Apêndice ao Roteiro do Experimento Força de Atrito Variável I. Definição dos sinais na Equação de Movimento Nas figuras abaixo, o referencial xoy foi escolhido da mesma maneira que no Roteiro da Parte I. Na direção x, o movimento é sempre progressivo. Já na direção y, o movimento é progressivo no início e retrógrado no final, com uma inversão de sentido dentro do intervalo de tempo considerado. A Figura 1 abaixo mostra o diagrama de forças em uma vista lateral do plano inclinado. Figura 1. Diagrama de forças sobre a moeda, em que P é o módulo do peso, N o módulo da força normal, f at,y o módulo da componente y da força de atrito e θ, o ângulo de inclinação do plano com relação à horizontal. Esquema em vista lateral. Uma vez que a moeda se movimenta apenas na superfície do plano inclinado, existe equilíbrio de forças na direção perpendicular ao plano, ou seja, N = P cos θ ao longo de todo o movimento. O diagrama de forças, em uma vista superior do plano do movimento, consta na Figura 2 abaixo. Figura 2. Vista superior do mesmo diagrama de forças ilustrado na Figura 1. f at,x é o módulo da componente x da força de atrito. É preciso adotar com cuidado a regra geral de atribuição dos sinais na equação de movimento: devemos impor a cada dado o sinal adequado para que ele corresponda à situação física desejada, ou seja, devemos atribuir às coordenadas (que definem a posição da moeda na superfície do plano) sinais coerentes com a referência escolhida. Feito isso, as grandezas deduzidas (como a velocidade e a aceleração) saem com os sinais corretos por consequência das propriedades algébricas das equações, sempre respeitadas pelas leis da física. Fazendo as projeções nas direções x e y da equação de movimento na forma vetorial, F R = m a, obtemos:
F x = m a x { F y = m a y Com a orientação escolhida para o eixo y, conforme a Figura 2, vemos que o peso (um dado do problema) aponta no sentido contrário ao eixo. Assim, F y = f at,y mg sen θ uma vez que m > 0 e g > 0, de acordo com a convenção habitual de representar pela letra g o módulo da aceleração da gravidade. Já com relação ao sinal da força de atrito, usamos as leis empíricas do atrito de contato. Essas leis informam que ela tem módulo igual a μ c N em que N é o módulo da força normal e μ c é o coeficiente de atrito cinético e mesma direção que a velocidade, mas sentido oposto, ou seja, cada uma das componentes do atrito tem sinal oposto ao da componente correspondente da velocidade. Assim, esses sinais não são postos a mão, mas são deduzidos da velocidade a cada instante. Das Figuras 1 e 2, portanto, obtemos as componentes da força de atrito: f at,x = F x f at,y = F y + mg sen θ tal como constam no roteiro da Parte I, nas equações (10) e (11). II. Detalhes da análise dos dados e da equação de movimento Nos itens B16 e B17 da Parte II, é proposto verificar se os dados experimentais obtidos das situações filmadas estão de acordo com as leis empíricas do atrito de contato. Essas leis definem, dentre outras propriedades, as características vetoriais (módulo, direção e sentido) da força de atrito. Caso os dados experimentais validem essas leis, é possível elaborar um modelo teórico que preveja o movimento da moeda ao longo da superfície do plano inclinado. No roteiro da Parte II, esse modelo resume-se à equação (21): um sistema de equações de movimento que permitem determinar a trajetória da moeda a partir dos parâmetros do sistema (o coeficiente de atrito μ c entre a moeda e a superfície, o ângulo θ de inclinação do plano com a horizontal e a aceleração da gravidade g) e das condições iniciais do lançamento (as posições iniciais x 0 e y 0 da moeda e as componentes v 0x e v 0y de sua velocidade inicial). Comportamento do módulo da força de atrito Com relação ao módulo da força de atrito, f at, as leis empíricas estabelecem que ele é constante e proporcional ao módulo da força normal, N, f at = μ c N (1) em que a constante de proporcionalidade μ c é o coeficiente de atrito cinético. Da condição de equilíbrio de forças na direção perpendicular ao plano do movimento, deduz-se que: N = mg cos θ (2)
