CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E SILENCIAMENTOS NO PROGRAMA DE INCLUSÃO SOCIAL DO COMITÊ PARA DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMÁTICA (CDI)



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Transcrição:

CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E SILENCIAMENTOS NO PROGRAMA DE INCLUSÃO SOCIAL DO COMITÊ PARA DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMÁTICA (CDI) Ana Paula Santos De Oliveira 1 A principal referência desta pesquisa são os conceitos da Análise do Discurso de linha francesa. Para Pêcheux (1988, p.60), seu fundador, o sentido não existe em si mesmo, em sua relação transparente com a literalidade do significante, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas. Neste sentido, a linguagem é opaca, nela ocorrendo lacunas, falhas, apagamentos do que não pode e ou não deve ser dito. De acordo com a AD vinculada à corrente pechetiana, o significado/sentido contido na linguagem vai além dos conceitos contidos em cada palavra. Segundo essa perspectiva, a linguagem é, sobretudo, envolvida ideologicamente por um determinado tipo de discurso. Não há, pois discurso neutro ou inocente, uma vez que ao produzi-lo, o sujeito o faz a partir de um lugar social, de uma perspectiva ideológica e, assim, veicula valores, crenças, visões de mundo, que representam os lugares sociais que ocupam. (CAVALCANTE et alii, 2009, p.20) As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais (1981, p.124), afirma Bakhtin, que classifica o signo linguístico como um território concreto, sociológico e significante, arena onde se confrontam índices de valor contraditório (1981, p.58). Bakhtin situa o signo linguístico completamente em território social. Para ele, o percurso que acontece entre a atividade mental e a enunciação é de natureza social, não individual (1990:33). A realidade do signo interior é a do signo, afirma. Não é do interior, do mais profundo da personalidade que se tira a confiança individualista em si, a consciência do próprio valor, mas do exterior; trata-se da explicitação ideológica do meu status social, da defesa pela lei e por toda a estrutura da sociedade de um bastião objetivo, a minha posição econômica individual (1990:117). É a ideologia, destaca Pêcheux (1988, p.159-160), que através do hábito e do uso, designa o que é e o que deve ser: É a ideologia que fornece as evidências pelas quais todo mundo sabe o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve, etc., as evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado queiram dizer o que realmente dizem, e que mascaram, assim, sob a transparência da linguagem, aquilo que chamaremos o caráter material do sentido das palavras e dos enunciados (1988, p.160). 1 UFAL/FAPEAL

Partindo da concepção marxista de que todo discurso é produto da relação social, refletindo uma visão de mundo determinada, e de que na sociedade atual a educação é direcionada para a manutenção da hierarquia social e de que, por outro lado, o ensino pode ser um instrumento para a transformação dessa mesma sociedade, a presente pesquisa objetiva analisar, através de cinco recortes, quais efeitos de sentidos produz a proposta pedagógica do programa de inclusão digital do CDI, ONG que se volta, em princípio, para o despertar da consciência crítica de comunidades marginalizadas. À primeira vista, o Comitê para Democratização da Informática (CDI), é uma instituição sem fins lucrativos que coordena um programa de inclusão digital voltado para o despertar da consciência crítica de comunidades de baixa renda. Fundado por Rodrigo Baggio em 1995, na cidade do Rio de Janeiro, o CDI é uma rede composta de 821 centros informais de educação, denominados CDIs Comunidades, presentes em comunidades de baixa renda, penitenciárias, instituições psiquiátricas e de atendimento a portadores de deficiência, aldeias indígenas e ribeirinhas, centro de ressocialização de jovens privados de liberdade, hospitais e empresas, entre outros locais. Atuando em 16 estados brasileiros, além de países como Chile, Argentina, México, Colômbia, Equador, Peru, Uruguai, Venezuela, Inglaterra e Jordânia, a ONG, cuja proposta pedagógica parte da premissa de que a verdadeira educação é aquela voltada para a conscientização e a transformação da sociedade 2, cita como principal referência o método de ensino do educador Paulo Freire: Os conceitos definidos pelo educador Paulo Freire serviram de referencial para a formulação da proposta do CDI, pois, assim como Freire, a organização acredita que a verdadeira educação dever ser voltada para a conscientização e a transformação da sociedade, visando á construção de um mundo mais fraterno e justo (Perfil Institucional, 2007, p.7) De acordo com tal proposta, concomitante ao manuseio da maquina computacional, os aprendizes da instituição são estimulados a refletir e a discutir formas de como usá-la para planejar e construir uma nova realidade. Assim, estabelece-se a impressão de que a instituição é de caráter essencialmente social. Mas, quando o contato com o CDI é aprofundado, percebe-se que, se por um lado a tecnologia é usada como instrumento de mudança social, por outro lado, ao incentivar seus alunos a aplicar os instrumentos empresariais durante a busca de soluções para os problemas sociais, seu discurso se aproxima da formação ideológica do capitalismo. A tensão entre diferentes formações discursivas permeia todo o discurso do CDI. É o que se percebe nas seguintes sequências discursivas: 2 Proposta Político-Pedagógica. In: Perfil institucional Comitê para Democratização da Informática. Rio de Janeiro: CDI, 2007. p.09.

