DEMOGRAFIA HISTÓRICA E OS REGISTROS PAROQUIAIS: POSSIBLIDADES PARA O ESTUDO DA FAMÍLIA NORTE MINEIRA NO SÉCULO XIX. ALESSANDRA NORONHA DIAS* O objetivo deste trabalho é fazer um debate acerca da constituição da família brasileira, bem como a importância dos estudos da história social da família, pondo o destaque às contribuições da demografia histórica bem como suas produções e desafios. A importância de se discutir a família independente do tempo e local em que a pesquisa será feita e dá pelo fato de que a família, é uma instituição social fundamental, de cujas contribuições dependem todas as outras instituições ( SAMARA, 2003, p. 11). A família tem sido tema de pesquisadores de diferentes áreas, o que leva a um crescimento nas discussões acerca do tema bem relevantes. Este tema é bem relevante aos antropólogos que poderiam considerar as pesquisas sobre família como um dos eixos fundadores das discussões antropológicas no Brasil. A família como tal instituição fundamental exerce influencia no pensamento do individuo, além de estar submetido às condições econômicas, sociais, culturais e demográficos ( TERUYA,2000, p.1). Os estudos sobre família no Brasil têm uma forte ligação com a história demográfica, esta que possui objetos e objetivos bem delimitados (FARIA,1997, p. 241), é várias vezes relacionada aos estudos referente ao ambiente domiciliar e a história da mulher. Se antes a demografia proporcionava a história um aspecto empírico, com o desenvolvimento das técnicas na área pode-se fugir de tais abordagens. Devemos nos ater ao conceito de família que, conforme Faria hoje, no vocabulário erudito ocidental, o termo, num sentido restrito, ligado às relações biológicas, com ênfase no trinômio pai, mãe e filhos, e vinculados a coabitação. Em dicionários antigos, há certa homogeneidade de significado e a primazia da coabitação predominava sobre todas as outras relações, inclusive as consanguíneas. Assim, família englobava todos os que eram gente da casa, podendo ser criados, parente etc ( FARIA, 1997,p.242) Os estudos sobre família tiveram início na Europa no século XVI, mais comuns em países como Inglaterra e França, e logo chegaram a outros países do continente europeu e que tinha como religião o cristianismo. Pesquisas sobre a família na Idade Média necessitam de um tipo de metodologia específico, no caso fontes iconográficas e arqueológicas. *Acadêmica de História da UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MOTNES CLAROS- e bolsista FAPEMIG. Orientação da Profª Drª Rejane Meireles Amaral Rodrigues.
2 Na modernidade estes estudos ganharam força, sobretudo, com a utilização de fontes seriais. Estas que são determinadas como uma série de documentos em número relevante, para análise. Com o desenvolvimento das fontes seriais na história, possibilitou as abordagens a partir de fontes quantitativas, além de novas técnicas para leitura de documentos. Esse tipo de documentação permite ainda uma diferenciação nos enfoques dos pesquisadores. O concilio de Latrão IV, acabou levando a Igreja católica à detentora durante muitos anos de informações acerca da vida familiar. As informações de registros paroquiais como óbito, batismo e casamentos foram uniformizadas e foram utilizadas como base de várias pesquisas que acabaram por dar os parâmetros iniciais, no campo da história especificamente da família, delimitando métodos e técnicas. As transformações na sociedade e a passagem para o estado laico, e reformulações no aparelho fiscal e burocrático fizeram com que fossem produzidos vários documentos como as listas nominativas, que trazem informações sobre a composição das unidades domésticas e mais alguns dados variáveis, de acordo com a região, com a profissão, idade, estado matrimonial, produção (FARIA, 1997p. 245) A demografia histórica tomou notoriedade no século XX, utilizando-se de fontes até então pouco valorizadas, tendo objetos e objetivos definidos, esta área de pesquisa buscou registros deixados de outras sociedades como fonte de análise. As décadas de 1960 e 1970 representaram um avanço na produção acadêmica sobre a família ocidental, constituindo- se em uma área específica da pesquisa histórica, sua trajetória é, portanto relativamente recente. Mas alguns balanços historiográficos já puderam ser elaborados, como os de Michael Anderson, Andre Burquieré e Alan Mocfarlen. Antes disso era praticamente inexistente trabalhos sobre família como se conhecem hoje, limitavam- se as informações genealógicas, além do que boa parte da população, no caso das classes mais populares ficavam de fora desse processo. Com a criação de técnicas de leitura para esses documentos é que os primeiros resultados surgiram. Pierre Goubert em 1952 utilizou em seu artigo registros de casamento e óbito. Mas Louis Henry e o historiador Michel Fleury, em 1952 trouxeram metodologia própria para a análise de fontes paroquiais. Daí se produziu várias pesquisas, tendo como resultados alguns pontos como a vida fértil, idade média de casamento, quantidade de filhos por mulher, mortalidade infantil. Essas conclusões possibilitaram uma caracterização demográfica da sociedade.