A partir das componentes da força de atrito para cada instante, calcula-se o seu módulo: f at = f at + f x at y (3) Substituindo as equações (2) e (3) na equação (1): f 2 at + f 2 x at = μ y c mg cos θ (4) Note que as equações (3) e (4) correspondem às equações (12) e (13) dos roteiros das Partes I e II do experimento. Se o módulo da força de atrito for realmente constante, como indica o membro da direita na equação (4), o valor médio desse módulo pode ser usado nessa equação para estimar o coeficiente de atrito cinético entre a moeda e a superfície do plano inclinado que é um dos parâmetros do modelo teórico. Os valores do módulo da força de atrito ao longo do tempo, calculados com a equação (3), permitem analisar se ela permaneceu constante, dentro da flutuação estatística dos dados. A Figura 3 apresenta os valores experimentais do módulo da força de atrito em função do tempo de uma das situações, a caráter de exemplo. O desvio padrão da distribuição é σ = 279 g cm/s² e o valor médio do conjunto de dados é f at = 826(54) g cm/s². Figura 3. Valores experimentais do módulo da força de atrito em função do tempo, calculados de acordo com a equação (3). As barras de incerteza correspondem a um desvio-padrão e a linha contínua foi traçada no valor médio dos dados experimentais. Quando uma grandeza tem um valor constante e os dados obtidos têm função de probabilidade gaussiana, devem ser encontrados cerca de 68% dos valores medidos a menos de um desvio-padrão da média, cerca de 95% deles a menos de dois desvios e provavelmente nenhum a mais de três desvios, a não ser que se tomem muitos dados (da ordem de cem ou mais). Observando os pontos do gráfico da Figura 3, isto claramente ocorre, uma vez que 18 dos 27 pontos estão a menos de um desvio-padrão do valor médio. Assim, é plausível adotar que o módulo da força de atrito é constante e, portanto, pode-se usar o valor médio dessa distribuição para estimar, a partir da equação (4), μ c = 0,29(2).
Comportamento da direção da força de atrito Experimentos Virtuais de Mecânica IFUSP As leis empíricas estabelecem também que a força de atrito tem a mesma direção da velocidade, porém sentido contrário, portanto, o ângulo entre os vetores força de atrito e velocidade é igual a π rad em todos os instantes. Uma forma de comprovar esta propriedade é verificar se os valores experimentais desse ângulo são compatíveis com o valor esperado. Para calcular esse ângulo, é possível se valer das conhecidas expressões para o produto vetorial: i j k v f at = v x v y 0 = (v x f at y v yf at x ) k (5) f at f x at 0 y onde, dependendo do sinal de sua componente k, o vetor v f at apontará no sentido +k ou k. Pode-se também aplicar: v f at = v f at sen α, com α [0; π] (6) que, por ser uma grandeza positiva ou nula, remete ao menor ângulo entre os vetores. Como o produto vetorial é anti-comutativo, (v f at ) = (f at v ), e o seno é uma função ímpar, sen α = sen( α), é possível adotar: v x f at y v yf at x = v f at sen α, com α [0; 2π] (7) desde que α seja o ângulo varrido desde o vetor velocidade até o vetor força de atrito no sentido anti-horário, adotado como positivo. Assim: α = arcsen ( v xf at y v yf at x ), com α [0; 2π] (8) v f at A incerteza em α = arcsen(u) depende da incerteza em u. Se u for pequeno, seus valores flutuarão em torno de zero. Como a aproximação α sen α é válida para valores pequenos, pode-se mostrar que σ α σ u, ou seja, a variância do ângulo e de seu seno são aproximadamente iguais. Retomaremos mais adiante esta observação, pois o cálculo de α requer cuidados especiais. É de se notar que cada valor de seno no intervalo [ 1; 1] remete a dois arcos do intervalo [0; 2π], uma vez que o seno é positivo no primeiro e no segundo quadrantes, e negativo no terceiro e no quarto. Por essa razão, é necessário escolher, no domínio da função seno, que ramo deve ser usado. Em outras palavras, é necessário estabelecer se são requeridos os arcos do primeiro e do quarto quadrantes, ou do segundo e do terceiro. Lembre-se que para verificar a oposição entre os vetores velocidade e força de atrito, o ângulo α deve ser compatível com π rad, que é o valor do arco de transição entre o segundo quadrante e o terceiro. Porém, diante da flutuação estatística dos dados experimentais, é provável que os ângulos calculados a cada instante sejam diferentes desse valor, para mais ou para menos. Por isso, são de interesse os arcos α [ π ; 3π ]. A Figura 4 esclarece, para o presente caso, as possíveis configurações que podem surgir dessas flutuações.
