Federal, Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. Foram várias as experiências de reformas nos sistemas educacionais no Brasil, que apesar de suas formulações e propostas se apresentarem como específicas e de acordo com as necessidades peculiares de cada Estado ou Município, na prática, se revelaram bastante semelhantes, principalmente, nos seus objetivos e na busca de soluções para a melhoria do ensino voltado para a escolarização, ao atendimento da população, as políticas de gestão das unidades e dos sistemas de ensino, a capacitação dos profissionais da educação, a formação de mão-de-obra para atender ao mercado globalizado emergente e a busca pela universalização do ensino básico. Dentre os vários estados que buscaram reformar seus sistemas educacionais, o Estado de Minas Gerais foi considerado o primeiro a implementar propostas de mudanças nesse setor. As mudanças no setor educacional mineiro referiram-se à organização e funcionamento das escolas, ao atendimento à população, ao acesso à escola e à permanência do aluno, à reorganização dos setores para o atendimento à matrícula, à estrutura administrativa do sistema, à gestão e composição do quadro de pessoal e à avaliação dos sistemas de ensino. Para executar tais reformas, Minas Gerais contou com dois grandes programas que foram implementados em 1990 e 1993, respectivamente: a Gerência de Qualidade Total na Educação GQTE e o Projeto de Melhoria da Qualidade do Ensino de Primeiro Grau PROQUALIDADE. Tanto o PROQUALIDADE quanto o GQTE tinham a finalidade de eliminar o fracasso escolar representado pelos acentuados índices de reprovação e repetência que provocaram altos níveis de evasão escolar, principalmente na educação básica. A GQTE e o PROQUALIDADE buscaram, fundamentalmente, maior eficiência e racionalidade administrativas como linhas mestras para solucionar os problemas dos altos índices de evasão escolar, da reprovação e da repetência, da dificuldade no atendimento da população, além dos problemas na gestão do sistema educacional. Esses aspectos são considerados indicadores de ineficiência do sistema educacional, de forma que foram, em 1996, inseridos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB 9394/96. O PROQUALIDADE foi implantado durante a gestão de dois governos; teve início em 1990, no governo de Hélio Garcia cujo Secretário de Estado da Educação era Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto, período em que foram estabelecidas parcerias com a Universidade Federal de Minas Gerais e com a Fundação João Pinheiro, instituições selecionadas para a elaboração do PROQUALIDADE. Na etapa preliminar da elaboração do PROQUALIDADE, foram implementados dois subprojetos denominados Autonomia da Escola e Fortalecimento da Direção da Escola, os quais foram desencadeados preliminarmente por meio de eleição de diretores escolares, membros dos Colegiados e elaboração dos Planos de Desenvolvimento da Escola, e iniciados
1065 em agosto de 1991. Tais propostas foram paulatinamente aperfeiçoadas durante a gestão do Governador Eduardo Brandão de Azeredo, entre 1995 e 1998, cujo vice-governador era Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto e o Secretário de Estado da Educação, João Batista dos Mares Guia. Nessa gestão, os outros três subprojetos foram sendo implantados ano a ano; ou seja, o subprojeto de Capacitação e Carreira, teve início em 1995 e os de Avaliação do Ensino e Integração dos Municípios ocorreram em 1996. A partir de 1991, o Governo Mineiro desencadeia a reforma educacional que representou, de certa forma, os paradigmas para a educação dos anos 90. Tendo como tema Minas aponta o caminho, o governo firmou compromissos e prioridades ou seja: Compromissos com o aluno, com a família, com o professor, especialista e demais servidores da escola e Compromissos com a escola (MINAS GERAIS, 1993:16-16). No intuito de garantir esses compromissos, a SEE-MG levantou cinco áreas que foram transformadas em subprojetos, e que, por serem consideradas de grande importância, foram priorizadas para efeito de investimentos e reformas. O Programa PROQUALIDADE, que visava elevar de 32% a 50% o número de alunos que atingem a oitava série sem repetência, ou com no máximo uma repetência; reduzir de 5 a 10% as taxas anuais de repetência do CBA à 4 série, num período máximo de 4 anos (PROQUALIDADE, 1993:2). Essa política de Qualidade Total teve como sustentação as seguintes instituições: a Secretaria de Estado