SD1 - A missão do CDI é a de investir na capacidade das comunidades, principalmente de seus jovens, para que possam exercer ativamente sua cidadania no cotidiano, diminuindo os níveis de exclusão a que estão submetidos. SD2 - O CDI adota um modelo de gestão e uma proposta político-pedagógica flexíveis, capazes de se adequarem a diferentes realidades socioculturais e aos mais diversos ambientes corporativos, e oferece um projeto de responsabilidade social que confere visibilidade ao investimento. SD3 - Somos uma organização não-governamental que utiliza a tecnologia como ferramenta para combater a pobreza e a desigualdade, estimular o empreendedorismo e a criar novas gerações de empreendedores sociais. SD4 - Visão Formar agentes de transformação CDI para empoderar comunidades para desenvolvimento social e econômico. SD5 - Missão Mobilizar pessoas e transformar comunidades através da tecnologia de informação e comunicação para maior cidadania e qualidade de vida. Nos cinco recortes, é possível notar forte influência do sistema capitalista sobre a proposta pedagógica da ONG através dos elementos investir na capacidade, modelo de gestão, ambientes corporativos, visibilidade ao investimento, ferramenta, empreendedorismo e desenvolvimento econômico, os quais, anteriormente restritos ao ambiente empresarial, foram incorporados, a partir da globalização do capitalismo, ao contexto educacional. Para Cavalcante (2007, p.56), nenhum processo de obtenção de hegemonia política pode dispensar uma transformação radical dos significados, dos conceitos, dos discursos através dos quais a realidade adquire sentido e pode ser nomeada. Dessa forma, se durante a revolução industrial, em meados do século XVIII, as instituições escolares começavam a cooperar com a construção de um ser humano disciplinado, obediente e acrítico em relação aos modelos de sociedade e aos poderes estabelecidos (SANTOMÉ, 2003, p.189), com a decadência do socialismo, simbolizada pela queda do muro de Berlim, em 1989, as escolas tornam-se espaços ainda mais competitivos. Com o triunfo da globalização do capitalismo, reaparece com mais intensidade a luta pela reforma da educação. Na concepção de Cavalcante (2007, p.61), a reforma surgiu da necessidade de ajustar a educação à ideologia do mercado, à ideologia da desregulamentação do Estado em relação às atividades econômicas e sociais, è ideologia da privatização e à ideologia da flexibilização caracterizada pelas mudanças no mercado de trabalho. Impulsionada por organismos financeiros internacionais, pelos partidos de direita e pelos grandes grupos empresariais, a reforma educacional foi amplamente defendida por setores com amplo poder de persuasão sobre a sociedade, notadamente os meios de comunicação de massa. Neste sentido, destaca Pêcheux:

...os objetos ideológicos são sempre fornecidos ao mesmo tempo em que a maneira de se servir deles seu sentido, isto é, sua orientação, ou seja, os interesses de classe aos quais eles servem -, o que se pode comentar dizendo que as ideologias práticas são práticas de classe (de luta de classes, na ideologia) (1988, p.146). Para Santomé (2003, p.19), organizações mundiais como o FMI, o Banco Mundial e a OMC, com o apoio das grandes empresas multinacionais, são o verdadeiro cérebro das políticas neoliberais, construindo uma grande trama de redes para a obtenção do consentimento da população com relação às suas propostas. O controle dos recursos financeiros que essas organizações têm permite a elas dirigir as linhas de pensamento dos meios de comunicação de massa, controlar as publicações de editoras, exercer autoridade sobre os partidos políticos governistas através do financiamento de campanhas, assim como influenciar o trabalho de instituições de ensino, por meio de subvenções econômicas para a promoção de determinadas linhas de pesquisa, etc. (SANTOMÉ, 2003, p.19) Além de não fazer alusão às causas determinantes das desigualdades sociais no Brasil, os trechos acima em destaques deixam implícito que o CDI assume responsabilidades que caberiam ao Estado. É o que afirma a Constituição Federal, em seu artigo 3º, parágrafo III: Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil: III Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Seu discurso silencia ainda que à medida que a sociedade civil se associa, por intermédio de ONGs, com o Estado e com grupos empresariais, a fim de garantir bem-estar para a população como um todo, ocorre uma inversão nas lutas sociais, antes voltadas para a reivindicação da melhoria da qualidade de vida pelo Estado. Com isto, a relação Estado/sociedade civil tende a ser convertida em um meio para alterar as lutas sociais dirigidas contra a reforma do Estado, contra a reestruturação produtiva, contra a globalização, ao mesmo tempo em que o Estado realiza parcerias com o Terceiro Setor e abre-se espaço a uma articulação com a filantropia empresarial, na procura de melhores condições de vida à população. (CARDOSO, 2003, p.7) Para abafar a luta entre as classes sociais, afirma Bakhtin (1981, p.47), a classe dominante tende a apresentar o signo linguístico como monovalente, ou seja, acima das diferenças de classe. Assim, as lutas e as relações sociais presentes no signo somente se revelam, através da língua, nas épocas de crise e de comoção revolucionária. A reprodução das relações de produção subjuga sua transformação (opõe-se a ela, a freia ou a impede, conforme os casos, complementa Pêcheux (1988, p.146). Por trás do que se convencionou denominar projeto de responsabilidade social, há o silenciamento das reais intenções das multinacionais que estabelecem parcerias com o terceiro setor. Ao invés de ter como missão combater a pobreza e a desigualdade, a manutenção da imagem de

