Imaginações. Imaginations. Imaginación

Documentos relacionados
PERFORMANCE Retrato. Ravena Maia. Forma Livre. DOI: /issn v5i1p Ravena Maia

OS DISCURSOS SOBRE EDUCAÇÃO NAS PROPAGANDAS GOVERNAMENTAIS BRASILEIRAS

Avaliação Capes, aprovação do doutorado (trechos parecer CAPES):

DACEX CTCOM Disciplina: Análise do Discurso. Profa. Dr. Carolina Mandaji

4. PRODUÇÃO E CAPTAÇÃO

O ARRÍTMICO DELÍRIO DO SILÊNCIO ou A ACIDÊNCIA DO AGORA

Colégio Santa Dorotéia Área de Ciências Humanas Disciplina: História Ano: 6º - Ensino Fundamental Professoras: Júlia e Amanda

ENTRE PERFORMANCES E FESTAS. eficácia concentra-se nas performances. Neste caso, nos questionamos como se dão as

Aquilo que um dia fomos e aquilo que hoje somos 1

Gisllene Rodrigues FERREIRA 2 Gerson de SOUSA 3 Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG

Fanfarra um toque além da música. Pôster

O livro na sociedade, a sociedade no livro: pensando sociologicamente a literatura

Auto-retr. caminhos pelo desconhecido. criação. Self-portr a journey through the unknown


PATRIMÔNIO CULTURAL LOCAL: MEMÓRIA E PRESERVAÇÃO REGIÃO LITORAL DO RIO GRANDE DO SUL - RS

GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ SECRETARIA DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA SECITECE FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI URCA Comissão do Concurso

Sistema Nacional de Cultura

Dossiê: Paisagens sonoras. Dossier: Soundscapes

Pontos de Cultura. BARBOSA, Frederico; CALABRE, Lia. (Org.). Pontos de Cultura: olhares sobre o Programa Cultura Viva. Brasília: Ipea, 2011.

regulação e comunicação nos seres vivos e nas máquinas. c. apenas pode ser visualizada; arte se resume apenas a obras que podem ser vistas.

HISTÓRIA DA ARTE. Professor Isaac Antonio Camargo

Associação Catarinense das Fundações Educacionais ACAFE Concurso Público de Ingresso no Magistério Público Estadual PARECERES DOS RECURSOS SOCIOLOGIA

Definição: ( PÉRES, 2006)

PÊCHEUX E A PLURIVOCIDADE DOS SENTIDOS 1

VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO RURAL POR MEIO DO TURISMO RURAL

FUNDAMENTAL 1 o ANO. Conteúdos e Competências

Disciplina: HS045 Antropologia III: Teorias Antropológicas II Profa. Ciméa Barbato Bevilaqua - 1º semestre de 2011

RELAÇÃO DE EMENTAS DAS DISCIPLINAS OFERTADAS NO SEMESTRE 01/2017 PPG-ARTES

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE ARTES VISUAIS. FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO UL

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. a) Pesquisas com resultados parciais ou finais (dissertações e teses);

O ESTADO EMPRESÁRIO. Mayara Gasparoto Tonin Mestranda em Direito Comercial pela USP Bacharel em Direito pela UFPR Advogada em Brasília

Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas

Redação Oficial, Protocolo e Arquivamento AULA 11. Temas: Conceitos de Arquivamento

Experimentação no Ensino de Ciências e Biologia. Metodologia do Ensino de Ciências Biológicas I Martha Marandino

AGENDA NOVEMBRO / SÁBADO 10h às 17h30** Curso Sesc de Gestão Cultural 10h30 às 12h30 Galáxias Olhares sobre o Brasil 3/ TERÇA

Modelo de ensino, aprendizagem e da formação por abordagem e competências José Carlos Paes de Almeida Filho 1 Marielly Faria 2

Workshop de Fotografia da Natureza

Cultura nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Sala Sidney Miller

TEORIA DA LITERATURA: sujeito, epaço e tempo. PROF. ALEMAR S. A. RENA

COM PÊCHEUX PENSANDO A SIGNIFICAÇÃO A PARTIR DO CORTE SAUSSUREANO

Os tortuosos caminhos de Exu

CURSO: JORNALISMO EMENTAS PERÍODO

Estruturação e captação de recursos financeiros. Esta Foto de Autor Desconhecido está licenciado em CC BY-NC-ND

Instrução VIP Personalizada

Desacimentar 1 GEISSY REIS FERREIRA DE OLIVEIRA. DOI /issn v27i1p

EMENTAS DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA 1º PERÍODO

Palavras-chave: Identificação. Fotografia. Negativo. Fundo Foto Bianchi. ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções) ( ) COMUNICAÇÃO ( X ) CULTURA

POÉTIQAS DE UM ATELIER: IMAGINAR-FAZER-BRINCAR, LÚDICO ACONTECER NO CORREDOR POLONÊS ATELIER

A ESCRITA INFANTIL: SENTIDOS E INTERPRETAÇÃO DOS REGISTROS DAS CRIANÇAS

BRASIL, MOSTRA A TUA CARA SOCIOLOGIA 3º ANO DO ENSINO MÉDIO 2º BIMESTRE

Desenvolvimento das habilidades docentes no ensino da fotografia III

RESENHA: O Patrimônio como Categoria do Pensamento, de José Reginaldo Santos.