de Educação, que viabilizava as condições necessárias para o desenvolvimento do Programa; a Fundação Cristiano Ottoni, que se responsabilizou pelo treinamento de profissionais e pela implementação do programa nas escolas; o Banco Mundial, que financia o Programa além de determinar suas ações. As áreas que necessitaram de investimentos e implementação dos projetos foram: Autonomia da escola - entendida como centro da ação educativa e espaço onde se desenvolve o processo de ensinoaprendizagem, a escola precisa de autonomia para decidir sobre as diferentes questões pedagógicas, administrativas e financeiras. Autonomia, no entanto, não é sinônimo de abandono. A transferência do poder de decisão do Estado para a comunidade escolar é um processo em que os técnicos dos 41 órgãos regionais e do órgão central deixam de tutelar a escola para exercerem atividades de assessoramento e apoio (MINAS GERAIS, 1997:17). Fortalecimento da direção da escola - preponderam os aspectos referentes à escolha do diretor e à composição do Colegiado: Para que a escola ofereça educação de qualidade, é essencial que tenha em sua direção um profissional competente e comprometido com o ensino. (...) No processo de seleção do diretor, representam a comunidade os servidores da escola, inclusive professores, os pais e os alunos maiores de 16 anos. O governo amplia a competência dos Colegiados escolares, que passam a ter importantes funções deliberativas (MINAS GERAIS 1997:18). professores: Capacitação e carreira - a prioridade nesse aspecto é para o treinamento dos
1066 Levantamentos realizados pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais mostraram que existe um número significativo de professores em exercício na escola pública sem a titulação mínima requerida. Apontaram ainda que os treinamentos oferecidos aos profissionais da educação não estavam resultando em melhoria de desempenho das escolas. Os índices de produtividade escolar, que se mantiveram inalterados, indicavam a inexistência de correlação entre treinamento e qualidade do ensino. A reversão desse quadro demandou a preparação de um novo e ousado programa de capacitação e treinamento de professores, especialistas e demais servidores da escola, concebido para criar, em cada unidade escolar, as condições necessárias para a promoção da melhoria da qualidade do ensino. (...) (MINAS GERAIS 1997:19). escolar: Avaliação do ensino - enfatiza principalmente a avaliação externa da unidade (...) O mecanismo mais adequado para levantar tais informações é a avaliação externa das unidades escolares. Mediante aplicação periódica de provas que medem o domínio dos conteúdos e habilidades básicas, verifica-se o nível de aprendizagem dos alunos para, então, planejar e executar ações que resultem em um trabalho pedagógico mais eficiente (MINAS GERAIS, 1997:20). Integração com os municípios - levou em consideração principalmente as orientações contidas na Constituição Federal: (...) A articulação entre Estado e município possibilita uma melhor utilização da capacidade física instalada e otimização das verbas aplicadas. Pode, ainda, representar a parceria necessária ao desenvolvimento dos programas de melhoria da qualidade de ensino (MINAS GERAIS, 1997:20). Esses compromissos e prioridades passaram a ser referência para todas a mudanças promovidas a partir de então no Estado de Minas Gerais e também para outros Estados, justificando-se a importância de seu estudo. 2. Considerações e resultados Na análise realizada sobre a política educacional, na década de 90 do século passado, é possível depreender que o Governo de Minas Gerais determinou um tipo de reforma que estava inserida num programa político do país e de acordo com agência de financiamento externo. Ou seja, as diretrizes educacionais estão inseridas dentro de um discurso político descentralizador, sendo ampliado para conceitos de autonomia administrativa, financeira e pedagógica da escola. Os conceitos considerados chaves da proposta educacional de Minas Gerais foram o de eficácia e eficiência do sistema estadual de educação inseridos num quadro de busca de melhoria da qualidade de ensino e de aprendizagem. Por outro lado, a terminologia democracia ou democratização esteve sempre presente nos discursos e documentos da SEE MG como referendo mestre para justificar as mudanças no setor; em outras palavras, todas as medidas foram postas como sendo democráticas e originadas da necessidade da comunidade escolar.
