A NATURALIZAÇÃO DO BULLYING LGBTFÓBICO EM ESCOLAS PÚBLICAS DO ENSINO MÉDIO Adriane Giugni da Silva 1 Resumo Este texto resulta de uma pesquisa sobre o bullying lgbtfóbico vivido por alunos LGBTs do ensino médio, em escolas públicas de Belém, em razão da ausência de políticas públicas sobre diversidade sexual e identidade de gênero. Objetivou-se identificar se o bullying lgbtfóbico influi negativamente na aprendizagem desses sujeitos, impactando na formação educacional e socialização dos LGBTs. Para fundamentar a pesquisa e auxiliar na análise, procedeu-se revisão de literatura, pesquisa bibliográfica e documental, e utilizam-se questionários e entrevistas, aplicados a docentes, discentes e outros, que cruzados permitiram analisar e proceder às considerações do pesquisado. Os resultados confirmaram que o bullying lgbtfóbico exclui e influi negativamente na aprendizagem dos estudantes LGBTs. Palavras-chave: Bullying lgbtfóbico, diversidade sexual e identidade de gênero. Introdução Este texto resulta de uma pesquisa que investigou o bullying lgbtfóbico vivenciado por alunos LGBTs de ensino médio em escolas públicas de Belém. Estudos realizados em escolas públicas da RMB demonstraram que a ausência de políticas públicas sobre diversidade sexual e identidade de gênero favorecem as práticas de bullying dirigidas aos alunos LGBTs, constituindo-se como corriqueiras e naturalizadas nas escolas investigadas, apesar de serem invisíveis aos olhos de gestores, professores e outros profissionais da educação. Cotidianamente a população LGBT vivencia, em diversos ambientes brasileiros, inclusive nas escolas, situações preconceituosas de exclusão social, negação de cidadania e da dignidade preservada à pessoa humana, violação de direitos e garantias constitucionais (CF/88). No decorrer da atuação didático-pedagógica desta pesquisadora, observou-se elevado índice de preconceito e discriminação à comunidade LGBT. Identificaram-se conflitos envolvendo adolescentes LGBTs, funcionários e educadores, e práticas de bullying lgbtfóbico, ascendente e descendente, por meio de agressões verbais e físicas, porém identificadas pelos gestores e outros profissionais como atos de violência. 1 Doutora em Educação (Unicamp-SP); Líder/Coordenadora do GPPEIS/UEPA; E-mail: agiugni@bol.com.br.
O bullying lgbtfóbico presente nas escolas caracteriza-se como uma privação imposta ao sujeito LGBT, negando-lhe os direitos que lhes são devidos como ser social. Nesse sentido, este estudo reveste-se de significativa importância, pois denuncia a prática do bullying lgbtfóbico como inconstitucional e excludente, devendo ser combatida. A investigação desta problemática é também relevante à medida que o preconceito no interior da escola provoca a evasão escolar dos LGBTs, desconsiderando o direito previsto nos ordenamentos jurídicos brasileiros e internacionais, os quais asseguram a todos o direito à educação, conforme prescreve a CF/88, a LDB 9394/96, a Declaração Universal de Direitos Humanos (Art. VI, VII, 1948) e outros que dispõem sobre os direitos humanos, o pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Representantes políticos da bancada religiosa no Brasil e demais pessoas lgbtfóbicas, grupos conservadores culturais e religiosos, são hoje os maiores críticos sobre a educação referente à diversidade sexual e identidade de gênero ser função da escola na educação básica. Tais grupos, defensores do binarismo heterossexual, por aversão e ódio aos que divergem da regra heteronormativa, defendem a ideia de que essa discussão deve ser realizada no seio familiar, embora a maioria das famílias não o faça. Em consequência, por questões ideológicas, culturais, religiosas, pela ausência de formação educacional, de orientação familiar, por ignorância, ou outras, há no país (e mundialmente) grande quantitativo de pessoas e grupos hegemônicos geradores de opiniões, promotores de violência física, psicológica e moral que discriminam os LGBTs, isto é, são lgbtfóbicos que se opõem à formação educacional de respeito à diversidade sexual e à identidade de gênero no ambiente escolar. A sociedade brasileira não pode ignorar os elevados índices de violência contra a população LGBT, tampouco pode ignorar seus direitos, previstos nas Convenções de Direitos Humanos, na Constituição Federal de 1988, além de outros preceitos legais. Desconsiderar os direitos de todo sujeito social significa estimular e reforçar comportamentos discriminadores e preconceituosos, potencializando-os e corroborando com o aumento da violência e da prática de atos criminosos. Diante dessa realidade, buscou-se identificar nas escolas investigadas a presença do bullying lgbtfóbico no cotidiano escolar dos estudantes LGBTs, isto é, as práticas lgbtfóbicas vivenciadas pelos mesmos, e se tais práticas influem negativamente na aprendizagem desses sujeitos, impactando na formação educacional, socialização e exclusão dos LGBT.