qualquer empresa em torno de projetos de cunho social, em verdade faz parte de um trabalho de marketing para a obtenção de mais lucros. Adequada à lógica do capital, a empresa responsável receberá como recompensa pelas suas ações cidadãs o reconhecimento da comunidade e dos consumidores e como efeito o aumento dos seus lucros (COUTINHO, 2004, p.168). Além de agregar valor a suas marcas, outra finalidade das multinacionais é garantir que a população assistida pelas organizações sociais sem vínculo direto com o Estado reproduza a ideologia dominante. É o que faz o CDI ao submeter seus aprendizes às regras que regem o mercado globalizado. Considerações Finais Para Pêcheux, o indivíduo se torna sujeito através da ideologia. Através da ideologia, ele passa a ter uma existência histórica, a ser um ator social. O sujeito é interpelado pela ideologia, destaca (1988, p.154). Em outras palavras, o sujeito é constituído nas relações histórico-sociais permeadas pela luta de classes. A história é um imenso sistema natural-humano em movimento, cujo motor é a luta de classes. Portanto, a história, ainda uma vez, isto é, a história da luta de classes, isto é, a reprodução/transformação das relações de classes com os caracteres infraestruturas (econômicos) e superestruturais (jurídico-políticos e ideológicos) que lhes corresponde (PÊCHEUX, 1988, p.152) Recorrendo à memória sócio-histórica e ideológica, percebe-se que a Proposta Político- Pedagógica do CDI atualiza uma memória discursiva que se volta para a manutenção do status quo dos grupos dominantes nas sociedades capitalistas, em detrimento de um maior comprometimento do Estado com as questões sociais. Ou seja, o compromisso que empresas como Microsoft, Motorola, Dell, Coca Cola, BID e Organizações Globo mantém com o CDI tem por finalidade agregar valor a seus respectivos produtos. Apesar de afirmar que sua proposta pedagógica é influenciada pelo método freiriano, o programa de inclusão digital CDI, em verdade, tem por finalidade servir aos interesses de seus principais parceiros: as multinacionais. Dessa forma, a ONG deturpa o método freiriano na medida em que este objetiva justamente a emancipação das classes dominadas do poder. O compromisso com uma concepção de educação realmente libertadora e otimista, segundo Santomé (2006, p.253), implica a necessidade de outorgar maiores poderes à sociedade. Por isso, prossegue o autor, é importante a formação de mais meios de formação de cidadãos e cidadãs capazes de enfrentar as manipulações dos grupos econômicos com maior poder de reproduzir as atuais condições, aumentando de forma vertiginosa suas riquezas e seus privilégios.

Referências Bibliográficas BAGGIO, Rodrigo. Construção da identidade. In: Cidadania digital - Como o CDI utiliza a informática e a educação para promover a inclusão social e transformar vidas. Rio de Janeiro: CDI, 2005. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1981. CAVALCANTE, M. do Socorro Aguiar. Qualidade e cidadania nas reformas da educação brasileira: o simulacro de um discurso modernizador. Maceió: EDUFAL, 2007. CAVALCANTE, M. do Socorro; FLORENCIO, Ana Maria;MAGALHÃES, Belmira; SOBRINHO, Helson Flávio. Análise do discurso: fundamentos e prática. Maceió: EDUFAL, 2009. Cidadania digital Como o CDI utiliza a informática e a educação para promover a inclusão social e transformar vidas. Rio de Janeiro: CDI, 2005. COUTINHO, Joana Aparecida. ONGs e responsabilidade social das empresas: solidariedade às avessas. ORG & Demo, v.5, n.2, p.167-186, 2004. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Trad.: Moacir Gadotti e Lílian Lopes Martin. 13ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. (Col. Educação e Comunicação - Vol. 1). ORLANDI, Eni Puccinelli. Interpretação - Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. PÊCHEX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Ed. Unicamp, 1988. SANTOMÉ, Jurjo Torres. A educação em tempos de neoliberalismo. Trad.: Cláudia Schilling. Porto Alegre: Artmed, 2003. Site do CDI: http://www.cdi.org.br/ Acesso em 15 de julho de 2011. Perfil institucional Comitê para Democratização da Informática. Rio de Janeiro: CDI, 2007.