A JORNADA ASTROLÓGICA E A MÍDIA

EMENTAS DAS DISCIPLINAS CURSO DE GRADUAÇÃO DE PUBLICIDADE E PROPAGANGA

VI. A INDISSOLUBILIDADE DA PESQUISA, ENSINO E EXTENSÃO NOS MUSEUS UNIVERSITÁRIOS 6. Preceitos e Problemas dos Museus Universitários

Conteúdo Básico Comum (CBC) de ARTE do Ensino Médio Exames Supletivos/2017

Profa. Dra. Carolina Mandaji paginapessoal.utfpr.edu.br/cfernandes

NOTA DE AGENDA. Inauguração da FIA Lisboa com a presença do ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

Critérios Específicos de Avaliação

REVISTA PENSATA V.6 N.1 DEZEMBRO DE 2017

COORDENAÇÃO DO CURSO DE ENGENHARIA ELÉTRICA DATAS DAS AVALIAÇÕES DO PERÍODO LETIVO 2017/1

Da fotografia à pintura A construção do olhar a partir de um imagético processual lírico

ESTUDOS AVANÇADOS Em Arte Visual

II ENCONTRO "OUVINDO COISAS: EXPERIMENTAÇÕES SOB A ÓTICA DO IMAGINÁRIO"

BIMESTRALIZAÇÃO DA DISCIPLINA TEATRO PARA O ENSINO MÉDIO

A LINGUAGEM QUADRINÍSTICA FORMANDO LEITORES HOJE : PARTE II Patrícia Pina UNEB, DCH VI

Educação Patrimonial. II Encontro de Trabalho da Rede Paulista de Educação Patrimonial - REPEP. Museu da Imigração 14 de maio de 2016

Observatório da Educação - Os professores da rede pública paulista faltam muito ao trabalho?

Em seguida, propõe uma análise da contribuição da obra de Maurice Halbwachs no movimento dos Annales. Para ele, Diogo da Silva Roiz *

Fiat lux, lux in tenebris, fiat lux et pereat mundus

PERFORMANCE DA VIDA COTIDIANA

¹. Moda de Viola is a musical expression found in the Brazilian traditional folk music.

Sobre Yakhni, Sarah. Cinensaios Agnès Varda: O documentário como escrita para além de si. São Paulo: Hucitec, 2014, 322 pp., ISBN:

10 Ensinar e aprender Sociologia no ensino médio

Património, Ruralidade e Turismo. Etnografias de Portugal Continental e dos Açores, de Luís Silva, por Xerardo Pereiro RECENSÃO

A COMUNIDADE CONECTADA E O PROCESSO DE PATRIMONIALIZAÇÃO: UMA ANÁLISE DAS MOBILIZAÇÕES EM TORNO DO CENTRO HISTÓRICO DE SANTO ÂNGELO - RS 1.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS DE ANÁPOLIS

HISTÓRIA. Fundamentos da História: tempo, memória e cultura Parte 2. Profª. Eulália Ferreira

Relatório Trimestral de Atividades

Américo Ribeiro, amado pela sua cidade, e José António Carvalho, contam-nos, através do uso da imagem fotográfica, o que mudou e se manteve nesta

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CENTRO DE CAPACITAÇÃO CURSO DE FORMAÇÃO DE TUTORES. Profª. Janaina Costa

TEORIA DA EMPRESA - EMPRESA, EMPRESÁRIO E SOCIEDADES

PROJETO JOÃO RURAL PROAC 41/2015. Roteiro Pedagógico do site

CURSO PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE E EDUCAÇÃO

TELENOVELA BRASILEIRA: MODOS DE VER. Prof. Dr. Antonio Hélio Junqueira (ESPM/ Anhembi Morumbi)

Patrimônio Cultural, Identidade e Turismo

sábado, 11 de maio de 13 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Meu Mundo Teu. Alexandre Sequeira 1. Meu Mundo Teu

Toré Atikum: Etnofotografia do Encantamento *

As equações governantes do problema poroelástico têm duas parcelas:

IMAGEM FOTOGRÁFICA E SUAS CARACTERÍSTICAS

HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO

ARTISTAS EM RESIDÊNCIA

PARTE I - IDENTIFICAÇÃO

Dicas de como posar para um Ensaio Fotográfico Individual

A RELIGIÃO NAS MÚLTIPLAS MODERNIDADES

EMENTAS DAS DISCIPLINAS CURSO DE GRADUAÇÃO DE ARTES VISUAIS

ILUMINAÇÃO, JOGO E TREINAMENTO - composições cênicas entre a teatralidade e a performatividade

ARTES DO CORRER EM PAISAGENS DA MATA: A CORRIDA DE TORA ENTRE POVOS INDÍGENAS DA TERRA INDÍGENA MÃE MARIA, PARÁ

FUNDO ESTADUAL DE CULTURA EDITAL DE CONVOCAÇÃO DAS CÂMARAS SETORIAIS PARITÁRIAS EDITAL CSP 01/ 2013

Transcrição:

Imaginações Imaginations Imaginación Samuel Leal Barquete 1 Imaginações nasce de algumas perguntas. A partir da relação entre imagem e história/tradição, pergunta-se o que se mostra e o que se dá a ver nas abundantes imagens que são produzidas todos os anos na Festa do Divino em São Luiz do Paraitinga/SP. Dessa dinâmica entre o que é mostrado por quem registra e como se dá a ver o que se mostra, resulta uma tensão que permeia a noção de patrimônio imaterial: a necessidade de ser eternamente igual a si mesmo é preservar-se? A transformação não é igualmente constitutiva de qualquer identidade tradicional? As imagens presentes nesse ensaio são atravessadas pela história em duas dimensões. Por um lado, a história linear, que remete à cronologia da constituição da cidade como polo de festas tradicionais, sua patrimonialização em 2009, a destruição parcial da cidade pela enchente de 2012 e sua posterior reconstrução por um projeto fortemente embasado na noção de patrimônio histórico. É um modo de produzir e ler as imagens da cidade e das suas tradições que parte da noção de semelhança, sua perpetuação como algo sempre igual a si mesmo, e que sempre flerta com um processo fetichização e estereotipização de memória. Fetichização que não necessariamente acontece de modo negativo, e muitas vezes é fundamental para a mobilização e obtenção de recursos em instâncias empresariais e governamentais. Por outro lado, há nas imagens vetores que remetem a uma noção circular da história, que se relaciona de perto com a performatividade cíclica inerente às manifestações culturais e religiosas atualizadas todos os anos na Festa do Divino. Dimensão onde as imagens existem em continuidade com o 1 Samuel Leal Barquete é licenciado em Ciências Sociais e bacharel em Antropologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (2009); Mestre em Sociologia com ênfase em Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (2012); atualmente é doutorando em Comunicação na Universidade Federal Fluminense (UFF). 138

mundo que lhes dá condição de existência. O gesto performático das apresentações se desdobra nas imagens. Mais que isso, o próprio aparato de captação e reprodução audiovisual faz corpo com a festa. Imagem - ato que cria mundos a serem habitados pelos seres que a povoam. Está em jogo a dupla dimensão do gesto fotográfico: registro e ato como dois lados da mesma moeda (re)conhecimento e (re)invenção do que (supõe-se) deveria ser sempre o mesmo. Constatação de que algo está sempre diferente e, no mesmo movimento, guarda uma identidade de si. As imagens colocam em evidência o processo vivo de performatização das tradições articuladas na Festa do Divino, e o gesto de filmar e fotografar é hoje constitutivo dela, possui uma dimensão significativa para a sua existência. Propõe-se olhar para a festa a partir da premissa de que a transformação é a essência da tradição. O registro audiovisual agora é parte dessa tradição, por meio da qual ela é inserida em um circuito de imagens mais amplo, onde ela irá adquirir legitimidade para sua simultânea identidade e transformação. O ensaio desloca as lentes e câmeras para dentro do quadro exatamente para incorporar essa outra dimensão constitutiva das performances, em que sua reprodução/circulação em forma de imagens ocupa um lugar central. Enfim, as seguintes imagens propõem fugir de um registro representativo das performances tradicionais, onde existiria uma essência a ser buscada, para as reencontrá-las em um registro estético, onde elas passam a ocupar um espaço a ser inventado por elas mesmas, onde a identidade cultural é apenas um dos aspectos a ser levados em consideração. As performances se dão a ver em imagens, pois, por meio dessas, as tradições se abrem em devires que as mantém vivas e potentes, imagens em ato que perpetuam a essência na transformação. 139

140

141

142

143