Metodologia Para efetivar este estudo, procedeu-se pesquisa bibliográfica, mediante consulta em diversos autores estudiosos do assunto (FERNANDES, 2007; DIAS, 2009; JUNQUEIRA, 2009; LOURO, 2009; RIOS, 2009; SILVA, 2010; entre outros), além do levantamento de informações contidas em dissertações, teses, livros, artigos, leis e demais produções científicas que auxiliaram na apropriação de conhecimentos e o aprofundamento teóricofilosófico e ideológico da temática. Inicialmente realizou-se o aprimoramento teórico, que é a habilidade fundamental promovida nos cursos de graduação, pois constitui o primeiro passo para todas as atividades acadêmicas. A apropriação de massa crítica é fundamental e necessária ao aprofundamento teórico-filosófico sobre dado assunto ou problema, possibilitando análises e discussões sólidas, suscetíveis a posteriores discussões críticas sobre o fenômeno investigado. Em seguida efetivou-se a pesquisa de campo, com o objetivo de recolher informações e conhecimentos acerca do problema investigado, da hipótese a ser comprovada, ou para descobrir novos fenômenos e as relações entre eles. Para esse fim elaboraram-se questionários, aplicados aos interlocutores (oito gestores, vinte e sete professores e cento e oito alunos) que forneceram dados complementares às análises e comparações provenientes das observações diretas, entrevistas e dos documentos coletados. Após a aplicação dos questionários, selecionaram-se alguns interlocutores (dezesseis professores, vinte e sete alunos, oito vice-diretoras) para a realização de entrevistas semiestruturadas, a fim de se obter informações mais detalhadas sobre o estudo. Na pesquisa de campo vivenciaram-se algumas dificuldades, resultantes de inseguranças e receios em informar a realidade, ocasionadas por condições adversas, tais como: resistência dos interlocutores em informar e responder os questionamentos; negação em ceder informações ou informar erroneamente; desinteresse ou receio em informar a realidade; dificuldade no acesso aos interlocutores, provocada deliberadamente pelos gestores; entre outras. Essas reações decorrem do fato de o pesquisador ser visto com desconfiança, como um estranho, e todo estranho é sempre um inimigo (MARTINS, 2009). Na tabulação dos questionários utilizou-se o software denominado PSPP, versão em português do SPSS. Isso permitiu gerar relatórios tabulados, normalmente utilizados na realização de análises descritivas e inferências a respeito de correlações entre variáveis. O uso desta ferramenta estatística favoreceu o cruzamento das variáveis consideradas importantes e isso também possibilitou visualizar as contradições.
