DESPACHO SEJUR N 337/2016 (Aprovado em Reunião de Diretoria em 06/07/2016) Expediente nº 6352/2016 Assunto: PEP. SIGILO. ACESSO A JURISPRUDÊNICA. FORNECIMENTO. DE INFORMAÇÕES. LEI DE ACESSO A INFORMAÇÃO. DEFERIMENTO PARCIAL. I - DOS FATOS O SEJUR recebeu o expediente acima citado no dia 20/06/2016, proveniente da PRESI/CFM questionando sobre a possibilidade ou não de se fornecer a jurisprudência do CFM para fins de pesquisa e delineamento quanto às deficiências de formação do médico anestesiologista, conforme se infere da leitura do requerimento em análise. É o relatório. II - DO DIREITO Antes de quaisquer considerações, é necessário frisar e destacar que os Conselhos de Medicina são Autarquias Federais, ou seja, tem por obrigação observar os princípios previstos no art. 37 da Carta Magna 1, bem como os previstos da Lei n.º 9784/1999 2, em especial o da publicidade. Com efeito, é sabido de todos que o art. 37 da Constituição Federal que impõe à Administração Pública a obediência ao princípio da publicidade, dentre outros. Ora, o princípio acima citado diz respeito à obrigação de dar publicidade aos atos da Administração, ou seja, levar ao conhecimento de todos os seus atos, contratos ou instrumentos jurídicos como um todo. 1 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência 2 Art. 2 o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (...) V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
Isso dá transparência e confere a possibilidade de qualquer pessoa questionar e controlar toda a atividade administrativa que deve representar o interesse público, por isso não se justifica, de regra, o sigilo. Como todo princípio, o da publicidade também não é absoluto. Em determinados casos pode ser relativizado, em especial quando se refere à ao sigilo profissional, a intimidade, privacidade, o interesse público ou segurança pública o justificarem. A própria CF/88 prevê algumas exceções, verbis Art. 5º - (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...) XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; (...) XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (...) LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem; Nessa linha, vale destacar que o próprio STJ admite a mitigação do Princípio da Publicidade quanto houver eventuais riscos à exposição da intimidade e da privacidade, verbis ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO CIVIL. DECRETAÇÃO DE SIGILO DA INFORMAÇÕES. DIREITO À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE DOS INVESTIGADOS. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO DE ACESSO AO INQUÉRITO CIVIL. (...) 2. O inquérito civil, procedimento administrativo, de natureza inquisitiva e informativa, destinado à formação da convicção do Ministério Público a respeito de fatos determinados, deve obediência ao princípio constitucional da publicidade. 3. Porém, o princípio da publicidade dos atos administrativos não é absoluto, podendo ser mitigado quando haja fatos ou atos protegidos pelos direitos relacionados à intimidade e a privacidade do investigado, a exemplo do comando inserto no 2º do art. 8º da Lei n. 7.347/85. 4. No caso dos autos, o acesso ao inquérito civil foi obstado por conta do conteúdo dos dados coletados pelo parquet, que são protegidos pelo direito constitucional à intimidade e à privacidade, a exemplo dos dados bancários dos investigados, conseguidos, judicialmente, por meio da quebra
de sigilo. (...) 6. As informações do inquérito civil não podem ficar à mercê daqueles que não demonstram interesse direto nos fatos apurados, ainda mais quando tais informações estão protegidas por sigilo legal. 7. Recurso ordinário não provido. (STJ - RMS: 28989 RS 2009/0042062-4, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 23/03/2010, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2010) Todavia, ensina o prof. Celso A. B. de Mello 3 que não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida. Ou seja, o acesso às informações pleiteadas (jurisprudência) não se mostra juridicamente impossível, visto que a jurisprudência do Conselho Federal de Medicina pode ser facilmente acessada pelo sítio www.portalmedico.org.br no link: http://www.portalmedico.org.br/include/jurisprudencia_pesquisa2.asp. Com efeito, no sítio do CFM é possível consultar a JURISPRUDÊNCIA pretendida, salvo quanto às informações amparadas e protegidas pelo sigilo e pela privacidade/intimidade. Com efeito, salvo melhor juízo, entendemos que no presente questionamento o fornecimento da jurisprudência da forma como informada no expediente, pode ofender a legislação vigente, visto que caberá ao órgão avaliar se as informações encontram-se ou não protegidas pelo sigilo, nos termos do artigo 6º, 7º e 10º e seguintes da Lei n.º 12527/2011, verbis Art. 6 o Cabe aos órgãos e entidades do poder público, observadas as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar a: I - gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação; II - proteção da informação, garantindo-se sua disponibilidade, autenticidade e integridade; e III - proteção da informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual restrição de acesso. Art. 7 o O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter: I - orientação sobre os procedimentos para a consecução de acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encontrada ou obtida a informação almejada; II - informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos; (...) 3 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 28ª edição; revista e atualizada até a EC nº 67/10; Ed. Malheiros, 2010, 114
Art. 10. Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1 o desta Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida. 2 o Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo. Não é demasiado frisar que a Lei em tela reconhece e assegura a proteção das informações sigilosas, conforme se evidencia da leitura atenda dos artigos 22 da referida Lei, verbis Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público. Vale também advertir que, salvo melhor juízo, as algumas das informações pleiteadas devem ser consideradas sigilosas, visto que integram o rol do artigo 23 da Lei supra citada e está relacionada às atividades de inteligência, fiscalização e repressão, verbis Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam: (...) VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações. Notifique-se, ainda, que caberá ao Conselho Federal de Medicina controlar, gerir e CLASSIFICAR as informações sigilosas, conforme se evidencia da leitura atenta do artigo 25 abaixo transcrito, verbis Art. 25. É dever do Estado controlar o acesso e a divulgação de informações sigilosas produzidas por seus órgãos e entidades, assegurando a sua proteção. 1 o O acesso, a divulgação e o tratamento de informação classificada como sigilosa ficarão restritos a pessoas que tenham necessidade de conhecê-la e que sejam devidamente credenciadas na forma do regulamento, sem prejuízo das atribuições dos agentes públicos autorizados por lei. 2 o O acesso à informação classificada como sigilosa cria a obrigação para aquele que a obteve de resguardar o sigilo.
