O DISCURSO DE EMPODERAMENTO NOS COLETIVOS DE MULHERES NEGRAS NO FACEBOOK E EM SALVADOR/BA

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Transcrição:

O DISCURSO DE EMPODERAMENTO NOS COLETIVOS DE MULHERES NEGRAS NO FACEBOOK E EM SALVADOR/BA Dailza Araújo Lopes; Angela Figueiredo Pedagoga e Mestra em Estudos Étnicos e Africanos Universidade Federal da Bahia/UFBA/POS-AFRO/CEAO. Membro do grupo de pesquisa em Gênero, raça e subalternidade/coletivo Angela Davis/UFRB. Integrante da Marcha do Empoderamento Crespo de Salvador. E-mail: dailzaaraujo@gmail.com. Doutora em Sociologia Sociedade Brasileira de Instrução - SBI/IUPERJ e Pós-doutora pela Universidade de Berkeley, Califórnia. Professora adjunta no Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) e coordenadora do grupo de pesquisa Coletivo Angela Davis/UFRB. E-mail: angelaf39@gmail.com. Resumo: O presente estudo se configura num desdobramento da dissertação de mestrado, a qual trouxe abordagens sobre o ciberativismo como estratégia política de mulheres negras crespas e cacheadas no espaço do Facebook e em Salvador/BA. Percebe-se que o ciberativismo protagonizado por mulheres negras, tem se destacado no início do século XXI, através do uso da tecnologia para pautar a luta antirracista, por isso é narrado de forma diferenciada na maneira de questionar o discurso hegemônico não apenas no que diz respeito à questão estética, mas também, questões que envolvem práticas machistas e sexistas. O termo empoderamento aparece de forma significativa nos discursos realizados pelas mulheres que estão à frente dos Coletivos de crespas e cacheadas em Salvador/Ba, utilizado como uma nova forma de ver, vivenciar e analisar mais variadas experiências em relação ao cuidado com o cabelo natural. Palavras-chave: empoderamento; mulheres negras; ciberativismo; Facebook. INTRODUÇÃO O surgimento de novas formas de ativismo tem levado a muitas reflexões sobre processos de organização e mobilização. Uma das formas de ativismo bastante presente nos dias atuais, é o ativismo no ambiente virtual para fins sociais e políticos, que é caracterizado como ciberativismo e, conceituado de acordo com o pensamento de Lemos (2004, p.21), referindo-se a práticas sociais associativas de utilização da internet por movimentos politicamente motivados com o intuito de alcançar suas novas e tradicionais metas. Assim, abordamos neste estudo as discussões promovidas pelas mulheres negras que estão à frente dos grupos de crespas e cacheadas em Salvador/BA, as quais estamos nomeando de ciberativistas, devido ao seu papel articulador e político no ciberespaço do Facebook. Santos (2011) traz que a prática do ciberativismo se amplia no Brasil a partir dos anos de 1990, com a ampliação do acesso à

internet, bem como, a partir da atuação de ativistas políticos, sociais e ambientalistas na rede virtual, fato este que possibilita compreender, que a discussão sobre o cabelo crespo como fator que desencadeia outras discussões no espaço virtual emerge a partir da percepção de opressão e do uso da rede virtual para combate-la. Nesse sentido, é importante compreendermos conforme Maia (2015) a influência causada pelo movimento político Black Power nos Estados Unidos nos anos 1960 e seus desdobramentos no Brasil na década de 1970 e 1980, encabeçado pelo Movimento Negro MN, da época o qual promoveu um resgate da estética negra através e, principalmente, do cabelo crespo, configurando-se como uma forma de buscar a valorização e afirmação da identidade negra e o combate a hegemonia eurocêntrica. O protagonismo de mulheres negras reunidas em coletivos no espaço do Facebook e na cidade de Salvador, tem se destacado dentro das pesquisas dos mais diversos vieses científicos e políticos. Quando utilizam o termo empoderamento em suas falas, essas mulheres estão pautando o uso do cabelo crespo como mecanismo de luta contra o racismo e o machismo, baseando-se na compreensão destes como formas estruturais de dominação, levando a ressignificação desse termo, a partir da perspectiva feminista negra. Logo, empoderar-se nesse contexto, está relacionado a desprender-se de todo processo de subalternidade, marginalização e dominação. Sendo assim, o presente artigo enquanto resultado de uma pesquisa já finalizada, demostra relevância na medida em que fornece reflexões teóricas e empíricas que dão conta de apresentar as formas o termo empoderamento no discurso das mulheres negras auto organizadas coletivos no espaço do Facebook e em Salvador. Para tanto, procede-se a metodologia de Análise de Discurso AD, nos seguintes grupos do Facebook: Coletivo Vício Cacheado, Coletivo de Cacheadas e Crespas de Salvador e Coletivo da Marcha do Empoderamento Crespo - MEC, acrescendose a observação participante nos eventos realizados por esses coletivos na cidade de Salvador/BA. 2. COLETIVOS DE MULHERES NEGRAS NO FACEBOOK E EM SALVADOR/BA 2.1 Coletivo Vício Cacheado Nesta subseção, apresentaremos o Coletivo Vício Cacheado, o qual possui uma fanpage e um grupo fechado no ciberespaço do Facebook, buscamos analisar as publicações em ambos os espaços virtuais através da Análise do Discurso - AD, e