Resultados e discussão A análise dos dados permite afirmar que, apesar da ampla discussão nacional e internacional sobre a temática, os interlocutores dispõem de precário conhecimento a respeito do bullying lgbtfóbico. O desinteresse dos gestores e professores sobre a temática foi justificado pela desinformação e inexistência de discussão na formação inicial destes. A esse respeito 64% dos professores responderam que a questão da diversidade sexual e de gênero não compôs o conteúdo programático da formação inicial superior destes, tampouco lhes foram oferecidos cursos de formação continuada. Apesar disso, 88% dos professores afirmaram ser importante a discussão sobre o bullying lgbtfóbico nas escolas e informaram que gostariam de realizar cursos, caso fossem oferecidos. Quanto à presença de alunos LGBTs nas escolas que atuam 90% dos professores confirmaram esta presença em suas salas, mas relataram desconhecimento a respeito de vivenciarem o bullying lgbtfóbico. Em relação ao termo homossexualidade, 68% dos professores responderam ser opção sexual e 26% orientação sexual. Embora não se considerem discriminadores, 60% responderam ser contrários à adoção de crianças por casais LGBTs e 30% preferiram não opinar. Quando questionados se trabalhariam a sexualidade como tema transversal em suas disciplinas, 78% dos professores responderam que não fariam isso, pois não saberiam como abordar essa temática em suas aulas. Entretanto, 68% deles afirmaram que gostariam de aprender a discutir a temática da sexualidade, da diversidade sexual e da orientação de gênero. Em uma entrevista, uma professora relatou: Nas escolas que trabalho tem muita violência, sabe! Às vezes os meninos ofendem as meninas, falam palavrões e xingam os meninos que aparentam ser homossexuais. [...] falo que vou mandar para a diretora, mas sei que isso não resolve. Gostaria de saber como resolver isso! A declaração da professora denota alguma preocupação com a questão do bullying lgbtfóbico por ela presenciado na sala de aula, apesar não se dar conta disso, pois identificou as ocorrências como violência. Como ela, 65% dos professores relataram haver violência nas escolas que lecionam, porém 78% informaram não ter vivenciado ou presenciado qualquer conflito relacionado à sexualidade dos alunos.
Quando questionados sobre o trabalho com alunos LGBTs, 85% informaram que se sentem aptos a trabalhar com esses alunos, entretanto 42% disseram conhecer pouco sobre educação sexual e 40% responderam não conhecer nada a respeito do assunto. Apesar de algumas contradições, as respostas permitiram compreender os conflitos e dificuldades vivenciados pelos professores no seu cotidiano profissional, justificados pela formação inicial precarizada, associados a problemas da profissão. Além disso, todos se queixaram de baixos salários, muito trabalho, pouco tempo para estudar, ausência de financiamento para estudos, de agressões verbais e físicas desferidas pelos alunos, além de outros. Em relação aos questionários aplicados aos alunos, quando perguntados sobre o termo homossexualidade, 68% responderam ser opção sexual, 18% disseram ser pecado e 8% orientação sexual. Quanto à discussão na escola sobre sexualidade, em especial sobre a homossexualidade, 80% dos alunos responderam não haver qualquer discussão a esse respeito, apesar de terem informado, em todas as escolas, a presença elevada de alunos gays (denominação dos alunos), contudo, 64% disseram desconhecer sobre os LGBTs sofrerem bullying lgbtfóbico na escola. Em relação às discussões sobre lgbtfobia, 58% dos alunos afirmaram haver e 42% responderam inexistir qualquer discussão a esse respeito. Estas respostas denotam contradição com a questão sobre a discussão de homossexualidade, pois 80% dos alunos informaram não haver. Sobre o entendimento dos alunos a respeito do conceito de bullying lgbtfóbico, 65% responderam compreender e explicaram o significado e 35% disseram ter dúvidas. Considerações finais Observou-se a presença do bullying lgbtfóbico nas escolas investigadas, a despeito dos interlocutores tentarem escamotear e omitir seus preconceitos em relação às pessoas LGBTs, sobre a questão da diversidade sexual e identidade de gênero, pois seus valores e opiniões encontram-se impregnados por uma cultura lgbtfóbica, reproduzida socialmente e transmitida nas escolas por meio de uma educação que serve para naturalizar a prática do bullying contra os que diferem da norma heterossexual. Trata-se de uma formação reprodutora de preconceitos e estereótipos e de reforço à heterossexualidade como padrão a ser seguido, resultando na exclusão daqueles que não se enquadram neste padrão. A análise dos dados evidenciou que a quase totalidade dos gestores, assim como a maioria dos professores mascaram a ocorrência do bullying lgbtfóbico, identificando-o como