1067 Nos documentos oficiais - Resoluções, Decretos e Leis da SEE MG -, mencionaram sempre a explicitação da descentralização das decisões de forma a legitimar as mudanças realizadas, oferecendo, assim, abertura à participação da comunidade escolar, além de colocar à disposição, para conhecimento público, dos resultados obtidos nos projetos implementados. Todas as medidas instituídas, na década de 90 em Minas Gerais, tinham como pano de fundo a busca pela desconcentração administrativa, atribuindo à escola maiores responsabilidades no que se refere à administração dos recursos financeiros, processos de formação de professores, fluxo escolar; colocando sobre a escola e os agentes que a integram, a responsabilidade final sobre os resultados educacionais. Além do aspecto da responsabilidade da escola, a SEE MG entendia, por sua vez, a sua ineficiência em administrar um sistema tão grande e complexo com o de Minas Gerais. Desta forma, a descentralização poderia vir a resolver uma série de problemas quase insolúveis, tanto pela burocracia do sistema como pelas diversas realidades sociais, culturais e econômicas do Estado. Outro aspecto, sempre presente nos projetos implementos, diziam respeito à eficiência do sistema e da escola, devendo ser traduzida por altos índices de aprovação e menores taxas de repetência. Para resolver esse grave problema da educação de Minas, instituindo-se a progressão continuada que, na verdade, é a obrigatoriedade de aprovação dos alunos, de forma que a reprovação só deve ocorrer ao final do quarto ciclo de estudos. No entanto, apesar dos esforços despendidos no sentido da eliminação, por decreto, da cultura da repetência, verifica-se que essas medidas são, de fato, extremas, principalmente por ainda, não ter sido construído bases sólidas para essas mudanças, ou seja, os professores, os pais e a própria escola não foram devidamente preparadas para essa modalidade de avaliação. Seria necessário primeiro capacitar os professores, melhorar as condições físicas e de equipamento das unidades escolares condições iguais para todas -, bibliotecas melhor equipadas, laboratórios adequado para os alunos, suporte técnico pedagógico para os supervisores e orientadores educacionais e outras condições importantes e necessárias para viabilizar o ensino e a aprendizagem. Por outro lado, mudanças como essas exigem dos professores habilidade de adequação que a maioria ainda não possui, pois eles precisam adaptar seus domínios técnicopedagógicos, manejo de turma, conhecimento, maior tempo para planejamento das aulas e número adequado de alunos por turma, problemas ainda não superados por nenhum dos projetos, decretos ou leis instituídos. Temos que considerar ainda, a questão das diferenças regionais que influenciam claramente as condições em que se dá o processo educacional. Essas diferenças estão presentes nas condições de infra-estrutura das escolas, nos aspectos social e cultural da comunidade escolar. Essas diferenças poderiam ser atenuadas na oferta de condições semelhantes para todas as escolas da rede estadual. Dessa forma, a SEE MG, no contexto dos processos de descentralização e desconcentração de papéis, deve responsabilizar-se pelos encargos de planejamento, de regulamentação, de assistência financeira, de definição de padrão de ensino e de aprendizagem, além do papel de avaliação do sistema educacional e das medidas implementadas. É interessante observar que, apesar de vários setores sociais se manifestarem insatisfeitos com as mudanças promovidas e com os resultados obtidos a SEE MG ainda vê que as metas foram alcanças conforme se apresenta, Os primeiros resultados dessa política de descentralização e reforma já se fazem sentir, principalmente quanto a:
1068 Participação da comunidade no processo decisório da escola; Eliminação do clientelismo político na escolha do diretor da escola, na obtenção de benefícios e vantagens para os profissionais da educação, na liberação de recursos para recuperação, ampliação e construção de prédios escolares e na definição de prioridades para a criação e instalação de escolas; Melhor conhecimento pelas escolas de sua realidade através da administração de seu patrimônio e do conhecimento da vida funcional de seus servidores; Maior eqüidade na distribuição de recursos em decorrência do melhor conhecimento da realidade de cada escola, o que possibilita encaminhamento de recursos de acordo com as necessidades da unidade escolar; Introdução de sistema de planejamento dentro das escolas, possibilitando a continuidade das ações definidas a partir das necessidades da comunidade (MINAS GERAIS:1999:39). A SEE-MG acredita ainda que os resultados positivos já se fazem sentir também nas questões da cultura da repetência, tendo em vista que várias escolas já estão reduzindo significativamente os índices de reprovação escolar. Em outro aspecto, a melhoria, segundo a SEE-MG, pode ser verificada na área administrativa, em que conceitos de eficiência, eficácia e produtividade já estão incorporadas no vocabulário