abordamos também as ações desenvolvidas nos encontros fora do meio virtual, através da realização de observação participante nos eventos promovidos pelo Coletivo na edição de julho 2015 e junho de 2016. De acordo com informações coletadas no próprio grupo do Facebook, este Coletivo foi criado há quatro anos por Ane Dias, com o intuito de trazer para a cidade de Salvador, experiências semelhantes aos encontros de cabelos crespos no sudeste do país. Este é um grupo virtual fechado que possui, atualmente, um total de 30.543 1 membros onde todas as integrantes são mulheres. Doze destas são administradoras e, também, são chamadas de moderadoras. Elas atuam no controle de publicações, pois há regras para a participação neste grupo. Grupo criado para as baianas crespas e cacheadas trocarem informações e experiências sobre cabelos afro, crespos e cacheados. Não importa se são naturais, em transição ou quimicamente tratados aqui todos são bem vindos!!! São bem vindas cacheadas de outros lugares, embora a maioria seja da Bahia as informações são as mesmas. ** NÃO ADICIONAMOS HOMENS **. (Texto fornecido pelas moderadoras do Coletivo Vício Cacheado) De acordo com as informações obtidas a partir dos O Coletivo Vício Cacheado é um grupo feminino, no qual, as postagens que tem maior incidência são aquelas destinadas aos cuidados com os cabelos, através do compartilhamento de receitas e experiências outras com o cabelo em raiz natural. Os encontros presenciais deste Coletivo, trazem questões políticas bastante específicas, como por exemplo, a relação do processo de retorno à raiz capilar está associada à questão identitária, sobre o processo de empoderamento, associando-o uma ação de poder em relação a si mesmo, dar voz a si mesmo, ser o que quiser ser, o nos leva a perceber que dentro desse coletivo, o cuidado de si, o conhecimento de si, são situações em que o empoderamento se constrói ou se reafirma. 2.2 Coletivo de Cacheadas e Crespas de Salvador O Coletivo de Cacheadas e Crespas de Salvador no espaço do Facebook, as atividades realizadas dentro e fora dos espaços virtuais. Este grupo foi criado no ano de 2014, por Sâmara Azevedo, atualmente possui 88.139 2 mil membros, com sete administradoras consideradas as moderadoras, sendo um homem e seis mulheres. A descrição do grupo traz a seguinte frase: Vamos celebrar a beleza dos cachos e dos crespos, trocar ideias sobre os melhores tratamentos, vamos nos assumir com a beleza 1 Número de participantes contabilizados no período de realização da pesquisa. 2 Número de participantes contabilizados no período de realização da pesquisa.