3 Na década de 1960, na Inglaterra o grupo de Cambridge ( Cambridge Group for the History of Population and Social Structure) desenvolveu metodologia específica, basicamente quantitativas e abrangendo um número maior de regiões, com o intuito de estandardizar as informações e torná-las comparáveis entre si ( FARIA, 1997, p. 245). Ainda na década de 1960, a história demográfica sofre a influencia do método do historiados Peter Leslett, que passa a estudar a família a partir do ambiente familiar, com enfoques mais restritos as relações familiares. Leslett desenvolve um método onde torrna-se possível a comparação de resultados, estabelecendo relações entre as variáveis. A demografia histórica levanta ainda questões acerca da dinâmica populacional, onde possibilitando análise do crescimento, migração de determinada população, utilizando do contexto histórico, para o maior aproveitamento e leitura dos resultados demográficos. Ao debatermos o conceito de família patriarcal relacionando com as fontes paroquiais, vemos que, em uma primeira análise na historiografia da família temos um grande número de discussões acerca dos clássicos. Para exemplificar temos a produção de Oliveira Vianna com suas abordagens sobre o clã parental, Gilberto Freyre, que dominou durante anos as concepções sobre a família na produção historiográfica brasileira. Assim como os da Europa estes primeiros estudos foram basicamente ensaístas e analisaram as elites, embora a utilização de alguns tipos de fontes, como a dos viajantes e cronistas, por um lado, e a dos inventários port- mortem ( de Alcântara Machado), por outro, possa ser considerada renovadora, em termos historiográficos.) (FARIA,1997, p. 252). Os estudos iniciais sobre a família tiveram três pontos de base para serem desenvolvidos que foram: a demografia história, a análise da economia doméstica, feita especialmente por brasilianistas, pelos debates transversais com as ciências sociais. Esses passos iniciais na produção da história social da família surgiram como objetivo de reconstituição das famílias. Maria Luiza Marcilio formada em história pela Universidade de São Paulo (1960) utilizou de registros paroquiais para estudos. É importante destacar a utilização de métodos dos teóricos europeus que foram adaptados a realidade brasileira. Esse campo de pesquisa, claro, possui suas dificuldades, sendo assim é preciso observar que poucos pesquisadores se dispuseram ao estudo das fontes paroquiais, já que estas deveriam estar em ótimo estado de conservação, além do que o número de registros contínuos
4 deve ser relevante. Outros fatores influenciam na disposição de se realizar uma pesquisa dessa maneira, como fácil acesso a essas documentos espalhados pelas paróquias e a incerteza de encontrar registros devidamente preenchidos, que por descuido de quem o tenha feito faltem alguns campos e informações desejadas. É preciso ainda do pesquisador a leitura desses documentos. Além do uso de métodos quantitativos, o que da certa dificuldade a pesquisa, as fontes paroquiais necessitam de estar em bom estado. O Pesquisador ainda fica refém de fatores como a pressa do pároco ao fazer o registro, já que isso pode deixar a escrita ruim. Os registros, feitos em várias séries de livros ainda encontram- se na maioria sob a posse da igreja, já que foram feitas por ela e deixadas muito tempo em seu poder, a dificuldade é de mostrar que esses documentos merecem caráter público. Apesar das dificuldades da pesquisa, a história quantitativa se liga de forma interessantíssima a história cultural e social, possibilitando crescimento nos estudo de família, já que as fontes documentais, os registros, eram feitas para toda a população. A história demográfica abre a possibilidade de se fazer um estudo que não seja elitizado e considere várias classes sociais. Outras fontes para pesquisa são os testamentos