a) b) c) d) Figura 4. Possíveis orientações dos vetores velocidade e força de atrito no plano do movimento. Em a) e b), a moeda está subindo (vetor velocidade no 1º quadrante) e em c) e d), descendo (vetor velocidade no 4º quadrante). Em a) e c), em um dado instante t i tem-se α(t i ) > π e o argumento da função arco-seno na equação (8) é negativo. Já em b) e d), em um dado instante t i tem-se α(t i ) < π e o argumento da função arco-seno na equação (8) é positivo. Para implementar numa planilha eletrônica um cálculo como o da equação (8) para um ramo particular do domínio da função seno, devem ser tomados cuidados específicos, uma vez que a função ASEN( ) retorna arcos no intervalo [ π ; π ], o que não é diretamente o caso da situação física em questão. A Figura 5 mostra o gráfico da função seno. Como cada ramo invertível do domínio da função seno tem extensão de π unidades, há de se analisar como podem ser obtidos ângulos do intervalo [ π ; 3π ] uma vez dispondo de valores no intervalo [ π ; π ]. Num primeiro lance intuitivo, poder-se-ia pensar em somar π ao resultado. Porém, perceba que deslocando o ramo com x [ π ; π ] de π unidades para a direita, não se obtém o ramo com x [ π ; 3π ]; esses ramos estão espelhados, portanto: α = π arcsen ( v xf at y v yf at x ). (9) v f at
Figura 5. Gráfico da função y = sen x nas vizinhanças de x = π 2. Quando um arco α informado pela função arco-seno é do primeiro quadrante, seu seno é positivo e, portanto, o arco simétrico de interesse é o do segundo quadrante. Porém, o valor π + α representa um arco do terceiro quadrante. Logo, a redução ao primeiro quadrante correta deve ser a correspondente ao segundo quadrante, o que resulta em π α. Em termos de sintaxe da fórmula, pode-se escrever na respectiva célula da planilha eletrônica: =PI()-ASEN((vx*fy-vy*fx)/(v*f)) onde vx, vy, v, fx, fy e f devem referenciar, respectivamente, as células das componentes x e y e dos módulos da velocidade (v) e da força de atrito (f). Retomando a discussão a respeito da incerteza em α, notamos que, como as equações (8) e (9) diferem entre si por uma constante, a incerteza do ângulo α é a incerteza do quociente u = v xf at y v yf at x. A incerteza em v f at u provém das incertezas das componentes da velocidade e da força de atrito. Observando seus dados, você pode constatar que a incerteza relativa na velocidade é muito menor que aquela na força de atrito. Assim, podemos obter uma boa estimativa para σ α ignorando a incerteza relativa em v. O cálculo é longo, mas após bastante álgebra, chega-se em: σ α σ f at f at. (10) Note que no membro da direita aparece uma incerteza relativa, enquanto que no esquerdo, a incerteza é no próprio ângulo. Da análise estatística da Figura 3, concluiu-se que a força de atrito tem módulo constante, dentro das incertezas experimentais. Portanto, na equação (10) podem ser utilizados o valor médio da força de atrito e o desvio padrão com que se mede cada valor de força de atrito, de modo que a incerteza de uma medida do ângulo α é a mesma para todos os instantes. A Figura 6 apresenta os valores experimentais do ângulo α em função do tempo, para a mesma situação analisada na Figura 3.
Figura 6. Valores experimentais do ângulo entre a força de atrito e a velocidade em função do tempo, calculados de acordo com a equação (9). As barras de incerteza são de um desvio-padrão, vide a equação (10), e a linha contínua foi traçada no valor esperado rad. Observando os pontos do gráfico da Figura 6, 19 dos 27 pontos estão a menos de um desvio-padrão do valor esperado π rad, e o valor médio da distribuição é α = 3,20(7) rad note que 0,07 é o desvio padrão do valor médio α, e não de cada dado α i, para um instante específico t i. Portanto, seja pela interpretação estatística do gráfico, seja pela análise do valor médio, os dados experimentais não contradizem a lei empírica que estabelece que a força de atrito é oposta à velocidade. Assim, adotaremos que o ângulo α é π rad. Uma vez bem definida a força de atrito, em módulo, direção e sentido, será elaborada a equação de movimento da moeda, que possibilitará a previsão da sua trajetória ao longo da superfície do plano inclinado.