existente em cada uma de nós!. De acordo com as pesquisas realizadas, não encontramos nenhum indício de regras para participação, apesar de ser um grupo fechado, há apenas regras e orientações para publicação. Semelhante ao Coletivo apresentado anteriormente, o Coletivo de Cacheadas e Crespas de Salvador, a quantidade mais elevada das postagens, são de cuidados com os cabelos e partilha de experiências correlacionadas, possui postagens de cunho político fomentando discussões em torno de questões relacionadas às identidades, ao empoderamento, ao colorismo, dentre outros. Os encontros presenciais promovidos por este Coletivo são sempre muito calorosos e com participações de pessoas externas à moderação. As temáticas abordadas possuem um fio condutor para proporcionar às pessoas que estão como telespectadoras o conhecimento a partir da desconstrução de ideários culturais em torno do racismo, do machismo, do assédio, da violência contra a mulher. Infere-se também que sendo as mulheres negras a maioria do público que participa do grupo virtual e dos encontros presenciais, o acesso a esse conhecimento, proporciona tomadas de decisão, fortalecimento da autoestima e da positivação da autoimagem dessas mulheres, que à luz da nossa compreensão, são processos que possibilitam práticas de empoderamento. 2.3 Coletivo da Marcha do Empoderamento Crespo - MEC O Coletivo da Marcha do Empoderamento Crespo foi fundado em meados do mês de agosto do ano de 2015, onde também surge a primeira Marcha do Empoderamento Crespo realizada na cidade de Salvador. Possuem na rede virtual um grupo e uma fanpage no espaço do Facebook, ambos meios se configuram em locais de análise de discurso, para coleta de dados nesta pesquisa. Durante nossas pesquisas encontramos duas produções científicas sobre a Marcha do Empoderamento Crespo, escritas por duas das integrantes da Comissão da MEC e, que vão nos ajudar a abordar melhor este coletivo, permitindo também uma reflexão importante sobre a produção acadêmica de mulheres negras e a ligação os movimentos ativistas. De acordo com informações contidas no espaço da fanpage da MEC, podemos perceber que a iniciativa de criação desse Coletivo, surge inspirada na 1º Marcha do Orgulho Crespo realizada na cidade de São Paulo, também em celebração pelo dia da Mulher Latino-americana e Caribenha, o que nos permite refletir que os movimentos coletivos estão em constante diálogo e, assumem dinâmicas específicas a partir das necessidades de cada realidade.

A comissão da Marcha do Empoderamento Crespo é formada por oito mulheres. Em Gomes e Guedes (2016), temos mais informações sobre a constituição da Marcha e o perfil das integrantes: Entre junho e julho de 2015, constituiu-se a comissão organizadora da 1º Marcha do Empoderamento Crespo de Salvador: Andrea Souza Historiadora, Chermie Ferreira Artista, Hilmara Bittencourt Estudante de Letras, Ivy Guedes Doutora em Educação, Jack Nascimento Produtor Cultural e Fotógrafo, João Vieira Designer e Fotógrafo, Lorena Lacerda Museóloga, Milla Carol Estudante de Administração e Designer, Naira Gomes Antropóloga, Nadja Santos- Administradora e Empreendedora Negra, Samira Santos Estudante do BI de Humanidades e Vanessa Ribeiro Blogueira. (GOMES; GUEDES, 2016, p. 98) Atualmente, participam do grupo fechado uma média de 13.575 membros 3 com onze administradores/as que assim como os outros grupos citados anteriormente, são considerados como moderadores/as e têm a função de acompanhar o teor das publicações do grupo, embora seja um grupo fechado, o grupo da Marcha do Empoderamento Crespo, não possui regras ou exigências para participação, as orientações são apenas para as publicações. As postagens dentro do grupo virtual da Marcha do Empoderamento Crespo são políticas, sociais e de enfretamento, dialogando assim, com dimensão ativista de realização e proposta de criação da MEC. Dentro do teor das publicações do grupo e da fanpage do Coletivo da Marcha do Empoderamento Crespo há uma grande variedade de temáticas, dentre elas estão: sobre música (com prevalência de Hip hop), vendas de produtos para os cabelos crespos e cacheados, publicações casos de racismo estético e estrutural, divulgação de eventos culturais, acadêmicos e musicais, divulgação de páginas de membros/as dos grupos e/ou indicações, links de cursos on-line sobre feminismo negro, downloads de vários arquivos referentes à cultura afro-brasileira e africana, link para textos de feministas negras, link para a exibição de filmes, vídeos e reportagens sobre representatividade. A MEC em especial, carrega o termo empoderamento no nome, e através de ações processuais e constantes, refaz o discurso sobre o cabelo crespo, pela proposta do empoderamento crespo, pois quando o termo empoderamento ganha o adjetivo crespo, permite que possamos analisar sobre a forma como se tem pensando o cabelo nas narrativas tanto dentro, quanto fora dos espaços virtuais, este sendo usado como extensão de intervenção estético política. 3 Número de participantes contabilizados no período de realização da pesquisa.

