Indústria do Petróleo e Gás Natural: uma vocação desperdiçada

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Transcrição:

Indústria do Petróleo e Gás Natural: uma vocação desperdiçada Prof. André Tosi Furtado Departamento de Política Científica e Tecnológica Instituto de Geociências UNICAMP 4º Congresso do Centro Celso Furtado 2018 INDÚSTRIA E DESENVOLVIMENTO: A NOVA ONDA DA INDÚSTRIA 4.0 E O FUTURO DO BRASIL

Importância do Petróleo O petróleo se tornou o principal vetor energético desde que o país enveredou pela industrialização pesada durante a década de 1950 Essa opção está alicerçada na escolha do modal rodoviário como meio de transporte dominante O problema e desafio principal da economia brasileira consistiu em sua excessiva dependência de petróleo importado A crise energética de 1973 colocou contra a parede esse padrão, mas o país não abandonou sua opção pelo petróleo O que houve foi uma expansão expressiva da oferta interna de petróleo apoiada no desenvolvimento tecnológico e na inovação

Sucesso do Petróleo está associado ao Transporte Rodoviário Em função da expressiva expansão da oferta foi possível reduzir e zerar o déficit externo apesar da contínua expansão da demanda O que explica essa evolução do consumo? A enorme expansão do setor de transportes rodoviário no consumo final de energia do país 2000 25,0 % 2016 30,3 % Essa expansão do consumo somente se interrompe com a crise econômica a partir de 2014

Demanda O aumento da demanda do setor transporte automotivo foi atendido, em maior parte, pela expansão da oferta de etanol e de gás natural veicular até 2008 Porém de 2008 em diante a oferta de etanol e de GN se estabiliza, e parcela crescente desse incremento é atendida pela gasolina Mil Tep Consumo Final de Energia 2000 do Transporte 2008 Automotivo 2014 2016 Gasolina Automotiva 13.261 14.538 25.682 24.181 Gas Natural Vehicular 275 2.158 1.594 1.593 Álcool Anidro 3.046 3.533 5.882 5.928 Álcool Hidratado 2.774 7.480 7.126 7.953 Fonte: Balanço Energético Nacional, 2017

Domínio dos Derivados Associados ao Transporte Rodoviário

Como entender a crise da Petrobras A expansão do consumo interno de derivados de petróleo entre 2010 e 2014 não foi devidamente acompanhada pela expansão da oferta Porque a oferta estagnou nesse período? Após as descobertas do Pré-sal, a Petrobras se engajou em um plano muito ousado de investimentos: Os investimentos chegam a quintuplicar O Plano de investimentos previa não apenas a expansão da oferta de petróleo, mas também do refino (construção de 4 novas refinarias) Devido ao baixo investimento em manutenção dos campos em operação a produção de petróleo cai no início da década Para cobrir seus custos operacionais em expansão e volumosos investimentos a empresa recorre ao endividamento crescente O congelamento do preço da gasolina e do diesel, associada às importações de derivados e venda no mercado interno subsidiada agravam ainda mais a situação financeira da empresa Em 2015, ocorre uma acentuada queda do preço do petróleo no mercado internacional

Queda da Produção da Petrobras

A Contribuição Decisiva do Pré-sal Produção do Brasil de Petróleo (mil bbl) 2010 2014 2017 Δ 17/10 Pré-sal 16.317 179.820 469.913 + 453.596 Pós-sal 733.637 643.110 487.015-246.622 Brasil 749.954 822.930 956.928 + 206.974 Fonte: ANP O aumento da produção do Pré-sal foi decisivo para compensar a queda dos campos maduros Porém, a participação da Petrobras, embora dominante como operadora (93,7% e 95% do Petróleo e do GN), é bem mais modesta como concessionária (77,8% e 76,6% do Petróleo e GN), sobretudo nos novos campos

Descolamento do Investimento

Deterioração da Situação Financeira da Petrobras 2008 2012 2014 2015 2016 2017 Dívida Líquida 48,8 147,8 282,1 392,1 314,1 280,8 EBITDA 57,1 53,4 59,1 73,8 88,7 76,5 Dívida/EBITDA 0,85 2,76 4,76 5,30 3,54 3,66 A rápida deterioração do endividamento levou a empresa a rever seus planos de investimentos que foram cortados drasticamente

Refluxo dos investimentos da Petrobras Fonte: Petrobras

Novo Plano de Negócios da Petrobras Os cortes nos investimentos são radicais 206,8 bi US$ no Plano 2014-2018 130,3 bi US$ no Plano 2015-2019 74,5 bi US$ no Plano 2018-2022 81% em Exploração e Produção Abandono quase completo do refino que fica com 11,9% Extinção das demais áreas (renováveis Revisão das projeções de aumento da produção de petróleo: Antes era 4,2 Mbbl/dia em 2020 Agora 2,8 Mbbl/dia em 2020

Impactos no Sistema Setorial de Inovação e na Economia A indústria parapetroleira que fornece equipamentos, insumos e serviços foi profundamente afetada pelo refluxo de investimentos da Petrobras O sistema de C&T que recebeu substancial apoio dos recursos dos royalties foi também profundamente afetado por essa crise Os cortes dos investimentos da Petrobras tiveram um impacto macroeconômico muito negativo

Empregos na Construção Naval

Recursos de P&D da ANP Fonte: ANP, 2018

Recuo do Investimento Entre 2013 e 2016, o investimento cai: no setor de Petróleo e GN de 50,5% Na Indústria de 50,8% No Total de 39,5% A queda do investimento do setor Petróleo e Gás representou 62% da queda da Indústria e 45,4% do Total Fonte: BNDES, Perspectivas do Investimento 2017-2020

Repensando o futuro O patamar de investimentos na indústria do petróleo e gás natural deve ficar em um nível muito inferior ao pico anterior Haverá um maior número de empresas petrolíferas, além da Petrobras, atuando na prospecção, produção, refino e distribuição de petróleo e seus derivados. A indústria parapetroleira involuirá acompanhando os baixos investimentos e as crescentes importações Os recursos para C&T retomaram parcialmente por conta do aumento da produção e do preço do petróleo Em condições bem mais restritivas será necessário repensar a estratégia dessa indústria: Transição para as renováveis Alteração do sistema de transportes