problemas relativos à violência. Disso resulta a quase invisibilidade do bullying praticado contra a comunidade LGBT nas escolas, vez que os interlocutores dissimularam essa ocorrência, reconhecendo-a como violência, ao invés de enfrentarem os problemas relacionados à discriminação, marginalização e exclusão de pessoas LGBTs. A invisibilidade da comunidade LGBT nas escolas é necessária à heteronormatização, e isso naturaliza o bullying contra os LGBTs. A omissão da comunidade acadêmica, gestores, professores, alunos e demais envolvidos no processo educacional e da própria sociedade, a respeito da diversidade sexual e identidade de gênero, por motivos religiosos, moralismos ou conservadorismos, perdura nesta segunda década do século XXI, condenando à reclusão, marginalização e exclusão os diversos, os diferentes, os considerados anormais, os LGBTs e todos àqueles que se distinguem dos padrões hegemônicos heterossexuais, discriminados como desviantes, pois não seguem as regras heterossexuais prevalentes, estabelecidas nas normas sociais, regras morais e religiosas. Estigmatizados, os estudantes LGBTs em processo de formação no interior das escolas mantêm-se quase sempre isolados do convívio coletivo, representado pela maioria heterossexual. Esses alunos padecem do que se denomina exclusão integrativa marginal, pois são excluídos e marginalizados, a despeito de encontrarem-se matriculados e inseridos nas escolas. Nestes termos, a invisibilidade autoriza todo tipo de violência e perseguição, reforçando a discriminação e marginalização social e escolar vivenciada por esses sujeitos. Para não concluir, observa-se que a discussão da matéria favorece a práxis, a dialética ação-reflexão-ação com vistas a promover uma educação crítica, reflexiva sobre a temática da diversidade sexual e identidade de gênero, a qual é função da escola como lócus nevrálgico privilegiado de formação do sujeito social, propício ao exame e ao enfrentamento do bullying lgbtfóbico naturalizado nas escolas. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1998.. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília, DF: Senado Federal, 2008. DECLARAÇÃO Universal de Direitos Humanos. Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris. 10 dez. 1948. Disponível em:< http://www.dudh.org.br/wpcontent/uploads/2014/12/dudh.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2018.
DIAS. M. B. União Homoafetiva: o Preconceito e a Justiça. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. FERNANDES, J. F. O adolescente homossexual na dinâmica escolar. Campo Grande, MS: Gênero e Sexualidade, 2007. JUNQUEIRA, R. D. Diversidade sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas (Org.). Brasília: MEC/SECAD/UNESCO, 2009. LOURO, G. L. Heteronormatividade e Homofobia. In: JUNQUEIRA, R. Diversidade sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas (Org.). Brasília: MEC/SECAD/UNESCO, 2009. p. 85-93. MARTINS, J. S. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. São Paulo: Contexto, 2009. RIOS, R. R. Homofobia na perspectiva dos Direitos Humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação. In: JUNQUEIRA, R. D. (Org.). Diversidade sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: MEC/SECAD/UNESCO, 2009. p. 53-83. SILVA, C. A igualdade ainda vai chegar: desafios para a construção da cultura do respeito aos direitos de cidadania do segmento LGBTST em uma escola pública do município de São Paulo. Tese (Doutorado) FEUSP, São Paulo, 2010.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG Catalogação na Publicação: Bibliotecária Simone Godinho Maisonave CRB -10/1733 S471a Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade (7. : 2018 : Rio Grande, RS) Anais eletrônicos do VII Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade, do III Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade e do III Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Gênero, Saúde e Sustentabilidade [recurso eletrônico] / organizadoras, Paula Regina Costa Ribeiro... [et al.] Rio Grande : Ed. da FURG, 2018. PDF Disponível em: http://www.7seminario.furg.br/ http://www.seminariocorpogenerosexualidade.furg.br/ ISBN:978-85-7566-547-3 1. Educação sexual - Seminário 2. Corpo. 3. Gênero 4. Sexualidade I. Ribeiro, Paula Regina Costa, org. [et al.] II. Título III. Título: III Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade. IV.Título: III Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Gênero, Saúde e Sustentabilidade. CDU 37:613.88 Capa e Projeto Gráfico: Thomas de Aguiar de Oliveira Diagramação: Thomas de Aguiar de Oliveira