3. EMPODERAMENTO NA REDE E NA RUA: discursos e perspectivas É importante destacar que o termo empoderamento aparece de forma significativa nos discursos realizados pelas integrantes dos Coletivos de mulheres negras nos grupos do Facebook e nos encontros realizados, tornando-se assim um conceito chave muito utilizado por essas mulheres, com o intuito de compartilhar as mais variadas experiências em relação ao cuidado com o cabelo natural, atuando na desconstrução de paradigmas e em denúncias de casos de racismo e incentivo e apoio no período da transição capilar 4. Quando se utilizam do termo empoderamento enquanto ferramenta de luta contra o racismo e o machismo, baseado na compreensão destes como formas estruturais de dominação, acaba ocorrendo a ressignificação do termo. Para Bispo (2011) O empoderamento, na perspectiva ativa do feminismo negro, e não diz respeito apenas às mulheres, mas à comunidade negra como um todo, pois, o racismo, de forma diferenciada, afeta a todas e todos. Dessa forma, não há como lutarmos pela autonomia das mulheres negras, sem que sejam incluídas as variáveis que marginalizam, também, os homens que são vitimados pelo racismo. 4 De acordo com Guedes e Silva (2014, p. 228) transição capilar é quando você está esperando a parte natural do cabelo crescer. Quando vocês estão com duas texturas: Uma alisada e uma natural. Você está transitando da química para o natural. Nesse contexto, as interrelações entre estruturas de dominação e seus efeitos na vida cotidiana dos indivíduos são intersecções que precisam estar no panorama das discussões sobre política racial negra e de gênero, de modo que, se possa combatê-las a partir de seus aspectos subalternizadores. (BISPO, 2011, p. 120) O discurso de empoderamento abrange o desenvolvimento de uma autonomia em relação a uma situação de subalternidade ou dominação, logo, a interseccionalidade é uma ferramenta chave dentro dessa temática. Desta forma, a partir da nossa perspectiva, não há como dissociar este movimento de mulheres negras em rede, da proposta do Feminismo negro e interseccional, pois mulheres negras passam a atuar como protagonistas nestes espaços, ganhando visibilidade e alcançando outros espaços de poder, conquistando os lugares de destaque, na busca por igualdade de direitos e oportunidades. Malta e Oliveira (2016, p. 57) afirmam que durante séculos, foi negado às mulheres negras a oportunidade de contar as suas próprias experiências e de ecoar as vozes que as representam. Reis (2016) quando se propõe a discutir sobre a forma como mulheres negras, traduzem códigos de afirmação através dos cabelos, aponta que: Os códigos de afirmação identitária que nós mulheres negras carregamos hoje e

podem ser vistos nos novos pátios das universidades refletem o que o movimento negro brasileiro, lutou para enegrecer. A estética que ostentamos nas ruas de Salvador, Rio de Janeiro, São Luís, Recife, e em tantos outros lugares desse Brasil, onde somos maioria no conjunto eles foram traçados e trançados pela sabedoria de mulheres negras, que secularmente, em silêncio e aos brados, garantiram chegarmos ao século XXI fazendo o Brasil uma nação plural [...] E sobre estas diferentes formas, que vamos resistindo, com passos que veem de longe. (REIS, 2016, p. 53) Nas palavras de Vilma Reis, encontramos a importância desse movimento estético de empoderamento crespo estar sendo protagonizado por mulheres negras, ativistas, universitárias, não universitárias, lésbicas, heterossexuais, que estão ganhando espaço para denunciar casos de racismo, sexismo, LGBTfobia, ou situações de vulnerabilidade. Coutinho (2011, p. 1), aponta que no Brasil, temos assistido, ao longo dos anos, o crescimento de uma estética negra com a valorização positiva de aspectos fenótipos naturais. Podemos verificar uma maior aceitação ou menor rejeição pela sociedade em geral de um modelo de pentear/adornar os cabelos que diferem do baseado no padrão europeu. Assim, na imagem 5 que segue, pode-se observar essa realidade, a partir de um relato postado no Coletivo Vício Cacheado: 5 Todas as imagens do presente artigo fazem parte da pesquisa de mestrado das autoras, realizada no ano de 2017. Assim, compreende-se que o próprio processo de retorno ao cabelo natural, já se configura num processo político, quando mulheres negras experimentam redescobrir a textura do seu cabelo, ou se defrontam com situações de conflito em relação a sua identidade étnica, por isso concordamos quando Mattos e Silva afirmam (2014, p. 219) que trata-se do resgate, reconhecimento e pertencimento dos cabelos crespos e cacheados como identidade política e racial, caracterizando este movimento como estético afrodiaspórico. A observação de publicações de leituras no Coletivo de Cacheadas e Crespas de Salvador permite perceber que há uma preocupação que os (as) participantes tenham acesso a outras informações que possam além de questão do cuidado com o cabelo, proporcionando ao acesso leituras de artigos