É de bom alvitre consignar que a referida Lei determina que se respeite de forma veemente a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando inclusive eventual responsabilização em caso de uso indevido, verbis Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais. 1 o As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem: I - terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e II - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem. 2 o Aquele que obtiver acesso às informações de que trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido. Note-se, também, que os processos éticos disciplinares que tramitam nos Conselhos de Medicina são documentos sigilosos por dois motivos. Um porque tratam da privacidade/intimidade de pacientes envolvidos. Dois porque resguardam a presunção de inocência dos médicos investigados e também estão amparados pelo sigilo profissional. Nesse sentido, vale trazer à baila o disposto no artigo 1º do atual CPEP, nos termos do art. 43 do Decreto n.º 44045/1958, verbis Decreto n.º 44045/58 Art. 43. Os casos omissos do presente regulamento serão resolvidos pelo Conselho Federal de Medicina. Res. CFM n.º 2023/2013. Art. 1º As sindicâncias e os processos ético-profissionais nos Conselhos de Medicina serão regidos por este Código e tramitarão em sigilo processual. Não é demasiado destacar que a Constituição da República também tutela da vida íntima e a honra das pessoas condenadas quanto assinala que nos incisos X e XLV do artigo 5º que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas e nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
Registre-se, que em caso similar o COJUR/CFM, por intermédio do Despacho COJUR n.º 266/2016, assinalou a possibilidade de se criar uma lista de médicos cassados, sob os seguintes fundamentos, verbis...com o requerimento formulado por esta emissora de TV, o CFM terá oportunidade de dar efetividade ao desejo do legislador constituinte, regulamentado pelo legislador ordinário no sentido de fornecer as informações solicitadas uma vez que na compreensão jurídica deste parecerista não se trata de informação sigilosa. Advirta-se, porém, para que não reste qualquer dúvida, que as Sindicância e os Processos Éticos têm tramitação sigilosa no âmbito dos Conselhos de Medicina, porque invariavelmente trazem em seu bojo dados pessoais dos pacientes ligados à sua mais profunda intimidade. Por outro lado, justifica-se o sigilo para não expor de forma temerária o médico investigado e sua carreira profissional, que poderá ser absolvido ao final das apurações. O certo é que após o desenvolvimento do devido processo legal administrativo, se houver condenação ética do médico investigado nas penas previstas no art. 22 da lei nº 3.268/57 na letra c (censura pública em publicação oficial), na letra d (suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias, e na letra e (cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal); estas punições podem ser divulgadas a quem tiver interesse em ter conhecimento das mesmas. Ressaltamos, que as penas previstas na letra a (advertência confidencial em aviso reservado) e na letra b (censura confidencial em aviso reservado), por disposição da própria lei acima referida não poderão ser divulgadas. Esclarecemos, por fim, que na hipótese de o médico condenado administrativamente por falta ética ir à Justiça e conseguir uma tutela jurisdicional, antecipada ou de mérito, suspendendo a aplicação (execução) da sua pena, nestas hipóteses a informação deverá registrar esse fato para que o interessado faça uso da mesma segundo os seus interesses e possa responder por suas consequências... II DA CONCLUSÃO Portanto, salvo melhor juízo, é juridicamente possível o fornecimento da jurisprudência solicitada, desde que preservados dados protegidos pelo sigilo e os relacionados à preservação da intimidade, conforme pontos acima citados. Ou seja, não obstante a possibilidade de consulta das informações de jurisprudência estar acessível na internet, acreditamos que o CFM poderá (quanto ao aspecto jurídico) disponibilizar as informações em tela, desde que atendidos os pontos acima declinados, notadamente quanto à obrigatoriedade de manutenção do sigilo profissional, bem como quanto à preservação da intimidade e privacidade dos envolvidos (paciente e médico).
No entanto, por se tratar de tema relacionado diretamente ao exato cumprimento da LAI (Lei de Acesso a Informação), às funções institucionais do CFM e ao exercício da medicina, em especial a questão do sigilo profissional, ou seja, tem-se que o questionamento envolve matéria de caráter ético e técnico da medicina, o que ingressa em uma análise de mérito estritamente administrativa, extravasando a competência deste Setor Jurídico, razão pela opinamos pelo encaminhamento do expediente à Diretoria para avaliação. É o que nos parece, s.m.j. Brasília-DF, 22 de junho de 2016. Francisco Antônio Camargo Rodrigues de Souza Advogado do CFM De acordo: José Alejandro Bullón Chefe do COJUR