inventários post-mortem. Lemos (2008) utiliza os processos post-mortem em seu trabalho. A partir do exame desses registros foi possível a elaboração de gráficos e tabelas. O objetivo era o de analisar as estratégias de herança, além de uma caracterização do tipo de produção econômica na comarca de Piranga na primeira metade do Século XIX. Dora Izabel Paiva de Costa em seu artigo As mulheres chefes de domicílios e a formação de famílias monoparentais: Brasil, século XIX examina a chefia feminina, especificamente em Campinas (SP), no século XIX, levando em consideração a questão étnica. Atualmente notamos o crescimento dos trabalhos feitos nessa área, porém o que ocorre é uma centralização a pesquisadas no sul e sudeste do país. São frequentes o estudo da família escrava, mais do que a livre e (...) mesmo considerando-se a rica região cafeeira e escravista do século XIX, o Vale do Paraíba, pouco se escreveu sobre ela com metodologia e
5 fontes características da história da família e da demografia histórica. Essa ausência dificulta, por exemplo, a contextualização de estudos como os da sexualidade e da mulher, na medida em que não existem referenciais mais abrangentes. ( FARIA, 1997, p. 254) Na década de 1980 os estudos são mais frequentes contestando a ideia de família patriarcal nas produções de Gilberto Freyre. Vários autores criticaram o ideal de família patriarcal, além de Freyre em Antonio Candido. Era inconcebível a ideia de que diante da multiplicidade de ocupação e formação do território nacional, somente uma organização familiar predominasse, Não seria possível encaixar toda a sociedade ao engenho, e se a família patriarcal dominava em termos de ideais, outras formas de organização familiar estava presentes e não poderiam ser desconsideradas ( FARIA, 1997 p. 252 ) Além da contestação de um modelo de família extensa, é necessário que se repense o papel feminino na chefia das famílias. Várias áreas do nordeste permitem que seja contestado esse modelo, o que mais surpreende é a falta de estudo nessas áreas. Claro que no começo da colonização este tipo de organização familiar foi importante para a manutenção da sociedade colonial, encaixando- se perfeitamente nela. Esses Clássicos da formação da sociedade brasileira, e da família, apesar de difundirem um ideal homogêneo da organização familiar, são alguns dos pouquíssimos estudos da população livre sobre o tema. Estudos das famílias escravas ganham mais espaço quando é para a utilização dessas fontes seriais. Conforme Faria a importância que o parentesco e a família escrava passam a ter nas pesquisas faz parte de um movimento histórico, apanhando tendências norte-americanas, com a consequente utilização de, novas fontes ou de metodologia diferentes para o tratamento das mais tradicionais ( FARIA, 1997,p. 257). Oliveira Vianna também é um dos autores que partem do pressuposto de uma família patriarcal rural e extensa no século dezenove e anteriores (TERUYA, 2000, p. 3). A própria natureza do Brasil colonial serviria para explicar a força da família patriarcal, numa época onde o governo português não se fazia muito presente em todo o momento, os proprietários de
6 terra faziam o papel de senhores, sendo que os outros indivíduos reconheceriam na sociedade através de um papel dentro da família extensa: como filho, sobrinho, cunhado etc As fontes da história demográfica que possibilitam debate no campo da história social da família utilizam- se, a exemplo das listas nominativas que foram um total de 242. Os documentos, já foram utilizados de diversas maneiras pela CEDEPLAR/UFMG, o que não dispensa a continuidade de estudos com esse enfoque.. Esses são documentos manuscritos, elaborados pelos distritos de paz, contendo relações nominais de habitantes residentes nas Minas nos anos citados. Segundo Paiva (1996:54): aparentemente estas listas são fragmentos