online e de fácil acesso, conforme mostra na imagem a seguir: para promover debates e reflexões a respeito das temáticas como as várias formas de violências, machismo, racismo, seximo, questões estéticas, educação antirracista, e até mesmo as próprias experiências dentro dos grupos de crespas e cacheadas de Salvador, em alguns dos escritos, a validação é feita pelas pessoas que participam dos grupos, que compartilham e comentam sobre as publicações, conforme é apresentado na imagem a seguir: Desta forma, os texto e links publicados, dão conta de trazer informações sobre reformas educacionais, o termo colorismo, empoderamento, desconstrução dos padrões estéticos. Compreende-se que o acesso ao conhecimento também passa pelo processo de empoderar-se. A perspectiva do empderamento, alcança também o processo de produção e publicação por parte de mulheres negras, o qual tem se intensificado com ações de ciberativismo, mediadas pela internet e pelas redes sociais, como espaço de compartilhamento desses escritos. Que com o acesso de mulheres negras na universidade, vão se tornando categorias que o meio acadêmico, muitas vezes desconhece, como a questão das discussões sobre geração tombamento. Os textos são produzidos de forma estratégica As produções referem-se a artigos para revistas eletrônicas, revistas impressas, blogs e, páginas de discussão no ambiente virtual, que permitem o acesso ao conhecimento dentro dos grupos virtuais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Mulheres negras auto organizadas em Coletivos, tem ido além das organizações

mais tradicionais de organização e mobilização política, usando a internet para contarem suas histórias, fazer denúncias, divulgar trabalhos de mulheres negras acadêmicas e ativistas e, divulgar cuidados e suas experiências com o cabelo crespo. Assim, não há como dissociar este movimento de mulheres negras crespas e cacheadas, do Feminismo negro, mesmo sabendo que nem todas as mulheres vivenciam as mesmas formas de opressão, a maioria das mulheres negras experimentar os marcadores de raça, gênero e classe em suas trajetórias e, a forma como estes produzem as desigualdades e nos excluem dos espaços de poder. Sendo assim, o termo empoderamento é ressignificado por estes Coletivos, e utilizado como uma nova forma de ver, vivenciar e analisar mais variadas experiências em relação ao cuidado com o cabelo crespo/natural, suscitando outras formas de apropriação como o acesso ao conhecimento e práticas de cuidado de si. REFERÊNCIAS BISPO, S. S. 2011. 198.f. Feminismos em debate: reflexões sobre a organização do movimento de mulheres negras em Salvador (1978 1997). Dissertação (mestrado). Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, Salvador. 2011. CARNEIRO, Sueli. Raça e etnia no contexto de Beijing. In: WERNECK, Jurema. MENDONÇA, Maísa. WHITE, Evelyn C. (org). O livro da Saúde das Mulheres Negras: nossos passos vêm de longe. Ed. Rio de Janeiro: Pallas/Criola, 2000. COUTINHO, C. L. R. A Estética dos Cabelos Crespos em Salvador. 2010. 109 f. Dissertação (Mestrado). Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas - Campus V, Programa de Pós- Graduação em História Regional. Santo Antônio de Jesus, 2010 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no college de France, pronunciada em 02 de dezembro de 1970. São Paulo: Loyola, 1996. GOMES, Naira dos Santos. MATTOS, Ivanilde [Ivy] Guedes de. 2016. Marcha do Empoderamento Crespo um debate necessário. Revista Extensão. Vol. X. n.1. 2016. p. 95-102. Disponível em: <https://www.revistas.uneb.br/index.php/pont osdeint/article/view/2164/1497>. Acesso em: 27 de fev. de 2017. LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. 2 ed. Porto Alegre: Sulina, 2004. LISBOA, Teresa Kleba. 2008. O Empoderamento como estratégia de inclusão das mulheres nas políticas sociais. Disponível em:<http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ ST11/Teresa_Kleba_Lisboa_11.pdf>. Acesso em 08 de ago. de 2016. MAIA, Luciana. Força Negra: a luta pela auto-estima de um povo. Rio de Janeiro: Ed. Autografia. 2015. MATTOS, Ivanilde Guedes de; SILVA, Aline. 2014. Vício cacheado: estéticas afro

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