da escola (SEE-MG, 1999:40). No entanto, de acordo com o estudo apresentado, os objetivos da SEE MG, no que se refere aos aspectos de descentralização administrativa, financeira e pedagógica, não lograram os resultados explicitados acima, considerando o caráter centralizador das propostas e a ausência de real participação da comunidade escolar nos projetos implementados. Por outro lado, deparamos com uma cultura de distanciamento da própria comunidade para com as questões da escola, ou seja, se por um lado a SEE MG quis instituir uma participação decretada, por outro, os diretores e professores percebem que as famílias não participam das decisões administrativas e pedagógicas devido à falta de envolvimento para com as questões educacionais. Tanto no dia a dia da escola, quanto à participação nos colegiados encontram aspectos interessantes para serem analisados. Temos, portanto, nas escolas localizadas em municípios com melhor poder aquisitivo, maior envolvimento dos pais nas questões educacionais; e, nas escolas localizadas nas regiões mais pobres do Estado, menor participação e envolvimento. Quanto aos projetos de capacitação de professores, entendemos que a propostas desconsiderou alguns aspectos relevantes para a mudança da cultura da repetência dos professores, além de aspectos referentes à formação. Questões como a formação dos professores, salários, cultura, contexto sócioeconômico da comunidade escolar, professores contratados, ausência de planos de carreira, tempo dos professores disponível para a capacitação, condições de trabalho, foram evidenciados como fatores que impediram o alcance das metas propostas pelo PROCAP. No que se refere ao programa de municipalização, constata-se, que, apesar de várias prefeituras mineiras, a princípio, se manifestarem interesse e ter assumido escolas de ensino fundamental, a atração maior explicitada foi pela possibilidade de aumento de recursos financeiros. No entanto, depois de verificadas as desvantagens, ocorreram em alguns municípios de Minas Gerais a desmunicipalização por um lado, por outro, verificamos que os objetivos anunciados que seriam, dentre outros, o do aumento da participação da comunidade, aumento de recursos para a escola, melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem, não ocorreram devido a aspectos de estrutura física das escolas, despreparo dos prefeitos e secretarias municipais de educação para lidar com a educação, desvio de verbas do FUNDEF, queda da qualidade do ensino.
1069 No que se refere à avaliação, entende-se que o Estado, tem, de fato, o papel de acompanhamento do processo educacional devendo portanto, utilizar instrumentos para a medir o grau de eficácia e efetividade das políticas implementadas, porém, entende-se também, que o acompanhamento não se restringe a avaliar para imputar à escola e seus agentes a responsabilidade pelo insucesso detectado. As medidas de avaliação e acompanhamento devem detectar as falhas do sistema e cuidar para que sejam sanadas, quer seja no envio de mais verbas, quer seja no auxílio do gerenciamento pedagógico da escola Verificamos, por sua vez, que as medidas implementadas no Estado de Minas Gerais, estavam de acordo com as propostas dos planos nacionais e com as agências internacionais de financiamento e que as orientações das agências internacionais estão inseridas em um contexto estruturado sobre bases de desenvolvimento econômico e colocando a educação como co-responsável por esse processo. Dessa maneira, a busca pela equidade social, por meio da reforma educacional, promovida em Minas Gerais, demonstrou, na verdade, estar inserida dentro de uma lógica excludente. A exclusão se revela quando consideramos a prioridade que é atribuída a uma modalidade de ensino ensino fundamental em detrimento das outras modalidades educação infantil, ensino médio, educação de jovens e adultos -, se revela também quando os professores que atuam no ensino fundamental passam a receber melhores salários que os outros professores; da mesma maneira, a exclusão se faz presente, quando escolas localizadas em regiões mais pobres do estado possuem condições materiais inferiores às escolas localizadas nos municípios considerados mais ricos; nesse mesmo sentido, a exclusão é claramente percebida no processo de municipalização, considerando que a maioria dos municípios de Minas Gerais não possui condições de infra-estrutura para o atendimento a essa modalidade de ensino. Na verdade o que nos foi possível perceber ao longo desse estudo, é que a lógica prevalecente foi a de mercado, ou seja maximização dos resultados com um mínimo de investimento. Os princípios da democratização, da participação da comunidade nas decisões da escola, a municipalização e da melhoria do ensino ficaram escondidos, no final da implementação dos projetos, por detrás da questão econômica, reduzindo a finalidade da formação do homem, no que se refere ao papel da educação, ao problema do custo e do benefício econômico.
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