de uma tentativa de realizar um censo provincial. Enquanto em outras províncias, como São Paulo, as listas eram anuais, em Minas só as temos ou só sobreviveram alguns poucos conjuntos.. Entre a década de 1830 e o censo de 1872 não possuímos nenhuma outra documentação tão detalhada sobre a população. Essa documentação permanece no Arquivo Publico Mineiro, e é possível encontra 59 dos distritos de Minas Gerais mapeados. A s listas algumas características pessoais e domiciliares, e foram efeitos pelos distritos de paz. Os documentos possuem alguns campos como, nome do distrito, número do quarteirão, número de fogos, e informações mais pessoais como: nome, sexo, raça, condição social, idade, situação conjugal, nacionalidade, permitindo um diferenciado número de cruzamento das varáveis. È necessário discorrer mesmo que rapidamente sobre a estrutura de desenvolvimento das regiões mineiras, já que o cotidiano domiciliar está ligado as transformações econômicas de produção e trabalho. Ainda, percebe-se que o desenvolvimento de uma região em detrimento da outra é um ponto de atração para a emigração, o que altera significadamente os resultados demográficos de uma área, refletindo sob o número de fogos, falta de homens e/ou mulheres, alterando a vida social. Dessa maneira, o que se pretende aqui é a possibilidade de engrandecimento dos estudos de família e da demografia histórica explanando sobre as fontes e suas dificuldades. Assim, como dito utilizando do processo histórico podemos trabalhar com o norte mineiro no século XIX, região ainda rara de estudos desta espécie.
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS AMARAL, Isabela Guimarães Rabelo do. Resistência feminina no Brasil oitocentista : as ações de divórcio e nulidade de matrimônio no bispado de Mariana. 2012. Belo Horizonte. Dissertação de pós graduação. ANDRADE, Cristina Viegas de Andrade. Domicílios mineiros chefiados por mulheres em 1831/1832: uma aplicação do método Grade of Membership (GoM). Disponível em http://www.abep.nepo.unicamp.br/iussp2001/cd/gt_pop_hist_andrade_text.pdf
8 COSTA, Dora Isabel Paiva da. As mulheres chefes de domicílios e a formação das famílias monoparentais : Brasil, século XIX. In XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu (MG) 1998. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/rev_inf/vol17_n1e2_2000/vol17_n1e2_2000_3artig o_47_66.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2012. LEMOS,Gusthavo, Família, escravaria e fortuna na comarca de Piranga na primeira metade do Século XIX: um estudo a partir dos inventários post-mortem. Viçosa, 2008, 44f. (Relatório final, apresentado à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do PIBIC/CNPq ). FARIA, Sheila de Castro. História da família e demografia histórica. In CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (org). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de janeiro: Campus, 1997. FERREIRA, Gabriela Nunes. A formação nacional em Buarque, Vianna e Freyre. Lua Nova, São Paulo, nº 37, 1996. PRAXEDES, V. L.. Mulheres chefes de Domicilio em Minas Gerais, 1770-1880: novos olhares sobre um velho tema. In: XIV Seminário de Economia Mineira, 2010, Diamantina - MG. Anais Eletronicos do XIV Seminário sobre Economia Mineira. Belo Horizonte - MG: CEDEPLAR/FACE, 2010. v. 1. p. 1-15. SAMARA, Eni de Mesquita. A Família brasileira. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. 89 p. (Coleção tudo é história 71). As mulheres, o poder e a família. São Paulo, Marco Zero, 1989. 194p.
9 TERUYA, Marisa Tayra. A família na historiografia brasileira, bases e perspectivas de Análise. In : Anais do XII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Belo Horizonte, 2000. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2000/todos/a%20fam%c3%adlia%20n a%20historiografia%20brasileira...pdf> Acesso em: 23 de jun de 2012.